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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26828: (In)citações (271): Eu vivo na Lisboa que amo (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)


1. Em mensagem  de 20 de Abril de 2025, o nosso camarada Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), fala-nos de Lisboa:


Lisboa

A recordação mais antiga que tenho de Lisboa é a vista que do rio, se alcançava de uma pequena janela da casa dos meus tios. Ficava à janela vendo o vai e vem dos barcos. De vez enquanto passava um grande navio majestoso que à distância parecia de brincar. A casa ficava na Rua da Saudade, onde era visita assídua, bem como ao Castelo de São Jorge que quase servia de recreio, tão perto que rapidamente se alcançava.

Dali também era ponto de partida para ir ao cinema ali para os lados dos Restauradores, ou ir a pé percorrer as ruas até ao Tejo, ali na Praça do Comércio, não resistindo ao chamariz das lojas com roupas que os jovens gostavam em especial os Porfírios, ou até ao cais do Sodré para apanhar o comboio da linha até Paço D’Arcos onde tinha família e com quem ia à praia, ou simplesmente gozava da sua companhia.

Lisboa era assim um local de diversão e descoberta para um jovem oriundo da província com horizontes muito limitados.

Foram-se passando os anos até gravar a fogo a minha partida para África, para o serviço militar obrigatório, num dia de nevoeiro, uma cidade cinzenta, apática e triste de tão habituada estar a ver-nos partir, já não se sobressaltava nem dignava a olhar. Regressei 27 meses depois a uma Lisboa soalheira e luminosa onde em meados de Abril, numa madrugada um grupo de soldados corajosos, devolveu a cidade, e o país, ao povo que encheu as ruas e foi a festa da minha vida. Milhões onde os corações em uníssimo exultaram pela a democracia e a Paz. Quem tinha chegado da Guiné saboreava a paz, como um sabor doce que se estendia a todos os sentidos.

Passaram-se 50 anos, até que vim viver para onde a cidade se confunde com os lugares que formam a grande metrópole de várias cores e aromas, que lhe dão aquela imagem de ter o Mundo todo dentro de si. Lisboa é descoberta, são jovens e idosos, já não há pregões, frequenta-se hipermercados na vez de jardins, ainda sobrevivem esplanadas, algumas onde se dança normalmente música brasileira na sua alegria contagiante. De noite ouvem-se as sirenes a provar que a cidade não dorme na sua dolência morena de miscigenação através da memória do tempo.

Eu vivo na Lisboa que amo

Há quem a queira tornar só branca, retirar-lhe o mistério, apagar os sons e os sabores de outras paragens, acabando com os contornos que os séculos levaram a desenhar.

Os ignorantes nunca sabem o que fazem na verdade.

20 de Maio 2025
Juvenal Sacadura Amado


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Nota do editor

Último post da série de 20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26823: (In)citações (270): Um abraço forte, fraterno e amigo, ao cor inf ref Vasco Lourenço (Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2592 / CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

Guiné 61/74 - P26827: Historiografia da presença portuguesa em África (482): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Como seria de esperar, a turbulência política do Sidonismo e da sua queda, a intervenção ditatorial subsequente, a incursões monárquicas de Monsanto, as lutas partidárias com sucessivas formações e quedas de Governo tiveram os seus reflexos em nomeações de governadores que não se revelaram brilhantes, virá em 1921 uma figura de projeção, Vellez Caroço, deixou marcas. Tudo parece insípido, rotineiro, publicam-se as medidas legislativas de âmbito nacional, só esporadicamente há uma nota ou outra que nos permite observar o que evolui na Guiné; achei particularmente relevante a medida de Sousa Guerra numa tentativa de evitar a exploração dos arrendatários, sobretudo em Bissau, não há aumentos de vencimento de funcionários públicos, não se constrói, tudo encareceu, o governador Sousa Guerra toda medidas extraordinárias; novamente se fala de Graça Falcão, é castigado, já não é novidade; é tempo de se sonhar com modernização agrícola, maquinaria moderna, sonha-se com uma agricultura de grande escala, como aqui se refere com o caso da Companhia do Fomento Nacional, 25 mil hectares, tudo rapidamente no fundo.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36)


Mário Beja Santos

A Guiné está a atravessar um período de extremas dificuldades económicas, repercute inevitavelmente as perturbações do fim do sidonismo, da ditadura militar subsequente, das incursões monárquicas, das nomeações e quedas dos sucessivos Governos. Não há qualquer referência na leitura que fiz do Boletim Official do ano de 1919 que permita ficarmos a saber o grau de tensões que ali se vivem, o que ali se publica é uma enxurrada de regulamentos e legislação metropolitana, para além das posições burocráticas e administrativas que envolvem nomeações e demissões, orçamentos, movimento marítimo, etc.

E assim chegamos a 1920 e logo em 24 de janeiro, no Boletim Oficial n.º 4, no suplemento chama a atenção uma medida de política social, jamais se encontrara menção a uma abordagem como esta, tem a ver com a política de habitação e os arrendamentos:
“De há muito vem agravando as já difíceis condições de vida das classes menos abastadas o elevado preço das rendas de casa em quase toda a província e muito especialmente em Bissau, onde ultimamente atingiu proporções de tal forma exageradas que exigem do Governo da província a adopção de providências excecionais que impeçam que, ainda mais, se acentue a elevação sempre progressiva do aluguer das casas.
Para as classes proletárias e para o funcionalismo público, a não ser estabilizado o custo das rendas, impossível se tornaria, em breve, a sua permanência em Bissau, absorvida a quase totalidade dos seus salários e vencimentos, com as despesas do aluguer de casas.

O Governo da província vai, com urgência requerida, mandar proceder à construção de edifícios próprios para a habitação de funcionários e à venda de terrenos para construções urbanas no novo bairro, medidas que reputa suficientes para debelar a crise que atravessamos. De momento, porém, e dado que as construções a fazer levarão tempo a concluir-se, urge adoptar providências excepcionais, de carácter transitório, que impeçam que mais se agrave o custo já exagerado das rendas de casa.

