quarta-feira, 26 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19921: Em bom português nos entendemos (21): quem chama "fula-preto" a quem ? (Luís Graça / Cherno Baldé)



"Fula" é uma marca de óleo, registada, do Grupo Sovena. "É a marca líder no mercado português de óleos vegetais", e está "presente nos lares portugueses há cinquenta anos," (Imagem reproduzida aqui com a devida vénia...).

A marca tem inclusive um sítio próprio na Net: www.fula.pt (, além de uma página no Facebook). Na história da marca diz.se: 

"O óleo Fula foi lançado há mais de 50 anos. Nasceu como óleo de amendoim puríssimo e a origem do seu nome está em África – Fula é o nome de uma conhecida tribo da Guiné. Conheça agora as datas mais relevantes da sua história. (...)"

Cá está, mais um exemplo, da eventual utilização abusiva do nome de um povo, "etnónimo", para promover  um produto... comercial, para mais  associado à colonização, ou seja, a um contexto histórico determianado: a mancarra, o amendoim, donde se extrai  óleo alimentar, foi uma cultura comercial, irrelevante para a segurança alimentar dos "indígenas", imposta pelo colonialismo europeu, em África, no séc. XIX... Infelizmente, o caju, hoje em dia, na Guiné-Bissau, uma desastrosa opção estratégica do PAIGC timnada a seguir à independência... Hoje os guuneenses exportam caju para importar arroz...

Acrescente-se, no entanto, que o Grupo Sovena reivindica, para si, valores como a multiculturalidade: 

(...) "Porque somos verdadeiramente uma empresa Glocal somos também multiculturais. De entre as mais de 1000 pessoas que trabalham no Grupo Sovena temos pessoas de quatro continentes e de mais de 15 países. Pessoas de diversas formações pedagógicas, de diversas profecias religiosas e de diversas etnias. Assim garantimos diversidade de abordagens, de conhecimento, de experiências de vida e, acima de tudo, de opiniões – o que nos permite sermos cada vez melhores." (...) (Fonte: Sovena Group > Missão,  Visão e Valores)

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A propósito do vocábulo "fula-preto" e da sua eventual conotação racista... Comentários de Luís Graça e Chernp Baldé (*):


(i) Luís Graça

Obrigado pelas tuas preciosas notas de leitura (*). Confesso que preciso de saber mais sobre a história dos teus antepassados e, em geral, do(s) povo(s) guineense(s)... Mas é um terreno armadilhado. Como eram povos sem escrita, foram em geral os europeus a escrever sobre os seus "usos e costumes" ou as suas andanças no espaço e no tempo...

Há alguns vocabulos e expressões que me causam algum desconforto, embora tenham entrado no nosso léxico do dia a dia... São manifestamente racistas, alguns, que eram utilizados no meu tempo, e são resquícios das sociedades escravocráticas: "trabalhar é bom para o preto", "trabalhar que nem um negro", "quem poupa seu mouro poupa seu ouro"... Outros são mais subtis, menos óbvios, mas não deixam de ser pejorativos: "ovelha negra da família", "mercado negro", "preto ou pretinho da Guiné", por exemplo... Ou "fula-preto" 'versus' "fula-forro"...

De quem será a autoria da expressão "fula-preto" ? Da etnografia colonial, imagino!?

A(s) nossa(s) língua(s) é(são) cruel (cruéis)...Basta dar uma vista de olhos aos provérbiods "populares", eivados de sexismo, machismo, misoginia, racismo... Sobre a mulher, por exemplo, há inúmeros provérbios, todos eles reveladores de uma mentalidade predadora e doentia, alimentada pelo mito judaico-cristão do pecado original, e que vê nela um ser desprezível mas diabólico:

"Da cintura para baixo não há mulher feia";
"De má mulher te guarda e da boa não fies nada";
"Debaixo da manta tanto faz a preta como a branca";
"Frade e mulher - duas garras do diabo";

Mas fiquemos, por agora, nos "fulas-pretos"... Quem chama "fula-preto" a quem ? E porquê "preto" ?


(ii) Cherno Baldé:

Caro amigo Luis,

Antes de falar sobre a estrutura social dos fulas, permitam-me corrigir um lapso no texto relativamente a data provável do nascimento de Mussa Molo (1845) e não 1945.

Quanto a categoria social (Fula-Preto), desconheço o autor, provavelmente Português, desta expressão que passou a designar uma categoria social dentro do grupo etno-linguistico da população dos Fulacundas (Fulas de Gabu) que habitavam no espaço do antigo império Mandinga, dentro do qual se integraram sem nunca deixarem de praticar a sua actividade economica fundamental de criação de gado e pastorícia ao mesmo tempo que, por força das circunstâncias, se interpenetravam entre si, social e culturalmente, tecendo fortes laços de complementaridade, de interdependencia e de mestiçagem.

Durante muitos seculos (e desde meados do sec.XIII), no espaço do Kaabunké, os fulas e outros povos sob dominio mandinga, trabalhavam, na agricultura e criação de animais, e as elites mandingas dominantes, seus clãs e suas numerosas linhagens de guerreiros, reinavam e viviam a custa de razias e do comercio, inclusive o comercio de escravos.

