Porto > c. 1982/83 > Joaquim Costa e a esposa, Isabel Barata Lopes Costa (Idanha-a-Nova, 1953 - Rio Tinto, Gondomar, 2024)...
Lamego > Hotel sobre o rio Douro > Há uns 6 anos atrás > A Isabel, professora reformada por invalidez desde cerca de 2009 (sofria de doença crónica degenerativa). Nascida m 10 de outubro de 1953, em Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco, Isabel Barata Lopes Costa viveu em Lisboa desde tenra idade. O casal, que tem dois filhos, morava em Rio Tinto, Gondomar, onde a Isabel faleceu no passado dia 4 de junho, faz hoje um mês. Tinha 70 anos.
Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Joaquim Costa: (i) ex-fur mil, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74); (ii) autor de livro, "filho da pandemia", a que deu o título invulgar "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74" (Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.); (iii) membro da nossaTabanca Grande, desde 30 de janeiro de 2021, e onde se senta à sombra no nosso poilão, no lugar nº 826:
Data - segunda, 1/07/2024, 15:42
Assunto - Isabel, a combatente
Boa tarde Luís.
Espero que tudo esteja bem contigo e família. Deixo-te aqui a minha homenagem a uma combatente, mulher de um ex-combatente que de certa forma também o foi.
Estes exemplos de coragem devem ser perpetuados. Deixo ao teu critério a publicação do mesmo.
Um grande abraço, Joaquim
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2. Joaquim Costa > Mulher de ex-combatente, ex-combatente é!
Por muito que façamos, ficaremos sempre em dívida para com estas mulheres, pelo que sofreram, e continuam a sofrer, já que para muitas a guerra ainda não acabou.
Hesitei em enviar este post para os editores, por considerar que o mesmo não se enquadrava nos objetivos do blogue. Contudo, logo me penitenciei por me ter ocorrido tal dúvida.
Por maioria de razão, estas mulheres continuam a combater, acompanhando, tratando e mitigando o sofrimento dos seus companheiros que de certa forma nunca abandonaram o teatro de guerra.
A minha combatente partiu.
Participava com entusiasmo no encontro dos tropas (como ela dizia), com o entusiasmo do ex -combatente. Conhecia pelo nome grande parte dos elementos da companhia bem como das suas mulheres e mesmo dos seus filhos e netos.
Guardava e revia regularmente as fotos dos encontros.
Várias vezes me perguntava: Quando é o encontro dos tropas?
Neste último encontro, já debilitada e em cadeira de rodas, perante a minha pergunta se queria ir ao encontro, ficou indignada e sentida com a minha pergunta.
O SORRISO
Um sorriso … e tudo acontece.
Sim! Foi na carreira da estação para a cidade:
...“Do alto Alentejo, cercada
De Montes e de oliveiras
Do vento suão queimada…”
Um raio de sol de inverno poisa sobre um sorriso que o ofusca.
Os teus olhos me incendeiam,
já não sei onde estou nem para onde vou.
Só sei que vou para onde me leva essa luz dos teus olhos.
Mas que linda caminhada.
Duas sementes deitadas à terra
que, regadas com muita ternura, amor e carinho,
cresceram, lindas, à tua imagem.
São o nosso orgulho.
Ai!.. Os rebentos, que lindos!,
que se inventem novas palavras,
felicidade não basta!
Durante esta linda caminhada,
fomos limpando as pedras do caminho.
As que teimosamente resistem,
sempre foram vencidas pela tua indiferença.
Nestes últimos tempos repetias mil vezes,
até que todos os santos te ouvissem:
"Felizmente temos 'saúde' e uns filhos lindos".
“Só é vencido quem deixa de lutar”...
Todos nós sabíamos que era uma luta desigual,
mas tu nunca te resignaste.
Sempre nos surpreendias com a tua memória seletiva:
acordava e adormecia a ouvir-te dizer, vezes sem conta,
os dias do nascimento dos filhos e netos,
terminando a linda 'ladainha'
mostrando com orgulho o teu anel de noivado:
10 de Abril,
2 de Novembro,
15 de Maio,
4 de Novembro,
7 de Fevereiro...
e o anel de noivado na mão esquerda.
Contudo, quando te perguntava "Quantos anos tens?"
respondias tu "sessenta e três"...
"Talvez setenta", dizia eu.
"Credo!", respondias tu... "Tenho sessenta e cinco".
Nem a medicina explica.
Ninguém como a Isabel prezava os amigos.
Repetia vezes sem conta a frase
que ficará para sempre gravada nos nossos corações:
“Os amigos são flores que florescem no jardim da vida.”
Não será a mesma coisa,
mas a caminhada continua.
Seguir o teu exemplo
e continuar a teu lado caminhando,
destruindo a frase feita:
“Até que a morte nos separe”.
Sim, ISABEL,
Dez de Abril
Dois de Novembro
Quinze de Maio
Quatro de Novembro
Sete de Fevereiro...
E o Anel de Noivado
na mão esquerda…
JC
(Revisão / fixação de texto: LG)
3. Comentário do editor LG:
Joaquim, falámos ao telefone há um mês atrás, fizeste questão de me comunicar em primeira mão o inesperado falecimento da tua esposa, tua companheira de uma vida, mãe dos teus filhos, avó dos teus netos.
Fiquei sensibilizado. Na realidade, já somos mais do que simples "amigos" das redes sociais: como tu dizes, e bem, ao fim destes anos todos, somos também a "família do blogue", a "família da Tabanca Grande", e vamos acompanhando os altos e baixos uns dos outros, e até as alegrias e tristezas das famílias de cada um... Inevitavemente, vamos sabendo quem está doente, quem nasce, quem faz anos, quem morre...
E temos uma série, "As nossas mullheres"... Todas elas acabaram por "ir à guerra", de um maneira ou outra, de mil e uma maneiras, mesmo depois da guerra acabar (se é que ela alguma vez acaba para quem foi combatente).
Por isso, faz todo o sentido ser publicada aqui, no blogue de todos nós, a tua bela homenagem à tua Isabel... Sem nunca ter ido ao Cumbijã (que eu saiba...), ela foi uma "tigresa do Cumbijã", ao lado dos "tigres do Cumbijã"...
Fico muito sensibilizado com as palavras de grande ternura e amor que lhe dedicas no teu texto poético. O teu testemunho passa a ser público, podendo agora ser partilhado por todos os que te estimam e admiram, e estimam e admiram as nossas mulheres que, sendo "mulheres de ex-combatentes, ex-combatentes são e serão". Mesmo quando a morte (física) as aparta do nosso convívio...
A morte (e a guerra) pode levar-nos, infelizmente, tudo o que amamos, todos/as aqueles/aquelas que amamos, mas não nos pode roubar as memórias felizes que guardamos dos nossos amores...
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Nota do editor LG: