Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 25 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Especiais Carvalho, no abrigo do Morteiro 10.7.
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Montemor-O-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > 1º encontro da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné > O editor do blogue, Luís Graça, e o Casimiro Carvalho.
Foto: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.
O Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, actualmente residente na Maia, confiou-me, no primeiro encontro da nossa tertúlia - na Ameira, em 14 de Outubro de 2006 - (2), uma pequena colecção de aerogramas e cartas que escreveu à família durante o período em que esteve em Guileje e depois Cacine e Gadamael, coincidindo com o nosso abandono de Guileje (3). A unidade a que ele pertencia - a CCAV 8350, Os Piratas de Guileje - esteve lá entre Dezembro de 1972 e Maio de 1973.
Alguma dessa correspondência vai até ao período do pós-25 de Abril, altura em que ele esteve na zona leste da Guiné, Paúnca, integrado na CCAÇ 11. Ao todo são cerca de meia centena de cartas e aerogramas (neste lote estão incluídos ainda meia dúzia de aerogramas que lhe foram enviados por amigos e camaradas da Guiné, depois de ter saído de Cacine) (4) .
Nesta correspondência pode encontrar-se algum apontamento ou outro de maior interesse documental para o conhecimento do quotidiano das NT no sul da Guiné (incluindo a actividade operacional), nomeadamente no chamado corredor da morte. Neste primeiro artigo publicam-se alguns excertos da correspondência relativa a Fevereiro e Março de 1973.
Em 25 de Março de 1973, num domingo e em pleno dia, o aquartelamento de Guileje é duramente atacado durante cerca de hora e meia. São usados foguetões (presumimos que fossem Katiusha, os famosos órgãos de Estaline). Um caça-bombardeiro Fiat G-91, que vem em socorro, é abatido sob os céus de Guileje... É o primeiro, de que há registo na história da guerra da Guiné... Vinte quatro horas depois, o tenente piloto aviadorMiguel Pessoa (5), é resgatado são e salvo pelo grupo de operações especiais do Marcelino da Mata...
A selecção, a revisão e a fixação do texto são da responsabilidade do editor do blogue. (LG)
Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91
Guileje, s/d, [Fevereiro de 1973 ?]
(...) Saímos às 6 da manhã e chegámos às 14 da tarde, sem comer e muitos cansados. Estivémos quase na República da Guiné, e até ouvimos um tiro de caçadores turras. Antes de aí chegarmos fomos protegidos com 20 tiros de obus 11,4 cm, cada granada de 25 kg a passar por cima de nós. Depois quando avançámos, vimos árvores cortadas pelas granadas, e quando voltámos, muito cansados, fomos atacados por um enxame de abelhas furiosas... Era ver quem mais fugia. Eu deixei arma e carregadores para trás, para fugir... Quem mas trouxe foi um preto (...).
Guileje, 11/2/73
(...) Hoje estou de Sargento de Dia: tenho que ir provar o vinho e o tacho, para ver condições de se estão em condições de ser distribuídos.
Hoje é domingo, tudo calmo. Estamos à espera da avioneta que nos há-de trazer notícias vossas. Finalmente espero receber correio.
(...) Ontem houve alarme no quartel. Fomos todos para os abrigos, menos eu que fui para um dos morteiros, até termos ordem de retirar (eu também tenho um emissor-receptor, para receber ordens de fogo ou de cessar) (...).
Guileje, 22/2/73
(...) Recebi ontem, dia 21 (dia em que faço 3 meses de Guileje), o seu areo de que gostei imenso. (...) Agora tem havido poucas saídas para a mata; esta noite o sentinela deu uma rajada de alarme, depois de ter ouvido dois rebentamentos a cerca de 300 m do quartel. Fomos todos para as valas e eu para o meu morteiro. Parece que tinham sido duas armadilhas nossas, que rebentaram talvez derivado a algum animal. Ainda não foram ver, mas deve ter sido.
Hoje fui à água, a cerca de 3 ou 4 km do quartel (de camioneta, claro), sem novidade especial (...).
Guileje, 3/3/73
(...) Tenho tido muitas patrulhas, ando estafadíssimo.
Guileje, 21/3/73
(...) Cada vez há menos patrulhas agora, até me admiro... Agora é quase só dormir e fazer serviços dentro do quartel, o que não é nada mau.
Guileje, 21/73/73
(...) O milícia que tinha ficado sem as pernas, morreu no mesmo dia por ter ficado sem muito sangue. Levou pouco soro aqui na mata, e estava a perder imenso sangue.
(...) Hoje pedi uma caçadeira a um preto, emprestada, tinha arranjado uns cartuchos, e fui aos pardais que andam em bandos e matei cinquenta. Portanto, logo à noite há petisquinho (...).
Guileje, 24/3/73
(...) Faço amanhã cinco meses de Guiné, o que já não é nada mau e nos traz bastante felizes. Pois nós quando fazemos anos, há festa; aqui, em vez de fazermos anos, fazemos meses.
Pois estou feito um bebedor de cerveja, que não imagina. Olhe que começo, às vezes, a beber às 9 e tal da manhã, mas não me faz mal e isso é o que interessa. Bem, com a água daqui também não há problemas, pois é boa.
Anteontem, na estrada que se está a abrir, onde morreu o infeliz alferes, foi detectada uma mina dos turras, posta naquela madrugada, talvez. Deslocou-se um grupo do quartel para ir levantá-la e foram detectadas mais cinco. Livra, olhe se lá caíamos. Andamos com sorte (...)