Para a realização destes trabalhos, sobretudo nos trabalhos agricolas para os quais os fulas não somente não tinham tempo suficiente, mas também não gostavam de fazer, era preciso arranjar mão de obra que se dedicasse exclusivamente a estes trabalhos menos nobres, do seu ponto de vista. E a solução era comprar "cativos" de diferentes origens tribais nas mãos dos mandingas que, desenraizados, educados e aculturados no meio fula, integravam as familias dos seus donos, formando uma categoria a parte ou a classe dos servos ou cativos.

Foram as pessoas oriundas dessa categoria de servos, trabalhadores essencialmente agricolas e doutras castas sociais tais como os Ferreiros, Tecelaos, artesãos de diferentes oficios é que receberam, durante a época colonial, a designação de Fulas-Pretos, para não ficarem com o nome altamente ultrajante de Cativos/Servos, isto é "Jiaabhé" na lingua dos fulas.

Claro que hoje este conceito está politica e socialmente morto
e enterrado, mesmo se subsistem alguns resquicios comportamentais e tentativas de segregação acompanhado de lutas e resistências subtis com base nesses conceitos que foram banidos juntamente com o dominio mandinga durante a guerra de libertação encabeçado por Moló Eguê, que mais tarde adquiriu o titulo de Alfa a semelhança das autoridades teocráticas do vizinho estado Futa-Fula que os inspirou e amparou.

Eu também não gosto da expressão, mas tratando-se de uma herança conceptual já não há nada a fazer a não ser contextualizar sempre que se usar a expressão para melhor cpmpreender as suas origens sociais.

Com um abraço amigo, Cherno Baldé


(iii) Luís Graça:

Peguei no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Lisboa, 2003), no Tomo IV FRE-MER, e lá estão grafados os vocábulos "fula-forro" e "fula-preto" (p. 1815)... [Convirá referir que esta é uma obra de referência, o mais completo dicionário da língua portuguesa, elaborado pelo lexicógrafo brasileiro Antônio Houaiss (1915-1999); a primeira edição foi lançada em 2001, no Rio de Janeiro, pelo Instituto Antônio Houaiss.]

Fula-preto: o termo é recente, proveniente da etnografia da Guiné-Bissau... Significado: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é mais carregado que a dos chamados fulas-forros"

Fula-forro: "fula da Guiné-Bissau cujo TOM DE PELE é menos carregado do que os chamados fulas-pretos"...

"Tom de pele" em maiúsculas ou caixa alta  é da minha responsabilidade... Em meu entender, é uma definição menos feliz, redutor, simplista, e até com conotação racista, ao sobrevalorizar uma caraterística fenotípica, o "tom de pele", para distinguir duas "subpopulações ou grupos" dentro do povo fula da Guiné-Bissau...(que não é uma "raça", mas tão apenas um grupo etnolinguístico... da subespécie humana "Homo Sapiens Sapiens").

A explicação do Cherno Baldé é muito mais satisfatória, para mim, que dou muito importância às questões sociolinguísticas... Obrigado, Cherno, isto merece um poste! (**)

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Notas do editor:

(*)  Bd. poste de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)


(**) Último poste da série > 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)

26 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Peço licença para meter a minha "colherada". Lembro que em português também existe a palavra "fulo" com o significado de furioso, entre outros.

Em Angola, que fica a milhares de quilómetros do fula mais próximo, a palavra "fula" também existe, embora não seja corrente, nem pouco mais ou menos. Esta palavra é usada para caracterizar um possuidor de um tom de pele mais claro do que o da generalidade dos angolanos negros, resultante de uma indefinida ancestralidade europeia, asiática e/ou bosquímana (ou khoisan). Entre os meus maravilhosos camaradas de armas angolanos contava-se um que caía nesta categoria. Ele mesmo não sabia de onde lhe vinha essa sua característica, pois se considerava negro, filho de negros, neto de negros e por aí fora, e natural do município do Caxito, a norte de Luanda.

A depreciação ou menorização dos africanos e dos negros em geral, na língua portuguesa, é talvez mais generalizada do que se possa imaginar. Estou a lembrar-me de palavras que tomaram significados negativos como "cambada", que vem do quimbundo kamba, que significa amigo, ou de "quezília", que terá vindo do quimbundo kijila, que no passado terá significado conversa.


Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, Angola 1972-74

Valdemar Silva disse...

Parece que ainda estou a ver os fulas, do leste da Guiné, a acompanharem os burros que transportavam sacos de mancarra, para os 'depositários' da Casa Gouveia.
Afinal, era para fabrico do óleo 'Fula' que ainda hoje é vendido por cá e, por tal sinal, bem mais caro que os outros óleos alimentares, mas de melhor qualidade para fritos em geral.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

As vossas colheradas são bem vindas... Afinal, somos todos falantes da língua portuguesa e membros de um blogue que, de acordo com a sua orientação editorial, não pode (nem deve) pactuar com o racismo e outros ismos...

Temos fama de ser um povo "aberto", acolhedor, tolerante, que lida mais ou menos bem com o "outro" que é diferente, em termos culturais... Temos que não embandeirar em arco: há manifestações de racismo em Portugal, há atitudes e comportamentos racistas, aqui como noutras partes...

Todos os povos tendem a ser racistas, ao serem "etnocêntricos", uns mais do que outros... E A língua de cada um de nós acaba por ser um "repositório vivo" das vicissitudes da nossa vida coletiva, ao longo da história: séculos de esclavagismo e de inquisição deixaram "marcas"... Por exemplo, o "negro" continua a ter uma forte carga de negatividade: "diabo negro". "mercado negro", "magia negra", "ovelha negra", "lista negra", "alma negra"... São apenas algns exemplos de expressões racistas que usamos sem pensar na sua origem... Porque é que dizemos "a coisa está presta" em vez de "a coisa está branca" ? Isto, sem falar de vocábulos que são mesmo agressivos para com os indivíduos, africanos ou de ascendência africana, com fenótipo não indo-europeu: por exemplo, "pretalhada"... LG
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pretalhada | s. f.

pre·ta·lha·da
(preto + -alho + -ada)
substantivo feminino
[Pejorativo] Conjunto de pessoas de etnia negra.


"pretalhada", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/pretalhada [consultado em 26-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Veja-se também o termo "judeu", que é multissémico, tal como "preto" ou "cigano" ou "monhé" ou "mouro"...

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judeu | adj. s. m. | adj. | s. m.

ju·deu
(latim judaeus, -a, -um)
adjectivo e substantivo masculino
1. Que ou quem professa a religião judaica. = HEBREU

2. O mesmo que israelita.

adjectivo
3. Relativo à Judeia, região da Palestina.

4. Relativo à tribo ou ao reino de Judá ou a Judá, nome de duas personagens bíblicas.

5. Relativo à religião judaica. = HEBRAICO, HEBREU

6. [Informal] Muito travesso.

7. [Informal, Depreciativo] Que gosta de fazer judiarias. = PERVERSO

substantivo masculino
8. [Informal, Depreciativo] Agiota, usurário.

9. [Popular] Enxergão.

10. Serra (peixe).

11. [Brasil] Feixe de capim com pedras, para a formação de tapumes, em trabalhos de mineração.


judeu errante
• Personagem lendária condenada a vagar pelo mundo até ao fim dos tempos.

• Indivíduo que viaja com muita frequência, que não se fixa num lugar.


"judeu", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/judeu [consultado em 26-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

cigano | adj. | adj. s. m. | s. m.

ci·ga·no
(talvez do francês antigo cigain, actual francês tsigane ou tzigane)
adjectivo
1. Relativo a ou próprio dos ciganos, povo nómada, de origem asiática, que se espalhou pelo mundo (ex.: canto cigano). = ZÍNGARO

2. [Linguística] Relativo ao cigano enquanto sistema linguístico. = ROMANI

adjectivo e substantivo masculino
3. Diz-se de ou indivíduo pertencente aos ciganos. = MANUCHE, ZÍNGARO

4. [Informal] Que ou aquele que leva vida errante.

5. [Informal] Que ou aquele que tem arte e graça para captar as vontades.

6. [Pejorativo] Que ou quem age com astúcia para enganar ou burlar alguém. = BURLÃO, IMPOSTOR, TRAPACEIRO, VELHACO

7. [Pejorativo] Que ou aquele que é excessivamente agarrado ao dinheiro. = AVARENTO, SOVINA

substantivo masculino
8. [Linguística] Língua indo-europeia dos ciganos do Oriente e da Europa, constituída por um conjunto de dialectos. = ROMANI

9. [Ornitologia] Ave (Opisthocomus hoazin) arborícola semelhante ao faisão, de cabeça pequena adornada com uma poupa eriçada em forma de leque, asas largas e cauda comprida, encontrada no Norte da América do Sul. = CIGANA


"cigano", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/cigano [consultado em 26-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os dicionáriso não devem ser linguisticamente correto ou politicamente corretos... Por exemplo, não devem "limpar" os vocábulos e as expressões racistas, xenófobas, pejorativas, preconceituosas, sexistas, homofóbicas, discriminatórias, etc. Porquê ?

Cite-se o Dicionário Priberam:

https://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica/DID/5865

(...) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP) não diz que os ciganos são trapaceiros; o que se apresenta é, entre outras acepções, um uso real, ainda que potencialmente ofensivo, da palavra cigano como sinónimo de trapaceiro, o que é substancialmente diferente.

A lexicografia actual assume que um dicionário deve seguir uma abordagem descritiva na selecção das palavras e na forma como as define, usando nomeadamente um conjunto de etiquetas ou sinais para assinalar níveis de língua (como linguagem informal ou calão) ou usos específicos (como expressões depreciativas ou insultuosas), não devendo o autor ou editor do dicionário impor a sua opinião sobre o uso da língua.

Por outras palavras, a função de um dicionário passa por uma descrição dos usos da língua, devendo basear-se essencialmente em factos linguísticos e não estabelecer juízos de valor relativamente a eles, antes apresentá-los o mais objectivamente possível. Em relação às definições da palavra cigano, o DPLP veicula o significado que ela apresenta na língua, mesmo que alguns dos seus significados possam revelar o preconceito ou a discriminação presentes no uso da língua.

A acepção que se considera preconceituosa tem curso actualmente em Portugal (como se pode verificar através de pesquisa em corpora e em motores de busca na internet), sendo usada em registos informais e com intenções pejorativas, estando registada, para além de no DPLP, nas principais obras lexicográficas de língua portuguesa, como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa/Verbo, 2001) ou o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (edição brasileira da Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de Leitores, 2002). O DPLP não pode omitir ou branquear determinados significados, independentemente das convicções de cada lexicógrafo ou utilizador do dicionário.

Como acontece com qualquer palavra, o uso desta acepção de cigano decorre da selecção feita por cada utilizador da língua, consoante o registo de língua e o conhecimento das situações de comunicação e dos códigos de conduta social. O preconceito não pode ser imputado ao dicionário, que se deve limitar a registar o uso (daí as indicações de registo pejorativo [Pejor.]). Este não é, na língua portuguesa ou em qualquer outra língua, um caso único, pois as línguas, enquanto sistemas de comunicação, veiculam também os preconceitos da cultura em que se inserem.

Esta reflexão também se aplica a outros exemplos, como o uso dos chamados palavrões, ou tabuísmos, cuja utilização em determinadas situações é considerada altamente reprovável, ou ainda de palavras que têm acepções depreciativas no que se refere a distinções sexuais, religiosas, étnicas, etc.

Ao alertar para termos e empregos preconceituosos, informais ou obscenos, muitas vezes desconhecidos dos falantes, seja porque pertencem a diferentes enquadramentos socioculturais, seja porque são falantes estrangeiros, os dicionários estão a alertar os consulentes para a possibilidade de usarem linguagem ofensiva ou de ferirem as susceptibilidades de outros falantes. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os dicionários não devem ser linguisticamente correto ou politicamente corretos... Por exemplo, não devem "limpar" os vocábulos e as expressões racistas, xenófobas, pejorativas, preconceituosas, sexistas, homofóbicas, discriminatórias, etc. Devem, por exemplo, grafar o calão, a gíria, etc. Porquê ?

Cite-se o Dicionário Priberam:

https://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica/DID/5865

(...) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP) não diz que os ciganos são trapaceiros; o que se apresenta é, entre outras acepções, um uso real, ainda que potencialmente ofensivo, da palavra cigano como sinónimo de trapaceiro, o que é substancialmente diferente.

A lexicografia actual assume que um dicionário deve seguir uma abordagem descritiva na selecção das palavras e na forma como as define, usando nomeadamente um conjunto de etiquetas ou sinais para assinalar níveis de língua (como linguagem informal ou calão) ou usos específicos (como expressões depreciativas ou insultuosas), não devendo o autor ou editor do dicionário impor a sua opinião sobre o uso da língua.

Por outras palavras, a função de um dicionário passa por uma descrição dos usos da língua, devendo basear-se essencialmente em factos linguísticos e não estabelecer juízos de valor relativamente a eles, antes apresentá-los o mais objectivamente possível. Em relação às definições da palavra cigano, o DPLP veicula o significado que ela apresenta na língua, mesmo que alguns dos seus significados possam revelar o preconceito ou a discriminação presentes no uso da língua.

A acepção que se considera preconceituosa tem curso actualmente em Portugal (como se pode verificar através de pesquisa em corpora e em motores de busca na internet), sendo usada em registos informais e com intenções pejorativas, estando registada, para além de no DPLP, nas principais obras lexicográficas de língua portuguesa, como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa/Verbo, 2001) ou o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (edição brasileira da Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de Leitores, 2002). O DPLP não pode omitir ou branquear determinados significados, independentemente das convicções de cada lexicógrafo ou utilizador do dicionário.

Como acontece com qualquer palavra, o uso desta acepção de cigano decorre da selecção feita por cada utilizador da língua, consoante o registo de língua e o conhecimento das situações de comunicação e dos códigos de conduta social. O preconceito não pode ser imputado ao dicionário, que se deve limitar a registar o uso (daí as indicações de registo pejorativo [Pejor.]). Este não é, na língua portuguesa ou em qualquer outra língua, um caso único, pois as línguas, enquanto sistemas de comunicação, veiculam também os preconceitos da cultura em que se inserem.

Esta reflexão também se aplica a outros exemplos, como o uso dos chamados palavrões, ou tabuísmos, cuja utilização em determinadas situações é considerada altamente reprovável, ou ainda de palavras que têm acepções depreciativas no que se refere a distinções sexuais, religiosas, étnicas, etc.

Ao alertar para termos e empregos preconceituosos, informais ou obscenos, muitas vezes desconhecidos dos falantes, seja porque pertencem a diferentes enquadramentos socioculturais, seja porque são falantes estrangeiros, os dicionários estão a alertar os consulentes para a possibilidade de usarem linguagem ofensiva ou de ferirem as susceptibilidades de outros falantes. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ah!, esqueci-me do "gato preto"...

No nosso imaginário popular tradiciona, está associado as coisas maléficas, magia negra, bruxaria, o mesmo é dizer, à morte e às trevas.

Uma pessoa cruzar-se com um gato preto na rua, e sobrteudo à noite, dá azar, na cultura popular portuguesa...

Anónimo disse...

Enfim, também há um "cão de água português"... "Raça autóctone"... E não vejo nenhum "tuga" protestar...

https://www.royalcanin.pt/cao/cao-agua-portugues

Mamadu Seidi, Bissau

Valdemar Silva disse...

Na terça-feira, dia 25, deu na RTP2 um programa 'A Casa da Mensagem', relacionado com a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, frequentada por muitos estudantes africanos oriundos das colónias.
Um documento muito interessante, que pode ser revisto na RTP Play.
Foi dito, por um dos entrevistados, que quando andava numa rua de Lisboa passou uma senhora com um bebé ao colo que lhe pediu para passar a mão por cima da cabeça do filho para dar sorte.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Poste 19921 – Xenofobia, racismo e outros

Caros camaradas da Guiné,
Este poste e outros que antecedem à volta do mesmo tema, para ser logo direto não concordo com nada do que tenho lido. A minha veia do contra tudo, aqui está, sem medos, receios, nem pergaminhos, somos o que somos e ponto final.
Um dia destes ainda damos connosco a pedir ‘desculpas’ aos povos africanos, não por os termos descoberto, pois já lá estavam, mas porque os colocamos no mapa mundo da história. Eles é que nos devem esta dádiva.
Pela minha parte não vou pedir desculpas a ninguém, nem tenho razões para isso.
Há realmente muitas frases, palavras e termos que podem eventualmente ter conotações racistas, incluindo aqui todo o tipo de racismos, xenofobias e afins, mas no meu entender isto é a Lingua de Camões, a nossa Lingua Portuguesa. Se há quem não goste, paciência, põe na beira do prato como quando não gostamos do que comemos.
Andamos aqui com paninhos quentes, uns para os outros, parece-me que estão todos de acordo, mas penso que a maioria, aquela que não comenta, não pensa assim. Temos de divergir de opiniões, ser contra, contrariar, chatear-se se for preciso, agora dizer amem isso não é para mim. Tenho-me mantido calado, mas por vezes chego a ferver e lá sai a tampa.
Não percebo bem, tanta coisa que ouvimos falar, lemos, barbaridades, tais como:
- Aquele fulano de cor! – Qual cor? É preto, ou negro, não tem outra cor. Isto não é racismo, é chamar as coisas pelo seu nome, ou temos complexos de ser brancos?
- Aquele é um sicrano africano! Porquê? É branco que nasceu em África, ou é um preto natural de África e que agora vive em terra maioritariamente de brancos?
No meu tempo aprendi, já lá vão cerca de 70 anos, as raças do planeta: Brancos, Negros, Amarelos e Mongóis. Não sei porque o Mongol era uma raça, mas era assim, se não for alguém que emende.
Sobre as guerras de África, claro que não fomos nós a começar, nem eles, as populações indígenas africanas, eles foram levados, ensinados, formados por outras nações que agora lá estão no nosso lugar, todos sabem isso. Onde está a independência total? É uma Utopia.
Quando lá estive na Guiné, em 1994/1995, muitas pessoas, Guineenses, me perguntaram, quando ‘acaba essa coisa da independência?’ Estamos farto disto, queremos o antigamente.
Falam-se aqui sobre muitos conceitos, frases e brincadeiras eventualmente racistas, mas nada têm de racismo, são crenças, medos, temores, palermices que fomos engolindo ao longo da vida. Por exemplo, diz que dá azar matar um gato, mas seja preto ou amarelo. Tenho fobias, por exemplo, das alturas, se não tiver nada a que me segurar; de passar debaixo de umas escadas que por vezes estão nos passeios, prefiro circundar pela rua; comer laranjas à noite, tomar banho ou cortar o cabelo depois das refeições e outras que já se adivinham.
Isto não é racismo nem xenofobia, são apenas Fobias ou outro nome que lhe queiram dar.
…… continua ……

Virgilio Teixeira

Anónimo disse...


.. continuando …….

Eu penso que na falta de outros motivos de discussão e comentários, andamos agora todos muito preocupados em desculpabilizar o ‘colonialista’ português, que ensinou uma Língua comum àqueles povos, uma religião que não a do feiticeiro, uma nova cultura ocidental, com todos os seus defeitos, mas virtudes também.
E os outros colonos maus, Espanhóis, Ingleses, holandeses, belgas, franceses, alemães etc.
O que fizeram e o que deixaram para a posteridade?
O nosso grande mal, foi a descolonização malfeita, poderíamos conviver agora muito melhor com todos os nossos irmãos africanos se o poder não tivesse sido oferecido de bandeja aos chamados Blocos de Leste e afins.
Ainda há dias aí num centro de comes e bebes, no antigo mercado do Bom-sucesso, sempre cheio ao jantar, ficamos ao lado, mesas corridas, com um grupo de cerca de 10 pessoas, pretos de Angola, bem-falantes, elas riam-se e falavam todas bem alto, não tivemos qualquer problema em partilhar a mesma mesa, foi divertido eles gostavam daquilo, até disseram que o melhor país em África para viver era o RUANDA! Tenho más recordações do genocídio. Uma delas até perguntou se era Luanda, ao que todos se riram.
Quanto a Fulas e óleo de Fula, fiquei agora a saber isso, a sua conexão, sou realmente um consumidor do Fula, não por conviver com eles no ‘grande reino do Gabu’, mas porque me parece o melhor em termos alimentares e de saúde, embora mais caros.
Lidei com eles, conheço bem as variedades ou etnias de fulas, e as suas características, os seus tons de pele, sempre escuras, não são brancas, nem amarelas.
Dizem que o meu tom de pele tem parecenças com os monhés de Goa-India, aliás um irmão meu mais novo 15 anos, esteve com o meu pai mãe e irmã em Lourenço Marques, e ele na escola ela tratado como ‘monhé’ ainda tem mais semelhanças que eu, ele ficava complexado porque era um miúdo, agora eu fico honrado, porque pertenço à Casta do nosso Primeiro.

E para acabar este vocábulo, que não foi aqui referido:
Dizia o preto para a patroa, a justificar o seu desinteresse no trabalho:
‘O Corpo não é de ferro, a noite é para dormir e o dia para descansar’
E mais esta: dizia o empregado preto: Patroa, aquele Preto não quer trabalhar mesmo…
Chamam a isto Racismo?
Obrigado para quem me leu. E quem não gostou, não adianta criticar-me, pois, tenho as minhas ideias bem assentes.

Virgilio Teixeira




Tabanca Grande Luís Graça disse...

racismo | s. m.

ra·cis·mo
(raça + -ismo)
substantivo masculino
1. Teoria que defende a superioridade de um grupo sobre outros, baseada num conceito de raça, preconizando, particularmente, a separação destes dentro de um país (segregação racial) ou mesmo visando o extermínio de uma minoria.

2. Atitude hostil ou discriminatória em relação a um grupo de pessoas com características diferentes, nomeadamente etnia, religião, cultura, etc.


"racismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/racismo [consultado em 27-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A propósito de "monhé"... É bom que se saiba que é um vocábulo "depreciativo", se não mesmo "insultuoso" (, veja-se o seu uso no "combate político-partidário"...), pelo que não deve ser usado correntemente, muito menos no nosso blogue... Era e ainda é muito usado em Moçambique... A não ser usado, em contexto literário (, conto,novela, romance...), deve ser sempre com "aspas" ou em itálico... Ei tenho amigos de origem goesa, sinto-me insultado quando oiço falar deles como "monhés"... O mesmo se passa com o "nharro", em relação aos nossos antigos camaradas de armas guineenses... "Nharro" nem sequer está grafado nos nossos dicionários...

O lexicógrafo faz o seu papel, o falante da língua portuguesa, esse, deve falar bem, é essa a sua obrigação... Como dizia um dos fundadores do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, o saudoso João Carreira Bom, «a língua é como um rio: sem margens, desaparece.»
_____________

monhé | s. 2 g.

mo·nhé
(origem controversa)
substantivo de dois géneros
1. [Depreciativo] Pessoa de ascendência asiática, nomeadamente da Ásia Meridional (Índia, Paquistão, Bangladeche, Sri Lanca).

2. [Moçambique, Depreciativo] Moçambicano que segue a religião muçulmana.

3. [Moçambique, Antigo, Depreciativo] Muçulmano asiático.

4. [Moçambique, Antigo, Depreciativo] Comerciante árabe ou asiático.

5. [Moçambique, Antigo, Depreciativo] Mestiço de árabe e negro.


"monhé", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/monh%C3%A9 [consultado em 28-06-2019].

Fernando Ribeiro disse...

Luís, não precisas de ir à Guiné ou a Moçambique para encontrar vocábulos depreciativos aplicados a uma dada população. Aqui mesmo em Portugal encontramos termos tais como "saloio", "esperteza saloia", "saloiada", "saloiice", etc. São termos usados negativamente por citadinos (de Lisboa, neste caso), que se julgavam superiores aos camponeses, aos "parolos", aos "pategos", aos "labregos", enfim, aos "saloios". Julgavam-se superiores porquê? Simplesmente porque nasceram na cidade ou na cidade se radicaram os seus pais e avós, vindos... da província. Um tal pretensiosismo citadino encontra paralelo noutros pretensiosismos do mesmo calibre, exibido por aqueles que se julgam superiores porque são brancos, porque são europeus, porque são ricos, porque têm "sangue azul", etc. etc. Que contribuição é que estes pretensiosos deram pessoalmente para a civilização e a cultura de que tanto se orgulham? Nenhuma. Nada. Zero. Nicles. Nem a ponta dum corno. Mas acham-se superiores, ora essa! Os "outros" (os supostos inferiores) é que têm que provar que merecem ser tratados por eles como seus iguais, e mesmo assim nunca se sabe. Eles (os pretensos superiores) não precisam de provar nada, contentinhos que estão com a sua superior mediocridade.

Valdemar Silva disse...

A propósito da musica.
A ópera La Traviata, de Verdi, é uma adaptação musical do romance 'A Dama das Camélias', de Alexandre Dumas.
Esta ópera quando foi estreada, num teatro em Paris, foi rapidamente esgotado os bilhetes de ingresso pelos senhores burgueses, na intenção de ver/ouvir cenas duma cortesã.
A sala escolhida, assim como as cadeiras, foi criticada por ser demasiado incomoda ao ponto dos espectadores não conseguirem estar concentrados a ver/ouvir a ópera.
Parece que tudo foi feito, assim, para os espectadores se sentirem incomodados quando assistiam ao espectáculo.
Não se chegou a saber, até que ponto o incomodo foi registado, para aqueles espectadores perceberem a verdade (verdadinha) da história do romance.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fernando, fostes, com muita propriedade e oportunidade, buscar um vocábulo, "saloio", que é p9lissémico... HOje tem um sentido sobretudo pejorativo...Mas os falantes da língua descohecem a sua origem etimológica... É um bom exercío ir-se sempre à origem das palavras: temos sempre surpresas, e algumas nem sempre agradáveis...


saloio | adj. s. m. | adj.

sa·loi·o |ôi|
(árabe vulgar sahroi, habitante do deserto)
adjectivo e substantivo masculino

1. [Portugal] Que ou quem é dos arredores de Lisboa, a norte do rio Tejo (ex.: zona saloia; antigamente, muitos saloios vinham a Lisboa vender os seus produtos agrícolas).

