sexta-feira, 9 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13119: Notas de leitura (587): "Um Sorriso para a Democracia na Guiné-Bissau", por Onofre dos Santos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2013:

Queridos amigos,
O Dr. Onofre dos Santos participou em vários atos eleitorais na Guiné-Bissau, em 1994 e depois no período de 2003-2005. É um amante fervoroso da Guiné e não o disfarça.
Este livro reporta-se às eleições de 1994, são minuciosamente versadas, mostra-se a legislação, os partidos em competição, a estimulante educação cívica desenvolvida no período que procedeu o ato eleitoral, ouvem-se os comentários e os sonhos por quem suspirava por aquela ansiada alvorada democrática, pois pareciam franqueadas as portas da democracia multipartidária. Este livro é um testemunho e um registo e uma referência obrigatória para o estudo do que aconteceu na Guiné-Bissau entre 1991 e 1994.

Um abraço do
Mário


Um sorriso para a democracia na Guiné-Bissau, por Onofre dos Santos

Beja Santos

De Onofre dos Santos já aqui se fez recensão ao seu importante livro “Eleições em tempo de cólera”(*), de 2006, a reunião das suas lembranças do período em que viveu na Guiné-Bissau entre 2003 e 2005. Anteriormente Onofre dos Santos estivera na Guiné-Bissau na Missão de Observação Eleitoral das Nações Unidas a propósito das eleições de 1994 que pareciam marcar definitivamente a entrada da república da Guiné-Bissau no quadro dos países africanos em busca de uma legitimidade democrática fundada na livre escolha dos eleitores. É dessas eleições que ele escreveu o livro “Um sorriso para a democracia na Guiné-Bissau”, edição de autor, 1996.

Como ele escreve à guisa de introdução, a Guiné-Bissau era o penúltimo dos cinco PALOP a adotar um figurino democrático depois de uma década e meia de sistema de partido único. Nas eleições presidenciais houve segunda volta entre Nino Vieira e Koumba Yalá, foi um processo vibrante e com consequências no futuro. Para se chegar a essas eleições, durante três anos e meio decorreu um processo de democratização que começou pelo reconhecimento da democracia multipartidária, foram produzidas várias leis constitucionais, alterou-se a lei da imprensa, o estatuto dos jornalistas, regulou-se o acesso dos partidos políticos aos meios de comunicação social, aprovou-se a liberdade sindical, etc. Entrou em funcionamento uma Comissão Multipartidária de Transição para preparar a realização de eleições. É possível imaginar as polémicas e fricções que este processo de democratização suscitou, tanto na Assembleia Nacional Popular como nos partidos políticos.

Em 1993 foi criada a Comissão Nacional de Eleições, surgiu apoio da comunidade internacional, mormente para o financiamento do recenseamento e montagem de todo o aparelho eleitoral. Onofre dos Santos depois de apresentar este cenário onde iriam decorrer as eleições de 1994, apresentou o país de uma síntese. É desse punhado de reflexões que se retira o que ele escreveu sobre a integração falhada de Cabo Verde: “A falhada experiência de integração, projetada no próprio nome do PAIGC, nascera de um objetivo anticolonial, confirmado por uma luta sangrenta travada nas florestas da Guiné-Bissau, na qual os cabo-verdianos tiveram uma ação relevante.

A experiência colonial conjunta, a unidade cultural e étnica e o imperativo pan-africanista da unidade do continente africano, os laços seculares entre os dois países não foram suficientes para superar o ressentimento latente e profundo em relação aos cabo-verdianos, associados à presença colonial portuguesa de quem ao longo de um século foram os melhores agentes, em consequência do relativamente alto índice de alfabetização no arquipélago, onde todos os habitantes eram arbitrariamente classificados como civilizados e gozavam, pelo menos teoricamente, do mesmo estatuto legal que os portugueses metropolitanos.

De facto, a experiência colonial de Guiné e Cabo Verde, embora conjunta, teve traços de caracterização que as diferenciou, nomeadamente a interiorização pela elite colonial educada e predominantemente mestiça, da maioria dos pressupostos racistas de superioridades veiculados pela função civilizadora portuguesa e tanto bastou para que a clivagem se tornasse num fosse que desde a ascensão às independências respetivas impediu a sua maior aproximação e unificação”.