Guileje, 25/3/73
(...) Hoje, domingo, aniversário: 5 meses de Guiné (...). Dia 25, 13 horas: o aquartelamento de Guileje foi flagelado com foguetões e granadas de canhão sem recuo, caindo perto, e a mais próxima a cerca de 15 m do arame farpado. Rápida defesa do mesmo aquartelamento, com fogo de artilharia e de mort 10,7 cm (1). E pedido imediato de caças-bombardeiros Fiat, tendo vindo um, o qual depois de várias voltas seguiu para o objectivo, não voltando nunca mais.
Bissau, Comando-Chefe, estranhando a demora e o mutismo do piloto, manda outro Fiat (milhares de contos cada um)... Faz reconhecimento à zona, avistando o avião caído dentro de mata densa e perto o piloto fazendo sinal de very-light, mas não podendo ser recolhido.
Logo de seguida deslocaram-se de Bissau para Guileje 2 aviões-bombardeiros pesados DC-6. Seguidamente dirigiu-se, também, para cá um helicanhão, aterrando no heliporto para seguir depois para Cufar. O ataque de fogo dos turras aqui durou cerca de 1 hora, intervalando o fogo. Pensa-se que isto é represália pelos feridos e possível morto ou mortos que lhes provocámos por meio de minas, como já contei.
Durante toda a tarde não houve mais nada a assinalar, e o jantar decorreu normalmente (...)
(...) Nunca na história da Guiné (pelo menos) tinha caído um caça a jacto Fiat. Isto é uma alegria para os turras, pois só havia 3 ou 4 Fiats aqui na Guiné.
Junto envio uma foto tirada junto ao morteiro que me está distribuído, em caso de ataque (...).
Guileje, 27/3/73
(...) O resto da história do ataque ao nosso quartel: o piloto do Fiat (5) estava vivo mas perto do carreiro da morte e em mata densa, porque se viu um ou dois very-lights que se deduziu terem sido disparados por ele.
Portanto, no dia 25, como estávamos para sair, mas houve ordem em contrário, deitei-me. Passada meia-hora, veio o nosso alferes e disse para estarmos prontos às 4.30h da manhã, com bornal, ração de combate (a primeira vez que a comi em Guileje) e água.
Saímos e entrámos na mata sempre a andar por caminhos sinuosos, só mata densa com lianas e troncos a fazer-nos tropeçar. Até dizíamos mal da nossa vida... Eu levava uma lata de leite, uma lata de chocolate, uma de fruta, uma de sumol, uma de lanche, uma de sardinhas, marmelada, queijo, pão e cantil de água, um rádio, espingarda, cartucheiras, 100 balas, uma granada de fumo... Isto tudo numa balança era de assustar, e durante 9 horas de mata cerrada... Ainda se fosse por estrada, essas nove horas pareceriam 3 ou 4.
Por cima de nós andavam os caças-bombardeiros Fiats, bombardeiros pesados, (?) helicópteros, avionetas e um avião de reconhecimento. Desceram na mata 2 grupos de paraquedistas, um grupo de operações especiais - Marcelino e o seu grupo - e nós, que já lá estávamos...
Passado pouco tempo os Op Esp encontraram o homem e disseram-lhe (estava sentado à beira de uma árvore):
- Vamos embora. - Ao que ele respondeu (pensando que eles eram turras, pois são todos pretos e com armas turras):
- Não vou nada, ides-vos cozer [foder], matem-me já, que eu não saio daqui. - Então disseram-lhe:
- Sou o Marcelino. -E aí ele parece que ressuscitou. Meteram-no num heli donde seguiu até Bissau.
Os mais sacrifiacdos fomos nós quando regressámos, já sem água, cansados, a cair, por meio da mata. Deus me livre. (...)
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1672: Guileje: a artilharia do PAIGC (Nuno Rubim)
Sobre o armamento de Guileje, vd. ainda os posts de:
27 de Março de 2007 > Gúiné 63/74 - P1628: Projecto Guiledje: fotografias de armamento e equipamento, das NT e do PAIGC, precisam-se (Nuno Rubim)
15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)
(2) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
(3) Vd. posts de:
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1478: Unidades de Guileje: Coutinho e Lima, ligado ao princípio e ao fim (Nuno Rubim)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
(4) Vd. posts de:
30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
(...) "Embarcámos em Outubro de 1972 e já em Bissau seguimos numa LDG para Gadamael e daí para Guileje, em coluna auto, com uma segurança reforçada (na óptica de um maçarico, hé-hé-hé).
"Já em Guileje , em sobreposição com Os Gringos [ CCAÇ 3477, 1971/73], passámos um período de muito trabalho de patrulhas e não só. Passámos uns meses descansados, tirando as patrulhas, dia sim dia não, com que o Comando nos premiava. Andava a caçar pássaros com uma caçadeira que o chefe da tabanca me emprestava (só pagava os cartuchos) e era um ver se te avias, era aos 50 pardais cada tiro, e os jubis [ putos ] lá andavam a apanhá-los e atrás dos que só ficavam feridos. Era cada arrozada!!!
