Pesquisar neste blogue

domingo, 2 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27377: Convívios (1044): Rescaldo do 13.º Almoço/Convívio do Antigos Combatentes da Guiné da Freguesia de Arcozelo/Vila Nova de Gaia (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 27 de Outubro de 2025, trazendo até nós o rescaldo do 13.º Convívio dos antigos Combatentes da Guiné da freguesia de Arcozelo-Vila Nova de Gaia.

Boa noite, caro Carlos
Em anexo envio mais um trabalhinho, desta vez relacionado com o 13º. Almoço/Convívio do Núcleo de Arcozelo dos Ex-Combatentes da Guiné, realizado no passado dia 18 de Outubro, para ser publicado quando houver oportunidade.

Um forte abraço
Aníbal Silva

_____________

Nota do editor

Último post da série de 14 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27317: Convívios (1043): Rescaldo do Encontro dos Antigos Combatentes de Meimoa na Guerra do Ultramar, levado a efeito no passado dia 4 de Outubro (Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav)

Guiné 61/74 - P27376: Humor de caserna (219): Heróis de quatro patas que bem mereciam uma cruz de guerra: Bambadica, 1963, o Lobo e a sua matilha de cães rafeiros (Alberto Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 83, 1961/63)




Cartoon: adaptação e edição por Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/. Ideia original: LG sob imagem original de João Sacoto  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > Meados de 1969 > Um periquito em Bambadinca, ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70),   o editor deste blogue, quando noutra incarnação foi Fur Mil Armas Pesadas Inf, pertencente à subunidade de intervenção CÇAÇ 2590 / CCAÇ 12... Nas suas costas, a grande bolanha de Bambadinca... (Bambadinca ficava num morro, 30 e tal metros acima do mar, tendo a Norte o rio Geba e a Sul a bolanha.)

Um anos depois, já após a chegada do BART 2917, os cães vadios enxameavam a parada do aquartelamento e tornavam-se um pesadelo, à noite, não deixando ninguém dormir... (Dentro do aquartelamento, ou do perímetro de arame farpado ficavam ainda as instalações civis: posto administrativo, escola primária, missão católica capela, reservatório de água, etc.)

Foi na sequência dessa situação que se decidiu preparar e executar a Op A Noite das Facas Longas, de que resultou talvez a maior mortandade em canídeos de toda a guerra da Guiné... Como tantas outras ações das NT, esta não ficará certamente para a História, mas já aqui foi evocada e sumariamente contada (*).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


    

O boxer Toby, um cão
que foi um bravo
combatente,
mais do que mascote.

Foto do João Sacôto.
1. Os cães também fazem parte da nossa "pequena história", ou das nossas "pequenas histórias" que pouco ou nada irão interessar à História com H grande. 

Temos pelo menos dez referências a este descritor. Até tivemos "cães de guerra". CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) teve "cães de guerra". Tinha uma secção cinotécnica. Mas a sua utilização, eficaz e eficiente, naquela guerra e naquele terreno, deparou-se com vários obstáculos. E a experiência foi abandonada. O maior inimigo do cão de guerra ainda era, afinal, o macaco- cão. Quando se encontravam no mato, não havia quem os segurasse.

Mas dalemos de outros cães que, à partida, não foram treinados para operações de guerra. E que mesmo assim participaram na guerra. 

Se há uma cão que merecia uma cruz de guerra, era o Toby, ferido em combate, bravo e leal companheiro do nosso João Sacôto e do seus camaradas da CCAÇ 617 (Catió, 1964/66) (**).

Cães que foram, mais prosaicamente, mascotes iu animais de companhia certamente os houve, na Guiné, ao longo da nossa guerra, um pouco por toda a parte. 

De um lado e do outro. O IN também os tinha, nas "barracas"  e tabancas", com a missão de o alertar da chegada das NT, no mato. 

Alguns dos nossos cães, infelizmente, como o Boby e o Chicas, que viveram connosco em Bambadinca, acabaram por ser vitimas do "fogo amigo" (*).

 Mas falando de cães que conviveram connosco, temos  de lembrar aqui, mais uma vez, nem que seja em registo  humorístico (***), o Lobo (também um Boxer)   e a sua matilha de cães rafeiros que no início  oficial da guerra, no 1º trimestre de 1963,  terão abortado  um ataque do IN a Bambadinca, ao tempo 
do Alberto  Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63).
 

O Lobo e a sua matilha de cães rafeiros

por Alberto Nascimento


Alguém apareceu um dia no quartel, com dois cachorros recém desmamados, que foram imediatamente adotados e batizados com os nomes de Gorco, ele, e Djiu, ela.

Adaptaram-se facilmente ao hotel e, quando começaram a vadiar pelas imediações, devem ter feito grande publicidade porque passado pouco tempo veio outro e mais outro e mais uns quantos, até perto da dezena de rafeiros que, agora bem nutridos, não mostravam vontade nenhuma de voltar à antiga vida de privações e maus tratos.

Mais tarde, o tenente Castro, comandante do destacamento, juntou à matilha um boxer, o Lobo que, pelo seu pedigree, foi aceite como comandante da tropa canina, que passou a segui-lo para todo o lado.

Embora alguns dos rafeiros se desenfiassem durante algumas horas de dia, a hora das refeições e a pernoita eram sagradas e, após a última refeição, esparramavam-se num espaço entre as duas construções que constituíam o quartel, formando uma roda de cães no meio da qual, não sei se por estratégia, se acomodava o Lobo.

Uma noite, estava eu num posto guarda a trocar umas palavras com o sargento Leote Mendes, quando o Lobo se levantou subitamente e saiu a grande velocidade, seguido com grande algazarra pelo resto da matilha. 

Atravessaram a estrada e durante algum tempo continuámos a ouvir um barulho infernal, sem conseguirmos compreender o que se estava a passar, até que os latidos cessaram e pudemos vislumbrar o regresso da matilha.

