1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2012:
Queridos amigos,
“Um Império Papel” é uma agradável surpresa, tem uma apresentação gráfica irrepreensível, não há leitor que não fique suspenso da seleção de imagens, tudo a propósito e com elevado vigor ilustrativo, fica-se com uma visão abrangente da iconografia imperial que vai desde a redescoberta de África, a partir dos anos 70 do século XIX até ao clímax que foi a Exposição do Mundo Português, em 1940.
A autora é antropóloga e move-se bem nas suas explanações quanto ao valor das publicações, como elas contribuíram para imaginar o Império, revelando exotismo, empreendimentos de progresso, mostrando a ocupação do mato bravio, a “civilização” dos autóctones, etc.
Assim se montou uma ficção que ajudou a produzir novas ficções, onde fomos figurantes, umas décadas atrás.
Um abraço do
Mário
Um império é uma nação em excesso
Beja Santos
“Um Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)”, por Leonor Pires Martins, Edições 70, 2012, é uma belíssima obra correspondente a um levantamento exemplar das imagens de uma África até então praticamente desconhecida do grande público; os portugueses, por razões de autoestima, também queriam participar na euforia da descoberta ou revelação de África. Esse é o grande significado que encontramos nestas imagens.
Obra de uma antropóloga, ela soube selecionar com esmero e oportunidade representações visuais do Império entre milhentas páginas de jornais e revistas. Claro que este imaginário da novel representação do Império transcende jornais e revistas, dissemina-se também por relatos de exploração e viagem, livros de temática colonial, alguns fotográficos, postais ilustrados, gravuras, pinturas, selos, embalagens de produtos e muito mais. Assim se procurava vincar a relação de Portugal e as parcelas do seu império. A autora explica-nos o âmbito do seu trabalho:
“As imagens reunidas incluem reproduções de gravuras, pinturas, fotografias, desenhos, cartunes, caricaturas e alguns anúncios publicitários. Os temas vão desde a representação de paisagens e lugares «exóticos», com as suas populações nativas, ao tratamento humorístico de acontecimentos do foro da política e da diplomacia coloniais. Os retratos de colonos europeus e de outros «agentes do Império» (exploradores, missionários, funcionários da administração colonial, caçadores), assim como as imagens que apontam para uma ideia de progresso associada à construção de novas infraestruturas e edifícios por parte do poder colonial, constituem, também, motivos temáticos na vasta iconografia alusiva ao Império, publicada na imprensa periódica”.
Como é compreensível, as imagens sobre a Guiné têm um carácter residual, importa nunca esquecer que a Constituição liberal nunca fala da Guiné mas de Bissau e Cacheu. As parcelas dominantes nestas ilustrações são sempre Angola e Moçambique, é para aí que se emigra, são estes os territórios a desbravar, é aqui que estão os recursos preciosos que importa explorar, é aqui que se impõe suster os apetites britânicos e alemães. No entanto vamos encontrar imagens muito representativas sobre a Guiné. A revista
O Ocidente publica em Novembro de 1909, a propósito da rebelião do Cuor para a qual se mobilizaram largos recursos que irão, através do Geba, destituir Infali Soncó e intimidar outros régulos rebeldes, imagens de Bissau como seja uma vista do porto, o edifício da Alfândega, a rua da Praia (a futura Avenida Marginal) e uma vista de Bissau, correspondente ao que conhecemos pelo Bissau velho virada para o Pidjiquiti. Os guinéus fizeram furor na Exposição Colonial de 1934, o pintor Eduardo Malta retratou alguns dos participantes, como o régulo Mamadu Sissé, amigo devoto de Teixeira Pinto, aparece a Rosinha, uma bonita Fula de peito à mostra a segurar a bandeira portuguesa junto do monumento
“Ao esforço colonizador”, a fotografia surge acompanhada pela seguinte legenda:
“Negra muito embora, portuguesa de lei – ei-la empunhando a bandeira verde-rubra que domina todo o Império”. No número da revista
O Ocidente de 1891, aparece o forte de Cacheu com caçadores e artilheiros da guarnição, trata-se de um desenho de Domingos Cazellas a partir de uma fotografia. A revista
Ilustração Portuguesa, num seu número de Junho de 1908, mostra as operações militares no Cuor, tropas a cavalo e soldados guineenses a pé com arma a tiracolo.