Onofre dos Santos dá-nos no seu livro um quadro abrangente do leque partidário e respetivos dirigentes, aflora as difíceis alianças a que não seriam alheios os fenómenos da fulanização e da falta de clarificação ideológica. Define depois o trabalho da Comissão Nacional de Eleições, como se processou o recenseamento eleitoral e dificuldades sentidas, como se pôs em prática um programa de educação cívica com a colaboração dos média e de formadores nas tabancas. A rádio teve um papel crucial tanto no recenseamento como na campanha e no acompanhamento minuto a minuto do ato eleitoral. A Comissão Nacional de Eleições produziu banda desenhada intitulada “A decisão está em ti” e que fazia parte do programa de educação física extensivo a todo o país. Segue-se uma apresentação quanto ao modo como a comunidade internacional interveio e apoiou o processo eleitoral. Na sequência desta exposição, o autor apresenta o sistema eleitoral, o controlo e fiscalização dos partidos políticos e o papel dos órgãos jurídicos, a que se segue uma curta abordagem sobre o papel dos observadores no processo eleitoral.

É do maior interesse o conjunto de referências que o autor apresenta sobre comentários dos candidatos como Nino Vieira, Cadogo (Carlos Domingos Gomes), Koumba Yalá, Victor Saúde Maria, François Mendy entre outros, fala-se de incompetência, violação dos direitos elementares, desastre económico, corrupção, promessas de paz e estabilidade, etc.

Entramos nas eleições legislativas e primeira volta das presidenciais, no caso das primeiras surgem reações, torna-se notório o fenómeno Koumba Yalá que procurou juntar todas as forças oponentes ao PAIGC logo que se soube que o PAIGC tivera mais votos que Nino Vieira, exigindo uma segunda volta. O PAIGC teve uma maioria de 62 lugares entre os 100 do parlamento com apenas 37 % dos votos obtidos. A Resistência da Guiné-Bissau – Movimento Bafatá teve 19 lugares e o PRS – Partido da Renovação Social 12. Quanto às presidenciais da primeira volta, Nino obteve 46,20 % e Koumba Yalá 21, 88%. Ia seguir-se o duelo entre Nino e Koumba, o fator étnico entrou em ação, houve mesmo pronúncios de violência e chegou a segunda volta das presidenciais em que as chuvas de Agosto dificultaram o acesso dos eleitores em certas zonas do país. Nino Vieira foi o vencedor com mais de 12 mil votos de diferença. A declaração final de Koumba teve a maior importância para o regresso à calma dos espíritos: “Estou contente, porque finalmente o povo da Guiné vai conquistar a liberdade”. Mas essa declaração não iludia a referência a atos de repressão e intimidação, arbitrariedades e corrupção eleitoral. Num surpreendente agradecimento, elogiou Rafael Barbosa, dizendo que na sua pessoa “está refletida a coragem e decisão dos guineenses na luta por dias melhores, em que não haja repressão, abusos, prisões arbitrárias nem quaisquer outros crimes que violem a dignidade da pessoa humana”. E continuou: “Se em termos de números perdi as eleições, em termos políticos ganhei-as largamente pois se o povo guineense mesmo atemorizado pela Segurança do Estado votou massivamente na minha candidatura, livremente ter-me-ia dado uma larga maioria do seu voto. E é essa vitória política que nos vai permitir a conquista de novas vitórias no caminho da democratização e construção do bem-estar da sociedade guineense juntamente com todos os que me apoiaram no quadro do conjunto da oposição”.

Em 18 de Agosto, tomaram posse os deputados eleitos à nova Assembleia Nacional Popular. Emerge como segunda figura do Estado Malan Bacai Sanhá, elogia-se a transição sem violência e sem ódio, o elevado grau de civismo dos guineenses. Bacai Sanhá comenta: “Esta terá sido a melhor homenagem que podia ser prestada a Amílcar Cabral e a todos os combatentes da liberdade deste país que pode ser pequeno no tamanho e ainda pobre nos seus recursos mas que é muito grande e principalmente rico na unidade que é conseguida na convivência de todos os dias e secular entre guineenses tão diferentes entre si”.

Esta a substância do livro de Onofre dos Santos. Infelizmente, os sonhos de Bacai Sanhá não se confirmaram.


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Notas do editor:

(*) - Vd. postes de:

28 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12908: Notas de leitura (576): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (1) (Mário Beja Santos)
e
31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12917: Notas de leitura (577): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13100: Notas de leitura (586): "O Tráfico de Escravos nos Rios da Guiné e Ilhas de Cabo Verde (1810-1850)", por António Carreira e "Mário Soares e a Revolução", por David Castaño (Mário Beja Santos)

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