Ficámos preocupados a pensar que a reacção dos cães se devia à passagem de algum viajante, já que era hábito quando a distância a percorrer era grande, fazerem os percursos de noite a pé enquanto mastigavam noz de cola e mais preocupados ficámos quando vimos que o Lobo trazia na boca um cantil de plástico cheio de leite. 

Deduzimos e desejámos que alguém tivesse tido a ideia de desviar a atenção dos cães, das suas canelas para o cantil de leite, largando-o enquanto fugia.

Depois da operação de Samba Silate (****), alguns prisioneiros disseram que nessa noite o quartel estava já cercado e seria atacado, não fora o alarme dado pelos cães, o que os levou a pensar que factor surpresa já não surtiria efeito.

Felizmente para nós, enganaram-se. Não sei que armas traziam mas a nossa surpresa ia com certeza ser grande. Nunca se soube com certeza absoluta, eu pelo menos não soube, com que apoios esta operação contava do exterior e do interior do quartel, mas um dia depois, um cabo indígena de Bafatá que reforçava o nosso destacamento, desertou.

Depois deste episódio, que recordamos sempre nos nossos encontros anuais, a matilha começou a desaparecer. 

Uns nunca mais voltaram ao quartel, outros voltaram doentes, acabando por morrer por envenenamento e nós passámos a redobrar a nossa atenção aos sistemas de vigilância e defesa, que dependiam mais de nós que do equipamento que possuíamos, na altura limitado às G3, granadas e uma metralhadora fixa num ponto estratégico.

Todos os camaradas que estavam na altura em Bambadinca sabem, julgo eu, o que ficaram a dever àqueles animais que, por acção indirecta, acabaram por ser as únicas vítimas, pelo seu natural instinto de guardiães e defensores de um território, que também era seu.


Alberto Nascimento

 
(Revisão / fixação de texto, títiulo: LG)

2. Ficha deunidade: CCAÇ 84

Companhia de Caçadores nº 84
Identificação:  CCaç 84
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Crndt: Cap Inf Manuel da Cunha Sardinha | Cap Mil Inf Jorge Saraiva Parracho
Divisa: -
Partida: Embarque em 06Abr61 e 09Abr61; desembarque em 06Abr61 e 09Abr61 | Regresso: Embarque em 12Abr63

Síntese da Actividade Operacional

Foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão, inicialmente na dependência directa do CTIG e depois integrada no BCaç 236.

A partir de 24Ag061, destacou efectivos da ordem de pelotão e secção para várias localidades, nomeadamente para Teixeira Pinto, Farim, Mansabá e Bambadinca, em missão de soberania e segurança das populações, onde foram atribuídos aos batalhões responsáveis pelos sectores respectivos.

A partir de 15Fev62, embora mantendo o comando em Bissau, os pelotões foram todos atribuídos a outros batalhões, instalando-se em Empada, em reforço do BCaç 237 em Piche e Nova Lamego, com secções destacadas em Buruntuma, Pirada e Nova Lamego, em reforço do BCaç 238 e continuando um pelotão estacado em Bambadinca, em reforço do BCaç 238.

Em 01Abr63, a subunidade foi toda reagrupada em Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte:  Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág, 305.

(***) 30 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27365: Humor de caserna (218): Análise interpretativa da história de Fernandino Vigário, "O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário"


(...) " a CCAÇ 84, três meses depois de aterrar no aeroporto de Bissalanca, foi literalmente fragmentada e enviada para os mais diversos pontos do território, tendo o meu pelotão tido como último destacamento, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, sob o Comando de Bafatá.

"O primeiro destacamento, ainda em Julho de 1961, foi para Farim, após os primeiros e ainda pouco violentos ataques a Bigene e Guidaje. Seguiu-se o destacamento de Nova Lamego, conforme é dito no seu blogue (P 1292 - Contributos) onde o pelotão foi dividido por Buruntuma, Piche e Canquelifá.

"Só estou a mencionar o 1º pelotão da Companhia, porque à grande maioria dos camaradas dos outros pelotões só voltei a ver nos dias que antecederam o embarque para a Metrópole.

"Como a memória se perde no tempo por indocumentação, ou porque a essa memória se teve medo de atribuir qualquer importância (existiam e ainda existem muitos complexos sobre a guerra colonial), resolvi dar o meu contributo para esclarecer uma dúvida colocada no seu blogue, sobre quem teria participado nos massacres de Samba Silate e Poindom, no início de 63.

"Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia, se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate" (...).

Guiné 61/74 - P27375: Parabéns a você (2428): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 1 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27371: Parabéns a você (2427): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

sábado, 1 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27374: O segredo de... (52): Luís Graça & Humberto Reis (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, mai 69 /mar 71): Op Noite das Facas Longas, em que nem o pobre do "Chichas", a nossa mascote, escapou do tiro na nuca...






Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) >CCAÇ 12 (1969/71) > c. 1969 >Três participantes da Op Noite das  Facas Longas (c. meados de 1970): de cima para baixo, (i) o Humberto Reis, fur mil op esp/ ranger (aqui à entrada da "suite" do  destacamento do rio Udunduma); (ii) o Henriques (hoje, Luís Graça), fur mil arm pes inf (de chinelas e em tronco nu!); e (iii)  o Luciano Severo de Almeida (já falecido), fur mil at inf (os dois empunhando, para a fotografia, um LGFog, russo ou chinoca, um RPG2, que estava distribuído à milícia local, numa tabanca fula em autodefesa, muito provavelmente do regulado de Badora).

Falta aqui o major de artilharia, oficial de operações/ informações, e adjuntdo do comando do BART 2917, Jorge Vieira Barros e Bastos, de que não temos nenhuma foto. (Temos da esposa, na festa de Natal de 1970, imaginem!)