"Um dia, o alferes Lourenço, a manusear uma granada duma armadilha , e rodeado de militares - eu estava emboscado com o meu grupo -, a mesma explodiu-lhe na mão, tendo-o morto instantaneamente. Ficou sem meia cabeça e o abdómen aberto. Eu, já no quartel, ao ajudar a pegar no cadáver, este praticamente partiu-se em dois… Que dor!... Chorei como nunca, e isto foi o prenúncio do que nos esperava".
(..." Um dia – já não posso precisar quando - fomos atacados com canhões sem recuo, e nesse espaço um Fiat G 91 , que devia andar na área, foi contactado pelo comandante, o Cap Abel Quintas, que lhe indicou o rumo das saídas e ele lá seguiu. Mais tarde soube que tinha sido abatido por um míssil Strella…
"Vieram os Páras e o Grupo do Marcelino (Os Vingadores, de Operações Especiais), numa confusão de tropas que eu nunca tinha visto, pudera! Pedi ao Marcelino para me levar na operação de resgate do piloto Ten Pessoa (penso que era esse o nome), tendo ele anuído, mas o meu comandante não foi na conversa, não obstante o Marcelino, ele próprio, ter dito que me trazia de regresso nem que fosse ás costas. Que pena, não tenho essa façanha no meu currículo.
"Entretanto fui nomeado para comandar os reabastecimentos a Guileje, antes do isolamento, entre Cacine e Gadamael, por barco (claro).
"Andava eu nestas andanças a curtir o sol em LDM ou LDP, quando Guileje foi abandonada, por ordem do então Major Coutinho Lima, e começou a matança no verdadeiro Inferno. Desse lapso de tempo a minha cabeça recusa-se a qualificar e quantificar o horror porque passaram todos os intervenientes deste filme de terror. Só tenho pedaços desse filme na minha memória. Recusei-me a falar durante muitos anos sobre este período da minha vida na Guiné" (...).
Vd. ainda os posts:
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).
2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)
(5) Segundo o António Graça de Abreu (Diário da Guiné, 2007, nota 16, p. 91), tratou-se do tenente piloto aviador Miguel Pessoa: vd. posts:
19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1675: 28 de Março e 5 de Abril de 1973: cinco aeronaves da FAP abatidas pelos toscos mísseis terra-ar SAM-7 Strella (Victor Barata)
17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1698: Cancioneiro de Mansoa (10): O 25 de Abril, a Barragem de Castelo de Bode e a descoberta da palavra solidariedade
(1) Em Lamego... ser ranger;
(ii) Em Tomar... participar no 25 de Abril;
(iii) Em Mansoa, Guiné... arriar a última Bandeira.
Foto: © Magalhães Ribeiro (2005). Direitos reservados.
1. Num caderno, de 47 páginas, o nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro conta, em verso, as peripécias da sua atribulada vida militar. Chamei a esses cadernos o Cancioneiro de Mansoa, por uma simples analogia com o Cancioneiro do Niassa. As diferenças são óbvias, nomeadamente quanto ao conteúdo.
O Cancioneiro de Mansoa está imbuído da ideologia ou (da mística) ranger, não é uma obra colectiva, é escrito por um dos últimos guerreiros do Império e, para mais, ao longo dos anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974 em que o autor também participou... Por sua vez, o Cancioneiro do Niassa (2) tem outra origem, outro contexto, outro tom...
De qualquer modo, o Magalhães Ribeiro não me levou a mal eu chamar Cancioneiro de Mansoa ao conjunto destes versos, ditados pela nostalgia do império perdido e pela afirmação do valor e do patriotismo do soldado português.
Recordo aqui a introdução aos cadernos (uma nota explicativa da sua origem e razão de ser):
"O meu velho gosto pela escrita sempre me impulsionou para, ao longo do tempo, alinhavar algumas palavras em bocados de papel, que ia guardando com as minhas outras relíquias, sem qualquer pretensiosismo, por ali, nas gavetas.
"Entretanto, li num dos jornais da Associação das Operações Especiais - da qual sou um dos orgulhosos sócios -, um apelo à colaboração de todos os Rangers, na sua composição, através do envio de artigos, contos, estórias, histórias, etc.
"Pensei então, modestamente, que os meus escritos talvez pudessem ter algum interesse para o efeito e, caso assim fosse julgado, cooperaria com muito gosto.
"Pelo que peguei nos velhos papéis e fui-os passando para outros papéis mais limpos, sem preocupações de qualquer requinte poético ou intelectual, propositadamente, através de linguagem popular e directa, de modo a ler-se e perceber-se o que realmente penso e sinto sobre as coisas e loisas de que eu gosto, sem outras interpretações ou distorções.
"Neste caderno reuni aquilo que diz respeito ao meu serviço militar que, por ter sido muito diversificado, dinâmico e histórico, constituiu para mim uma fonte inesgotável de aprendizagem, experiência, orgulho e inspiração.
"Como não podia deixar de ser, dedico especial atenção aos seus momentos mais altos: (i) o Curso de Operações Especiais, em Lamego; (ii) a participação no 25 de Abril; (iii) a comissão na Guiné; e, por fim, (iv) o arriar da última Bandeira Nacional em Mansôa" (...).
2.- Transcrevo hoje o relato da sua participação - por ordem do seu capitão, em Tomar - nas peripécias do 25 de Abril e a sua descoberta de uma palavra bonita, solidariedade... Na altura era um simples 1º Cabo Miliciano,
O Ranger Magalhães Ribeiro foi Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné. Foi mobilizado para a Guiné já depois do 25 de Abril de 1974.
