terça-feira, 2 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23484: Agenda cultural (817): "Palavras que o Vento (E)leva", de José Teixeira (Lisboa, Poesia Impossível, 2022, 138 pp.): uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e, direi até, “consolidada” (Luís Graça)


 Capa do livro do José Teixeira, "Palavras que o Vento (E)leva". Lisboa: Poesia Impossível,2002, 138 pp.  

(A editora, Poesia Impossível, é uma chancela da Chiado Books e pertence ao Grupo Editorial Atlântico; o preço de capa do livro é 12 euros, e pode ser pedido diretamente ao autor, José Teixeira, via Facebook,  ou por mensagem para o e-mail esquilosorridente@gmail.com; será enviado pelos CTT à cobrança ou transferência bancária; segundo o nosso camarada José Teixeira, o livro deverá ser lançado, em sessão a organizar no Norte,  talvez em Matosinhos, no último trimestre do ano em curso.)


Prefácio: O poeta, artesão do tempo, do silêncio e da(s) palavra(s) (pp. 9-11)

por Luís Graça

“Palavras (e)levas o vento” é um achado feliz, como título, para esta seleção de poemas do Zé Teixeira que eu conheço desde 2005. E desde logo o defini como um “homem de palavra e da
palavra”: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu intimamente durante a guerra colonial…

O facto de eu ser seu amigo e camarada (de armas, numa guerra, de resto, já esquecida, ignorada ou escamoteada pelos portugueses, e sobretudo pelos mais novos) mas também seu
editor, de longos anos, num blogue em que partilhamos memórias e afetos, não me impede de o dizer com isenção e orgulho: é uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e, direi até, “consolidada”.

Com cerca de 370 referências no nosso blogue (coletivo), o Zé está tanto à vontade na crónica, na memorialística e no conto (ou microconto) como no verso, na prosa poética ou no comentário, sempre assertivo e sereno, mas também empático e abrangente. É um homem apaixonado e proactivo e um cidadão lúcido e empenhado, de princípios e valores, humanos e cristãos, que lhe dão sentido à vida e conforto espiritual nesta fase da sua caminhada terrena (agora tão, ou mais, cheia de “minas e armadilhas” como no teatro de guerra).

Por isso, este livro é um também um conjunto notável de “preces” ou “orações”, constituídas pela/por palavra(s) que se eleva(m) ao céu, uma das formas que, desde a antiguidade clássica, os humanos criaram para de algum modo escaparem à prisão do tempo. Todos os animais comunicam, mas o homem é único que aprendeu a escrever e a fazer poesia. Contra o tempo, contra a morte. Afinal, o tempo é o único recurso que não podemos aforrar. A imortalidade é apenas uma cápsula do tempo.

O poeta é sobretudo um artesão, do tempo, do silêncio e da(s) palavra(s), matéria(s)-prima(s) com que recria, molda, reinventa, constrói a realidade: “Preciso tanto das palavras do silêncio / Como do eco que ele imprime”… Para o poeta a realidade não existe, a não ser reconstruída e renomeada. A poesia alimenta-se do silêncio, da dor, do sofrimento, da angústia, mas também da coragem e da fé. O silêncio é um continuum da palavra, ou a palavra é um continuum do silêncio, mas também da reflexão, da ação, da mudança e da liberdade. “A palavra é a sombra da ação / E também revolução”.

Em mais de 120 páginas e em mais de 14 mil palavras, há vocábulos que parecem dezenas de vezes, num todo coerente: Tempo (obsessivamente…), Vida, Morte, Sonho, Amor, Mãe
(extremosamente…), Saudade, Coração, Liberdade, Esperança, Deus (serenamente…). Mas também, Futuro, Guerra, Paz… Subentendidas, estão outras como a Guiné e o seu povo, que ainda não ganhou, infelizmente, a guerra que lhe prometeram ganhar, a da paz, a da liberdade, da justiça, da democracia, do desenvolvimento…

Não me compete aqui descobrir o “fio de Ariadne” que liga estas cerca de nove dezenas de poemas. Esse é o “trabalho de casa”, o TPC do leitor, e irá fazê-lo, seguramente, com emoção
e prazer. Para o poeta, a poesia é, de resto, um jogo de sedução e cumplicidade com o leitor. Daí o autor, logo na “introdução”, e na esteira do Alberto Caeiro / Fernando Pessoa, dizer que escreve para o mundo e que os seus versos já não lhe pertencem, a partir do momento que são
acaparados/apropriados pelo leitor.

“Palavras (e)levas o vento” encerra, então, na nossa leitura muito pessoal, o duplo desafio que se coloca a qualquer poeta, artesão do tempo, do silêncio e da palavra: o de pôr a poesia no patamar talvez mais alto da criatividade literária… e, ao mesmo tempo, saber mexer com a nossa caixinha de Pandora das ideias e emoções. É o que o autor faz em poemas como
“Amor de Mãe”, “A morte passou por mim”, “Suadê, nome de mãe”… ou “Trancafiar o tempo”.

Lisboa, 25 de abril de 2022

Luís Graça, editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23479: Agenda cultural (816): Acaba de sair o livro de Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, "Sanctuary Lost: Portugal's Air War for Guinea 1961-1974". Volume I: Outbreak and Escalation (1961-1966), Helion & Co, UK, 28 de julho de 2022

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