Para o que, tendo ouvido o Conselho do Governo e com o seu voto afirmativo, determino:
1 – Os senhorios de prédios urbanos não poderão aumentar a renda dos seus prédios durante 1 ano, a partir da data da publicação desta portaria, aos actuais inquilinos.
2 – Nos futuros contratos de arrendamento, a renda não poderá em caso algum ser superior à que estiver inscrita na matriz predial em vigor.
3 – Os senhorios que arrendarem os seus prédios por quantia superior à fixada no artigo anterior serão punidos como desobedientes e obrigados a restituir ao próprio arrendatário a importância que houverem recebido a mais.
4 – Os senhorios dos prédios urbanos que não queiram os seus prédios para a sua habitação, não podem recusar a renovação do arrendamento aos seus atuais inquilinos, quando estes sejam funcionários públicos em efetivo serviço.”


Pelo Boletim Oficial n.º 22, de 29 de maio, vamos saber que Graça Falcão, outrora um militar altamente condecorado, continua a fazer das suas, e o Governo não lhe tolera as tropelias:
“Considerando que o administrador da 6.ª Circunscrição Civil, Jaime Augusto da Graça Falcão, querendo justificar a impossibilidade de incumprimento da ordem que em meu nome lhe fora transmitida pela Secretaria dos Negócios Indígenas, de contratar para o serviço de tráfego comercial em Bolama alguns indígenas da sua circunscrição, o fez em termos que, não constituindo justificação aceitável, revelam a par do seu desinteresse dos serviços que lhe competem, o mais claro propósito de desrespeito; e
Sendo indispensável manter, para a regularidade e boa ordem dos serviços públicos a máxima disciplina, do que resulta a necessidade de rigorosa e imediata punição dos actos dos funcionários públicos que signifiquem quebra da mesma ou visem a perturbar o regular funcionamento dos mesmos serviços, mormente quando praticados por funcionários que pela sua situação oficial devem ser os melhores auxiliares do Governo da colónia da sua administração;

Considerando que a falta praticada pelo administrador Graça Falcão se acha verificada em documento escrito, cuja autenticidade não pode ser posta em dúvida, o que dispensa, para ser punida a formalidade de audiência do culpado,
Hei por conveniente aplicar ao referido administrador a pena de 30 dias de suspensão de exercício do seu cargo, percebendo durante o mesmo período 50% do seu vencimento de categoria.”

Esmiuçando Boletim por Boletim os movimentos de pessoal, chegadas e partidas, nomeações e promoções, cheguei a algo que me interessou pessoalmente muito, e que no fundo corrobora o que já lera na correspondência dos chefes de delegação do Banco Nacional Ultramarino neste período, a corrida à criação de empresas agrícolas na região onde eu vivi em 1968 e 1969, empresas essas que pareciam nascer até grande sucesso e muito rapidamente caíram no chão. O caso que se vai citar é um deles. É um aviso publicado no Boletim Oficial n.º 35, de 28 de agosto de 1920:
“Tendo a Companhia do Fomento Nacional requerido, na área da Circunscrição Civil de Bafatá, a concessão de 25 mil hectares de terreno, que está situado na margem direita do rio Geba, abrangendo as regiões de Joladu-Cuor e Mansomini, ficando a referida concessão compreendida entre as populações de Sare e Quéda, Sare Carvalho e Farato, no regulado de Joladu, envolvendo as seguintes povoações do mesmo regulado: Ieró-Cunda, Sambá-Bina, Gã-Tumane, Chuel, Sare-Mankali, Temati, Cofiá, Sare-Ganha, Sare-Sissau e Buali, regulado de Mansomini, e Sare-Duá, tendo os extremos Sul na povoação de Ganturé, regulado do Cuor, e envolvendo mais as seguintes povoações deste regulado: Adêa, Dá-Salume, Caraquecunda, Gã-Cumba, Sancorlã, Mansena, Gã-Samena e Cusarandim.”

Tratava-se de regiões muito férteis, os presumíveis empreendedores contavam em trazer equipamento moderno, montar instalações perto do rio Geba, mas esqueceram-se do essencial, a sensibilização dos agricultores e a proposta de renumerações justas, estes agricultores, deste sempre e até mesmo hoje, confiavam na agricultura nos seus terrenos e não trabalhavam por conta dos colonos, preferiam entregar as suas produções aos agentes das grandes empresas. Por falta de capacidade de saber negociar com os régulos e com os próprios agricultores faltou mão de obra e todas estas empresas que laboraram tiveram curta vida.

Primeiras notícias das insurreições do Monsanto
Notícia da derrota da incursão monárquica no norte do país, Paiva Couceiro teve que fugir para a Galiza
Notícia das perturbações que avassalaram o país, devido às incursões monárquicas
Nomeação do governador interino, capitão-tenente José Luís Teixeira Marinho
Chegada de novo governador em 1919, o capitão de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra
Dançarinos Mancanhas, 1910

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26800: Historiografia da presença portuguesa em África (481): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1917 e 1918 (35) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26826: S(C)em Comentários (68): Fome, camaradas ?!.... Não, em Nova Lamego, São Domingos, Bissau (Virgílio Teixeira ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, 1967/69): sim, "aos poucos de cada vez" na Ponta do Inglês, Xime (Manuel Vieira Moreira, 1945-2014, ex-1º cabo mec auto, CART 1746, 1967/69)


Guiné > Zona Leste > Regão de Gabu > Nova Lamego > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 4º trimestre de 1967 > Mais um jantar-convívio com o pessoal – condutores auto – nas suas instalações, bar ou dormitórios, não sei bem identificar. A ementa deve ser de frango, como habitual. E a cerveja que se bebia era a Cristal, em formato "bazuca" (0,6 l).O Virgílio Teixeira, ex-afl mil SAM, era o primeiro da direita.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933 (1967/69) ao Poste P26816 (*):


A FOME NA GUERRA

por Virgílio Teixeira


Este tema é controverso, cada um sabe da sua história e vivência.

Eu não me posso enquadrar em muitos dos relatos aqui apresentados ao longo dos anos. Acho que apesar de tudo fui um privilegiados.

A minha guerra passou-se praticamente junto do comando do batalhão e da CCS.
Em locais não tão graves como outros, mas também com as suas deficiências.
Nós tínhamos sempre quer em Nova Lamego quer em São Domingos a nossa messe de oficiais, havia a messe de sargentos e a cantina das praças. Era assim, não sei porquê, nem interessa agora.

Sempre me fiz acompanhar pelo grupo dos condutores e outras praças, que estavam ligadas de alguma maneira aos comes & bebes, porque apanhavam muitos animais que depois cozinhávamos para alguns.

