Quinquagésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Há algum tempo o “comandante” Luís Graça comentando uma
qualquer coisa a que eu vou chamando, um “texto”, ou um “post”, que
na verdade só é legível com a preciosa paciência e ajuda do Carlos
Vinhal, dizia uma frase onde mencionava, “ a tua Mansoa City”.
Talvez brincando com a história do conflito que por lá vivemos,
aquilo em alguns princípio de mês, não era bem a “Mansoa City”, mas
talvez, Las Vegas, Las Vegas, ou mesmo Atlantic City e, o
aquartelamento em construção, talvez fosse o “Bellagio”, o “Caesars
Palace”, o “Mandaly Bay” ou mesmo o “New York New York”.
Tudo se passava nos aposentos do furriel, que por sinal andava
sempre a fumar um cigarro feito à mão e, aquelas “jornadas” de
“lerpa” ou “montinho”, que se prolongavam pela noite dentro, só
terminando quando uma das três coisas acabasse primeiro, que eram,
os cigarros, o álcool, ou o escuro da noite, com o regresso da luz do
dia.
Durante o dia, o Cifra carregava, à frente de todos, uma caixa de
cerveja e talvez uma garrafa que devia ser do tal “whisky Vat 69”,
que vinha da Escócia, onde algumas garrafas traziam a legenda que
dizia mais ou menos, “for portuguese military, with love”, talvez
fosse roubada, ou talvez não, mas vinha da messe dos sargentos, onde
o Cifra fazia as contas, pois o bom do sargento dava-lhe uma certa
liberdade, até diziam que era “burro”, mas devia de ser só fama, pois
ele tinha muita competência para naquelas circunstâncias, dar de
comer àquela gente toda e, era uma pessoa de muito bom trato.
Depois era a noite de “jogatana”, onde os “pesos” se
acabavam para alguns, cresciam para outros, onde ninguém ficava
“teso”, pois tal como os cigarros, quando estavam quase sem
dinheiro, logo se pedia emprestado aos que naquele momento
estavam a ganhar, mas no final, quando terminava o jogo, ninguém
devia nada a ninguém, quem ganhasse, ganhou e, o que se passou,
passou e, tal como em Las Vegas, “what happens in Las Vegas, stays
in Las Vegas”, aqui era o mesmo, tudo ficava e “morria” dentro
daqueles aposentos, ao outro dia, era outro dia e ninguém falava em
dívidas ou lucros.
E, já que estamos a
falar naqueles militares
que por lá estavam,
aquilo não era bem
como o professor
Silvestre nos explicava,
na então escola fria, do
adro da vila de Águeda,
em que nos dizia que
havia três classes de
pessoas, que era “o
Clero, a Nobreza e o
povo”, mas lá em Mansoa também havia algumas classes de
militares, eram os soldados, cabos, furriéis e alferes milicianos, que
se tratavam quase “tu cá, tu lá”, depois eram os capitães e os majores, dos quais nós tínhamos algum receio e muito respeito, assim como ao
nosso comandante, que era um tenente-coronel, mas de melhor trato
que alguns desses capitães e majores.
Naquele aquartelamento em Mansoa, pelo menos enquanto o Cifra
ali esteve estacionado, não havia as formalidades usadas e ensinadas
aos militares, quando receberam a instrução básica, no quartel em
Portugal, não havia toque de clarim pela manhã, ou em qualquer outra
ocasião do dia, pelo menos os mais velhos e que já se conheciam,
respeitavam os seus superiores, acatavam as suas ordens, claro, havia
sempre excepções, como no caso do Curvas, alto e refilão, mas
mesmo esse militar nunca levou qualquer castigo disciplinar, pelo
contrário, mas um simples, olá meu sargento, como está meu alferes,
muito bom dia meu capitão, o meu major passou bem? Só havia um
major que queria
saudação, mas quase
todos o evitavam. Os
furriéis e alferes
milicianos, pelo menos
os que estavam
estacionados no
aquartelamento,
conviviam com os
soldados, quase de
igual para igual.
Só ao comandante é que se dizia: Vossa Excelência dá licença, com a
respectiva saudação, ao que ele dizia sempre, que não queria
salamaleques, só queria que o respeitassem e tivessem disciplina nas
suas funções, pois estávamos todos no mesmo barco, embora com
diferentes responsabilidades.
Às vezes, quando as notícias não eram tão boas, ficava com cara de
comandante e, quase todos o evitavam.
As horas das refeições estavam marcadas numa lista no refeitório,
com o nome da companhia ou pelotão, e quase todos respeitavam.
Mais tarde, como o movimento de militares aumentou, pois chegou a
haver quase três vezes mais militares no aquartelamento, já havia
umas certas regras, e houve até alguns casos de disciplina, mas nunca
houve o toque de clarim, nem qualquer chamada de recolher.
Quando alguns ficavam a falar até um pouco mais tarde no dormitório,
bastava um dizer um pouco mais alto: Calem-se, caral..! - Há malta que tem de sair pela madrugada.
E quase todos se calavam.
Tony Borie, Abril de 2014.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13088: Bom ou mau tempo na bolanha (54): Caravelas, Bolanhas, Índios & Cowboys! Hoover Dam (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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