1. Em mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), enviou-nos um trabalho com a sua opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes da Guiné, durante a sua permanência naquela Província: Arnaldo Schulz, António de Spínola e Bettencourt Rodrigues.
Aceitando o repto do Tabanqueiro-mor Luís Graça, entendi apresentar algumas considerações sobre o tema.
Por ter cumprido 3 Comissões, por imposição, na Guiné (tenho a convicção que não haverá muitos militares nestas condições), eis a minha opinião resultante, fundamentalmente, das funções que desempenhei em cada um dessas comissões.
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Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1
Sr. General Arnaldo Schulz / (964/68)
O Senhor Brigadeiro Arnaldo Schulz (foi promovido a General em 1965), iniciou as suas funções de Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné (o primeiro a acumular as duas tarefas), em 20MAI64. Estava eu na minha 1.ª Comissão (63/65), comandando a CART 494, em Gadamael, com um destacamento em Ganturé.
O Sr. Brigadeiro Schulz substituiu o Sr. Brigadeiro Louro de Sousa, como novo Comandante-Chefe e o Sr. Comandante Vasco Rodrigues como novo Governador, porque até à sua nomeação, as duas funções eram desempenhadas por entidades distintas.
Quando o novo Comandante-Chefe assumiu as suas funções, estava em curso a ocupação da fronteira Sul (com a República da Guiné Conakry), iniciada pelo seu antecessor, a cargo do BCAÇ 513 (Batalhão, com sede em Buba, no qual foi incorporada a CART 494, que eu comandava). Já estavam guarnecidas as seguintes localidades:
. Cacine – CART 496, desde 04AGO63
. Gadamael – CART 494, desde 17DEZ63
. Guileje – Grupo de Combate da CART 495 (sede em Aldeia Formosa), desde 04FEV64
. Ganturé – destacamento da CART 494 (sede em Gadamael), desde 21FEV64
Já com o novo Comandante-Chefe, continuou o programa em curso e foram ocupadas as seguintes localidades:
. Sangonhá – CART 640, desde 21MAI64
. Cacoca – destacamento da CART 640, desde 24JUN64
. Cameconde – destacamento da CART 496 (sede em Cacine), desde 01DEZ64.
Estava assim reestabelecido o itinerário Aldeia Formosa/Cacine, com tropa em Guileje, Gadamael/Ganturé, Sangonhá/Cacoca e Cameconde/Cacine.
Em 17NOV64, o destacamento de Guileje (Grupo de Combate da CART 495), foi substituído pela CCAÇ 726.
Durante o mandato do Sr. General Schulz, em 65, verificou-se o alastramento da guerra ao Leste da Guiné (Pirada, Canquelifá e Beli) e o desenvolvimento de acções no “chão” Manjaco (Jolmete e Pelundo). Também naquele ano, o PAIGC realizou as primeiras acções militares na fronteira Norte, (região de São Domingos), onde até então apenas actuava a FLING (Frente de Libertação e Independência da Guiné), que então já passava por grandes dificuldades, porque a OUA (Organização de Unidade Africana) ter decidido canalizar o seu apoio para o PAIGC.
Em
30MAR65, foi ocupada a localidade de Mejo, com um destacamento da Companhia de Guileje. Com a ocupação de Mejo, criaram-se as condições necessárias para atingir Salancaur Fula e efectuar a ligação com Cumbijã, através de Nhacobá e Samenau, completando-se portanto praticamente a reinstalação dos povos fulas das tabancas cujas populações tinham sido forçadas a abandonar as suas tabancas (conforme consta na História do BCAÇ 513 – Buba).
Em
ABR68, o Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, ordenou a
Ocupação de Gandembel – Operação “Bola de Fogo”.