O 25 de Abril, a Barragem e a CPE
O 25 de Abril, quanto oportunismo?!
Quanto vigarista nele se governou?!
Quanto do seu sentido lhe foi alterado?!
Quanta injustiça em seu nome se gerou?!
Depois das Caldas da Raínha,
Lamego e Évora longe vão,
Seguiu-se a cidade de Tomar,
1ª Companhia de Instrução.
Regimento de Infantaria 15,
Ía eu no décimo mês militar,
Em Abril de setenta e quatro
Aconteceu numa noite de luar.
Gerou-se confusão no quartel,
Alguém correu a dar o alarme,
Corria o dia vinte e cinco
Ordem: - Toda a gente se arme!
Falava-se numa revolução,
Tropas a avançarem p’rá Capital,
A ocuparem as rádios e a TV
E outros d’importância vital.
Como achei aquilo estranho
E estava a ficar ensonado,
Fui tomar um banho e deitei-me;
De manhã... ruídos por todo lado!
Os ouvidos todos nos rádios,
Seguiam os acontecimentos,
Alguns mostravam indiferença,
Outros devoravam aqueles momentos
- O nosso Capitão quer vê-lo, já!-
Diz-me de repente um soldado;
Ao chegar junto dele reparei
No seu ar nervoso e preocupado.
- Meu capitão, bom dia, dá-me licença?
- Tenho uma missão p’ra lhe confiar...
Há um levantamento militar geral...
Com intenção do regime derrubar!
- Veio ordens para os Pides prender...
E controlar todos os pontos vitais...
Por isso, tenho aqui neste mapa
Já definidos todos os locais!
E, perante a minha curiosidade
Disse: - Em Lisboa rein’a confusão...
O Movimento das Forças Armadas...
É dono do Poder e da Decisão.
- Dividi as missões e o pessoal...
A si, tocou segurar a barragem…
Castelo de Bode, veja aí no mapa…
Um Cabo, treze homens, siga viagem!
Chegado lá, estudei a área
Rio, coroamento, margens e central,
Sete homens vigiam, sete descansam,
Olhos atentos a algo anormal.,
Mandei montar a tenda no jardim
As horas passaram rapidamente
O tempo do almoço passou e, nada…
- Liga o rádio p’ró quartel, urgente!
Diz o Cabo: - Está avariado!
Ora, sem rádio e sem almoço,
Também se passou a hora de jantar
E, para comer, nem um tremoço.
O Cabo começou então a divagar:
- Ou está tudo morto no quartel…
E s’esqueceram de nós aqui…
Ou foram p’ra Lisboa, c’um farnel!
Entretanto no nosso controle auto
Os civis davam sinais de alegria,
Faziam-me perguntas suspeitas
Qu’eu declinava, e não respondia.
Ao fim da manhã do outro dia,
Deleguei o Comando ao Cabo
E fui pesquisar os arrabaldes
Pois à vista, p’ra comer, nem um nabo.
Contado todo o dinheiro, concluí
- Nunca vi gajos tão tesos, porra!
Lembrei-me da regra simples da tropa:
Quem não se desenrasca, que morra!
Na margem direita, um pouco abaixo,
Vi uma Estalagem da CPE,
Qualquer coisa da Electricidade
E com coragem avancei, pé ante pé.
Expus ao Chefe o meu problema
E, descobri, naquela fresca manhã,
Que a palavra solidariedade
Afinal não era uma palavra vã.
A tropa não era só marcar passo!
Permitia conhecer outras terras,
Com belas paisagens e monumentos,
Por entre cidades, vales e serras.
Autor: Magalhães Ribeiro - Cabo Miliciano - 1ª Companhia de Instrução - 4º pelotão > RI 15 > Tomar, Abril de 74
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal (Magalhães Ribeiro)
(2) Vd. post de 11 Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1697: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (4): Mendes Gomes
Caro Luís:
O tempo vai passando e não devo nem quero deixar de te dar uma satisfação sobre o porque não vou comparecer no encontro. Com muita pena. Também as comuniquei ao Junqueira. Como organizador. A ti, porque és o grande e emérito timoneiro deste fabuloso blogue...
São duas as razões. No fundo é só uma. Como tive oportunidade de te dizer, logo no primeiro contacto contigo, por telefone, já lá vão uns mesitos, fui uma única vez aos antigos convívios anuais da minha companhia, a CCAÇ 728.
Foi em Évora, no RI 16, o quartel donde saímos para o ultramar. Uma romagem. Senti-me tão indisposto...uma estranha sensação ao reviver tudo...uma dolorosa frustração... que jurei não voltar. E não voltei.
É por esse mesmo motivo e por uma questão de coerência e respeito pelo pessoal da minha companhia que muito prezo, que não vou estar neste 2º encontro dos tertulianos. Estarei em espírito (2)...fazendo força para seja uma grande festa. Ele vai ser um sucesso, estou certo.
As minhas desculpas. Espero que compreendam. A minha cabeça funciona assim...Sou assim. Que hei-de fazer?...
Um grande abraço tertuliano para ti e todos.
Mendes Gomes
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. último post do nosso camarada Mendes Gomes:
5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu
XI (e última) Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1).