A Grande Exposição Industrial Portuguesa, que se realizou no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, em 1932 trazia com grande novidade um grupo de guineenses que fiou instalado numa “aldeia indígena” construída no Parque Eduardo VII. A revista
Ilustração, número de Outubro de 1932, mostra o ministro das Colónias Armindo Monteiro rodeado da sua comitiva, fotografado com vários régulos, vêem-se cobatas ao fundo, aparecem outras fotografias com mulheres e homens Fulas, foram um verdadeiro chamariz para os muitos curiosos que vieram ver gente seminua. Armindo Monteiro irá admoestar Henrique Calvão a propósito da Exposição Colonial de 1934, recebera inúmeras críticas para as “poucas-vergonhas” daqueles Bijagós bem desnudados que se passeavam calmamente à volta do Palácio de Cristal, no Porto. Segundo a autora, a I Exposição Colonial Portuguesa foi a primeira grande iniciativa do Estado Novo apostada na massificação da consciência imperial. Não era a primeira vez que se fazia a exposição de mostras das produções coloniais e populações, o que agora se ensaiava era a representação etnográfica das províncias da metrópole dentro da exposição colonial: o cortejo colonial que marcou o encerramento da exposição procurava mostrar a grandeza histórica e territorial da nação, o que permitiu a mistura do Vinho do Porto com Bijagós e Balantas e o desfile de búfalos, pacaças, bois da Guiné e um camelo. A Exposição do Mundo Português acabará por se constituir como uma mostra das diferentes parcelas do Império e, bem entendido, a Guiné compareceu com as suas aldeias indígenas que suscitaram imensa curiosidade.
Voltando ao miolo do livro
“Um Império de Papel”, o ponto de partida, 1875, não foi escolhido ao acaso, foi o ano da criação da Sociedade de Geografia de Lisboa, tal como o da chegada, 1940, em Lisboa ocorreu um grandioso evento do regime, a “Exposição do Mundo Português”, nele se fez farta referência às parcelas do Império, aparecia como uma apoteose de um pequeno país derramado por vários continentes, era o palco escolhido, em plena II Guerra Mundial, para se mostrar ao mundo o Portugal imperial.
A autora procede ao enquadramento histórico das imagens, tudo começa pela necessidade premente de ocupar fisicamente o território, a Conferência de Berlim tornou essa ocupação categórica, e enquanto se descobre África mostram-se as imagens correspondentes, os seus protagonistas principais são Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Henrique Dias de Carvalho, procura-se determinar uma rota comercial que ligasse Angola a Moçambique; a missão de Dias de Carvalho é igualmente fundamental, ele vai até ao império Lunda, território úbere em matérias-primas como o marfim, a cera e a borracha, isto no exato momento em que as grandes potências coloniais europeias começavam a atribuir menos importância às vias comerciais terrestres e mais ao estabelecimento da navegação a vapor dos rios das regiões centrais africanas e na construção de linhas férreas. Serão sobretudo as viagens e os exploradores Capelo, Ivens e Serpa Pinto a merecer grande publicitação.