A Operação, que teve início em 8 ABR 68, foi comandada pelo 2º. Comandante do BART 1896 e tinha como objectivo implantar um aquartelamento permanente na região de Gandembel. Tomaram parte na operação, as seguintes forças:
. 3.ª Companhia de Comandos
. 5.ª Companhia de Comandos
. CART 161
2, CART 1613 e CART 1689
. CCAÇ 2316 e CCAÇ 2317 (esta ficaria no novo quartel)
. Pel Caç Nativos 51
. Pel Milícias 138 e 139
. Pel Sapadores / BART 1689
. Elementos do Batalhão de Engenharia 447
. 27 carregadores de apoio
Partiram forças de Guileje e outras de Aldeia Formosa, encontrando-se no local do futuro quartel. Este tinha sido escolhido, na fase de planeamento, na carta militar.
Devido ao adiantado da hora, as tropas pernoitaram nesse local, tendo sido flageladas, durante a noite, com metralhadoras ligeiras, morteiro 82 e RPG, sem consequências. No dia seguinte, porque no local não havia água, avançaram cerca de 3 Km para Norte, próximo do rio Balana, onde foi decidido começar a construir o quartel. Dias depois, verificou-se a necessidade de garantir a ponte sobre o rio Balana, bastante alta, indispensável para a ligação a Aldeia Formosa, tendo sido ali estabelecido um destacamento da Companhia – Ponte Balana.
No período de 08/14ABR, as NT sofreram 2 Mortos, 13 graves e 34 feridos ligeiros.
Em 14ABR, de noite, começaram as flagelações, que se mantiveram praticamente todos os dias.
Em 17ABR, as NT sofreram 1 Morto (Furriel), em consequência do rebentamento de uma armadilha nossa, da qual também resultou mais 1 Ferido – Capitão Moreira Maia, Comandante de Companhia, que foi evacuado.
Em 19ABR, de noite, o IN flagelou as NT, com tiro intenso, 4 vezes, na última das quais e, pela primeira vez, disparou mais de 100 granadas de morteiro 82. As NT tiveram 1 Morto e 4 Feridos graves, do Pelotão de Caçadores Nativos 51.
Na noite de 26ABR, o IN desencadeou o primeiro ataque próximo, com armas ligeiras e lança roquetes.
Em 30ABR, de noite, verificaram-se 6 flagelações.
Na noite de 09MAI, houve 2 fortes flagelações, que causaram às NT 3 Feridos graves.
Em 15MAI, a CART 1689 regressou a Aldeia Formosa, deixando nos que ficavam em Gandembel/Ponte Balana muita saudade, pelo companheirismo, solidariedade e actuação denodada, esforçada e altamente meritória, durante a sua permanência, desde o início – 8 ABR.
No período de 15/26MAI, foi efectuada a Operação “ Pôr Termo”, com o objectivo de manter a segurança das colunas de reabastecimento de e para Aldeia Formosa e procurar dificultar a actividade inimiga na zona, nela participando 3 Companhias (1 de Comandos).
As baixas provocadas ao PAIGC foram diminutas e as NT sofreram 6 Mortos, 3 Feridos graves e 6 Feridos ligeiros.
Em 21MAI, o rebentamento de uma mina anti-carro, com emboscada, na estrada Mampatá/Uane, provocou 4 Mortos da CART 1612, bem como foram capturados pelo PAIGC, 3 elementos da CART 1612 e 1 da CCS do Batalhão. Estes 4 militares viriam a ser libertados em NOV70, na Operação “Mar Verde”, descrita adiante.
Comentário
A ocupação de Gandembel, em pleno “Corredor de Guileje”, foi, em minha opinião, uma decisão acertada do Sr. General Schulz; foi pena não ter sido efectuada no início do seu Comando, aproveitando a embalagem da ocupação da fronteira Sul, completada em 01DEZ64, já o Sr. General era o Comandante-Chefe. Se tal tivesse acontecido, o IN, provavelmente, não teria oferecido tanta resistência, desde que fossem tomadas as devidas precauções; seguramente, não possuía ainda os Morteiros 120.