Frequentava mais a messe de sargentos, para os copos, do que a de oficiais, que era um casino fora de horas.

Fiz muitos serviços de oficial de dia, e tinha que supervisionar o rancho geral, o que fazia sempre, depois havia as provas – como o demonstram as fotos que já estão publicadas – e aproveitava muitas vezes comer no refeitório do rancho geral e da sua comida, igual à dos outros. Nada a lamentar, quer do lado das praças, quer da minha parte. Reconheço que nunca vi outros a fazerem o mesmo, são formas de estar.

Por isso ganhei um lugar à parte na classe das praças, e sempre que havia petisco novo fora das messes e rancho, lá estava eu convidado, e tenho dezenas de fotos que o demonstram. 

Porquê? A malta gostava da minha maneira e nada de superioridades, sempre respeitei todos e eles a mim. O comandante é obvio que não gostava mas nunca me disse nada.

 
Por isso, fome não. Carências de vária ordem sim, também quando não havia nada, comia-se sopa de estrelinhas acompanhadas de casqueiro.

Mas, nas tantas vezes de convívio com os praças, nunca existia fome. Surpreende-me agora saber do que se passava na grande generalidade dos casos. Mas havia também muita malta de todos os escalões que levavam boa vida estomacal.

Por causa disso, fiz muitas colunas de reabastecimento, e entrei naquelas duas loucuras de viagem de Sintex entre S. Domingos e Susana, para ir trazer umas batatas, bananas e se possivel um animal vivo. Da última vez correu mal e perdemo-nos e safei-me. Não me lembro de fome, mas talvez de sede.

Nada disto é comparável às ações de combate e patrulhas de dias, com rações de combate, que não eram o meu forte.

Depois tinha a grande vantagem de todos os meses poder ir a Bissau e matar a barriga de misérias, a verdade seja dita.

Nos últimos meses em S. Domingos, a Companhia de intervenção, a CART 1744, por intermédio do sargento e um cabo da secretaria, com o aval do Capitão, construíram um tipo de restaurante ambulante, com frangos assados criados ali na horta e tantos legumes frescos como nunca tínhamos visto. Foi um fartar, mas pagava-se!

Diga-se em abono da verdade, que estas situações que conto, não eram normais, só alguns participavam nelas, eu quase sempre, um ou outro furriel ou sargento, e ocasionalmente um alferes que se juntava, não sei os critérios porque não era da minha organização.

Agora que havia uma segregação entre tropa branca, segundo os escalões, é verdade, mas só constato isso agora por estarmos a falar, senão para mim seria o normal, porque não vi nunca outra postura de solidariedade, para todos.

Quando o Luis diz que não se sentou junto dos seus soldados no refeitório ou outro local , acredito, mas para mim isso foi uma normalidade.

Os meus cumprimentos e abraços
Virgilio Teixeira


2025 M05 21, Wed 00:15:54 GMT+1




2. Excerto do poste P1009 (*)


Manuel Vieira Moreira  (1945-2014) (ex-1.º cabo mecânico auto, CART 1746, Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69; natural de Águeda; ppoeta popular e letrista de fados, entrou paraa Tabanca Grande em 27/11/2008; tem 33 referências no blogue).

O destacamento da Ponta do Inglês, na foz do Rio Corubal, subsetor do Xime, setor L1 (Bambadinca), era um dos sítios mais desgraçados da Guiné.  Foi dos aquartelament0s abandonados pelas NT logo no início do "consulado" de Spínola.

 

CANÇÃO DA FOME

por Manuel Vieira Moreira (1945-2014)


Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês,
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da Guiné.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao sol
Junto ao rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
Manuel Vieira Moreira.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968


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Notas de L.G.

(*) Vd, poste de 20 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26821: S(C)em Comentários (67): P*rra, dou agora conta, 50 e tal anos depois, que nunca me sentei no rancho geral, para partilhar uma refeição com os meus cabos, que eram metropolitanos, e que tinham uma barriga igual à minha... Em Bambadinca, existia o "apartheid", nobreza, clero e povo, devidamente segregados, em termos sociais e espaciais (Luís Graça)


Vd. também poste de 19 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26816: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (40): Quem não arrisca, não petisca

(**) Vd. poste de 31 de julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433): Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, li as crónicas do Fur Mil Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Em mensagem enviada ao blogue, o nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), a propósito do seu incidente, contado no post P26820 de ontem, conta-nos como um acaso de pesquisa na net, o levou até um camarada da CCAÇ 2314, o ex-Fur Mil Joaquim Caldeira, que comandava a coluna apeada que saiu de Tite em direcção a Nova Sintra. Neste percurso, o malogrado soldado da CCAV 2483, de seu nome Domingos da Conceição Verdade Ventinhas, natural do Concelho de Moura, pisou uma mina antipessoal reforçada, que além da sua morte, originou ferimentos graves ao Aníbal que seguia muito perto dele.
O título do texto que se segue diz tudo.



1 - EMOÇÕES E AMIZADES FORTES

Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, na Guiné, tive acesso ao Blogue do Batalhão de Artilharia 1914, que o meu, Batalhão de Cavalaria 2867, rendeu na região do Quínara em Março de 1969.

Nele li as crónicas do Furriel Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (ver recorte de imprensa abaixo). Fiquei com muita curiosidade e vontade de falar com o Caldeira.

Através do mensenger do facebook fiz-lhe chegar, em 30/11/2016, a seguinte mensagem:

Amigo Joaquim Caldeira

Peço desculpa por o tratar assim, mas creio que não me levará a mal este tratamento. Não nos conhecemos pessoalmente, muito embora tivéssemos tido um contacto pessoal, no, para mim, trágico dia 04/08/69.

Na net, ao pesquisar informaçoes e relatos sobre Nova Sintra, encontrei as suas crónicas e numa delas a referência àquele dia trágico com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”. Eu era o vagomestre da CCAV 2483 sediada em Nova Sintra, que naquela madrugada chuvosa, fomos comboiados de Tite para Nova Sintra, numa coluna apeada que o meu amigo comandava e que segundo refere na crónica “tinha perdido os dois olhos”.

