Queridos amigos,
Mais uma prova de que anda por aí muita documentação dispersa sobre a Guiné que merece a nossa atenção. Desta feita, temos o testemunho de José Gregório Gouveia que foi furriel enfermeiro da CART 1525 e que resolveu dedicar ao povo da Guiné um punhado de considerações sobre a história da presença portuguesa até aos eventos mais recentes, intercalando apontamentos sobre as atividades da CART 1525 que deixou saudades à população de Bissorã.
Ficarei muito grato a quem me facilitar a leitura de documentos como este, que encontrei na Biblioteca da Liga dos Combatentes, todos estes esforços tão meritórios devem merecer-nos respeito.
E junto a referência do importante inventário biobibliográfico de Avelino Teixeira da Mota.
Um abraço do
Mário
Província da Guiné e Guiné-Bissau:
Um longo olhar de um antigo combatente
Beja Santos
José Gregório Gouveia prestou serviço militar na Guiné integrado na CART 1525, nos anos de 1966 e 1967, onde foi furriel enfermeiro. É hoje advogado na Madeira. Procedeu a um estudo sobre a Guiné, desde colónia a país independente. O seu trabalho de pesquisa compreende três partes: enquadramento histórico da presença portuguesa; síntese das atividades da CART 1525 e resumo da vida da República da Guiné-Bissau.
Trata-se de uma edição não comercial que encontrei na Biblioteca da Liga dos Combatentes com a cota 13513. É indiscutivelmente uma iniciativa generosa, um olhar de quem combateu durante 21 meses, sobretudo na região de Bissorã e que entende legar apontamentos a camaradas interessados, é um labor cuidado, despretensioso, pautado pela afabilidade e o amor à Guiné e às sua gentes.
A primeira parte compreende um escorço histórico dos descobrimentos, abarca o território, a população, as atividades económicas, a presença portuguesa com realce a partir do século XIX, a emergência dos movimentos de emancipação e de independência, intercalando a luta armada vista do lado português e do lado e dos guerrilheiros. Como nota de curiosidade, registo que José Gregório Gouveia recorda o significado de dois artigos publicados no jornal “Ponto”, nas suas edições de 4 e 18 de Dezembro de 1980, assinado por Fernando Baginha, que em 1972 e 1973 foi professor e diretor da Escola-Piloto do PAIGC, em Conacri; e foi também o autor e responsável por programas de propaganda dirigidos aos militares portugueses, através das emissões da Rádio Libertação do PAIGC. O tema destes dois artigos prende-se ao assassinato de Amílcar Cabral. Vejamos qual a visão de Baginha quanto ao assassinato do líder do PAIGC:
“A esquerda portuguesa adotou, para seu descanso, até ao 25 de Abril e depois, o esquema geral de “É mau? Foi a PIDE”. Isto permitia explicar tudo o que não se sabia explicar. Assim, e neste caso, Amílcar tinha sido morto e só havia uma explicação: foi a PIDE. Este foi, aliás, o sentido do primeiro programa da Rádio Libertação do PAIGC, por mim escrito e lido depois do assassinato. E eu, quando escrevi e li já não acreditava nisso. Sabia tão bem como todos os que estávamos nessa situação, que a PIDE não tinha, diretamente, nada a ver com o assassinato. Penso, com isto, não estar a promover a PIDE, para pelo contrário, estar a retirar-lhe méritos que a esquerda lhe atribuía, acusando-a permanentemente de poderes conspirativos que na realidade não possuía”.
Creio ser útil regressar mais tarde à detalhada argumentação de Baginha, reveladora dos complexos conflitos que existiam no seio do PAIGC e que foram comodamente silenciados aquando da morte de Cabral.
O autor condensa as atividades da luta de contraguerrilha e depois traça um apanhado da vida da CART 1525 que partiu para a Guiné em 12 de Janeiro de 1966, tinham como nome de guerra “Os Falcões”, em Fevereiro, foram colocados em Mansoa e a seguir marcharam para Bissorã, que assim descreve: “Uma casa, coberta de telha, para os oficiais com messe própria; duas casas, cobertas de zinco, para os furriéis e sargentos. Com um frigorifico que funcionava a petróleo – a central termoelétrica não funcionava 24 horas por dia, apenas à noite e pouco mais. O local das refeições funcionava na casa da D. Maria (um casal cabo-verdiano que se distinguia por saber assar leitão). Dois armazéns, tipo colonial, cobertos de telha, serviam de caserna aos soldados. Para servir o rancho geral foi necessário a Companhia construir instalações com toros de madeira e cobertas de capim”. Descreve o centro de saúde, o parque de viaturas e conta a história do jipe do ronco, um jipe aparentemente a abater à carga mas que estava destinado à glória: “Veio um chassis usado, foi trabalhado um tabliê em madeira onde foram colocados todos os instrumentos de bordo, volante à maneira de competição, jantes pintadas, bandas brancas nos pneus, faróis de marcha-atrás, tapetes interiores de palhinha de capim”. O jipe do ronco foi perseguido pela Polícia Militar em Bissau, era tão insólito que toda a gente parava para ouvir. Segue-se uma apresentação da região de Mansoa e a enunciação das principais atividades operacionais da companhia. Depois de um ano em Bissorã, erigiu-se um monumento simbólico, ao que parece ainda está de pé, conseguiu resistir à deterioração do tempo. A CART 1525 distinguiu-se por um admirável conjunto de relações sociais entretecidas com a população local: escolas, criação de um talho, melhoramento dos espaços desportivos, etc.
