Queridos amigos,
Depois da pernoita em Bafatá, Craveiro Lopes segue por via aérea até Farim, chega cedinho, tem um dia azafamado pela frente, é recebido com pompa e circunstância, assiste ao desfile dos povos de Farim, sobe a bordo do navio hidrográfico Mandovi, Pereira Crespo (futuro ministro da Marinha) expõe-lhe o que há de mais relevante na missão geo-hidrográfica que ele coordena, uma das maiores missões científicas alguma vez efetuada na Guiné, seguem-se curtas visitas a Binta, Barro e S. Domingos, e depois em caravana encaminham-se até Varela, janta e pernoita, o dia seguinte é para andar em fatos de banho mas que ninguém se atreva a tirar fotografias às figuras proeminentes da comitiva presidencial, os Felupes deram mote à festa, fizeram demonstração de lutas e até houve um concurso de lançamento de setas ao alvo. Então a comitiva parte para Teixeira Pinto, vão primeiro a Cacheu, segue-se a receção triunfal em Teixeira Pinto e o jornalista regista que houve almoçarada e tanto.
Um abraço do
Mário
O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (5)
Mário Beja Santos
Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15h locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. O jornalista de serviço tece laudas à comitiva e ao séquito político que se vai despedir do presidente da República para esta viagem que não será curta. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Craveiro Lopes visitou demoradamente Bissau, percorreu a desditosa Bolama, atravessa o canal e de São João parte para Fulacunda, visitou Cufar e Catió, onde pernoitou.
Seguirá para o Leste, de Gabu a Bafatá. Estamos agora a 10 de maio, o jornalista Rodrigues Matias aproveita para retomar alguns aspetos históricos e lendários, vai centrar-se em “Dindim Bancô”, e vai contar-nos que nos tempos da derrocada do Império Mandé, os quatro filhos de Djalibá partiram a correr mundo, viajaram para Sul, atravessaram as imensas brenhas do Firdu, acamparam um dia junto à margem de um grande rio sereno, então decidiram separar-se. O primeiro regressou à sua pátria, Giba, o segundo, continuou a sua cavalgada para além do rio e foi erguer morança junto do rio seguinte, onde veio a florescer a velha Geba, que Bafatá destronou; Mansoná, o terceiro, fez a sua morança num local que veio a ser Mansoa; o quarto, Cabi, avançou para Leste, fundou Gabu. Mas acabaram todos por ter saudades e regressaram à pátria se bem que tenham retornado muitas vezes, os seus encontros são sempre na margem do Cacheu. Giba foi sepultado no chão dos encontros. O mesmo aconteceu com Mansoná. E Cabi pediu às gentes do Gabu que o transportassem junto das sepulturas dos seus irmãos, seria aqui que queria ser enterrado – foi neste local que mais tarde nasceu a população de Farim. Chamaram-lhe os mandingas, em árabe “Dindim Bancó” – a terra das mais lindas raparigas. E o jornalista que acompanha Craveiro Lopes também recorda que em 1641 o Capitão-Mor Gonçalo Ayala fundou a povoação de Farim com cristãos trazidos de Geba.
Pois bem, Craveiro Lopes chegou às 8 horas da manhã a Farim, vindo de Bafatá. Recebeu uma salva à chegada do avião, com 21 tiros de uma bataria de caçadores mandigas envergando a vestimenta profissional e adornados de grande profusão de troféus de caça, tiros das históricas “longas” (as espingardas de carregar pela boca). O povo apinhou-se em volta do automóvel.
Sessão de boas-vindas com os discursos da praxe, desfile dos povos de Farim, subiram à tribuna os régulos da região, Craveiro Lopes condecorou e ofereceu como presentes cinturões militares com talabarte. Finda a cerimónia, tomou lugar a bordo do navio hidrográfico “Mandovi”, vai começar a descida do Cacheu. Então, o jornalista tem um jorro de inspiração:
“À passagem do Mandovi arrastam-se invisivelmente no mistério do tarrafe crocodilos sujos que se escondem no fundo das águas; e o pânico estonteia cabecitas matizadas de aves de todas as cores, que abandonam a segurança da penumbra do mangal para turbilhonarem no céu, como ébrios de luz, em cata de copas altas por entre as quais não ronquem jacarés a vapor, pintados de branco, sujando firmamento de fumo e levando por vezes no ventre quem se diverte a cuspir a morte, em balas de carabina de precisão. A fauna alada do mangal das margens do Cacheu não gosta, por princípio, de ouvir de perto o trabalhar das máquinas e o espadanar das hélices dos navios.”
Aqui e acolá há visitas, a Binta e a Barro, depois para-se em S. Domingos, aqui estão concentrados milhares de Felupes e Sossos, novamente sessão de boas-vindas e cumprimentos, entrega de medalhas, cinturão, retratos e bandeiras nacionais. A caravana presidencial ultrapassou Susana e chegou a Varela ao cair da tarde, para jantar e dormir.
Estamos agora a 11 de maio, impossível não descrever a praia branca de Varela, estância de turismo, o jornalista esmera-se: “Hoje, protegem-na dos ventos do interior e dos mosquitos dos charcos, milhões de casuarinas e de eucaliptos, que encharcam a terra de sombra deliciosa. Na frescura da mata, alvejam paredes brancas de vivendas novas, abrindo varandas de tijolo para os caminhos saibrados a areão vermelhento. Sobre uma falésia que domina o mar, ao cabo da praia, um restaurante modelar prolonga-se em esplanada de cómodas cadeiras de ferro, com guarda-sóis armados em lona multicolor a resguardar as mesas.”
A cidade francesa de Ziguinchor escolheu Varela para sua estância de mar. Numa região em que a África é lodo, Varela é um bordado de areia, onde só o tarrafe acompanha a fímbria dos canais, Varela erguei a sua floresta maravilhosa de casuarinas, frente ao azul glauco do mar. E na oportunidade refere as reservas da Guiné: a mata do Cantanhez, a lagoa de Cufada e Varela. Descre minuciosamente a lei da caça que saiu do punho de Sarmento Rodrigues.
Houve repouso todo o dia, os ilustres visitantes passearam-se na praia, banharam-se, bebericaram, divertiram-se. Mas nada de imagens. À noite, no largo fronteiro ao restaurante, os Felupes lutaram e fizeram concurso de lançamento de setas ao alvo. Mais uma vez Rodrigues Matias aproveita a oportunidade para descrever uma etnia, no caso vertente serão os Felupes e as informações que ele nos dá são retiradas do livro Babel Negra, de Landerset Simões.
Chega de vilegiatura, no dia 12, Craveiro Lopes parte por via aérea para Teixeira Pinto, é recebido com a comitiva pelo administrador da circunscrição de Cacheu. Raparigas europeias lançam flores, estão perfeitamente alinhados os alunos das escolas. Vai seguir-se a descrição da viagem para Cacheu e regresso a Teixeira Pinto, onde se segue um lauto almoço
Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Visita do Presidente da República Francisco Craveiro Lopes a África. Craveiro Lopes, em primeiro plano, à direita, passa revista à guarda de honra, na Federação da Rodésia e Niassalândia, também conhecida como Federação Centro-Africana. Tratou-se de um território da coroa britânica, que abrangia a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte e a Niassalândia, extinto em 1963
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Nota do editor
Último poste da série de 26 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24505: Historiografia da presença portuguesa em África (378): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (4) (Mário Beja Santos)