Quero no entanto referir que, no meu entendimento, houve algumas falhas, a começar no planeamento. Desde logo, a escolha do local do novo quartel devia ter merecido a melhor atenção do Quartel-General do Comando Chefe, o que não aconteceu, pois foi feita na carta militar da região; teria sido perfeitamente justificado, para esse efeito, um reconhecimento ofensivo no terreno, o que podia ser efectuado por tropa especial helitransportada. Também não foi assegurado, desde início (e devia tê-lo sido), o Apoio de Armas Pesadas (Artilharia, Metralhadoras Pesadas e Morteiros Pesados), porque era quase uma certeza que o IN iria reagir violentamente à ocupação, porquanto o seu reabastecimento através do “Corredor de Guileje” (por onde fazia entrar cerca de 70 a 80% dos reabastecimentos), era vital para a sua actividade de guerrilha. O aquartelamento Gandembel/Ponte Balana deveria constituir uma base de apoio para a actuação de tropa especial (Paraquedistas ou Comandos), em constante actividade, não só para impedir que o IN atacasse as NT, da forma violenta e persistente como o fez, mas também desorganizar e desmantelar os diversos bigrupos que o PAIGC deslocara para a região. Tal não se verificou e teria sido adequado, por exemplo, que uma das Companhias de Comandos, que participou na operação desde o dia 8 ABR, tivesse permanecido em apoio da CCAÇ 2317, a Companhia residente.
O Sr. Governador e Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, foi substituído pelo Sr. General António de Spínola.
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Sr. General António de Spínola (68/73)
O novo Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, iniciou as suas funções em 20MAI68.
Tinha experiência de guerra, pois comandara um Batalhão de Cavalaria em Angola, na sequência de se ter voluntariado para esse efeito.
O novo Comandante-Chefe alterou significativamente a estratégia dos seus antecessores. Remodelou o dispositivo militar, de forma a tentar reganhar a iniciativa, criando as Zonas de Intervenção (ZI) do Comando Chefe, áreas de domínio preponderante do PAIGC, onde actuavam unidades especiais com o apoio de Artilharia e Força Aérea. A par das operações militares, põe em prática um projecto de conquista dos “corações e mentes” da população, consubstanciado no slogan “Uma Guiné Melhor”.
Seguramente também para marcar, desde início, uma forma diferente de comandar, totalmente diversa da do seu antecessor, visitou pela primeira vez o aquartelamento de Gandembel em 26 MAI 68, isto é, apenas 6 dias depois do início do seu mandato. Foi uma prática que manteve durante toda a sua permanência na Guiné, aparecendo muitas vezes inopinadamente nos locais em que se verificavam situações anormais, como por exemplo, deslocando-se a Gadamael em 2JUN73, quando esse aquartelamento estava a ser objecto de um ataque em força, por parte do PAIGC.
O Sr. General Spínola fez-se rodear de Oficiais da sua inteira confiança, como era natural, não só no seu Quartel-General e respectivo Estado Maior, como também para determinados Comandos, por si criados, como foram os Comandos de Agrupamento Operacionais (CAOP) e Comandos Operacionais (COP).
No Quartel-General do Comando Chefe introduziu algumas alterações, para suportar a sua estratégia de contra-subversão; assim, foi criada uma nova Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (REP ACAP) e, também o Comando Geral das Milícias, quando a criação de várias Companhias e Pelotões destas forças assim aconselhava.
Relativamente à actividade operacional, difundiu directivas gerais para a sua dinamização; semanalmente, à quarta-feira, era feita uma análise da actividade operacional, seguida de um relatório, enviado a todas as Companhias, traduzindo o resultado dessa análise. Foi esta mais uma inovação, pois na minha 1.ª Comissão, sendo Comandante de Companhia, em operações, tal não acontecia.