Em termos de créditos fotográficos, a primeira,  é do Humberto Reis. As duas seguintes,  do Arlindo T. Roda. 

Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


 1. É um segredo de polichinelo...Uma das primeiras histórias a ser aqui contadas no nosso blogue, logo nos primeiros tempos. Mas a autoria, moral e material, do "crime" (ou a participação na operação, a que chamámos a Op Noite das Facas Longas em meados de 1970, em Bambadinca, zona leste, região de Bafafá, Comando Territorial Independente da Guiné) tem de ficar aqui devidamente registada.  

 O Humberto Reis já há muito "confessou" que foi o "executante", logo o autor material do "crime"...Também era, tecnicamente falando,  o mais bem preparado de nós todos.  Era "ranger", de Lamego. Foi ele que, de pistola "Walther em punho, abateu friamente,  um a um,  todos os cães "turras" de Bambadinca. Nem o nosso pobre do "Chicas" escapou à mortandade, por suspeita de colaboração com o  "IN".  E, se bem recordamos, havia também um segundo animal de estimação, o Boby,  que também foi executado.

O major Bê Bê conduzia o jipe. E, por ser o mais graduado, terá sido o "autor moral do crime"... O  Luís Graça e o  Luciano Severo de Almeida  iam no banco de trás...  Foram "cúmplices". O Luís Graça dizia que não gostava de cães, mas era contra a pena de morte. O Luciano era o mais maluco dos quatro, queria era ação. 

Hoje não sabemos qual seria  a "moldura penal"... Na época havia um vazio legal: ainda não eram reconhecidos os "direitos dos animais" e nem mesmo os "direitos humanos" eram respeitados por todas as partes envolvidas na nossa "guerra a petróleo", como ainda hoje gosta de dizer o cor art ref António J. Pereira da Costa... 

Hoje, cinquenta e cinco anos depois, teríamos o Ministério Público à pega, a Sociedade Protetora dos Animais, mais o  Partido dos Animais e Natureza, e por aí fora. De qualquer modo, uff!,  "o crime já prescreveu"...

Não sei se algum dos quatro se foi confessar ao capelão, que era açoriano, o Puim. O Bê Bê não gostava dele, e os outros já não iam à missa desde a 1ª comunhão. Se fossem ao Puim, haveriam logo de levar a  rabecada: "Ó minha gente, mas o cão também é criatura de Deus!"... 

Mas... porquê "segredo de polichinelo", pergunta o leitor  ? É o oposto do segredo "bem guardado". A origem da expressão está ligada à personagem Polichinelo, um tipo cómico e astucioso do teatro de marionetes. A expressão sugere que o "segredo" é tão óbvio,  que caiu na praça pública,  só o personagem principal (o Polichinelo) é quem não o sabe. É como na história  do "marido enganado", o último a saber.
...

Uma operação daquela envergadura, às tantas da madrugada, com tantos tiros, correrias, ganidos e sangue, tinha que ser do conhecimento do comando do BART 2917. Aliás, o major Bê Bè fazia parte do comando... O "crime" ficou impune, mas os "suspeitos" tinham vários atenuantes: 
  • primeiro, os cães eram muitos, famélicos, vira-latas, tinhosos, barulhentos, um perigo para a saúde pública e sobretudo para a segurança da população e das NT; 
  • segundo, e mais grave, muitos deles teriam vindo das chamadas zonas libertadas do PAIGC com a secreta missão de sabotarem o nosso esforço de guerra, não deixando nomeadamente dormir os operacionais de Bambadinca; 
  • um terceira explicação (propaganda dos "tugas"...) é que os cães vinham às sobras do rancho de Bambadinca  porque rapavam fome nas suas tabancas de origem;
  • em quarto e último lugar,  o posto administrativo de Bambadinca (que pertencia à circunscrição de Bafatá) não tinha... "canil" e muito menos veterinário.

Ouçamos dois dos "protagonistas" desta história, que quiseram partilhar este seu "segredo"  que muita gente da Tabanca Grande ainda não conhecia (**):

(i) Luís Graça

Todas as terras por onde passámos têm pequenas/grandes histórias para nos contar. Sabemos pouco de cada uma, é verdade, afinal  o nosso tempo às vezes foi só de escassas semanas ou de um a dois meses...

Bolama, Contuboel, Cumeré, Fá Mandinga,  Mansabá, etc., sítios onde havia Centros de Instrução Militar (CIM), ou aonde se fazia a IAO, ou eram simplesmente locais de aboletamentento ou passagem.

Eu e o o Humberto Reis estivemos em Contuboel, pouco mais de mês e meio: literalmente de bivaque,  acampados, não havia instalações fixas para os 60 graduados e especialistas metropolitanos da CCAÇ 2590. Queixas havia muitas: insolação, cobras, lagartos, etc., mas não me lembro de haver cães vira-latas, barulhentos, famintos, tinhosos e, mais grave, "feitos com  o IN,"

O resto da comissão, cerca de 20 meses (de meados de julho de 1969 a meados de março de 1971) foi passado depois em Bambadinca, sede do sector L1, região de Bafatá. 

 Estivemos, é uma maneira de dizer: nem sempre dormíamos lá. A CCAÇ 2590/CCAÇ 12 era uma subunidade de intervenção, constituída por praças do recrutamento local (=100) e graduados especialistas de origem metropolitana (=60). Estivemos às ordens de dois batalhões: BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72).

As instalações eram boas. Recém-construídas pela engenharia militar. A messe era boa, Mas, lamentavelmente, havia muitos refugiados,  em Bambadinca. E com eles, muitos cães, famélicos e vadios, doentes, ruidosos... Não nos deixavam dormir, os cães vira-latas...

