Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Guiné 61/74 - P19920: Historiografia da presença portuguesa em África (165): Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Setembro de 2018:
Queridos amigos,
Teixeira Pinto ficou na História da Guiné Portuguesa como a figura determinante da submissão de povos rebeldes como os Grumetes, os Papéis, os Manjacos, os Mancanhas. Tendo estudado as causas dos sucessivos insucessos e desastres, concluiu que precisava de outro tipo de auxiliares. No seu relatório de 1915 não explica as razões que o levaram a escolher Abdul Indjai e o que o teria impressionado nos seus auxiliares. Como é bem sabido, iria tornar-se numa das figuras mais polémicas e contestadas, censurado por morticínios e brutalidades praticadas pelos seus auxiliares. Entrou em rota de colisão com a Liga Guineense, será afastado da Guiné, irá morrer em combate no Norte de Moçambique.
No Estado Novo, o seu nome receberá todas as honras, e jamais se falará do comportamento de Abdul Indjai, acusado de toda a casta de prepotências como régulo do Oio. Parece que o nome dos heróis lendários é quase sempre atravessado pela nódoa dos seus colaboradores...
Um abraço do
Mário
Teixeira Pinto e as operações na ilha de Bissau, 1915 (1)
Beja Santos
Nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa existe a cópia do relatório que o Capitão Teixeira Pinto redigiu ao Governador da Guiné, com data de 1 de setembro de 1915, em Bolama. Foi oferecido à Sociedade de Geografia de Lisboa em 20 de junho de 1936 por Raúl Ferreira Chaves e editado no Boletim da Sociedade, número de setembro e outubro de 1936. É bem interessante ver nesta cópia correções e desenhos das operações, sabe-se lá a quem atribuir autoria. O texto é um dos clássicos da pacificação, uma janela aberta para se entender vários contenciosos entre Teixeira Pinto e uma certa classe sociopolítica, com destaque para a Liga Guineense, neste relatório se fala do régulo do Cuor, Abdul Indjai, figura altamente problemática não só no Cuor como no Oio, é um relatório de operações minucioso, não há menção àquilo que nós hoje chamamos “danos colaterais” e que foi um dos cavalos de batalha dos hipercríticos ao trabalho de Teixeira Pinto. Pela sua extensão, vamos destacar vários textos que julgamos de grande importância para a submissão dos Papéis e Grumetes.
Logo o arranque do relatório:
Ex.mo Sr. Governador (Andrade Sequeira)
Não quis a sorte que V. Ex.ª assistisse à campanha que acaba de realizar-se, mas sinto-me bastante satisfeito por ser V. Ex.ª quem deve apreciar o trabalho hercúleo que os nossos camaradas de terra e mar e auxiliares tiveram de despender para se conseguir o belo resultado que é indiscutível embora o despeito e a inveja daqueles que nada produziram a favor da Província e que só sabem censurar e criticar, procuram discuti-lo.
Para esses todos o meu desprezo e dos meus valentes companheiros de armas.
Após esta introdução, segue-se um histórico em que se diz abertamente que em 1912 a autoridade portuguesa era puramente nominal entre os rios Farim e o oeste do rio Geba, abrangendo os povos Oincas, Balantas, Brames ou Mancanhas, Manjacos e Papéis, a exceção eram as vilas de Cacheu e Bissau e o porto militar de Gole. Refere os insucessos e desastres de Graça Falcão, da coluna Júdice Biker, bem como da coluna Soveral Martins no Churo e os desastres das colunas de 1891 e 1894 em Bissau, onde também teve insucesso a coluna de 1908, sob o comando de Oliveira Muzanty. Conclui Teixeira Pinto que as causas desses reveses era o aproveitamento de Grumetes como auxiliares e o pouco conhecimento do terreno, dos usos, costumes e forma de combater dos povos a submeter. Procurou uma alternativa, encontrar auxiliares diferentes dos Grumetes. Considera que estes eram bons para um desembarque, ataque rápido, pilhagem e volta para as suas casas, não eram capazes de se conservar nas regiões atacadas, pois tinham família em Bissau, Geba e Cacheu. E explica como encontrou alternativa. Numa ida a Bafatá, graças a Calvet de Magalhães, o Administrador, conheceu o régulo do Cuor, Abdul Indjai, fez um rápido estudo dele e desse estudo concluiu que estavam encontrados os auxiliares de que precisava. Precisava agora de estudar o terreno. Para ir ao Oio, combinou com o gerente da Casa Soler para o levarem no vaporinho da empresa até Porto Mansoa, seria apresentado ali como inspetor da Casa que ia a Farim inspecionar a sucursal e que para tal pretendia ir a cavalo através do Oio.