As lesões que sofri nos olhos e de que tenho sequelas, não foram tão graves quanto à aparência daquele dia. Estive quarenta dias no Hospital Militar de Bissau, trinta dos quais internado e dez na consulta externa. Nos primeiros vinte dias não via rigorosamente nada, para além das dores horríveis nos olhos.

E passo a apresentar-me. O meu nome é Aníbal (...) e quero agradecer-lhe o muito que fez por mim naquele dia.


Dias depois o Caldeira telefonou-me, mas não foi possível estabelecer qualquer conversa, tendo ele enviado a seguinte mensagem:

“Boa tarde, sou o Caldeira. Ainda estou comovido com a notícia de que, o homem que ficou cego naquela manhã, afinal vê. Levei quase 50 anos com estes demónios que me atormentavam desde então. Desculpa não ter conseguido falar. È muita emoção para gerir. Temos muito que falar , muitas memórias para recordar. Afinal, consegues ver e estou muito feliz por isso. Em boa hora me lembrei de escrever aquela aventura. Sem isso nunca teria tido paz e sossego. Também nunca cheguei a saber quem foi que pisou a mina. Assim que puder eu ligo. Ficas a pertencer ao meu grupo de combate.

Um abraço sentido,
J Caldeira”.


********************

Poucos dias depois o Caldeira, já refeito das emoções, voltou a ligar e então lembramos o acontecimento do tal dia, falamos sobre a vida pessoal e profissional de cada uma. Passamos a trocar mensagens nos aniversários, pela Páscoa e pelo Natal, mas faltava um encontro cara a cara para um melhor conhecimento pessoal. Tal tornou-se realidade no dia 22 de Setembro de 2018, data em que a sua companhia (CCAÇ 2314) realizou no Porto mais um almoço/convívio.
Fui convidado e estive presente.

Houve uma missa na Igreja do Cristo-Rei, à Boavista, e foi aí o local de concentração do pessoal. Só conhecia o Caldeira pela fotografia do facebook, bem como ele a mim. Ao chegar ao local identifiquei-o, embora estivesse de costas para mim. Os camaradas que o rodeavam não me conheciam e não sabiam o que ia acontecer. Toquei-lhe no ombro, ele virou-se e disse “tu és o Aníbal”.

Seguiu-se um abraço forte e emocionado por breves momentos e um humedecer dos olhos. Depois fixou-me olhos nos olhos e disse sentir uma enorme alegria pelo facto dos seus receios, de que ficara cego, não serem reais. Novo abraço e a minha apresentação aos seus amigos, dizendo, lembram-se daquela coluna apeada de Tite para Nova Sintra, em que um soldado desta companhia pisou uma mina e morreu e um Furriel tinha ficado sem ver?

Pois é, o ceguinho é este que está aqui à vossa frente e com os olhos bem abertos. Ficaram surpreendidos e satisfeitos e um deles à boa maneira da linguagem da tropa disse: "Oh pá, tiveste uma sorte do c@r@lho, nunca pensamos que voltases a ver, tanta a lama que tinhas na cabeça".

Seguiu-se a missa em homenagem a um camarada que falecera no ano anterior e a deposição de um ramo de flores na sua sepultura no cemitério da Foz do Douro, no Porto, seguida de animado almoço em Leça da Palmeira.

E ficou para sempre, a amizade, forte, sincera e desinteresada, construída na adversidade.

Arcozelo, 17 de Abril de 2025
Aníbal Silva



2 - UM TRONCO SEM PERNAS E SEM BRAÇOS

Lá vou eu, de novo, a caminho de Nova Sintra, desta vez comboiar alguns militares da unidade lá aquartelada. Meus, eram para aí vinte homens. De Nova Sintra apenas quatro. Mas alguém havia de fazer segurança para que eles chegassem bem. Saímos de Tite pelas três horas, numa madrugada chuvosa e escura. Pedi ao Zé Carlos, o enfermeiro, que seguisse ao meu alcance. Sempre poderiamos falar se fosse preciso.

Desta vez não me fazia acompanhar de guia, pois que o caminho era já sobejamente conhecido, embora nunca trilhássemos o mesmo. Lá fomos seguindo perto da picada que já nos era familiar, umas vezes à direita, outras à esquerda. Tínhamos passado Gatangó e informei, via rádio, que tudo seguia normal. A chuva era cada vez mais intensa, mas chuva civil não molha militares. A previsão de chegada era pelas oito horas e tinha combinado que um pelotão de Nova Sintra viria ao meu encontro logo, que houvesse luz para nos podermos juntar sem problemas.

BUMMMMMMMMMM... grande estrondo. Alguém tinha pisado uma mina. Após os procedimentos que se impunham, tentei saber quem tinha sido o infeliz. Mas ninguém sabia quem teria sido e não se via nada que pudesse indicar homem ferido. Tanto pior. Um soldado dos meus, já não me recordo de qual, disse-me que tinha voado por cima de mim e estava bastante ferido num braço, provocado pela queda. Entrguei-o ao Zé Carlos e continuei as buscas ajudado por quem estivesse são. Três homens vieram ter comigo. Um caminhava amparado pelos outros dois e pensei que estivesse encontrado o infeliz. Mas não. Era mais um, Furriel de Nova Sintra, que nunca cheguei a conhecer, que tinha perdido os dois olhos. Já não tinha dúvidas de que ainda havia outro. Este tinha os dois pés. O Zé Carlos não tinha mãos a medir e o Lourenço, o radiotelegrafista, não parava de comunicar com o Furriel Garcia, este em Tite, o que se ia passando.

Após algum tempo de buscas, alguém tropeçou numa coisa que parecia um corpo. Sem luz não era fácil saber do que se tratava, porque até podia ser um animal que tivesse, ao fugir de nós, ter pisado a mina. Fui verificar e após ter revirado o que restava, apurei que era uma cabeça presa a um tronco sem pernas e sem braços. Despi o blusão e embrulhei-o o melhor que pude, pedi a alguém que o carregasse e pedi ao Zé Carlos que o mantivesse vivo. A Força Aérea não evacuava mortos. A única maneira, disponível, era injetar CORAMINA e, sem saber, abreviámos-lhe a morte.

Pobre dele. Já não sentia sequer que vivia. Nunca cheguei a saber quem era. Chegados a Nova Sintra, consegui convencer a enfermeira paraquedista a levá-lo no avião, como se ainda estivesse vivo. Ela não era trouxa, mas compreendeu o meu problema, pois sabia que eu teria de carregá-lo de regresso a Tite, o que só poderia acontecer no dia seguinte durante a noite.

