Meu caro Luís:
Mandei-te isto há três dias, mas nem estava propriamente a pensar na publicação no blogue. È um poema de Su Dongbo (1037-1101), um poeta famoso na China, do tempo do pai do D. Afonso Henriques.
Claro que o rio é o Yangtsé, o terceiro maior rio do mundo. Tive a sorte de já descer o rio Yangtsé cinco vezes, a primeira em 1983 a última em 2018.
Vai outro poema do mesmo poeta, ajuda a compreender o contexto. Creio que lido, trabalho traduzindo Grande Poesia.
Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (**).
Abençoadas Guiné e China que me deram este gosto pela poesia (**).
A Falésia Vermelha
por Su Dongbo (1037-1101)
O grande rio corre para leste,
as suas ondas varrem os heróis da História.
A oeste da antiga muralha,
entra-se na Garganta Vermelha,
outrora terras de Zhuge Liang (1)
nos recuados tempos dos Três Reinos.
Cumes aguçados perfuram o céu,
rápidos em fúria batem no casco dos barcos,
águas desfazem-se em mil pedaços de névoa, como neve.
Os pintores gostam de pintar as montanhas e os rios,
em memória dos grandes homens do passado.
Recordo, (há quantos séculos?),
a união ente o guerreiro Gong Chin
e a bela e esplendorosa Jiaoxiao,
lembro o chapéu azul de Zhuge Liang,
o estratega acenando com seu chicote de crina de cavalo,
conversando enquanto as chamas consumiam a frota de Cao Cao
e as cinzas se espalhavam pelos quatro ventos.
Tudo se desvaneceu com o fumo dos séculos,
mas eu gosto de sonhar com reinos desaparecidos.
Há quem ria diante do branquear dos meus cabelos.
Por resposta tenho uma taça de vinho
encharcada em luar, mergulhando nas águas do rio.
[António Graça de Abreu: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 314 referências no blogue]
as suas ondas varrem os heróis da História.
A oeste da antiga muralha,
entra-se na Garganta Vermelha,
outrora terras de Zhuge Liang (1)
nos recuados tempos dos Três Reinos.
Cumes aguçados perfuram o céu,
rápidos em fúria batem no casco dos barcos,
águas desfazem-se em mil pedaços de névoa, como neve.
Os pintores gostam de pintar as montanhas e os rios,
em memória dos grandes homens do passado.
Recordo, (há quantos séculos?),
a união ente o guerreiro Gong Chin
e a bela e esplendorosa Jiaoxiao,
lembro o chapéu azul de Zhuge Liang,
o estratega acenando com seu chicote de crina de cavalo,
conversando enquanto as chamas consumiam a frota de Cao Cao
e as cinzas se espalhavam pelos quatro ventos.
Tudo se desvaneceu com o fumo dos séculos,
mas eu gosto de sonhar com reinos desaparecidos.
Há quem ria diante do branquear dos meus cabelos.
Por resposta tenho uma taça de vinho
encharcada em luar, mergulhando nas águas do rio.
Tradução de António Graça de Abreu
[António Graça de Abreu: (i) docente universitário reformado, escritor, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); (ii) natural do Porto, vive em Cascais; (iii) autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); (iv) ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74; (v) é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 314 referências no blogue]
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Nota do autor:
(1) Referência ao período dos Três Reinos (220-281) e à Falésia Vermelha situada nas margens do grande rio Yangtsé, onde se travaram algumas das maiores batalhas fluviais da história da China. Su Dongbo recorda o grande estratega militar Zhuge Liang (181-234) e o general Cao Cao (155-220), príncipe e poeta.
(1) Referência ao período dos Três Reinos (220-281) e à Falésia Vermelha situada nas margens do grande rio Yangtsé, onde se travaram algumas das maiores batalhas fluviais da história da China. Su Dongbo recorda o grande estratega militar Zhuge Liang (181-234) e o general Cao Cao (155-220), príncipe e poeta.