Lidava mal com o que considerava comportamentos que indiciassem, na sua análise, incompetência; por este facto, tomou algumas decisões que conduziram à retirada de Oficiais de funções de Comando, o que se verificou em relação, especialmente, a Oficiais Superiores (Major, Tenente Coronel e Coronel). Tinha uma condescendência especial para com os Oficiais de Cavalaria e oriundos do Colégio Militar.
1. Remodelação do dispositivo
Relativamente à remodelação do dispositivo militar, decidiu retirar tropas das seguintes localidades:
. Gandembel/Ponte Balana
. Ganturé (destacamento da Companhia com sede em Gadamael)
. Sangonhá/Cacoca
. Mejo
. Madina do Boé e Beli (únicas tropas na região do Boé)
A retirada de efectivos militares das 4 primeiras localidades, significava um desinvestimento na ocupação da fronteira Sul, com a República da Guiné Conakry, determinada pelos seus antecessores (Sr. Brigadeiro Louro de Sousa e Sr. General Arnaldo Schulz) e concretizada pelo BCAÇ 513, com as suas subunidades; regressava-se à situação encontrada por este Batalhão, quando assumiu o Comando do Sector S2, em Buba (tropas apenas em Aldeia Formosa e Cacine, este agora com um destacamento em Cameconde), com a excepção da presença de tropas em Guileje e Gadamael, que o Sr. General Spínola manteve.
No que concerne a Gandembel/Ponte Balana, o Sr. General Spínola, na sua primeira visita, já referida atrás (
26MAI73), tomou conhecimento das condições de defesa do aquartelamento. Passados 3 dias, chegavam a Gandembel:
. Pelotão de Artilharia – 2 Obuses de 10,5 cm
. 2 Metralhadoras Pesadas Browning
Seguramente, este reforço de Armamento Pesado (a pergunta que se faz é, porque não se tinha verificado desde início – 08ABR68), foi consequência imediata da sua visita, em 26MAI68.
Importa referir que, desde a chegada da CCAÇ 2317, Gandembel esteve sujeito a ataques constantes, normalmente com grande intensidade e violência. Em 15MAI, o PAIGC iniciou uma série de flagelações, que se mantiveram, diariamente até ao dia 26MAI.
No dia
15JUL, cerca das 02H00, o In desencadeia um intenso ataque ao aquartelamento, mesmo junto ao arame farpado. Vinha fortemente apostado em tomar de assalto o quartel. O efectivo era poderoso, atendendo aos quantitativos de armamento ligeiro, com grande utilização de metralhadoras e lança granadas RPG; destaca-se a presença de 11 canhões sem recuo e 9 morteiros 82. Foram deixados 236 invólucros de granadas de canhão sem recuo 82 e milhares de munições de metralhadora, junto ao arame farpado; a bateria inimiga de morteiros 82 disparou mais de 300 granadas.
A reacção das NT foi enérgica, imediata e adequada, principalmente através do morteiro 81,
Artilharia em tiro directo e as Metralhadoras Browning. As NT sofreram 1 Morto (Alferes Miliciano, que chegara há dias) e 6 Feridos graves, dois dos quais tiveram que de ser evacuados.
Como seria de esperar, o Sr. General Spínola, passados 4 dias (
19JUL) marcava a sua presença em Gandembel, para tomar conhecimento do que se tinha passado. O grupo que o acompanhava, a que se juntou o Comandante da Companhia, subiu para a cobertura da caserna abrigo que tinha sido mais atingida, para lhe serem referenciadas as posições ocupadas pelo IN durante o ataque; de repente, rebentam algumas granadas de morteiro 82, bem fora do arame farpado. De imediato, todos saltam para o chão (a 2,5 metros), excepto um, que com o seu monóculo e pingalim (sua imagem de marca), manteve-se impávido e sereno; de seguida, o Sr. General desce, calmamente, pela escada de acesso. Era uma prova evidente de uma qualidade que todos lhe reconheciam – a sua grande CORAGEM.
