QUANDO O ONTEM E O HOJE… PODE NÃO TER NADA A VER
Por vezes, vou assistido a algumas conversas entre ex-militares que, como eu, andaram pela então província da Guiné; em que as opiniões que eles vão expressando sobre o que por lá passaram chegam a ser tão diferentes que, alguns, são levados a pensar que os outros não estão a ser muito corretos acerca daquilo que dizem; porque estão a falar de um sítio por onde também eles tinham andado e não era bem assim.
Cada um pode pensar o que quizer!... Mas é bom termos em conta que, apesar de ser um território relativamente pequeno - era povoado por várias etnias, em que algumas tinham comportamentos muito diferentes de outras, para connosco… Depois, com o evoluir da guerra as coisas foram sofrendo grandes alterações. Se no início existiam sítios que eram considerados muito maus… mais tarde, podia já não ser tanto assim… o contrário também aconteceu.
À medida que o tempo foi passando, para além da preparação mais acentuada dos guerrilheiros, com a vasta experiência que foram adquirindo, também muito do armamento por eles utilizado passou a ser diferente… melhor que o nosso. Por tudo isso nenhum de nós que por lá andamos deve de dizer que o outro não está a falar correto… As coisas, com o passar do tempo, foram sofrendo grandes alterações… Se no início da guerra havia companhias que faziam dezenas de quilómetros a pé, sem picar os caminhos ou trilhos por onde passavam, mais tarde, isso era impossível…
Nos cerca de vinte sete meses que a companhia de que fiz parte por lá andou, foram muitas as alterações com que fomos confrontados, sobretudo, depois de termos saído de Mansambo e a consequente ida para Cobumba, a que se juntou o efeito provocado pela chegada dos Strela.
Assim, como também o que depois nos aconteceu quando nós regressamos a Bissau, onde estivemos alguns meses, em que a nossa companhia que estava prestes a fazer dois anos de comissão, passou a ser totalmente operacional… só os criptos e dois da secretaria não saíam… Os outros passaram a fazer todos os mesmos serviços, que foram vários, sempre com a G3 como companheira e a ter de ir para muitos sítios…
Quando estávamos em Mansambo, todas as semanas íamos a Bafatá buscar duas vacas “pequenas” para consumir durante a semana. Em Cobumba, com o efeito provocado pelos Strela e os estragos que eles começaram a fazer, tivemos duas semanas em que não recebemos alimentos frescos como era normal acontecer - os helis durante esse tempo não apareceram por lá, e os bens alimentares estavam a acabar. Houve um dia em que o nosso almoço teve de ser arroz cozido com um pedaço de marmelada…
Quando estávamos em Mansambo, todas as semanas íamos a Bafatá buscar duas vacas “pequenas” para consumir durante a semana. Em Cobumba, com o efeito provocado pelos Strela e os estragos que eles começaram a fazer, tivemos duas semanas em que não recebemos alimentos frescos como era normal acontecer - os helis durante esse tempo não apareceram por lá, e os bens alimentares estavam a acabar. Houve um dia em que o nosso almoço teve de ser arroz cozido com um pedaço de marmelada…
Mais grave ainda, foi quando num desses dias uma viatura nossa acionou uma mina a poucos metros do arame farpado do nosso destacamento de que resultaram alguns feridos graves, que depois estiveram durante várias horas deitados nas macas no local onde os helis costumavam descer - enquanto nós íamos esperando que eles chegassem, como era costume!… Mas eles não chegaram a aparecer! Foi necessário, à noite, irmos levá-los nos nossos sintex a Cufar, com a companhia de alguns fuzileiros que vieram do Xugué, de onde depois foram evacuados para o hospital militar de Bissau.
Isto são apenas alguns exemplos, ainda que resumidos, daquilo que nós por lá passamos, “como aconteceu a outros”. Foram muitas as mudanças que aconteceram em pouco tempo com as quais passamos a ter de conviver… Por isso, quando vejo alguns relatos escritos sobre o que por lá terá acontecido, algumas vezes, por pessoas que nem sequer lá foram… chega a dar-me que pensar…
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23375: (In)citações (210): O Vinho Nosso de Cada Dia (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)
O estado em que ficou a viatura que acionou a mina
Isto são apenas alguns exemplos, ainda que resumidos, daquilo que nós por lá passamos, “como aconteceu a outros”. Foram muitas as mudanças que aconteceram em pouco tempo com as quais passamos a ter de conviver… Por isso, quando vejo alguns relatos escritos sobre o que por lá terá acontecido, algumas vezes, por pessoas que nem sequer lá foram… chega a dar-me que pensar…
António Eduardo Ferreira
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Nota do editor
Último poste da série de 21 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23375: (In)citações (210): O Vinho Nosso de Cada Dia (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872)
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