Depois de algumas peripécias, e até de um princípio de envenenamento, chegou ao Oio a 16 de maio, ali entrou vitorioso com pouco mais de 300 homens, desarmou os insurretos e conseguiu que eles passassem a pagar imposto. Refere no seu relatório que a região ficou completamente submetida e sob a nossa autoridade, tinha-lhe sido dito pelo comandante do Oio, José Ribeiro Barbosa (já se fez no blogue referência ao importante relatório que o Tenente Barbosa enviou para Bolama, documento que também consta dos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia) que muitos indígenas que há já muito tempo estavam refugiados no território francês recolheram ali, voltaram a fazer as suas culturas no Oio.
Com a chegada da época das chuvas, Teixeira Pinto foi forçado a descansar e estudou a campanha de Bissau.
Vale a pena ver o que ele escreve diretamente ao Governador:
“Em Dezembro de 1913, mandou-me V. Ex.ª a Cacine porque em Gadamael os indígenas se tinham sublevado e queriam matar o Administrador. Fui ali e consegui prender os dois cabeças do motim e restabelecer a ordem sem ter havido fogo.
Em 18 de Dezembro, recebi em Cacine um telegrama de V. Ex.ª, chamando-me com urgência a Bolama. Chegado aqui, deu-me V. Ex.ª a infeliz nova do massacre do Churo, em que perdeu a vida o desditoso Alferes Nunes, alguns polícias e o pessoal de bordo do motor Cacine, que os rebeldes queimaram.
As dificuldades na organização de uma coluna constam do meu relatório sobre uma campanha que iniciei a 2 de Janeiro de 1914 com mais de 300 homens, avançando por uma das duas regiões de mais fama dos Papéis do Churo. O esforço dos meus valentes auxiliares e irregulares deu-me a vitória e em seguida com esse punhado de valentes submeti os Manjacos e os Mancanhas ou Brames, tendo-os desarmado.
Estas regiões ficaram submetidas e ocupadas pelos Grumetes, apoiados pela Liga Guineense que emprega todas as suas influências para impedirem a guerra.
O atrevimento dos Papéis era tal que nas ruas de Bissau quando se cruzavam com algum europeu em lugar de se afastarem pelo contrário esbarravam com os europeus e com um encontrão afastavam-nos. Quando algum branco ia passear fora da vila, logo a cem metros, era frequente encontrar um Papel que lhe dizia para voltar para a vila porque aquilo não era do Governo, era deles. A um estrangeiro que foi caçar apanharam-lhe a arma e obrigaram-no a pagar uma multa para os resgatar.
A campanha provou que os Papéis e os Grumetes estavam muito bem armados e municiados”.
Continuando os seus comentários, relata que a 18 de maio chegara Abdul Indjai a Nhacra com 1600 irregulares armados e explica o vaivém das canhoneiras e até das emboscadas de que estas foram alvo. Houve escaramuças até no Alto de Intim, ripostou-se com um contra-ataque que provocou imensas perdas aos Papéis.
E finda este ponto dizendo:
“Senhor Governador, para mim estava terminada a lenda dos Papéis. Com aquela coluna depois da rude prova por que acabava de passar e ainda do entusiasmo do que estava possuído, eu adquiri a certeza da derrota do inimigo e da conquista da ilha de Bissau”.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19919: Historiografia da presença portuguesa em África (163): O reino de Fuladu, de Alfa Moló Baldé a Mussá Moló, da bacia do rio Gâmbia ao rio Corubal (1867 - 1936) (Cherno Baldé)
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