Ciente das condições em que se encontrava a guarnição de Gandembel (com um destacamento em Ponte Balana), face ao numeroso e aguerrido efectivo do PAIGC, sob o comando de Nino Vieira, o Sr. Comandante Chefe faz publicar, em 28JUL, a Directiva n.º 20/68, determinando:
“Transferir, em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Guileje e Gandembel, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação”.
Dessa directiva, inferia-se que se pretendia transferir a missão de impedir ou, no mínimo, criar grandes dificuldades ao reabastecimento IN, um pouco mais para o interior (15 Km a Oeste de Gandembel), com um dispositivo de três aquartelamentos bem próximos uns dos outros, possibilitando uma defesa conjunta: Mejo, Salancaur (6 Km a Norte) e Nhacobá (4 Km a Norte de Salancaur).
Em
28JUL, verificou-se um acontecimento imprevisto: o Sr Ten. Cor. Piloto Aviador Costa Gomes, Comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 12 (Bissau), pilotando um Avião FIAT G 91 na região, foi abatido pelo fogo de metralhadoras quadruplas inimigas; conseguiu ejectar-se, tendo aterrado, com o seu pára-quedas, a poucos centenas de metros do quartel, onde foi recolhido.
No dia
04AGO, a Companhia, numa coluna vinda de Aldeia Formosa, sofreu 4 Mortos; pouco dias depois, no rebentamento de uma mina, implantada pelo IN, foi morto um Alferes.
Em
05AGO, aterrou em Gandembel, o Sr. Comandante do Batalhão de Paraquedistas, para se inteirar das condições que poderiam encontrar os seus homens, que brevemente viriam reforçar a guarnição, o que se verificou em
20AGO, com a chegada de 2 Grupos de Combate (GC) de Paraquedistas. Não obstante o acompanhamento que o Sr. General Spínola fez, desde o início do seu mandato, à situação das NT em Gandembel, o que é de realçar, levou cerca de três meses a determinar o seu reforço com os paraquedistas.
A presença desta tropa especial, que se manteve cerca de 3 meses, foi fundamental para moralizar e estabilizar emocionalmente todo o pessoal, devido à reconhecida competência e capacidade operacional dos paraquedistas. A partir dessa data, o PAIGC iria enfrentar uma tropa que lhe provocaria muitas preocupações e grande insegurança. O primeiro grande êxito teve lugar em 30 AGO, quando os paraquedistas detectaram, junto à fronteira, um bigrupo inimigo, totalmente desprevenido, que foi cercado e dizimado, tendo sido recolhido quase todo o armamento. Outros guerrilheiros, vindos do outro lado da fronteira, montaram algumas emboscadas, causando à tropa paraquedista 2 Mortos. Face a um efectivo de apenas 2 GC, o PAIGC sofre, seguramente, uma humilhante derrota.
Não obstante tão importante como oportuno reforço, o aquartelamento de Gandembel sofre, durante o mês de Setembro, 2 fortes ataques. Em
07SET68 o IN aparece,
pela primeira vez, com o Morteiro 120.
Na noite de
07/08NOV, Gandembel/Ponte Balana foram objecto do último grande ataque, com o emprego massivo de Morteiros 120 e de canhões sem recuo, sobre o fortim de Ponte Balana.
Passadas duas semanas, devido aos dias de mais acalmia, os Paraquedistas regressam a Bissau, não deixando de aparecer, de vez em quando, o que era sempre muito moralizador e tranquilizante.
A actuação dos paraquedistas foi notável, proporcionando, com a sua presença, uma vida muito menos atribulada, em Gandembel/Ponte Balana.
O Sr. General Spínola, em
28JAN69, determinou a retirada dos aquartelamentos de Gandembel/Ponte Balanta. Passados 9 meses e 20 dias, terminava assim o verdadeiro ”inferno na terra”, para aqueles bravos e heróicos militares que, durante a sua estadia no corredor de Guileje, sofreram 372 ataques do IN.