2. Que ou quem trabalha ou vive no campo. = CAMPONÊS

3. [Depreciativo] Que ou quem é grosseiro, revela falta de educação, de civilidade ou de bom gosto. = PAROLO, RÚSTICO

4. [Depreciativo] Que ou quem age de forma desonesta. = FINÓRIO, MANHOSO, VELHACO

adjectivo
5. Diz-se de uma qualidade de pão fabricado nos arredores de Lisboa.

Plural: saloios |ôi|.

"saloio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/saloio [consultado em 28-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Origem da palavra "saloio", segundo o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (Obrigado ao "angolano" e meu amigo Zé Mário Costa; e a propósito divulguem e apoiem, camaradas, este fabuloso portal ou plataforma que muito tem feito pela defesa e promoção da língua portuguesa):


(...) Segundo José Pedro Machado [Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte, Lisboa], saloio provém do vocábulo árabe ('çahrauii'/'çahroi', «homem, habitante do deserto»). No seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa (3.ª edição da Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1922), Cândido de Figueiredo remete também saloio para a acepção antiga de «moiro, originário de Salé», com origem no nome árabe 'çaloio' («de um tributo que em Lisboa pagavam os padeiros moiros»).

De Salé (salatino ou saletino) é o registo, igualmente, de Caldas Aulette, no seu Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (Editora Delta, Rio de Janeiro, 1958): «Salatino, adj., que diz respeito aos salatinos, mouros corsários de Salé, que se estabeleceram perto de Lisboa. - s.m., descendente dêsses mouros, hoje chamado saloio.»

Ainda sobre o vocábulo saloio e o seu uso, o Dicionário Houaiss regista esta passagem elucidativa do historiador Miguel Leitão de Andrade (1629):«(...)deixando el-Rei D. Afonso Henriques ficar no termo de Lisboa os mouros, em suas fazendas e lugares de pagar o mesmo que aos seus reis mouros, a estes chamavam saloios (...)».

José Mário Costa 2 jun. 2003

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/saloio/15311

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Outra palavra de origem árabe é "alfacinha", pequena alface também alcunha do "habitante de Lisboa", por oposiºão a "saloio" (os mouros que viviam no termo de Lisboa, a norte do Tejp, ou que foram escorraçados da cidade depois da conquista cristã...)


alfacinha | s. f. | adj. 2 g. s. 2 g.
derivação fem. sing. de alface

al·fa·ci·nha
(alface + -inha)
substantivo feminino
1. Pequena alface.

adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros
2. [Informal] O mesmo que lisboeta.

Palavras relacionadas: alface, alfaçal, verde-alface, lactúceo, lisboa, batávia, leituga.

al·fa·ce
(árabe al-khass)
substantivo feminino
1. [Botânica] Planta asterácea hortense, muito usada na alimentação humana, sobretudo em saladas.


"alfacinha", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/alfacinha [consultado em 28-06-2019].


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nós, os saloios, do Oeste Estremenho (, "eu sou da Lourinhã, durante muito tempo a terra da Loba e dos parvos"...), também utilizávamos no passado o termo "alfacinha" em sentido depreciativo, e não apenas informal (como "habitante de Lisboa")... O "alfacinho" era o "menino copo de leite", o pipi, o janota, o gajo da capital, o citadino por oposição ao provinciano, com mania de ser chico-esperto...

E os saloios pergintavam aos alfacinhas:
- Oiçam lá, porque é que vosseemecês, fregueses de Lisboa, se chamam alfacinhas ?
- Porque coememos as alfaces que os saloios produzem nas suas hortas...
- Nã, sinhouri, vocemecês são alfacinhas porque não têm... tomates. Se os tivessem, chamacam-se os saladinhas...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgínio, atenção que, no Norte, a palavra "Mouro" também é usada com sentido informal e sobretudo depreciativo: os gajos de Lisboa, os gajos do Sul...

mouro | adj. | s. m. | adj. s. m.

mou·ro
(latim maurus, -a, -um, relativo aos mouros, mauritano, africano)
adjectivo
1. Relativo aos mouros.

2. Da Mauritânia.

3. De Marrocos.

substantivo masculino
4. Indivíduo árabe ou berbere habitante do Norte de África.

5. [Informal, Figurado] Pessoa que trabalha sem descanso.

6. [Regionalismo] Chouriço de sangue.Ver imagem = MOURA

7. [Regionalismo] Espécie de camarão de Aveiro.

adjectivo e substantivo masculino
8. [Informal] Relativo ou pertencente a Lisboa ou à zona sul de Portugal ou o que é seu natural ou habitante.


andar mouro na costa
• Haver indícios de eventual perigo.

• Ter um pretendente amoroso.

haver mouro na costa
• O mesmo que andar mouro na costa.


"mouro", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/mouro [consultado em 28-06-2019].

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E o morcão ? Como é que é ?... Na Tabanca de Candoz, tratamos a "canalha" (os mais novos...) por morcões, mas com toda a ternura... "Ganda morcão!"... Mas há a tendência de se opõr mouros a morcões... Vejam-se as bocas "foleiras" e os grosseiros insultos que a gente lê no Facebook e na caixa de comentários dos jornais da bola... O clubismo exacerbado pode tornar-se uma perigosa doença que contamina tudo e todos... LG

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morcão | adj. s. m. | s. m.

mor·cão
(espanhol morcón, negligente, pessoa suja)
adjectivo e substantivo masculino
1. [Portugal, Informal, Depreciativo] Que ou quem é preguiçoso ou sem iniciativa. = BANANA, MANDRIÃO

2. [Portugal, Informal, Depreciativo] Que ou quem denota falta de inteligência. = IDIOTA, IMBECIL, LORPA, PARVO

substantivo masculino
3. [Portugal: Norte Informal] Grande morca ou lagarta.Ver imagem


"morcão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/morc%C3%A3o [consultado em 28-06-2019].