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Notas do editor
(*) Vd. poste de 30 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23472: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: China: Visita à Falésia Vermelha, no outono de 1081, a 16 do sétimo mês, por Su Dongbo (1037-1101) (tradução de António Graça de Abreu)
(*) Vd. poste de 30 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23472: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXXVII: China: Visita à Falésia Vermelha, no outono de 1081, a 16 do sétimo mês, por Su Dongbo (1037-1101) (tradução de António Graça de Abreu)
5 comentários:
A guerra marcou uma geração inteira, nem todos da mesma maneira.
Marcou os que foram à guerra e os que ficaram.
António Graça de Abreu
Apenas por simples curiosidade.
Provavelmente a língua chinesa, do ano em que foi escrito o poema, não seria a mesma do chinês tradicional actual.
Eu não sei como teria sido escrito 'a oeste da antiga muralha' pelo poeta, ou como é que ele, ou os chineses definiam os pontos cardeais.
O pai do D. Afonso Henriques muito provavelmente diria "oeste" apontando e dizendo 'o lado do mar', escolheria a erudita "anticu" por "velha" serem as avós e "muralla" já ouvir dizer os galegos.
Talvez o D. Afonso na conquista de Lisboa tivesse ouvido a alguns cruzados 'west gates' ou 'portes de ouest', calhando a ser informado que o Martin Moniz estava entalado na porta oeste.
É esta a minha curiosidade, a tradução apresentada é do chinês actual com certeza também diferente do chinês do tempo da composição deste belo poema.
Ainda por curiosidade, no poema original, sem adaptação ao chinês tradicional, está escrito 'antiga muralha' ou 'velha muralha'?
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
O António Graça de Abreu (AGAbreu) no seu melhor terreno.
Gosto do seu trabalho em prol da poesia, dos seus poemas.
É esse o Graça de Abreu que eu gosto.
Hélder Sousa
Ao Valdemar
Obrigado pelo teu comentário e questões.
O chinês escrito do ano 1000 não era muito diferente do chinês escrito actual. Já havia dialectos e diferentes leituras dos caracteres segundo os dialectos. Hoje em dialecto de Cantão o nome da capital da China diz-se Pakking, em dialecto de Xangai diz-se Pequim, em mandarim e dialecto da China do norte diz-se Beijing, os caracteres 北京 são sempre os mesmos, com diferentes leituras. Em poesia os tons (tem a ver com as rimas finais e internas) também eram diferentes, normalmente um tom ascendente e outro descendente, um sim, um não, ao contrário do actual mandarim que tem quatro tons e do actual cantonense que tem nove tons.
Em chinês é 老城, lao cheng, velha muralha ou antiga cidade, como quiseres.
Abraço,
António Graça de Abreu
António Graça de Abreu
Também estava convencido que chinês é uma língua muito antiga.
Compreenderás que velha muralha ou antiga cidade pode não ser a mesma coisa. Uma velha muralha pode ser uma muralha em ruinas e uma antiga cidade pode existir naquela época.
Por cá, no tempo do pai do D. Afonso Henriques nem português se falava, e só no tempo do Infante D. Pedro séc.XV é que ele, pela primeira vez, alude à escrita em "português".
Embora tenha aparecido nos finais do séc. XII o primeiro texto escrito em galaico-português, o poema "Cantiga da Ribeirinha".
Cantiga da Ribeirinha (1189 – 1198)
No mundo non me sei parelha,
Mentre me for como me vai,
Cá já moiro por vós, e – ai!
Mia senhor branca e vermelha.
Queredes que vos retraia
Quando vos eu vi em saia!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, desd’aquel’di, ai!
Me foi a mi mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
D’haver eu por vós guarvaia,
Pois eu, mia senhor, d’alfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia d’ua Correa.
(Paio Soares de Taveirós)
Tradução:
No mundo não conheço quem se compare
A mim enquanto eu viver como vivo,
Pois eu moro por vós – ai!
Pálida senhora de face rosada,
Quereis que eu vos retrate
Quando eu vos vi sem manto!
Infeliz o dia em que acordei,
Que então eu vos vi linda!
E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
As coisas ficaram mal para mim,
E vós, filha de Dom Paio
Moniz, tendes a impressão de
Que eu possuo roupa luxuosa para vós,
Pois, eu, minha senhora, de presente
Nunca tive de vós nem terei
O mimo de uma correia.
(Paio Soares de Taveirós)
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
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