Um dia, às tantas da noite, depois de muitas noites de insónias e pesadelos,  pegámos num jipe, nas pistolas Walther, com balas derrubantes de 9 mm, e matámo-los todos... Em correria loucas pela parada.. Ainda hoje essa cena me incomoda... Chamei_lhe Op Noite das Facas Longas...Evoquei-a ou tentei exorcizá-la num dos meus poemas, Esquecer a Guiné:

(,...) Esquecer a Guiné... por uma noite!
As bombas de napalm
Carbonizando cada centímetro quadrado de vida,
Lá longe, em Sinchã Jobel,
Na ZI do Com-Chefe.

As insónias às três da manhã,
A hora mortal da madrugada.
Os famélicos cães vadios
Que um dia abatemos a tiro,
Um a um,
Depois de loucas correrias de jipe
À volta da parada.
No manicómio de Bambadinca.

Um a um,
Às tantas da madrugada,
Com tiros de pistola Walther na cabeça.
Sem dó nem piedade.
Pela simples razão
De que... não nos deixavam dormir.
A mim, a ti, ao major.
A todos nós, almas penadas...
Chamei-lhe a Operação
Noite das Facas Longas. (...)


(ii) Humberto Reis:

Já confessei, há vinte anos atrás, a autoria material do "crime" (*). Nessa noite nem o pobre do Chichas, que era a nossa mascote, a mascote da messe de sargentos, escapou da morte anunciada. 

Segundo esclarecimento que aqui deu, em 2005, ao meu camarada Luís Graça, e meu companheiro de quarto em Bambadinca, com a rudeza, franqueza  e a frontalidade que  ele me  conhece de há muito:

"O  cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. 

"O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino... fui eu".

Acrescente-se que quem ia atrás no jipe era o Luís Graça e o o Luciano Severo de Almeia (morreria, já depois da peluda, em circunstâncias trágicas, nunca esclarecidas)... Esse tal major era conhecido como o Bê Bê... Barros e Bastos: 

(i) na altura, era o OfInfOp/Adj do BART 2917, maj art Jorge Vieira de Barros e Bastos;

(ii)  dava-se relativamente bem com os "milicianos", os "nharros"  da CCAÇ 12 (até por que precisava deles para lhe defenderem as costas);

(iii) as nossas relações esfriaram muito,  depois da Op Abencerragem Candente (25-26 de novembro de 1970, subsetor do Xime);

(iv) nunca mais tive notícias dele: diz-me o Luís Graça que foi 2º comandante do BArt 6323/73, que esteve, em Angola, de maio de 74 a agosto de 1975, no subsetor de Zala, e depois em Malange; se for vivo (e esperemos bem que sim), deve ser cor art ref.; e, para ele vai, sem ressentimentos, um alfabravo.

_______________

Guiné 61/74 - P27373: Os nossos seres, saberes e lazeres (707): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (228): Um aspeto da exposição, com uma museografia excecional, mostrando no centro e ao fundo uma imagem de Henry Moore (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Estando em falta, venho me ressarcir. Talvez combalido pela operação que fiz ao ombro direito, em finais de fevereiro, não deixei de coscuvilhar esta ou aquela exposição, mas quanto à escrita andei um tanto na retranca, folheei muito Boletim Oficial da Guiné com a mão esquerda, com dezenas de sessões de fisioterapia isto vai indo ao sítio. Tratou-se de uma exposição empolgante, tanto a Fundação Gulbenkian, graças à sua secção no Reino Unido, como a Coleção Berardo, adquiriram obras de altíssima qualidade que mostram à saciedade o caráter transnacional das artes plásticas britânicas, como são iluminadas por movimentos de outros países e como contaminam artistas plásticos de outras nacionalidades. Sobretudo Londres atraiu bolseiros da Gulbenkian, nomes como Paula Rego, Bartolomeu Cid dos Santos, João Cutileiro, Graça Pereira Coutinho, Jorge Vieira, Sá Nogueira, Eduardo Batarda, entre muitos outros, são nomes que se podem incluir nesta trajetória de contaminações. Ademais, a exposição Ponto de Fuga tinha uma museografia excecional, lamento não ter feito este apontamento na hora própria.

Abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (104):
Lembranças de uma notável exposição dedicada à arte britânica… e portuguesa

Mário Beja Santos

Um aspeto da exposição, com uma museografia excecional, mostrando no centro e ao fundo uma imagem de Henry Moore

Entre março e julho de 2025, o Centro de Arte Moderna Gulbenkian apresentou na Fundação Gulbenkian uma exposição que mostra uma multiplicidade de geografias na arte do Reino Unido no século XX, evento que reuniu um importante núcleo de obras de arte britânica da Coleção do Centro de Arte Moderna e da Coleção Berardo.
Porquê o título Arte Britânica – Ponto de Fuga? Em 100 obras de 74 artistas, provenientes de sobretudo duas grandes coleções – Centro de Arte Moderna da Gulbenkian e a Coleção Berardo - completadas por relevantes empréstimos, provenientes do Reino unido e de França, é bem patente a miscigenação, a transferência transnacional que foi sempre um ponto alto da prática artística britânica do século XX. É não só uma arte em mudança como provocou mudança em grandes artistas plásticos portugueses, caso de Paula Rego, Menez, Bartolomeu Cid dos Santos ou Sá Nogueira. A exposição mostra como em plataforma de diálogo há trajetórias e experiências de emigração, vemos o abstracionismo e o ressurgimento da figuração e as muitas vertentes do realismo na cultura visual britânica dos finais do século XIX e todo o século XX. A grande tradição inglesa da paisagem – embora não seja um tema dominante – era dada pela presença de Turner. Enfim, procurava-se dar a ver nesta exposição como os artistas migrantes ou temporariamente deslocados têm sido fundamentais para todos estes movimentos, desempenhando um papel vital na formação e dinamização de diálogos – uma arte britânica que influencia e é influenciada – é arte do Ponto de Fuga.