(2) Outras mensagens de camaradas nossos que mandam dizer que estarão em espírito connosco, em Pombal, no dia próximo dia 28 de Abril de 2007:
24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1690: Presente em espírito no encontro de Pombal (3): Paulo Raposo / Hernani Acácio
19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1678: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (2): Manuel Pereira (CCAÇ 3547, Contuboel e Bafatá)
14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
terça-feira, 24 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)
Foto: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Post de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 -DXLVI: Estórias cabralianas (5): o Amoroso Bando das Quatro em Missirá (numeração repetida, por lapso do editor) (1).
Na altura deixei-lhe esta nota de admiração e de carinho:
Jorge: Da tua janela vê-se outra Guiné, outra guerra, outro mundo, os homens e as mulheres em carne e osso… O teu sentido de humor é único… Sou fã das tuas short stories… Cuida-me bem dessa mina literária… Eu sei que é uma técnica difícil… Quanto à tua carta (que eu pressupus aberta…), ela merece o meu aplauso e a minha total concordância (2)…
Amigalhão, um abraço. Luís Graça
O Amoroso Bando das Quatro
por Jorge Cabral (3)
Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo.
Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá…
Uma regra, porém, tinham todos de cumprir à chegada. Deviam apresentar-se ao Comandante, dizer quem eram e o motivo da visita. Claro que muitos mentiam, o que era irrelevante, pois o que interessava era o significado simbólico da apresentação, como expliquei muitas vezes aos que não concordavam com esta política de porta aberta.
Estávamos, pois, habituados às mais estranhas personagens, mas ficámos agradavelmente surpreendidos, quando num dia de Dezembro, ao pôr-do-sol, entraram no quartel quatro trabalhadoras sexuais. Eram jeitosas fulas do Gabu que, respeitadoras da hierarquia, comigo combinaram os preços e as condições dos serviços, encarregando-me da cobrança.
Encontrando-se o Furriel Branquinho com paludismo e o cabo Morais com dor de dentes, restavam apenas sete brancos, capazes de usufruir de tão inesperada benesse. Efectuados os pagamentos, começou a actividade, que eu previa satisfatória, mas que a curto prazo foi interrompida por alta gritaria.
Primeiro, irrompeu uma, dizendo ter sido enganada, pois cabo e furriel a queriam usar, com um só pagamento. Acontecera que o cabo substituíra o furriel na função, pensando que a mulher não repararia, esquecendo-se que o Furriel tinha um braço engessado, pormenor que logo a alertou. Furiosa, acolheu-se na minha cama, juntando-se à que lá se encontrava.
Ainda nem um quarto de hora passara, logo à porta do abrigo aparece outra, queixando-se do Cabo Rocha. Dizia ela que não era como as raparigas de Lisboa, que até no sovaco… Também esta se meteu na minha cama.
De seguida, surgiu a terceira afiançando que o Básico-Cozinheiro era suma bajuda, pois sangrava, sangrava. Claro, mais uma na minha cama.
Eis-me assim feito sultão, aconchegado entre as quatro, tranquilo e em Paz. Rei e súbdito, protector e protegido, entre seios e ventres, negros e suaves, nunca dormi tão bem.
De manhã partiram.
Quem as teria mandado, passou a perguntar todos os dias o Básico-Cozinheiro, sarado já o freio e louco de desejo.
Garanti-lhe ter sido uma oferta do Movimento Nacional Feminino. Convencido, sei que lhes escreveu, implorando uma repetição. Nunca lhe responderam. E o certo é que elas não voltaram…
Jorge Cabral
___________
Notas de L.G.:
(1) Lista (re)ordenada das Estórias Cabralianas:
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)
23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos.
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXV: Estórias cabralianas (5): Numa mão a espingarda, na outra...
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
17 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba
13 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCC: Estórias cabralianas (8): Fá Mandinga no Conde Redondo ou o meu Amigo Travesti
20 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXVII: Estórias cabralianas (9): Má chegada, pior partida
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro
4 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P936: Estórias cabralianas (11): a atribulada iniciação sexual do Soldado Casto
20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P974: Estórias cabralianas (12): A lavadeira, o sobretudo e uma carta de amor
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1128: Estórias cabralianas (13): A Micá ou o stresse aviário (Jorge Cabral)
24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1313: Estórias cabralianas (14): Missirá: o apanhado do alferes que deitou fogo ao quartel (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1344: Estórias cabralianas (15): Hortelão e talhante: a frustração do Amaral (Jorge Cabral)
14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1419: Estórias cabralianas (17): Tirem-me daqui, quero andar de comboio (Jorge Cabral)
26 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1463: Estórias cabralianas (18): O Dia de São Mamadu (Jorge Cabral)
18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)
20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1679: Estórias cabralianas (20): Banquetes de Missirá: Porco turra e Vaca náufraga (Jorge Cabral)
(2) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXVI: Carta (aberta) ao Luís (Jorge Cabral)
Sobre a pessoa do Jorge Cabral, vd. post de 17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXXII: Vocês não tenham medo, não fujam, sou o Cabral (Fá, 1969/71)
(...) "O Jorge era, para mim, o mais paisano dos militares que eu conheci na Guiné: alferes miliciano, foi o comandante do Pel Caç Nat 63 (...).
"Em Fá [e depois em Missirá] não se limitava a ser um heterodoxo representante do exército colonial, actor e crítico ao mesmo tempo. Era também homem grande, pai, patrão, chefe de tabanca, conselheiro, amigo do PAIGC, poeta, antropólogo, feiticeiro, cherno, médico, sexólogo, advogado e não sei que mais. Um verdadeiro Lawrence da Guiné. Alguns dos seus amigos e companheiros de Bambadinca (aonde ele ia com frequência matar a sede) chegaram a recear que ele ficasse completamente cafrealizado!" (...).