E assim se passou mais um episódio. Júlio Garcia, tu lembras-te muito bem. Comenta este episódio, tal como poderás comentar os restantes. Tu também os viveste. Só o Zé Carlos não pode por ter falecido pouco tempo após termos regressado a Portugal.

Joaquim Caldeira
Furriel Miliciano da CCAÇ 2314

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Notas do editor

Vd. post de 20 de Maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26820: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (11): O meu acidente

Último post da série de 4 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26764: (Ex)citações (432): Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Guiné 61/74 - P26824: Diálogos com a IA (Inteligência Artificial) (3): A festa do Tabaski entre os muçulmanos da Guiné-Bissau (com Armando Oliveira, Cherno Baldé, Catarina Meireles e Luís Graça)





Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > c. 1972/74 > "Festa do carneiro" ou Tabaski entre os muçulmanos da comunidade local

Fotos: © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O 
 Cherno Baldé é  o nosso "agente" em Bissau: na realidade, este "menino" de Fajonquito, hoje homem grande, pai de 4 filhos, casado com um bonita nalu (e cristã!), quadro superior com formação universitária na Ucrânia,  ex-URSS,  e em Portugal, hoje consultor independente na área de   desenvolvimento e gestão de empresas, representa todos os nossos amigos guineenses que não têm forma de comunicar connosco, e que mantêm, com os portugueses,  antigos combatentes, fortes laços afetivos, baseados numa experiência e num respeito comuns... 

E mais do que "agente", o Cherno é um grande conhecedor e apaixonado defensor do melhor que a sua terra tem, a sua cultura, a sua história, o seu património (material e simbólico), as suas línguas e as suas gentes... 

Ele é o nosso assessor  para as questões culturais, artísticas,  sociais, económicas e religiosas da comunidade fula a que pertence, com muito orgulho. E para questóes etno-linguística, em geral. 


Como já aqui o dissemos, era (e é) pouco santa mas grande a nossa ignorância em relação à religião e demais aspetos da cultura dos guineenses, fossem (ou sejam) eles animistas, muçulmanos ou cristãos ("grumetes") (*)

Há 50 anos não  havia ainda a Internet, nem muito  menos os assistentes de IA - Inteligência Artificial, que vierem tornar obsoletas as nossas enciclopédias. (Tenho algumas, em português e inglês, que os meus filhos irão vender ao quilo; por enquanto ainda não me desfaço delas, têm um valor afetivo...). 

Em muitas questões relacionadas com religião, língua, cultura, história, etc. da Guiné-Bssau, eu não dispenso o sábio e sempre ponderado e bem vindo comentário do nosso assessor Cherno Baldé, bom guineense e melhor muçulmano que sabe muito mais de nós (e dos nossos)  do que nós dele (e dos seus).


II. Perguntámos ao ChtaGPT (e ao Gemini IA /Google) (**): 

"O que é a 'festa do carneiro' entre os muçulmanos da Guiné-Bissau ?


A. Resposta pronta do ChatGPT em Português ("Chatbot adaptado à cultura e linguagem portuguesas, com foco em educação e respeito")... 

A "festa do carneiro", como é popularmente conhecida na Guiné-Bissau, refere-se à celebração do Eid al-Adha, também chamado de Tabaski em muitos países da África Ocidental. É uma das datas mais importantes do calendário islâmico, comemorada por muçulmanos em todo o mundo, incluindo a vasta comunidade muçulmana da Guiné-Bissau.

Significado religioso:

O Eid al-Adha celebra o ato de fé e obediência do profeta Ibrahim (Abraão), que, segundo a tradição islâmica, estava disposto a sacrificar o seu filho Ismael em obediência a Deus. No entanto, Deus substituiu o filho por um carneiro, que foi sacrificado no seu lugar.

Como se celebra na Guiné-Bissau:

Na Guiné-Bissau, esta celebração tem características culturais e comunitárias muito próprias:
  • Sacrifício do carneiro: Famílias muçulmanas que têm condições financeiras compram um carneiro para sacrificar, simbolizando o sacrifício feito por Abraão. O animal deve ser abatido de acordo com os preceitos islâmicos.
  • Partilha da carne: A carne do animal é geralmente dividida em três partes – uma parte para a família, uma para familiares e amigos, e outra para os mais necessitados, reforçando o espírito de solidariedade.
  • Orações comunitárias: De manhã, as pessoas reúnem-se em grandes espaços abertos para realizar orações especiais em conjunto.
  • Momentos de convívio: É também um momento de união familiar, onde se vestem roupas novas ou tradicionais e se visita familiares e vizinhos.
  • Relevância social: A festa tem um grande impacto na vida social e económica do país, com movimentações nos mercados, nas aldeias e nas cidades.

Este é um evento muito aguardado e vivido com grande fervor religioso e sentido comunitário na Guiné-Bissau.

Se quiseres saber mais sobre tradições religiosas ou culturais no mundo lusófono, explora gptonline.ai — está cheio de conteúdos úteis!
 

B. Resposta do Gemini IA / Google:

A "festa do carneiro" entre os muçulmanos da Guiné-Bissau é a celebração do Eid al-Adha, também conhecido localmente e em outras partes da África Ocidental como Tabaski.

Esta é uma das duas maiores e mais importantes festividades do calendário islâmico (a outra é o Eid al-Fitr, que marca o fim do Ramadão). 

O Eid al-Adha comemora a disposição do Profeta Ibrahim (Abraão) em sacrificar o seu filho Ismael (na tradição islâmica) como um ato de obediência a Deus. No entanto, Deus interveio e substituiu Ismael por um carneiro (ou outro animal), que foi então sacrificado em seu lugar.

Assim, a principal característica desta festa é o sacrifício ritual de um animal, geralmente um carneiro, mas também pode ser uma cabra, vaca ou camelo, dependendo das possibilidades da família. A carne do animal sacrificado é tradicionalmente dividida em três partes: uma para a família que realizou o sacrifício, uma para os parentes e amigos, e uma para os pobres e necessitados.