A autora refere a existência de revistas que tiveram um grande desempenho divulgativo, caso da revista
O Ocidente e do jornal
À Volta do Mundo. Com exuberância, vemos avenidas na cidade da Beira, pontes sobre o rio local ou no distrito de Benguela, ilustrações dos grandes exploradores e suas comitivas, o lustre das suas conferências e jantares de homenagem ou até mesmo receções apoteóticas aos exploradores. E neste contexto emerge o exotismo, reis africanos sentados nos seus tronos, os perigos que comportam as florestas, perfis dos diferentes povos, imagens de rara beleza e em contraste, a seguir ao Ultimato Britânico (1890) mostra-se a atitude torcionária das autoridades britânicas, pondo povos à fome ou fazendo execuções sumárias. Também aparecem desenhos de Bordalo Pinheiro a caricaturar a subserviência dos governantes portugueses face ao poder britânico. O António Maria tem desenhos magistrais, inesquecíveis. O conflito luso-britânico motivado pelo Mapa Cor-de-rosa desencadeia protestos, a começar pela cobertura da estátua de Camões com crepes, seguindo-se a agitação popular e a resposta ditada pela ocupação militar que tem o seu ponto alto pela prisão de Gungunhana, o senhor dos Vátuas, por Mouzinho de Albuquerque. Dentro da diatribe política, um grande desenhador que teve vida efémera, Celso Hermínio, para caricaturar João Franco mostrou-o como “O Gungunhana de cá”.
A ocupação efetiva vem profusamente ilustrada, chegou a hora das visitas de Estado; em 1907, o príncipe D. Luís Filipe faz uma visita a parcelas do Império, todas elas reproduzidas nas revistas e jornais da época. Mas a África pitoresca vai merecendo cada vez mais destaque na imprensa. Como a autora observa, se é verdade que até ao final da I República não existiram projetos políticos e culturais mais ou menos concertados com vista à produção de iconografia alusiva aos domínios portugueses no continente africano, não se pode iludir que a divulgação de iniciativas avulsas já aparecia enquadrada no esforço de vulgarizar a África portuguesa: fauna e flora, recursos hídricos, crescimento ou fundação de lugares, as ilustrações vão revelando o casario e as populações autóctones. A este propósito, a autora fala-nos de um caso singular, o fotógrafo Cunha Moraes, um homem dos sete ofícios que se irá instalar em Luanda e ganhará notoriedade pela sua atividade fotográfica sobretudo em Angola e S. Tomé. Ele foi um fotógrafo andarilho, por vezes integrava-se em caravanas de exploradores e sertanejos, é o exemplo acabado do fotógrafo-viajante, intrépido e solitário. Em meados da década de 1880, Cunha Moraes já tinha realizado mais de 800 fotografias de África: imagens de paisagens, rios, vistas e espaços urbanos, “tipos indígenas”, chefes nativos, fazendas agrícolas, missões religiosas, colonos, caçadas, etc.
E temos também as ideias de progresso, que acabavam por contrariar as de decadentismo, tão propaladas pela Geração de 70, era um nunca mais acabar de imagens de construção e da “civilização” dos nativos, estes em escolas ou à frente das bandas de música, por exemplo, ilustrações de comboios, de igrejas, de monumentos. A “África branca” é já uma projeção do regime do Estado Novo, as colónias de África eram
“um Portugal ultramarino onde a população portuguesa se iria fixar para viver, era esta a sua missão histórica”. O povoamento branco e os seus estabelecimentos seriam o modelo a adotar para as possessões africanas. Com uma certa regularidade, essa ocupação colonial tem que ser feita a ferro e fogo, são as chamadas operações de pacificação, tanto nos tempos da monarquia como a da I República. O herói Teixeira Pinto não consta desta imagens de
“Um Império de Papel”.
O Estado Novo cria um punhado de publicações difundidas pela Agência Geral das Colónias, assim se entendia a propaganda do nosso património colonial, contribuía-se para o engrandecimento da imagem imperial mas também se incentivava ao estudo da suas riquezas exaltando a capacidade colonizadora dos portugueses, este espírito acompanha a participação de Portugal em exposições e no fomento da presença africana nas exposições coloniais que ocorreram em Portugal nos anos 30 e depois nesse pico alto que foi a Exposição do Mundo Português.
Um livro de elevada qualidade gráfica que sintetiza o império de papel por onde se difundiu a mística e o mito imperiais.
Documento obrigatório para o estudo do colonialismo português.
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Nota do editor:
Último poste da série de 19 DE ABRIL DE 2013 >
Guiné 63/74 - P11424: Notas de leitura (473): O Sistema Colonial Português em África (meados do século XX), por Armando Castro (Mário Beja Santos)