(3) O Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, sendo o coordenador do curso de pós-graduação em Criminologia.
Guiné 63/74 - P1695: Cancioneiro de Bambadinca: Isto é tão bera (Gabriel Gonçalves)
Henriques: Lembrei-me que havia uma música que a malta entoava em tom de protesto, quando das nossas tainadas lá em Bambadinca e também no nosso encontro efectuado na herdade do Vacas de Carvalho já há um anos. Segue os versos,
Um Abraço
Gabriel
2. Comentário de L.G.: Gabriel, que saudades, que maravilha!... Ainda me lembro da letra e sobretudo da música... Era cantada em noite de copos e de raiva, pela noite dentro, suficientemente alto para os gajos do comando [do batalhão] nos ouvirem... Era talvez uma das nossas canções preferidas, a par da Pedra Filosofal, do António Gedeão (letra) e Manuel Freire (música)... Lembras-te ? Eles não sabem, nem sonham, / que o sonho comanda a vida. / Que sempre que um homem sonha / o mundo pula e avança / como bola colorida entre as mãos de uma criança.
Obrigado pela tua informação sobre o autor da letra. O seu a seu dono. Aqui feita o teu esclarecimento:
Henriques: Ainda bem que te lembras da música. O Aurélio é um camarada de Leiria do curso de escriturário no RAL 4. Para que conste trata-se do conhecido e conceituado técnico de futebol do SCP, para as camadas jovens, pois passaram por ele nomes como: FIGO, SIMÃO, QUARESMA, RONALDO, estes os mais conceituados. Que pena o Aurélio não ser do SLB.
Um abraço, GG.
ISTO É TÃO BERA
(Letra de Aurélio Pereira / música Guantanamera)
I
Eu sou um pobre soldado
E esta farda é o fim,
Andando assim mascarado
Todos se riem de mim.
As minhas moças-meninas
São as malvadas faxinas.
(Refrão)
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.
II
Logo de manhã cedo
Toca para levantar,
Se não acordas é certo
Logo vais estar a lerpar.
Mais um minuto na cama
Lá vai o fim-de-semana.
(Refrão)
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.
III
Era um rapaz engraçado
E de carinha mimada,
Sempre tão bem penteado
Mas levou a carecada.
Agora está como o fel
Nem quer sair do quartel.
(Refrão)
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera,
Isto é tão bera,
Ai é tão bera, tão bera.
Fim
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts sobre os vários Cancioneiros:
Bafatá:
31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche
31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXVI: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (2): Piche, BART 2857
11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCII: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (3): O Hotel do RC 8
11 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (4): Lavantamento de rancho
Canjadude:
28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)
Empada:
1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P828: Cancioneiro de Empada (Xico Allen)
Gandembel:
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDII: O Hino de Gandembel (Zé Teixeira)
Mansoa (autor: Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612, 1974)
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal
1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVII: Cancioneiro de Mansoa (2): Guiné, do Cumeré a Brá
7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVI: Cancioneiro de Mansoa (3): um mosquiteiro barato para um pira...
10 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIV: Cancioneiro de Mansoa (4): a arte de ser 'ranger'
1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDIX: Cancioneiro de Mansoa (5): Para além do paludismo
19 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLIX: Cancioneiro de Mansoa (6): O pesadelo das minas
15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVIII: Cancioneiro de Mansoa (7): Os periquitos do pós-guerra
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª
3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P837: Cancioneiro de Mansoa (9): A mais alta de todas as traições
Xime:
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)
Guiné 63/74 - P1694: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Paisagens: a árvore dos dezassete passarinhos
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > A célebre árvore dos 17 passarinhos que servia de mira para os ataques do IN...
Floresta densa nas imediações de Mansambo... Possivelmente junto à Fonte de Mansambo, de triste memória para o pessoal da CART 2339...
Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados (1)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1970 > Vista aérea do aquartelamento. Ao fundo, da esquerda para a direita, a estrada Bambadinca-Xitole. Na foto é vísivel a célebre árvore dos 17 passarinhos...
Foto: © Humberto Reis (2006) . Direitos reservados.
Fotos falantes (11): Paisagens: a árvore dos 17 passarinhos
por Torcato Mendonça
Desta vez o nosso ex-Alf Mil (e fotógrafo) de Mansambo deixou-nos sem legenda... e passou a bola ao editor do blogue... Ou melhor: para quê legenda ? Esta secular árvore era um verdadeiro ex-libris de Mansambo... É verdade que os tipos do PAIGC estavam gratos à rapaziada, por que ela funcionava como um excelente mira para os apontadores de morteiro e de canhão sem recuo...
O que ainda hoje me intriga é por que razão a deixaram de pé, quando os valentes soldados da CART 2339 construiram o campo fortificado de Mansambo, como lhe chamava o PAIGC... Sempre me intrigou este detalhe, quando por lá passava em colunas logísticas ou operações... Hoje arrisco uma explicação: para aquelas toupeiras humanas, que foram simultaneamente arquitectos, engenheiros, trolhas, carpinteiros, caboqueiros, etc., a árvores dos 17 passarinhos era um traço de distinção no meio daquela paisagem quase lunar, angustiante, de floresta recém desmatada, um buraco no meio do inferno verde, na fronteira com as zonas libertadas do PAIGC, no Sector L1, Zona Leste, ao longo da margem direita do Rio Corubal... Um pouco à semelhança dos grafittis com que os artistas plásticos underground marcam as paredes e os muros da nossas desoladas cidades de cimento armado...
