Quinto episódio da série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), Bom ou mau tempo na bolanha.
O Cifra tinha um diário que uma madrinha de guerra lhe
ofereceu, onde a certa altura começou a apontar algumas datas
com acontecimentos dignos de algum registo, e é desse diário que
vai escrevendo algumas memórias.
Algumas páginas diziam, no dia tal, à hora tal, uma “praga
de mosquitos”, blá, blá, blá, noutra página dizia, houve um
ataque às quatro horas da madrugada, quando o “passarinho
cantava”, blá, blá, blá, mas em determinada página diz mais ou
menos assim:
1965, quinta-feira dia 13 de
Maio.
Às sete horas da manhã
saiu do aquartelamento um grupo
de militares composto,
mais ou menos, por duas secções
de combate e uns tantos
soldados milícias, transportados
em viaturas auto, que foram em
normal patrulha, e que foram
deixados, nove
a dez quilómetros do
aquartelamento, na estrada, que pouco mais é do que um
carreiro, que sai de Mansoa para Bissorã. Tinham por missão, fazer
uma normal patrulha de inspecção no terreno, nunca se
distanciando muito da referida estrada, vigiando e interrogando
pessoas, ou identificando qualquer outra anomalia que achem
estranha, tudo isto na região sul da referida estrada,
regressando ao aquartelamento a pé.
Tinham andado uns quilómetros, metendo-se um pouco no mato,
e aproximaram-se de uma
bolanha onde encontraram três
homens africanos
trabalhando, os militares
ficaram desconfiados de não
verem mulheres ou crianças,
pois normalmente eram elas que trabalhavam na
bolanha. Os militares,
talvez na esperança de
pedirem a identificação a
esse pessoal, pois essa era
uma das suas principais
missões, ao aproximarem-se,
ainda em terreno seco e com
alguma vegetação, a
determinado momento foram surpreendidos por uma emboscada que os
guerrilheiros tinham montada, do lado de lá da bolanha. Mais tarde houve informações, de que aqueles três estavam a
servir de isco para a patrulha se aproximar. Houve fogo intenso, que durou quase quinze minutos, os militares
desesperados consumiram quase todas as suas munições, tanto
granadas ofensivas, granadas de morteiro, como balas, haviendo
somente um ou dois soldados mais receosos, com alguns
carregadores ainda com balas.
Passado algum tempo,
deixou-se de ouvir o som de tiros, aos poucos levantaram-se,
chamaram uns pelos outros e estavam todos, sem um único morto ou
qualquer ferimento. Não havia mais sinal de guerrilheiros, nem
pessoal a trabalhar na bolanha, alguns diziam que viram dois
desses trabalhadores a fugirem debaixo de fogo e feridos, e os
militares sem munições, sem mortos ou feridos e a olharem uns
para os outros, ficando com alguma alegria, dentro daquele
cenário de guerra. Já tinham comunicado ao aquartelamento pela
rádio, durante a emboscada, a situação em que se encontravam, que
lhe enviara imediatamente reforços em seu auxílio. Regressaram à estrada sem
mais qualquer confronto, pois os guerrilheiros bateram em
retirada.
Quando regressaram
ao aquartelamento,
abraçados, com os olhos
vermelhos de chorarem,
e ainda com algumas
lágrimas, cantavam:
- “Avé, Avé, Avé
Maria!. Foi um milagre
de Nossa Senhora!
Estamos todos vivos!
O Cifra, sempre
pensou que foi uma
emboscada, onde os
militares tiveram única
e simplesmente sorte, e
os guerrilheiros,
talvez ainda sem muita
experiência, pois não esperaram que os militares se
aproximassem, deram fogo durante algum tempo, batendo em seguida
em retirada, pois sabiam que estavam perto do aquartelamento e
em seguida viriam reforços. Só não sabiam, com toda a certeza, é que
os militares naquela altura estavam à sua mercê, pois não
tinham mais munições!
Mas seria só sorte?
____________
Nota do editor:
Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11434: Bom ou mau tempo na bolanha (4): A odisseia (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Caro "Cifra"
Mais uma história que foste 'sacar' ao teu baú de memórias....
Acredito que muitos dos que nos lêem, principalmente das gerações mais novas, que não tiveram a 'ventura' de 'saborear a aventura africana', tenham alguma dificuldade em imaginar as situações vividas, colocando-as em causa, ou achando que 'não é possível'... mas a verdade é que 'as coisas' aconteceram.
Relativamente às 'premonições' também não deixa de ser no mínimo 'curioso' como algumas situações tiveram o seu desfecho, mas é bem certo que a 'sorte' deve ser 'procurada'.
Abraço
Hélder S.
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