Pintura de David Hockney, intitulada Pintura a Enfatizar a Imobilidade, 1962. Hockney é um dos mais famosos pintores vivos, desenvolveu a sua obra fora do âmbito da Arte Pop e a sua técnica pictórica permaneceu sempre alheia a modelos norte americanos. Atenda-se à sugestão de movimento, representada da direita para a esquerda, no sentido contrário ao da leitura, reforça a sensação de imobilidade, assim se realça a incongruência entre a imagem pintada e a realidade da pintura enquanto meio estético.
Henry Moore, Luar no Mar, 1888-91
Bridget Riley, Vaivém, 1964
Ben Nicholson, Pintura, Vermelho Cádmio, Limão e Cerúleo, 1936
Jack Smith, Criança a Escrever, 1954
Bartolomeu Cid dos Santos, O Navio dos Loucos, 1961. Interessado desde muito cedo pelo potencial da gravura, sobretudo pelas gradações de negro e pelos seus efeitos dramáticos, e com base na sua experiência de viagem por uma Europa devastada pela guerra, Bartolomeu Cid dos Santos comenta nas suas obras questões sociais e políticas. Através da construção de cenários enigmáticos e inóspitos, utiliza um repertório de figuras identificáveis ​​com feitos nacionais e uma igreja moribunda para transmitir uma mensagem crítica. Em "O Navio dos Loucos", satiriza a ideia de uma nação à deriva, caminhando cegamente para um conflito sem sentido, a guerra colonial.
Paula Rego, O Gigante Minsky, 1958
Reuben Mednikoff, Melodia Orgiástica, 1937
Leon Kossoff, Christchurch, Primavera, 1993
Paula Rego, As Vivian Girls como Moinhos de Vento, 1984. Em 1979, Paula Rego visita uma exposição no Hayward Gallery, onde vê aguarelas pintadas por Henry Darger que serviram para ilustrar o seu romance The Realms of the Unreal (1973), cujas rebeldes protagonistas eram as Viviam Girls. Rego deixa-se seduzir por estas personagens e pelas suas aventuras que lhe lembram a sua própria infância. A pintora retrata a inconstância emocional e a natureza contraditória destas crianças que lutam pela sua liberdade e autodeterminação, enquanto são capazes de se revoltarem umas contra as outras em atos de malignidade rebuscada. Talvez por esta razão as tenha retratado, humoristicamente, como “moinhos de vento”, pois são capazes de passar do mais inócuo acidente doméstico para a carnificina arbitrária.
Francis Bacon, Édipo e Esfinge segundo Ingres, 1983. O autor inspirou-se fielmente na composição do tema que Ingres desenvolveu em três versões de Édipo e a Esfinge, das quais uma se encontra na National Gallery, em Londres. Édipo já não ocupa o centro da pintura, como em Ingres. Vemo-lo no lado direito, deixando apenas visível uma parte de si ao centro: uma coxa e um pé com uma volumosa ligadura que sobe quase até ao joelho e apresenta duas grandes manchas de sangue. Enquanto em Ingres, Édipo é dominante, ocupando o centro, dominando a Esfinge, Bacon transforma o vencedor em derrotado.
Patrick Caulfield, Vista da Baía, 1964
Michael Craig-Martin, Observando, 1986. A sua obra investiga a relação entre objetos e imagens e a capacidade humana de visualizar formas ausentes através de símbolos. Criou um vocabulário de imagens em constante expansão, que formam a base da sua obra até hoje. Nesta pintura o artista retrata nove objetos isolados sob um fundo azul brilhante, dispostos livremente no espaço, com escalas e pontos de fuga diferentes. O título Observando chama-nos a atenção para o próprio ato de observar, levando o espetador a tomar consciência do quanto o simples ato de olhar interpreta e transforma os objetos.
Joseph William Turner, Quillebeuf, Foz do Sena, 1833. Figura cimeira da pintura britânica, Turner irá marcar gerações sucessivas de artistas, dentro e fora da Grã-Bretanha, devido à luminosidade e cor das suas paisagens. Esta pintura representa a povoação de Quillebeuf, no estuário do Sena, local que Turner visitou no decurso da década de 1820. Nela conjugam-se a observação naturalista com a memória e recriação sensitivas da realidade, que caracterizam a metodologia do artista. O resultado é um exercício emotivo de luz e cor, onde se reconhece a tendência para a eliminação progressiva das formas dissolvidas na atmosfera húmida da representação.
_____________

Nota do editor

Último post da série de 25 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27352: Os nossos seres, saberes e lazeres (706): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (227): Do Alto Tâmega até Pedrógão Grande, acabou-se a semana de férias – 6 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27372: Manuscrito(s) (Luís Graça) (277): As andorinhas de Candoz na véspera da "grande viagem" para a África (subsariana, equatorial e até austral)


Vídeo. 0' 45''. Alojado em Luís Graça > You Tube



Vídeo: 2' 00'' . Alojado em Luís Graça > You Tube

Quinta de Candoz > Paredes de Viadores > Marco de Canveses > 11 de setembro de 2025. 15h40. Dia de vindimas. Tempo de trovoada. Calor e humidade. Milhões de insectos, centenas de andorinhas. Ambos, os insetos e as andorinhas, parece,  surgir do nada. Como na Guiné, no incío da época das chuvas. 

Antes de partirem para África, as andorinhas, com este festim, reforçam as suas reservas de proteína. Nunca nos tinhamos apercebido deste fenómeno.  

Vídeo: Luís Graça (2025)



Quinta de Candoz > 8 de abril de 2023



Quinta de Candoz > 6 de julho de 2023



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2024



Quinta de Candoz > 11 de abrul de 2025



Quinta de Candoz > 11 de setembro de 2025


 

Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Candoz, Quinta de Candoz > 23 de Agosto de 2012 > Fotograma de vídeo > Ninho de andorinha, insólito, construído à volta da lâmpada do hall exterior ou alpendre de uma das nossas casas (antiga "casa de caseiro", que deixou de ser habitada há muito)...