A árvore dos 17 passarinhos humanizava, de algum modo, aquela paisagem de campo de concentração, visível na foto aérea do Humberto Reis... E um dos poucos pequenos luxos que os construtores de Mansambo se permitiram dar foi justamente não deitá-la abaixo...
A primeira impressão que fiquei de Mansambo, quando por lá passei, deixei-a escrita do meu diário, em 17 de Setembreo de 1969:
(...) "O problema nº 1 aqui é o isolamento. A unidade é abastecida a partir de Bambadinca. Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné" (2).
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores desta série:
26 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1626: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): O Moicano e os milícias
24 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1459: Fotos Falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Operação Cabeças Rapadas (Estrada Bambadinca-Xitole, Março / Maio de 1969)
16 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1372: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (8): Mansambo: Rescaldo da batalha de 28 de Junho de 1968
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...
8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1257: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (6): Julho de 1969, já velhinho, destacado em Galomaro
28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira
11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa
5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
26 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1116: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A guerra acabou ?
(2) Vd. posts de:
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça).
Vd. também os seguintes posts:
29 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CD: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (2): as CART 2339, 2714, 3493 e 3494 (Carlos Marques dos Santos / Manuel Cruz)
24 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVII: Mansambo e a árvore dos 17 passarinhos (Carlos Marques dos Santos)
Guiné 63/74 - P1693: Blogoterapia (20): Blogando... há dois anos
Eu, que não escrevia aerogramas para madrinhas de guerra, estava longe de imaginar as consequências do meu gesto, dando origem depois a um blogue que se pretendia que fosse colectivo... Para a petite histoire, aqui faço a reprodução desse primeiro post que não teve qualquer eco na blogosfera (1)...
Na realidade, foi preciso que começasse a aparecer, um ano depois, em Abril de 2005, a malta do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole: o Sousa de Castro e o David Guimarães, que são historicamente os dois primeiros membros da nossa tertúlia, além de mim próprio...
Foi o Sousa de Castro que me fez chegar, em 4 DVD, a reportagem de vídeo feita pelo Albano Costa e seu filho Hugo Costa, por ocasião da sua viagem à Guiné, em Novembro de 2000... Depois, em Maio de 2005, começaram a aparecer outros camaradas: o Humberto Reis, meu vizinho, amigo e camarada da CCAÇ 12 (6 de Maio), o A. Marques Lopes, de Matosinhos (14 de Maio)... E o nosso primeiro amigo, o José Carlos Mussá Biai (10 de Maio), que vivia no Xime, em criança, no nosso tempo (CCAÇ 12, 1969/71)...
O resto da história sabem-na vocês: criámos a nossa tertúlia e o blogue começou a chamar-se Luís Graça & Camaradas da Guiné... Foi um dique de imagens, textos, lugares, recordações, sentimentos e emoções que se rompeu... e que nos tem ajudado a reconstituir/reconstruir o tal puzzle da memória... Hoje estamos a caminho dos 1700 posts e por aqui já passou mais gente do aquela que era necessária para formar uma companhia... A todos, estou reconhecido e grato. (LG)
23 Abril 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra
Trinta e cinco anos depois.
No 25 de Abril de 2004
presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.
Que se vestiam de luto
enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima,
implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.
Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens
nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.
Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.
Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.
Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos
ou sintonizavam altas horas da madrugada
as vozes que vinham de longe
e que falavam de resistência em tempo de solidão.
Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga)
as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos,
no outro lado do mundo,
um pouco do amor de mãe,
das saudades da terra,
dos sabores da comida
e da alegria da festa.
E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras,
que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial,
na qualidade de madrinhas de guerra.
A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão de soldados terá escrito mais de 500 milhões de cartas e aerogramas. E recebido outros tantos. Como este que aqui se reproduz.
______________
Guiné, 24 de Dezembro de 1969
Exma menina e saudosa madrinha:
Em primeiro de tudo, a sua saúde que eu por cá de momento fico bem, graças a Deus.
Estava um dia em que meditava e lamentava a triste sorte que Deus me deu até que toquei na necessidade de arranjar uma menina que fosse competente e digna de desempenhar tão honroso e delicado cargo de madrinha de guerra. Peço-lhe desculpa pelo atrevimento que tive em lhe dedicar estas simples letras. Mas valeu a pena e é com muita alegria que recebo o seu aero (1).
Vejo que também está triste por mor (2) da mobilização do seu mano mais novo para o Ultramar. Não sei como consolá-la, mas olhe: não desanime, tenha coragem e fé em Deus. Eu sei que custa muito, mas é o destino e, se é que ele existe, a ele ninguém foge. Nós, homens, temos esta difícil e nobre missão a cumprir.
Nós, militares, que suportamos o flagelo desta estadia aqui no Ultramar, não temos outro auxílio, quer material quer espiritual, que não seja o que nos dão os nossos amigos e entes queridos. E sobretudo as nossas saudosas madrinhas de guerra.
Sendo assim para nós o correio é a coisa mais sagrada que há no mundo. Porque nos traz notícias da nossa querida terra e nos faz esquecer, ainda que por pouco tempo, a situação de guerra em que vivemos e os dias que custam tanto a passar.
