terça-feira, 23 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11450: Bom ou mau tempo na bolanha (5): A Fé também ajuda (Tony Borié)

Quinto episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), Bom ou mau tempo na bolanha.



O Cifra tinha um diário que uma madrinha de guerra lhe ofereceu, onde a certa altura começou a apontar algumas datas com acontecimentos dignos de algum registo, e é desse diário que vai escrevendo algumas memórias.


Algumas páginas diziam, no dia tal, à hora tal, uma “praga de mosquitos”, blá, blá, blá, noutra página dizia, houve um ataque às quatro horas da madrugada, quando o “passarinho cantava”, blá, blá, blá, mas em determinada página diz mais ou menos assim:

1965, quinta-feira dia 13 de Maio. 
Às sete horas da manhã saiu do aquartelamento um grupo de militares composto, mais ou menos, por duas secções de combate e uns tantos soldados milícias, transportados em viaturas auto, que foram em normal patrulha, e que foram deixados, nove a dez quilómetros do aquartelamento, na estrada, que pouco mais é do que um carreiro, que sai de Mansoa para Bissorã. Tinham por missão, fazer uma normal patrulha de inspecção no terreno, nunca se distanciando muito da referida estrada, vigiando e interrogando pessoas, ou identificando qualquer outra anomalia que achem estranha, tudo isto na região sul da referida estrada, regressando ao aquartelamento a pé. 


Tinham andado uns quilómetros, metendo-se um pouco no mato, e aproximaram-se de uma bolanha onde encontraram três homens africanos trabalhando, os militares ficaram desconfiados de não verem mulheres ou crianças, pois normalmente eram elas que trabalhavam na bolanha. Os militares, talvez na esperança de pedirem a identificação a esse pessoal, pois essa era uma das suas principais missões, ao aproximarem-se, ainda em terreno seco e com alguma vegetação, a determinado momento foram surpreendidos por uma emboscada que os guerrilheiros tinham montada, do lado de lá da bolanha. Mais tarde houve informações, de que aqueles três estavam a servir de isco para a patrulha se aproximar. Houve fogo intenso, que durou quase quinze minutos, os militares desesperados consumiram quase todas as suas munições, tanto granadas ofensivas, granadas de morteiro, como balas, haviendo somente um ou dois soldados mais receosos, com alguns carregadores ainda com balas.

Passado algum tempo, deixou-se de ouvir o som de tiros, aos poucos levantaram-se, chamaram uns pelos outros e estavam todos, sem um único morto ou qualquer ferimento. Não havia mais sinal de guerrilheiros, nem pessoal a trabalhar na bolanha, alguns diziam que viram dois desses trabalhadores a fugirem debaixo de fogo e feridos, e os militares sem munições, sem mortos ou feridos e a olharem uns para os outros, ficando com alguma alegria, dentro daquele cenário de guerra. Já tinham comunicado ao aquartelamento pela rádio, durante a emboscada, a situação em que se encontravam, que lhe enviara imediatamente reforços em seu auxílio. Regressaram à estrada sem mais qualquer confronto, pois os guerrilheiros bateram em retirada.

Quando regressaram ao aquartelamento, abraçados, com os olhos vermelhos de chorarem, e ainda com algumas lágrimas, cantavam: 
- “Avé, Avé, Avé Maria!. Foi um milagre de Nossa Senhora! Estamos todos vivos! 

O Cifra, sempre pensou que foi uma emboscada, onde os militares tiveram única e simplesmente sorte, e os guerrilheiros, talvez ainda sem muita experiência, pois não esperaram que os militares se aproximassem, deram fogo durante algum tempo, batendo em seguida em retirada, pois sabiam que estavam perto do aquartelamento e em seguida viriam reforços. Só não sabiam, com toda a certeza, é que os militares naquela altura estavam à sua mercê, pois não tinham mais munições!
Mas seria só sorte?
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Nota do editor:

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11434: Bom ou mau tempo na bolanha (4): A odisseia (Tony Borié)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro "Cifra"

Mais uma história que foste 'sacar' ao teu baú de memórias....

Acredito que muitos dos que nos lêem, principalmente das gerações mais novas, que não tiveram a 'ventura' de 'saborear a aventura africana', tenham alguma dificuldade em imaginar as situações vividas, colocando-as em causa, ou achando que 'não é possível'... mas a verdade é que 'as coisas' aconteceram.

Relativamente às 'premonições' também não deixa de ser no mínimo 'curioso' como algumas situações tiveram o seu desfecho, mas é bem certo que a 'sorte' deve ser 'procurada'.

Abraço
Hélder S.