Aos 43 segundos vê-se uma andorinha entrar no ninho levando insetos para alimentar as crias, e 10 segundos depois a sair para mais uma "caçada" na (e ao redor da) Quinta de Candoz, que é rica em insectos... O ninho tinha sido recentemente reconstruído. As andorinhas caçam em círculo, num raio de 500 metros do ninho.

Vídeo (1' 07''): © Luís Graça (2012). Alojado em Luís Graça : You Tube

Fotos e vídeos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
 


 1. O vídeo, que eu fiz em 2012, comprovava a existência de um família de andorinhas, que vinham todos os anos do norte de África, imaginava eu, passar as férias de verão e reproduzir-se em Candoz, na nossa quinta... Acabei / acabámos por manter um especial carinho por este ninho... Nunca, que eu tivesse reparado, nenhuma andorinha tinha feito ninho na nossa terra...no séc. XX.  Estas, tal como eu, chegaram e gostaram, voltando sempre...   

Mais tarde, num qualquer mês de junho em que estive em Candoz,  para surpresa e desgosto meus, dei conta que a "abóboda" do industrioso ninho tinha caído, possivelmente sob o efeito de alguma intempérie. Voltei, dois meses depois, a sorrir, quando dois mneses depois, em agosto, verifiquei   que o ninho tinha sido reconstruído e tinha novos inquilinos, seguramente descentes dos primitivos construtores .

 Moral da história: as andorinhas, mesmo aquelas que são mais "desalinhadas", mostram aos seres humanos que todos podemos ser ao mesmo tempo iguais, diferentes e únicos, e que isso só nos enriquece como espécie... Ah, tem outras qualidades, importantes nos tempos que correm, de feroz individualismo, chauvinismo, xenofobia, racismo, populismo, intolerância, arrogância etnocêntrica, belicismo: é leal, gregária, solidária, corajosa, persistente, vai à luta, não desiste... Parafraseando o Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus (6: 26), tomemos como exemplo as andorinhas e demais aves do céu...


2. Em Candoz temos andorinhas.  Todos os anos nidificam lá.  Em vinte e tal, talvez até trinta anos, já devem ter nascido muitas. Morrido algumas.Emigrado todas. Quantas, ao fim destes todos ? Não sei. Só conheço um ninho. 

Só sei que as andorinhas nidificam no Norte do país, na Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses... Quantas ? Só temos esse  ninho, e o povoamento é disperso.

Pergunta o leitor, leigo, curioso: e nessa "grande viagem", intercontinental, vão para onde e quando ?

As andorinhas funcionam como nós, se acordo com  aos ciclos da natureza. No nosso caso, podemos dividir o no em dois solstícios, o do inverno e o do veráo. Afetam a maneira como vestimos, nois alimentamos, trabalhamos, vivemos, passeamos,  etc. As andorinhas são, como toda a gente sabe, um dos sinais mais alegres, para nós seres humanos,  da chegada da primavera e do outono (neste caso, um sinal de tristeza, com a sua partida para outras paragens, o longínquo Sul, a África subsariana).
 
As andorinhas começam a chegar a Portugal em fevereiro e março. Nascidas as crias, partem durante o mês de setembro (na sua grande maioria), Daí a expressáo popular: “És como a andorinha: vens e vais com as estações.”

Em Portugal nidificam em Portugal, incluindo no Norte, na Quinta de Candoz. Migram depois viajam para África subsariana onde passam o inverno.

Claro que não chegtam de uma só vez, em bando. A sua chegada prolonga.se por várias semanas."Uma andorinha não faz a primavera", diz o provérbio. "Nem por morrer uma andorinha se acaba a primavera".

As primeiras a chegar podem ser logo observadas no sul do país, no Algarve, por  finais de janeiro e ao longo do o mês de fevereiro. Como diz o ditado, : "Pelo São Brás (3 de fevereiro), a andorinha verás".

À medida que o tempo aquece e a disponibilidade de insetos (que são o seu alimento) aumenta, elas progridem para Norte. Na nossa Quinta de Candoz, é vè-las, a começar a andar à volta do ninho  partir de março/abril. Quase todos os anos, há trabalhos de manutenão/reconstrução. Que podem levar mais de uma semana,,,

Elas vêm até nós para nidificar. O clima ameno da primavera e do verão no suld a Europa oferece as condições ideais: abundância de insetos,  dias mais compridos para alimentar as suas crias, etc.

A espécie mais comum que vemos a fazer os ninhos de barro nos nossos beirais é a Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica). Tem um peso médio que varia entre 16 e 25 gramas.  .

 As aves insetívoras, especialmente as que têm um voo tão ativo e acrobático como as andorinhas, possuem um metabolismo muito elevado e precisam de consumir uma grande quantidade de alimento para obter energia. A regra geral para muitas aves pequenas e ativas é que consomem uma quantidade de alimento próxima do seu próprio peso corporal por dia.

Com base em estudos de ornitologia e no metabolismo destas aves, um valor razoável para o consumo diário de uma única andorinha adulta é: entre 10 a 22 gramas de insetos por dia.

Este valor corresponde, aproximadamente, a 70-100% do seu peso corporal, o que é um feito energético extraordinário, mas biologicamente plausível.

confrontámos a nossa assistente de IA com este "dislate" ou "disparate"... A resposta, diplomática, veio logo a a sguir: "Onde a confusão pode ter surgido é ao considerar não o consumo individual, mas o esforço de caça de um casal para alimentar as suas crias"...

