sábado, 29 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19928: Os nossos seres, saberes e lazeres (334): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
É bom o viandante andar à rédea solta, à cata de trastes, de pechinchas, de CDs insólitos, visitando exposições, livrarias, flanando, sem pressas, o tempo está de feição, nada de céu plúmbeo, dá-lhe para saborear fachadas de dois séculos, atravessa parques, contempla fachadas Arte-Nova, e até quando sentiu a sede foi prestar homenagem a Jacques Brel em À La Mort Subite, bebeu uma cerveja de cereja, escutou conversas, desceu ao Teatro da Ópera, desenganou-se, coisa única récita possível que pudesse ver ultrapassava os 100 euros, fica para a próxima.
E assim chegou a hora de regressar a casa, tem um amigo octogenário com quem conversa, com quem janta, sente-lhe a inquietação de fechar aquela casa onde vive há quase meio século, é obra.
E estão reservadas mais surpresas para amanhã.

Um abraço do
Mário


Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (3)

Beja Santos

Permita-se ao viandante uma confissão inconsequente: esta atração permanente por uma cidade que não está no topo da lista dos grandes roteiros turísticos deve-se a alguns sentimentos contraditórios, e pesa na contabilidade os muitos anos em que aqui se arribou por motivos de trabalho. Do que é contraditório: o belo património industrial e arquitetónico tantas vezes arruinado por esta imagem que a cidade dá de ser um estaleiro permanente, ficam as fachadas novecentistas, emergem edifícios de vidro e metal; as velhas livrarias, resistentes, onde ainda é possível uma surpresa ou uma pechincha, a Feira da Ladra, os cafés, os museus. E dentro desta confissão inconsequente, o gostar desta placidez nas deambulações, como ocorre neste exato momento, entra-se num velho armazém de vinhos onde até há referências a Portugal, vem-se amesendar e, dois em um, visita-se uma exposição no Centro de Fotografia e Reportagem sobre a democracia, um estado do mundo.




Não há galinha gorda por pouco dinheiro, pediu-se uma boa massa com moluscos, uma cerveja conventual, uma salada, doze euros. E seguiu-se para a exposição, enfim, para saber por onde anda “o pior dos sistemas à exceção de todos os outros” segundo Churchill. Trata-se de uma exposição pedagógica que nos remete para a história de um sistema político nascido na Grécia há mais de 2500 anos, sistema muito apetecido numa grande parte do globo, noutro substituído por teias de autoritarismo, multifacetado. O que se guarda é a recordação de uma exposição com boa comunicação, imagens impressivas e precisas, ótima para circular por tudo quanto é sítio.





Deambular por Bruxelas e não farejar livros em segunda mão é atentado lesivo à curiosidade, a despeito do pouco peso que se pode transportar, e neste preciso instante o viandante já anda ajoujado, sempre há de aparecer um CD ou coisa que o valha, circula-se com farto prazer de ver outrem entretido em mil descobertas, palpitar com álbuns bem pesados, que se sabe não haver viabilidade de transportar. O prazer de mexer em papel nestas confrarias anónimas, prazer inexcedível!


Está dito à saciedade que Bruxelas alberga murais talentosos, até se invoca a extraordinária banda desenhada, que tem aqui um dos seus quartéis-generais, com oficiantes de génio, dá prazer ver este talento popularizado, que jamais desfeia edifícios, pelo contrário, embeleza-os.




O viandante não fixou bem o nome da rua, parece que se chama a Rua do Mercado do Carvão, ainda bem que se respeita a toponímia típica, esta é a Igreja da Nossa Senhora do Bom Socorro, a fachada é elegante e muito bem proporcionada, veja-se que tem porta rematada com escudo das armas de Carlos da Lorena, no centro do pórtico mostra-se em síntese a história da igreja, veem-se ali os atributos dos peregrinos de Santiago: a concha, o chapéu, os bordões do peregrino com a cabaça. E o altar-mor, que data do século XVIII, é francamente imponente. Como as crenças estão em crise e a afluência não é das maiores, este elegante edifício é cenário para concertos de música barroca, tão excelente é a sua acústica. Consta numa informação que a igreja acolhe uma população heterogénea, em situação precária, o clero e as pessoas de boa vontade aqui prestam assistência espiritual, social e material. É bom ver que os valores do Papa Francisco aqui conhecem execução.




Deambular, deambular sempre, impressionar-se com os estilos e as formas, é uma maneira de descobrir o património do centro da capital, olhar a Igreja de Santa Catarina, uma cópia do século XIX, recentemente alvo de limpeza e algum restauro. É assim a Bruxelas do viandante, amena, variada entre o academismo e os arroubos arquitetónicos, foi dia de itinerário avulso, regressa-se a Watermael-Boitsfort de alma lavada.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19910: Os nossos seres, saberes e lazeres (333): Na Bélgica, para rever e para descobrir o nunca visto (2) (Mário Beja Santos)

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