Para além do sacrifício, o Eid al-Adha na Guiné-Bissau, assim como em outras comunidades muçulmanas, é um momento de:

  • Orações especiais (Salat al-Eid): Os muçulmanos reúnem-se em mesquitas ou espaços abertos para realizar orações congregacionais;
  • Reuniões familiares e sociais: As pessoas vestem as suas melhores roupas, visitam familiares e amigos, trocam cumprimentos e partilham refeições festivas;
  • Atos de caridade e generosidade: É um momento para ajudar os menos afortunados, oferecendo-lhes comida e apoio financeiro;
  • Reflexão e renovação da fé: Os muçulmanos lembram-se da história do sacrifício de Ibrahim e reafirmam a sua fé e submissão a Deus.

É importante notar que a data exata do Eid al-Adha varia a cada ano, pois é baseada no calendário lunar islâmico. As celebrações geralmente duram alguns dias. Na Guiné-Bissau, como em outros países com populações muçulmanas significativas, o Tabaski é geralmente um feriado nacional.

Guiné-Bissau > Bissau >  2004 > Festa do Tabaski (ou do carneiro) (em árabe, Aïd el- Kebir ou Aïd el-Adha) > O nosso grã-tabanqueiro Cherno Baldé com os seus 4 filhos...  A festa do Tabaski (designação corrente nos países de forte tradição muçulmana da África ocidental)  é, a seguir à festa do fim do Ramadão, a mais importante do Islamismo, equivalente ao Natal cristão. A data é variável, em 2015, foi a 24 de setembro. (***)


"Segundo o Islamismo, o filho herdeiro de Abraão foi Ismael e não Isaac. Esta festa é a comemoração do Livramento, do filho de Abraão que foi substituído por um cordeiro no momento exato em que seu pai iria sacrificá-lo, em obediência ao Senhor. Esta providência divina livrando (segundo o Islão) a Ismael, pai da nação árabe e antepassado do profeta, é lembrada anualmente por todo o povo muçulmano, como a Festa do Sacrifício ou a Festa do Cordeiro." (Fonte: Ordidja)

Foto: © Cherno Baldé (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legenda: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Região de Bissau > Tabatô > 28 de Novembro de 2009 > A festa do  Tabaski... em que pela 1ª vez participaram três europeus, não-muçulmanos, duas portuguesas e um espanhol... 

Tabatô passou-nos completamemte ao lado, ao tempo da guerra colonial. Era uma aldeia, discreta e pacífica, de músicos e construtores de instrumentos músicos, com raízes ancestrais no antigo império do Mali e depois no reino do Gabu, Fica a 10 km, a nordeste de Bafatá, do lado direito da estrada que segue para Contuboel (e a cerca de 15 km, a sul desta povoação, onde alguns de nós estiveram no respetivo Centro de Instrução Militar, em 1969). É a terra natal do nosso grão-tabanqueiro Mamadu Baio, músico. 

Uma das portuguesas que participou no Tabaski de 2009  foi a Catarina Meireles, médica (minha antiga aluna de saúde pública, em 2007, na ENSP / NOVA), que aparece  aqui com uma criança mandinga ao colo.

Foto (e legenda): © Catarina Meireles (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


III. Resposta do Cherno Baldé, em comentário ao poste P16801 (*)

O conjunto das fotos (*)mostra diferentes momentos da vida da tabanca, as primeiras fotos, de 1 a 3 mostram o dia da festa do Tabaski, a cerimónia que faz referência à fidelidade do Patriarca/Profeta Abraão para com o seu Deus ao sacrificar o seu único filho (Isaac para os cristaáos e Ismael para os muçulmanos). 

As outras fotos (4 e 5) podem não estar associadas à festa do Tabaski, mas de outras festividades como o Fanado de rapazes e/ou o aparecimento de Cancurans.

Cordialmente,

Cherno AB
2025 M05 15, Thu 16:46:59 GMT+1

Sobre o Ramadão (22 referências), vd. aqui (incluindo comentários do Cherno Baldé).


IV. O Tabaski em Tabatô, pela Catarina Meireles, é um texto de antologia do nosso blogue. Não nos cansamos de o reproduzir, aqui, pela terceira vez (****):

O Tabaski em Tabatô

por Catarina Meireles

No passado fim de  semana (26-27 de novembro de 2009) fui ao Tabaski  − cerimónia de imolação do carneiro (por analogia: Páscoa dos Muçulmanos).

Depois de muitas resistências, dúvidas, declinações... lá consegui que me deixassem assistir ao ritual ("eucaristia") numa tabanca perto de Bafatá, de seu nome Tabatô  
−  muito especial, particularmente pela sua forma de vida comunitária, que assenta na música e dança étnicas.  São fabulosos!

Fui com mais uma amiga (portuguesa) e um amigo (espanhol). Vestimos roupas típicas, ocupámos as posições indicadas (segundo a ordem social vigente) e imitámos tudo o que nos diziam para fazer... E não me senti diferente... ao contrário, até me senti mais especial!

No fim do ritual, chamaram-nos (aos 3 brancos) para junto dos Homens Grandes e ajoelhámos-nos em círculo.

Para quê? Para dar graças a Alá por esta dávida  
− pela primeira vez 3 brancos visitaram aquela tabanca no dia do Tabaski. Era um sinal divino de prosperidade e de vida longa (incluindo para nós!)

As explicações foram reforçadas várias vezes para que percebessemos o quão importante e bem-vinda era a visita dos 3 brancos.

Eu disse:

 
− Sim, 3 é número sagrado!

Eles rejubilaram com o entendimento do misticismo!

Foi-me pedido que falasse... e falei. Pedi uma cadeia de união 
−   corrente de mãos dadas. 

 Expliquei como fazer e disse:

− Não há preto, não há branco, somos todos irmãos... daí esta cadeia de união.

E do meu lado esquerdo soou uma voz meiga, dum dos homens que me acolheu nas 3 vezes que fui a essa tabanca:

 
− Obrigado, Fátima de Portugal!

Catarina Meireles

Bafatá, 1 de Dezembro de 2009 (****)

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)
(****) Vd. poste de 8 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6695: Memória dos lugares (89): Bafatá, Tabatô, Tabaski 2009: Não há preto nem branco, somos todos irmãos, disse a Fátima de Portugal numa cadeia de união... (Catarina Meireles)

terça-feira, 20 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26823: (In)citações (270): Um abraço forte, fraterno e amigo, ao cor inf ref Vasco Lourenço (Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 2592 / CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)


Guiné > Bolama > Centro de Instrução Militar > CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 > 1969 > Da esquerda para a direita, os furriéis milicianos Eduardo Estrela, o Manuel Ramos Marques Cruz (de Vila Real de Santo António, já falecido) e o António G. Carvalho.