 É aqui que os números disparam:

(i) um casal: duas andorinhas adultas já consomem, juntas, entre 20 a 40 gramas de insetos por dia só para si;

(ii) as crias: uma ninhada típica tem entre 4 a 6 crias; nos primeiros dias de vida, as crias crescem a um ritmo alucinante e precisam de ser alimentadas constantemente; cada cria, essa sim, pode consumir uma quantidade de insetos equivalente ao seu próprio peso em desenvolvimento;

(iii) o esforço total: um casal de andorinhas tem de caçar o suficiente para se alimentar a si próprio de para alimentar as 4-6 crias famintas no ninho; o  esforço de caça do casal pode resultar na captura de uma massa total de insetos que pode facilmente ultrapassar as 80 ou 100 gramas por dia.

 Este esforço de caça traduz-se em centenas, ou mesmo milhares, de insetos (mosquitos, moscas, afídeos, etc.) capturados diariamente, o que faz das andorinhas um elemento fundamental e gratuito no controlo de populações de insetos e de eventuais pragas para o agricultor.

 Antes de partirem para o Sul, para a tal "grande viagem", há um processo de agrupamento curiosos:  a partir de finais de agosto e durante o mês de setembro, começa-se a a notar um comportamento diferente. As andorinhas, incluindo as crias já jovens e já capazes de voar, juntam-se em grandes bandos. É nessa altura que podemos vê-las pousadas em fios elétricos e de telefone, como que a preparar-se para a "grande viagem". Durante os meses anteriores, não têm um minuto para descansar. O seu ritmo de vida é alucinante!

No final do verão e início do outono, é comum observar a formação de enormes bandos de andorinhas. Estes aglomerados, que podem juntar milhares de indivíduos, têm como principal objetivo a alimentação intensiva. As aves aproveitam a abundância de insetos voadores para se alimentarem de forma contínua, voraz e eficiente, garantindo que acumulam a gordura corporal essencial para a travessia de milhares de quilómetros. 

Este comportamento gregário é uma estratégia de sobrevivência. Voar em grandes grupos oferece também proteção contra predadores e facilita a localização de áreas com maior concentração de alimento. Durante a própria migração, estes bandos fazem paragens estratégicas para descansar e reabastecer as suas reservas energéticas, continuando a sua jornada em busca de climas mais quentes e de alimento abundante.

A maioria destes bandos inicia a sua longa viagem para Sul durante o mês de setembro. Algumas aves podem partir um pouco mais tarde, mas em outubro já não vemos andorinhas em Candoz. 

 Todas elas têm o mesmo padrão migratório ancestral.O seu destino de inverno é a África subsariana. Atravessam Portual e a Espanha. A sua principal rota de saída  é através do Estreito de Gibraltar. Náo é preciso "dizer-lhes" que essa é a  mais curta  distância marítima entre o sul de Espanha e Marrocos. A partir daí, enfrentam outros obstáculos; a travessia do Saara até chegarem aos seus locais de invernada. De facto, elas não ficam no Norte de África. Atravessam o Deserto do Saara para chegar a zonas mais ricas em insetos, como a bacia do Congo e até mesmo a África do Sul. Absolutamente incrível!

É uma autêntica odisseia. É uma viagem duríssima e cheias de riscos.  de  milhares de quilómetros. É feita duas vezes por ano!...São guiadas pelo campo magnético da Terra, pela posição do sol e por outros instintos que a ciência ainda tenta compreender por completo.

 Quanto à sua alimentação....Claro, são insetos.  E quanto comem em média ? Não há estudos concludentes   sobre a quantidade média de gramas de insetos que uma andorinha come por dia em Portugal. No entanto, estudos gerais indicam que andorinhas, sendo aves insetívoras, consomem diariamente uma quantidade significativa de insetos para suprir suas necessidades energéticas, o que normalmente pode variar entre alguns gramas até cerca de 10 a 20 gramas de insetos por dia, dependendo do tamanho da ave, espécie e disponibilidade de alimento.

Para uma andorinha típica (que pesa entre 16 a 20 gramas), o consumo diário de insetos geralmente representa uma alta proporção do seu peso corporal, aproximadamente entre 10% a 20% do seu peso corporal diário, o que poderia equivaler, grosso modo, a cerca de 2 a 4 gramas de insetos por dia, em média.

Este valor é uma estimativa baseada em dados gerais de consumo alimentar de aves insetívoras de tamanho semelhante

3. O que podemos saber  mais sobre as andorinhas (ou como resumir o  que já dissemos atrás), recorrendo à nossa Wikipedia:

(...) As andorinhas são um grupo de aves passeriformes da família Hirundinidae. A família destaca-se dos restantes pássaros pelas adaptações desenvolvidas para a alimentação aérea. As andorinhas caçam insectos no ar e para tal desenvolveram um corpo fusiforme e asas relativamente longas e pontiagudas. Medem cerca de 13 cm (comprimento) e podem viver cerca de 8 anos. (...) 

"As fêmeas fazem uma postura de 4 ou 5 ovos, que depois são incubados durante cerca de 23 dias. Passado o tempo da incubação, nascem os jovens, cuja alimentação é feita por ambos os progenitores. 

"Quando a temperatura baixa, as andorinhas juntam-se em bando e vão à procura de locais da Europa mais quentes, indo também para o norte de África. Depois, quando a temperatura volta a subir, por volta da primavera, regressam novamente. Constroem as suas casas perto do calor, em pequenos ninhos normalmente colados ao tecto." (...)

(...) "Originalmente, a andorinha-dos-beirais [ 'Delichon urbicum'] construía os seus ninhos em falésias e cavernas. Ainda são encontradas algumas colónias em falésias, com o ninho construído sob uma rocha saliente, mas atualmente esta espécie usa sobretudo estruturas feitas pelo homem, como edifícios e pontes, de preferência junto à água. 

"Ao contrário da andorinha-das-chaminés, usa a parte exterior de edifícios abandonados em vez do interior de estábulos ou celeiros. Os ninhos são construídos na junção da parede com o beiral, ficando assim fortalecidos pela ligação a dois planos distintos.