Tendo eu, com as tropas que comandei, passado por situações também muito difíceis (sem fazer qualquer comparação, por inadequada), aqui fica a minha enorme admiração e singela homenagem aos bravos defensores de “Gandembel das morteiradas”.
Comentário
O Sr. General Spínola, ao mandar retirar as NT de Gandembel/Ponte Balana (o que se adivinhava desde a sua primeira visita), não concretizou o que determinara, na sua Directiva 20/68 de 28JUL, (tropas de Guileje e Gandembel para Salancaur e Nhacobá), ficando a interdição do “corredor de Guileje”, a cargo da tropa de Guileje, o que era tarefa muito além das suas possibilidades. O abandono também do aquartelamento de Mejo, por ordem igualmente do Sr. General Spínola, teve como consequência o isolamento a que foi remetido o aquartelamento de Guileje, totalmente dependente, sob o ponto de vista logístico, à ligação terrestre a Gadamael. Parece não ser descabido afirmar que esta situação permitiu que, mais tarde, o PAIGC tenha preparado, com muita antecedência (sabe-se agora) e sem grandes sobressaltos, a acção em força sobre Guileje, desencadeada em 18MAI73.
Não pode ser questionada a legitimidade das determinações do Sr. Comandante-Chefe, relativamente ao “corredor” de Guileje. Em minha opinião, descartada a ocupação permanente pelas NT, deveria ter sido assegurada a actuação de tropas especiais sobre o referido corredor tão frequente quanto possível, pois quanto mais obstáculos fossem criados ao PAIGC, na zona, menos reabastecimentos chegariam às regiões em que a guerrilha actuava, nas diversas bases de apoio do IN. Assim não foi o entendimento do Sr. General Spínola.
Com o abandono das localidades indicadas atrás, foram recuperadas 3 Companhias, utilizadas para reforçar outras zonas.
2. Chão Manjaco
O Sr. General Spínola dedicou especial atenção ao Chão Manjaco.
Criou, em Teixeira Pinto, o CAOP 1 (Comando de Agrupamento Operacional n.º 1), sendo o seu primeiro Comandante o Sr. Coronel Pára (Paraquedista) Alcino.
Colocou em Teixeira Pinto a sua elite de Oficiais:
. Major do Estado-Maior (EM) Passos Ramos – Oficial de Operações
Era o cérebro do Comando Militar, o pensador de toda a estratégia e o que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona.
. Major de Artª Pereira da Silva – Oficial de Informações
Em colaboração com a Pide, dirigia o grupo de informadores e foi o principal negociador com os “dissidentes” do PAIGC, dispostos a entregarem-se.
. Major de Inf. Magalhães Osório - Era o operacional, o homem do combate.
Fruto de várias acções de acção psicológica e depois de diversas reuniões, toda a guerrilha do Chão Manjaco e outras zonas do Norte, tinha decidido render-se e passar para o lado do exército colonial. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros e estava tudo decidido sobre patentes e instalação das famílias. Cada um teria casa e comida e o soldo correspondente à sua patente, em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do Sr. General Spínola.
Enquanto decorriam as conversações no Chão Manjaco, o Sr. Comandante-Chefe promoveu no seu Quartel General, em Bissau, uma reunião, para a qual foram convocados todos os Comandantes de tropas em operações, desde o posto de Capitão. Nessa reunião, o Sr. General Spínola determinou que, a partir dessa data, as NT deixariam de efectuar acções ofensivas, limitando-se à sua defesa e das populações.
Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em pleno mato, junto ao Pelundo, mas os Oficiais Portugueses teriam de comparecer desarmados como prova de confiança. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC, foi constituída pelos 3 Majores do Estado-Maior do CAOP, referidos atrás, o Sr. Alferes Mil Cav Joaquim Mosca e os guias nativos Mamadu Lamine Djaure, Patrão da Costa e Aliu Sissé. O Sr. General Spínola foi dissuadido, à última hora, de também fazer parte da delegação. Foram, ao encontro dos guerrilheiros ultraconfiantes, sem arma, em dois Jeep e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso eminente.
Chegados ao local do encontro, os 3 Majores e os outros acompanhantes foram recebidos com tiros de Kalashnikov e acabados de matar à catanada, sem dignidade e com requintes de malvadez.
O assassínio da delegação portuguesa só se explica por uma ordem vinda da direcção do PAIGC, na altura instalada em Dakar (Rep. do Senegal), quando soube da traição em marcha e, temendo o risco de a rendição vir a ser seguida por outros chefes de guerrilha, agiu com brutalidade.
Dirigentes intermédios do partido, foram enviados ao Chão Manjaco e confrontaram os comandantes locais, que acabaram por colaborar na chacina dos negociadores portugueses e dos seus guias, para se “limparem” da traição. André Gomes, o interlocutor privilegiado dos Majores, continuou a comandar a guerrilha no Chão Manjaco. Após o massacre, a guerrilha continuou adormecida e demorou um ano a intensificar os combates.
Há alguns anos, o dirigente Luís Cabral (foi o primeiro Presidente da Rep. da Guiné Bissau, depois da independência, que ocorreu em 07SET74), referindo-se, na RTP a este triste e dramático acontecimento, disse que o PAIGC não podia aceitar o que estava a decorrer e resolveu “cortar o mal pela raiz” e que não podiam ter feito outra coisa, podendo a sua afirmação ser interpretada, inequivocamente, como sancionando o procedimento adoptado. Permito-me discordar, pois podiam ter aprisionando a delegação portuguesa, evitando-se assim a perda de vidas humanas. A captura teria tido também grande impacto e seria, com toda a certeza, largamente explorada pela máquina de propaganda do PAIGC.
A barbárie que aconteceu não foi nada abonatória, pelo contrário, da aura de humanista que era atribuída a Amílcar Cabral, o primeiro responsável do Partido.
A morte trágica dos 3 Majores e seus acompanhantes, em 20ABR70, na região Pelundo/Jolmete, foi um rude golpe para a estratégia da condução da guerra, definida pelo Sr. General António de Spínola, Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.
3 . Operação “ MAR VERDE” – 22NOV70
Esta Operação foi concebida e executada, pelo Sr. Comandante Fuzileiro Alpoim Calvão, com a autorização do Sr. General Spínola, Comandante-Chefe (como não podia deixar de ser).
Extremamente audaciosa e altamente secreta, porque envolvia o ataque, com um pequeno número de homens, à capital – Conakry, de um país soberano – Rep. da Guiné, que servia de “santuário” aos rebeldes do PAIGC.
Um
a das condições para o sucesso da operação era que não houvesse vestígios da participação de forças portuguesas no golpe; por isso, foram tomadas medidas especiais, como o uso de uniforme indistinto e armamento de uso corrente em África, especialmente adquirido para o efeito no mercado paralelo (basicamente AK-47 e RPG).
Até os 6 navios que iriam transportar os executantes não continham nenhuma informação exterior que os pudesse identificar e os poucos combatentes brancos teriam o rosto pintado de preto e usavam perucas de carapinha. Todos os militares tiveram posteriormente que assinar um documento onde se comprometeram a nunca falar desta operação, que ainda hoje esta não é reconhecida pelo Estado Português.
Objectivos
Ataque anfíbio a Conakry, com as seguintes tarefas:
- destruir, neste porto, as lanchas rápidas (6/7 unidades), fornecidas pela União Soviética ao PAIGC –
Missão Cumprida.
- libertar os 26 prisioneiros de guerra portugueses, entre os quais o Sr. Ten. Pil. Av. António Lobato –
Missão Cumprida.