Foto (e legenda): © António G. Carvalho (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Três mensagens de Eduardo Estrela:

(i)  ex-fur mil at inf, CCAÇ 2592/CCAÇ 14 (Cuntima e Farim, 1969/71); 

(ii) partimos juntos no T/T Niassa, em 24 de maio de 1969;  mas só nos conhecemos pessoalmente há pouco tempo, na Tabanca da Linha, em Algés;

(iii) é de Faro, reformou-se como téncico de seguros, vive em Cacela, Vila Reald e Santo António;

(iv) integra a Tabanca Grande desde 29/2/2012;

(v) tem mais de 4 dezenas de referências no nosso blogue;

(vi) faz teatro amador, o que é uma excelente atividade, e um dos melhoras formas de um antigo combatente prevenir o risco de se tornar protésico, radioativo, parkinsónico e alzheimareado


1. Data - segunda, 5/05/2025, 23:38


Assunto . Pontos de vista


Lá, onde deixámos o coração a alma e dois dos nossos melhores anos de meninos e moços, opinávamos, comentávamos e praticávamos a partilha do pensamento , mesmo que contraditório

Tudo ao momento e sem medos. Esses, os medos, advinham do não saber nem adivinhar o instante seguinte.

Vivia-se na e/ou para a ocasião. O futuro era o agora. O presente e o passado a fonte onde merulhávamos a esperança.

És o português que encenou e teve a coragem de iniciar os contos da verdade e se assim não tivesse sido e porque a memória é curta, tudo seria adulterado em prol de interesses obscuros.

Mal, fomos executores duma adulterada palermice em nome de equívocos.

Tenho saudades dos meus primeiros tempos de bloguista. Comentava e.... imediatamente surgia o que achava oportuno mencionar.

Agora é estranhamente cansativo escrever para um quadro vivo que desaparece e (felizmente ) na maior parte das vezes ressuscita.

Será que o guião pode voltar a ser mudado, Luís?

Grande abraço, Eduardo


2. Data - 30/04/2025, 04:01

Assunto - Sabemos !

Boa noite camarada, companheiro, amigo e escravo da idiotice.

Ambos sabemos!...  Glória aos homens que vindos da academia militar souberam racionalmente dar o impulso final ao estertor lento dum regime caduco. Mas... e a história nunca nos fará menção desse facto, vai ignorar que fomos nós, os milicianos , filhos do povo denominado mais profundo, aqueles que produziam a riqueza que os poderosos gastavam em orgias capazes de alimentar condignamente uma sociedade empobrecida e explorada, que a pouco e pouco fomos minando o dique da hipocrisia e da alarvice. 

Nós é que éramos a charneira da decisão e do executar. Profissionais da guerra contam-se pelos dedos aqueles que afrontaram ao nosso lado os medos, as angústias, o desconhecido, a infâmia de nos sentirmos marionetes descarcarteis duma vontade oculta e apodrecida.

O amor pelo país não se rege por questões de finança, nem de estrato político, intelectual,  moral e ou social.

Acima de tudo a decência e o decoro.

Caminhamos alegres e convictos para a meta. A mesma alegria que tinhamos quando na " nossa " querida e adorada Guiné, cantávamos, Zeca, Fanhais, Adriano, Ary, Alegre , Aleixo e toda a legião de mensageiros da mudança enquanto a metralha caía.


Capa do livro "No Regresso Vinham Todos", de Vasco Lourenço (originalmente publicado pela Editorial Notícias, Lisboa, 1978, 104 pp.)
 

Tive o privilégio de ter como camarada de armas um homem que foi um dos elementos mais importantes do derrube do fascismo
.
O meu grupo de combate esteve integrado na sua companhia no final da minha comissão , depois de termos estado juntos, em unidades militares diferentes em Cuntima
.
Um abraço forte fraterno e amigo ao coronel Vasco Lourenço. Eu sei que muitos não se reveem na figura e na postura dum dos homens que me deu no dia 25 de Abril de 1974 a alegria de começar a pensar que as naus do império nunca mais iam transportar nos seus porões carne para canhão.

Mas nós, os milicianos, fomos a mecha lenta que projectou a mudança.

Grande abraço,  Luís


3. Data - sábado, 29/03/2025, 22:31

Assunto . Imaginação relembrada



São 21,47 do dia 29 de março de 2025. Tenho na minha frente uma televisão desligada, uma estante com livros, um armário cheio de memórias e recordações alicerçadas em fotografias .

Lá, tínhamos a entrega, o compartilhar de emoções , a confissão de desgostos e a procura da amizade do amor e do carinho que todos os seres vivos necessitam.

Somos filhos duma época cheia de contradições e onde o respeito pelos outros era meta de somenos importância.

Mas soubemos,  no infortúnio de quem nos lançou na alienação intelectual e humana. construir pontes.

Hoje partiu um amigo . Não sei mas vou saber, para onde o lançaram na sua juventude. Era um moço dos nossos tempos de mais jovens do que agora somos.

E a pouco e pouco o filho de puta do Caronte vai arrebanhando os filhos do sonho.

O teu projecto Luís, permite a possibilidade de continuarmos a acreditar no Homem. B
em hajas

Abraço do tamanho da Guiné ao sítio onde nascemos.
Eduardo
____________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de fevereiro de 2012  Guiné 63/74 - P9548: Tabanca Grande (322): Eduardo Estrela, ex-Fur Mil da CCAÇ 14 (Cuntima, 1969/71)



(...) Sou o ex-Fur Mil Eduardo Estrela e enquadrei o início da CCaç 14, originalmente CCaç 2592.

Embarcámos para a Guiné em 24 de maio de 1969 e,  depois de termos dado instrução aos militares africanos que compunham a Companhia (dado e recebido, pois muitos deles já tinham experiência de combate), partimos em 3 de novembro de 1969 para a zona operacional que nos tinha sido destinada, Cuntima, junto à linha de fronteira do Senegal.