"Regressa à Europa para nidificar entre abril e maio, e a construção dos ninhos ocorre entre o fim de março (no norte de África) e o meio de junho (na Lapónia). O ninho tem a forma de uma taça fechada com uma abertura estreita no topo e é feito com pedaços de lama colados com saliva, e forrado com palha, ervas, penas ou outros materiais macios. A sua construção demora até 10 dias e é levada a cabo tanto pelo pela fêmeacomo pelo macho.

"Frequentemente, o pardal-doméstico ('Passer domesticus') ocupa o ninho durante a sua construção, forçando a andorinha-dos-beirais a construir um novo. A abertura no topo do ninho completo é tão pequena que os pardais não conseguem ocupá-lo uma vez construído.(...)
 
"A andorinha-dos-beirais é mais gregária do que a andorinha-das-chaminés 
['Hirundo rustica'] estando habituada a viver e a migrar em bando, e tende a nidificar em colónias numerosas. Os ninhos podem inclusive ser construídos em contacto uns com os outros. Tipicamente, estas colónias têm menos de dez ninhos, mas há registos de colónias com milhares de ninhos. Cada postura possui habitualmente quatro ou cinco ovos brancos, com um tamanho médio de 1,9 x 1,33 cm e um peso médio de 1,7 g. A incubação dura geralmente de 14 a 16 dias, e é feita essencialmente pela fêmea. As crias recém-eclodidas são altriciais e necessitam de 22 a 32 dias, dependendo das condições atmosféricas, para abandonar o ninho" (...) (Fonte: Wikipédia)



4. Nenhuma assistente de IA (ChatGPT, Perplexity, Gemini...) conseguiu dizer-me  com segurança de que espécie era o ninho mostrado nas imagens e descrito na perguntei que lhes submeti.


Hirundo rustica
Cecropis daurica
Uma diz que é característico da espécie conhecida como andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica), mas o formato e localização sugerem que pode pertencer à andorinha-dáurica (Cecropis daurica), também chamada de andorinha-dos-beirais ou andorinha-dos-arcos.​



  • Andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica): costuma nidificar em locais abrigados como estábulos, garagens ou beirais, construindo ninhos de barro semicirculares abertos, normalmente apoiados numa saliência.​
  • Andorinha-dáurica (Cecropis daurica): nidifica frequentemente em estruturas humanas, como alpendres, mas o seu ninho tem forma de cabaça ou garrafa, com um longo túnel de entrada, como se observa nas imagens acima; utiliza barro misturado com saliva e prefere locais protegidos, frequentemente em habitações rurais pouco usadas (como é o caso do alpendre, na Quinat de Candoz).​

Reconstrução anual

Ambas as espécies costumam reconstruir e reutilizar os ninhos de barro todos os anos, especialmente se estes se mantêm estruturais e protegidos das intempéries e predadores.​ Mais recentemente verifiquei que o ninho de Quinta de Candoz  tinha sido "vandalizado" por um "ocupa", mais provavelmente uma "boeira"  ou ""lavandisca".

Por causa dos "ocupas", a andorinha tem de ter a liberddade criativa do arquiteto e o rigor milimétrico do engenheiro: o diâmetro do túnel de entrada do ninho tem de ser ajustado ao seu  corpo fusiforme... Elas entram no ninho em voo!... Mais nenhuma outra ave pode lá entrar, a não ser quando há ruína da construção devido, em geral, às intempéries. 

Conclusão

Com base na estrutura do ninho nas imagens, na localização (alpendre de casa não habitada) e no facto de ser reconstruído anualmente há quase 30 anos, trata-se muito provavelmente de um ninho de andorinha-dáurica (Cecropis daurica), espécie que tem vindo a expandir-se em Portugal nas últimas décadas, diferenciando-se da andorinha-das-chaminés pelo formato distintivo do ninho com túnel de entrada.


Pesquisa: LG + assistente de IA / ChatGPT, ​Perplexity, Gemini

Condensação, revisão / fixação de texto, negritos: LG


5. Excertos de poemas de Luís Graça, com referência às andorinhas de Candoz

(...) As andorinhas que por cá ficaram,
há mais de uma década,
parecem ser felizes.
São inteligentes, as andorinhas,
e fazem análises de custo-benefício,
como qualquer economista.
Passam todo o santo dia a caçar insetos
num raio de 500 metros à volta do ninho
que fizeram no alpendre de uma das casas
em redor do fio da lâmpada exterior.
É uma insólita construção,
herdada de geração em geração
e todos os anos retocada ou reconstruída.
Eu acho que já não voltam para o norte de África,
ficam por cá,
as andorinhas de Candoz.
Se calhar fogem de Alá,
do alvoroço do povo
e dos tiros das Kalash.
Afinal, a felicidade está onde nós a pomos,
mas nós nunca a pomos onde nós estamos.

Luís Graça (2014)


(...) Circadiana, a vida!...
E, se Deus quiser, a primavera há de chegar,
e com ela as cerejeiras em flor,
e os melros que vão pôr os seus ovos
nos arbustos de alecrim no caminho para a leira cimeira,
e as andorinhas que irão reconstruir o seu ninho
na varanda da casa de cima.

E trazem histórias de coragem,
as tuas andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte de África, quiçá da Guiné,
e não precisam de passaporte,
nem de GPS, nem de código postal, nem de carimbo das alfândegas.
São heroínas, sobreviveram a mais um ano,
fogem da guerra, e das alterações climáticas,
sem o aval nem a ajuda do alto comissário para os refugiados,
ou a benção dos imãs
e dos demais representantes de Deus na terra.(...)

Guiné 61/74 - P27371: Parabéns a você (2427): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 11 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27306: Parabéns a você (2426): Benito Neves, ex-Fur Mil Cav da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67); Eduardo Campos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540 (Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74) e Patrício Ribeiro, ex-Fuzileiro Naval (Angola, 1969/72), Empresário na Guiné-Bissau