Fernando Ribeiro disse...

Caro Luís, agradeço-te teres lembrado esse grande portal que é o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. É uma fonte de informação linguística do maior valor e que eu tenho descurado desde há uns tempos a esta parte...

Eu tive um colega de trabalho que era natural de Nadrupe. A respeito da rivalidade, que existiu no passado e que já quase não deve existir mais, entre a Lourinhã e o Bombarral, ele explicava-a dizendo que, após a conquista da Estremadura aos mouros por D. Afonso Henriques, a Lourinhã foi povoada por francos e o Bombarral foi povoado por galegos, que se terão misturado com a população mourisca local, os saloios. Segundo esse meu colega, este povoamento feito por francos e galegos deve ter sido promovido pelo rei D. Sancho I, "O Povoador", que os terá mandado vir de França e da Galiza, respetivamente. Ainda segundo o meu colega, a rivalidade que então se gerou entre francos e galegos foi tão grande que se prolongou até ao séc. XX, sob a forma de rivalidade entre a Lourinhã e o Bombarral. Haverá algum fundo de verdade nisto, ou o meu colega contou-me uma "história da carochinha"?

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, Angola 1972-74

Valdemar Silva disse...

Dizem que o povoamento por galegos, promovido pelo D. Sancho I, deu origem ao topónimo de várias localidades como: Aldeia Galega da Merceana, Chão de Galegos, Aldeia Galega do Ribatejo (agora Montijo), Aldeia Galega (Abrantes) e outras.
Também se diz de terreno galego, aquele que é difícil de cultivar ou infértil, não se sabendo se lhe chamaram assim por terem sido as terras distribuídas aos galegos.
Interessante é o facto da imigração de galegos para Lisboa ter sido para ocupação de trabalhos pesados ou sujos (mudanças, limpeza de chaminés, carvoarias) mas passados tempos passaram a donos das carvoarias e das tabernas, casas de pasto e depois para os conhecidos restaurantes da baixa de Lisboa.
(Xai uma xopa caldoxa, co cliente é de mui alimento)

Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Companheiro Valdemar, eu próprio descendo de galegos por parte de um bisavô chamado Cipriano Garcia. Ainda no séc. XIX, o avô materno do meu pai saiu da sua aldeia nas proximidades da Corunha e fixou residência aqui no Porto. Casou-se com uma tripeirinha (minha bisavó) e abriu uma fábrica de isqueiros (!) mais ou menos no local onde hoje se encontra a estação do Metro da Trindade.

O séc. XIX foi uma época de enorme miséria na Galiza, o que provocou uma maciça onda de emigração. Até para Portugal, que era quase tão miserável como a Galiza, eles emigraram! A Grande poetisa galega Rosalia de Castro, que viveu nesse tempo, escreveu um pungente poema que Adriano Correia de Oliveira cantou e que pode ser ouvido aqui.

A respeito de topónimos, li há tempos que a vila ribatejana da Golegã deve o seu nome e a sua origem à existência nesse lugar de uma estalagem que pertencera a uma galega. Se calhar (isto agora sou eu a especular), a Póvoa da Galega, no concelho de Loures, pode ter tido uma idêntica origem, dado que fica na antiga (antiquíssima!) estrada que ligava Lisboa às Caldas da Rainha.

Eu fui uma vez passear pela zona da Merceana, no concelho de Alenquer, e fiquei verdadeiramente deslumbrado com o largo principal de Aldeia Galega da Merceana. Considero-o um dos largos de aldeia mais bonitos que já vi em toda a minha vida. Uma povoação não precisa de ter palácios e catedrais para ser bonita. Aldeia Galega da Merceana prova-o.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alferes miliciano da C.Caç. 3535, do B.Caç. 3880, Angola 1972-74

Valdemar Silva disse...

Caro Fernando Ribeiro
O apelido Garcia não engana, embora haja outros Garcias.
Nos vários restaurantes, na Rua das Portas de St. Antão, em Lisboa, havia vários patrões e empregados galegos 'Sr. Garcia', digo havia por já lá não ir há mais de 25 anos. Trabalhei naquela zona 35 anos.
A questão da 'da Galega' é um pouco popularucha, pois também se diz que Aldeia Galega é por ter havido uma estalagem da 'Alda Galega', e há várias, inclusive, o apelido dum antigo atleta do Sporting o Armando Aldegalega teve essa origem.
Também passei pela Aldeia Galega da Merceana e realmente aquele Largo do Pelourinho
é bem bonito, agora pintadinho, já que em 1982 estava um bocado a precisar de obras.
Quanto ao ouvir o Adriano é arrepiante, não por me causar medo ou repulsa, por me recordar ouvir os discos dele que o saudoso Aurélio Duarte, da minha CART11, punha a tocar no seu gira-discos na Guiné. (...e nunca mais acenderás no meu o teu cigarro)
Ab.
Valdemar Queiroz