Ainda em Bolama, onde a instrução foi dada e recebida e depois de uma operação mal programada para a zona de S. João, onde as CCaç 13 e CCaç 14 podiam ter sofrido sério revés, face ao local de desembarque escolhido, extremamente lodoso e onde vi camaradas atolados até à cintura, ainda em Bolama dizia, sofremos, à hora da saída da LDG, um ataque onde o PAIGC utilizou pela primeira vez foguetões terra-terra. Ninguém sabia que tipo de armamento o PAIGC utilizara e só em Bissau, no dia seguinte, nos foi comunicado o tipo de arma.

Em Cuntima, a actividade operacional era intensa pois estavam no mato permanentemente 2 ou mais grupos de combate, por períodos de 48 horas. A guarnição de Cuntima normalmente composta por 2 Companhias operacionais, Pelotão de Obuses e Pelotão de Milícias, para além das interdições ao corredor de Sitató, fazia picagens à estrada, escolta às colunas para Farim, segurança próxima e afastada ao aquartelamento e as operações militares que obrigavam a utilização de maiores meios.

(..) Aquando do reordenamento de Cuntima, as colunas a Farim eram diárias e o desgaste físico e psíquico muito grande, pois volta não volta o PAIGC aparecia. O meu grupo de combate foi o primeiro a transitar para Farim, no início de dezembro de 1970 (...)  e durante um mês estivemos a reforçar a CCaç 2549 estacionada em Nema, a qual tinha estado anteriormente connosco em Cuntima.

Em Farim fazíamos interdição ao corredor de Lamel, numa época em que o PAIGC estava muito activo. De tal modo activo que entre o início de dezembro de 1970 e meados de janeiro de 1971, a guarnição do Batalhão 2879 sofreu na zona de Lamel 14 mortos, uns em combate e outros por acidente resultante de actividade operacional. Para além dos camaradas falecidos, também houve muitos feridos.

No final de 1970, o meu grupo de combate regressou a Cuntima e só no início de fevereiro de 1971 a CCAÇ 14 foi para Farim, tendo o meu grupo ficado em Cuntima para dar sobreposição à Cart 3331, até ao fim de fevereiro.

Mas a "actividade operacional" que mais me agradava, eram os "golpes de mão" que fazíamos à messe ou ao bar e onde através duma "emboscada" bem montada, agarrávamos a amizade a fraternidade e a comunhão de alegrias e tristezas, partilhadas por irmãos que fomos e que sei, continuamos a ser. (...)

Guiné 61/74 - P26822: Lembrete (52): Há já 59 magníficos inscritos para o 61º almoço-convívio da Tabanca da Linha, 5ª feira, dia 29 de maio, em Algés... Prazo-limite de inscrição: até ao fim de 2ª feira, dia 26


Jorge Rosales (1939-2019) |  José Manuel Matos Dinis (1948- 2021): Sempre presentes!



Cascais > Estrada do Guincho > Restaurante Oitavos > 20 de novembro de 2014 >  XVII Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, o almoço (antecipado) de Natal. Reuniu 55 convivas, o dobro do habitual naquele tempo. Sem publicidade, sem alardes. O pestisco foi o consagrado e aclamado arroz de marisco da casa (Restaurante e Casa de Chá,  "Oitavos").

 O sítio era encantador, rodeado de verde, de mar e de chuva... Ao fim da tarde, o sol apareceu, a dar um ar de sorriso... natalício. 

Acima pode ver-se a magnífica mariscada que, durante uns tempos, foi um dos "ex-libris" ou ícones do serviço de "catering" da Tabanca da Linha... O segredo estava bem guardado, dizia o "régulo" da tabanca, o Jorge Rosales (1939-2019), quando a gente lhe perguntava quem eram o fornecedor e o cozinheiro...

 O Manuel Resende, na época, era apenas o fotógrafo privativo da Tabanca da Linha... A morte do "régulo" Jorge Rosales (em 2019) e do seu "secretário" José Manuel Matos Dinis (em 2021)  foi um duro golpe para os os "mangníficos"...

O Manuel Resende tem sido, desde então, um digno sucessor!... E no próximo dia 29 de maio volta a chamar-nos a capítulo!...Ele está esperançado que o segundo e último piso do Restaurante Caravela d'Ouro, em Algés, se encha (lotação: 80/100 lugares). À data de hoje, já somos 59 os inscritos. (*). 

Aproveitamos para "matar saudades" dos dois régulos anteriores, republicando os versinhos natalícios que  fizemos à Tabanca Grande em 2014.


Fotos (e legenda): © Manuel Resende (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Bluís Graça & Camaradas da Guiné]


Homenagem à Magnífica Tabanca da Linha


É uma espécie em extinção,
Mas já foi raça danada,
Sem saúde nem patacão,
Quer apenas ser lembrada.

É malta, não é gentinha,
È feita de sangue, carne e osso,
São a Tabanca da Linha,
Uns pró fino, outros pró grosso.

Calcorreando montes e vales,
Pois é régulo e comandante,
A malta segue o Rosales
E mais o seu ajudante.

Dois rapazes dos Estoris,
Que vieram ao mundo p’ra sofrer,
O mais reguila é o Dinis,
E o mais pisco p’ra comer.

Dois cavaleiros andantes,
Qual Quixote e Sancho Pança,
Andaram sempre a penantes.
Na Guiné espetaram lança.

De Bissau a Buruntuma.
De Porto Gole a Bissá,
Perderam-se os dois na bruma,
Mas têm tabanca cá.

É uma tabanca real,
De pura e nobre linhagem,
Onde Guiné e Portugal
Fazem sua mestiçagem.

Em nome da Tabanca Grande,
Saúdo os Reais Tabanqueiros
Que, sem que ninguém lhes mande,
São bravos e leais companheiros.

Almoço-convívio de Natal
Oitavos, estrada do Guincho, Cascais,

Luís Graça
20/11/2014




Já são 59 os inscritos para o próximo convívio, dia 29, 5ª feira. (*). Fica aqui o lembrete: prazo de inscrição até ao final de 2ª feira, dia 26. Inscrições: 
Manuel Resende | Tel - 919458210
Mail - magnificatabancadalinha2@gmail.com
 

___________________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26243: Lembrete (51): Apresentação do livro "Encruzilhadas no Império", de Paulo Cordeiro Salgado, dia 9 de Dezembro de 2024, pelas 18 horas, na UNICEPE, Praça de Carlos Alberto, 128 - Porto