Com o 25 de Abril, e após a independência da Guiné-Bissau, o autor desfia os dados mais significativos da cooperação portuguesa. Refere o fuzilamento de militares e milícias guineenses que tinham combatido à sombra da bananeira portuguesa, e sumaria os principais acontecimentos da vida político-constitucional da Guiné-Bissau, atos eleitorais, golpes de Estado, assassinato de políticos e militares. No final, relembra o leitor que pretendeu apenas chegar ao povo guineense a quem este trabalho é sinceramente dedicado.
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O trabalho de uma vida: Dados biográficos elementares e resumo da obra monumental do almirante Teixeira da Mota
“O trabalho de uma vida: Biobibliografia de Avelino Teixeira da Mota”, por Carlos Manuel Valentim, Edições Culturais da Marinha, 2007 é um documento que permite conhecer melhor o perfil de um historiador que dedicou alguns dos seus melhores trabalhos à Guiné.
Trata-se de uma biografia elementar, sólida e rigorosamente coligida por um estudioso que preparara o seu doutoramento à volta da historiografia de Teixeira da Mota cuja obra incontornável gira à volta de dois eixos fundamentais: estudos sobre a história de África e a cartografia dos descobrimentos.
Carlos Valentim evidencia o papel de Teixeira da Mota na revolução da historiografia portuguesa e como ele revolucionou a visão global da história das navegações portuguesas. Recorde-se que Teixeira da Mota chegou à Guiné como colaborador direto do governador Sarmento Rodrigues e de seguida viveu 12 anos na Costa Ocidental de África. Atirou-se a fundo ao estudo da descoberta da Guiné, o que deu aso a uma importante polémica com Vitorino Magalhães Godinho. A sua investigação sobre a arte de navegar no Mediterrâneo foi um contributo decisivo para clarificar a navegação gastronómica em Portugal, até então pensava-se que a navegação gastronómica começara no Atlântico. Outro trabalho fundamental foi o seu estudo sobre a viagem de Bartolomeu Dias e as ideias geopolíticas de D. João II. Por fim, contribuiu para clarificar que a Escola de Sagres não passava de uma lenda, devia ser revertida para símbolo dos descobrimentos henriquinos, conceito que veio agitar a historiografia conservadora.
Encontra-se neste meritoso trabalho o levantamento do que mais importante foi assinado por Teixeira da Mota, investigador revolucionário e pai da historiografia do que é hoje a Guiné-Bissau.
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Nota do editor:
Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11444: Notas de leitura (474): Um Império de Papel, por Leonor Pires Martins (Mário Beja Santos)
3 comentários:
Caro Beja Santos, camaradas, amigos
Se me permitem,
Do texto do Beja Santos:
“Refere o fuzilamento de militares e milícias guineenses que tinham combatido à sombra da bananeira portuguesa, …” Palavras do Beja Santos ou retiradas do livro recenseado? Não me interessa a autoria.
Quero acreditar que aquela frase foi um lapso. É isso, só pode ser um erro. Os militares e milícias guineenses que eu conheci também tinham orgulho na bandeira de Portugal.
Os miliares e milícias guineenses que combateram e morreram ao nosso lado, os que depois morreram fuzilados ou por outras causas e os que ainda vivem também têm direito à dignidade humana e ao sentido de dever cumprido. Seria bom que nunca o esquecêssemos.
Tenho a certeza que Beja Santos, comandante que foi do Pel. Nat. #52 e autor de A Viagem de Tangomau, não esqueceu. Seria muito mau o contrário.
Um abraço,
José Câmara
José Câmara há uma realidade para a qual fechamos os olhos.
Temos milhares de portugueses em Portugal, França e Inglaterra oriundos de Angola, Guiné e São Tomé, famíliares de homens que tinham fé em nós.
Têm BI igual ao de todos os portugueses.
Vai demorar muitos anos a nós "brancos" nos adaptarmos a esses portugueses.
Eles conhecem a história e vai levar anos a esquecerem-se.
Não adianta meter a cabeça na areia.
Cumprimentos
Antº Rosinha
Meu Caro José Câmara e todos os confrades do blogue, Lamento só agora responder-vos. Foi uma calinada das grandes: Já não chegava à sombra da bananeira e poder-se ainda supor que estes militares e milícias guineenses andavam à “sombra da bananeira” portuguesa, o que podia ser uma alusão de mau gosto, o que está nas antípodas pelo meu afeto às pessoas da Guiné, destacando os militares guineenses Peço desculpa pelo lapso, resta dizer que há mistérios no teclado que a razão não pode decifrar. Cordiais cumprimentos e um abraço do Mário
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