- atacar e destruir o QG do PAIGC, havendo a hipótese de aprisionar Amílcar Cabral (AC) –
Missão Cumprida (excepto captura de AC).
- destruir os Aviões MIG-15 e MIG-17 da Rep. da Guiné, para não serem atacados por eles –
Missão Não Cumprida.
- proporcionar o desembarque de opositores guineenses da FLNG (Frente de Libertação Nacional Guineense), treinados na Ilha de Soga (Arquipélago dos Bijagós); a finalidade era auxiliá-los no golpe de mão ao Governo da Rep. Guiné, com a captura ou eliminação física de Sekou Touré; ia a bordo um Governo Provisório
- Missão Não Cumprida.
Para o sucesso da operação era necessário um grande número de raides de Comandos, simultâneos, com um objectivo específico para cada um, como por exemplo ir à central eléctrica e pôr a cidade às escuras (
conseguido), tomar a estação de Rádio (
não conseguido), eliminar ou capturar Sekou Touré na sua residência (
não conseguido) e destruição de edifícios relevantes. No total, foram identificado 26 alvos; estes raides não tinham apoio aéreo e tudo teria que ser feito em lanchas, barcos pneumáticos e utilizando armamento ligeiro.
As forças portuguesas que participaram na operação foram, na sua maioria, militares africanos:
- Destacamento de Fuzileiros Especiais Africano 21 (61 homens)
- Companhia de Comandos Africanos (150 homens)
- um pequeno número de paraquedistas
- contingente da FLNG (200 homens)
O efectivo total foi cerca de 400 homens.
Resultados
A Operação foi considerada, por alguns, como tendo sido um fracasso, porque não foi realizado o desejado golpe de estado; a ausência dos MIG fez com que o Comandante tivesse dado ordem para reembarcar, com receio do ataque desses aviões. Ironicamente, soube-se depois que os Pilotos dos MIG ainda não estavam aptos para entrar em combate, nem se encontravam em Conakry.
Os elementos da FLNG quiseram avançar, mas foram incapazes de derrubar o regime, devido à falta de apoio da população, com o que contavam, mas também em resultado do contra-ataque das forças fieis a Sekou Touré, apoiadas por um contingente de tropas cubanas. Os combates duraram vários dias, sofrendo os militares da FLNG muitos mortos; 100 dos seus membros foram capturados, torturados e posteriormente executados, assim como um grupo de 20 militares portugueses que desertaram; estes ainda foram à rádio, manifestar apoio ao PAIGC, mas nada os salvou.
Obviamente que os prisioneiros relataram pormenores da Operação e revelaram os nomes dos seus mentores, a que se seguiu o escândalo internacional, habilmente explorado pela Rep. Guiné, que apresentou queixa no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Sekou Touré aproveitou a oportunidade para liquidar milhares de adversários políticos.
Esta “extravagante” Operação, para muitos, foi um sucesso, porque as forças portuguesas sofreram relativamente poucas baixas: 3 Mortos e 3 Feridos graves, além de 20 desertores; foi destruída grande parte de material bélico do PAIGC e da Rep. Guiné; o IN teve cerca de 500 Mortos; foram libertados os 26 prisioneiros portugueses, o que é de realçar, a todos os títulos.
O Sr. Prof. Marcelo Caetano, Primeiro-Ministro de Portugal comunicara, quando lhe foi dado conhecimento prévio da Operação, que só a libertação dos prisioneiros justificava o ataque.
Para finalizar, sou de opinião que, caso o golpe de estado tivesse tido êxito, nomeadamente a captura ou eliminação física do Sr. Presidente da Rep. da Guiné Conakry, Portugal teria ficado, no seio da Comunidade Internacional, em muito maus lençóis.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de Fevereiro de 2016
Guiné 63/74 - P15703: (In)citações (83): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (2): Reintegração na vida civil e saída para a diáspora