As notícias aqui são sempre tristes, nestas terras de Cristo, habitadas por povos conhecidos e desconhecidos. Não lhe posso adiantar pormenores, mas como deve imaginar uma pessoa anda triste e desanimanada sempre que há uma baixa de um camarada.
Lá na metrópole há gente que pensa que isto é bonito. Que a África é bonita. Eu digo-lhe que isto é bonito mas é para os bichos. São matas e bolanhas (3) que metem medo, cobertas de capim alto, e onde se escondem esses turras (4) que nos querem acabar com a vida. E mais triste ainda quando se aproxima o dia e a hora em que era pressuposto estarmos todos em família, juntos à mesa na noite da Consoada. Vai ser a primeira noite de Natal que aqui passo. Com a canhota (5) numa mão e uma garrafa de Vat 69 (6) na outra.
São duas horas da noite e vou botar este aero na caixa do correio. Daqui a um pouco saio em missão mais os meus camaradas. Reze por nós todos. Espero voltar são e salvo para poder ler, com alegria, as próximas notícias suas. Queira receber, Exma. Menina e saudosa madrinha, os meus mais respeitosos cumprimentos. Desejo-lhe um Santo e Feliz Natal.
O soldado-atirador da Companhia de Caçadores (...)
_________
Notas (L.G.):
(1) Aerograma. Também conhecido por corta-capim (o correio era, muitas vezes distribuído em cima de uma viatura, e o aerograma lançado por cima das cabeças dos soldados, à maneira de um boomerang). Os aerogramas foram uma criação do Movimento Nacional Feminino, dirigida pela célebre Cecília Supico Pinto desde 1961, e o seu transporte era assegurado pela TAP ("uma oferta da TAP aos soldados de Portugal"). Os aerogramas também foram usados na guerra da propaganda do regime, ostentando carimbos de correio com dizeres como "Povo unido, paz e progresso", "Povo português, povo africano", "Os inimigos da Pátria renunciarão" ou "Muitas raças, uma Nação, Portugal" (vd. Graça, L. - Memória da guerra colonial: querida madrinha. O Jornal. 15 de Maio de 1981).
(2) Por mor de = por causa de (expressão usada no norte).
(3) Terras alagadiças da Guiné onde tradicionalmente se cultivava o arroz (... e se pescava). Durante a guerra colonial, foram praticamente abandonadas como terras de cultivo, devido à deslocação de muitas das populações ribeirinhas e à escalada das operações militares. A Guiné, que chegou a exportar arroz, passou a importá-lo.
(4) Corruptela de terroristas. Termo depreciativo que era usado para referir os combatentes do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Os soldados portugueses eram, por sua vez, conhecidos como tugas (diminuitivo de Portugal, português ou portuga).
(5) Espingarda automática G-3, de calibre 7.62, de origem alemã, que passou a equipar as forças armadas portuguesas no Ultramar. Em 1961 o exército português ainda estava equipado com a velha Mauser (!).
(6) Marca de uísque escocês, muito popular na época entre os militares (Havia uma generosa distribuição de bebidas alcoólicas nas frentes de guerra, com destaque para o uísque, "from Scotland for the exclusive use of the Portuguese Armed Forces"). Na época o salário de um soldado-atirador (cerca de 1500 a 1800 escudos, parte dos quais depositado na metrópole) dava para comprar mais de uma garrafa de uísque (novo) no serviço de aprivisionamento militar (cerca de 40 pesos ou escudos por unidade). No entanto, a bebida mais popular entre os soldados era cerveja. Uma garrafa de cerveja de 0,6 litros chamava-se bazuca.
__________
Nota de L.G.:
(1) Lista dos dez primeiros posts:
23 Abril 2004 > Guiné 69/71 – I: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)
25 Abril 2004 > Guiné 69/71 - II: Excertos do diário de um tuga (1) (Luís Graça)
28 Abril 2004 > Guiné 69/71 - III: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça)
7 Dezembro 2004 > Guiné 69/71 - IV: Um Natal Tropical (Luís Graça)
20 Abril 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)
22 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VI: Memórias do Xime, do Rio Geba e do Mato Cão (Sousa de Castro)
25 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970) (Luís Graça)
28 Abril 2005 > Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)
29 Abril 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1) (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1692: Morreu (2)... Manuel Ferreira de Oliveira, comandante da CCAÇ 5 (José Martins)
Foto: © José Martins (2006). Direitos reservados
1. Mensagem do José Martins (ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70), com data de 23 de Abril último:
Caro Luís!
Mais um que partiu. Tive conhecimento do infausto acontecimento ontem, quando em telefonema com um camarada da CCAÇ 5 preparávamos um pequeno encontro na Marinha Grande, no próximo dia 25 de Abril.
Manuel Ferreira de Oliveira partiu em 31 de Março de 2007, vítima de doença súbita. Foi o terceiro comandante da CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos.
Segue anexo do que constará dele, em termos biográficos, na História da Unidade.
Curvo-me perante a sua memória.
2. Nota curricular sobre Manuel Ferreira de Oliveira:
Capitão de Infantaria, natural da Marinha Grande, estava colocado no Depósito Geral de Adidos quando foi mobilizado.
Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 3 de Setembro de 1969, assumindo as funções de Comandante da Companhia.
Foi abatido ao efectivo da Unidade em 9 de Março de 1970 por ter sido transferido para o Comando Chefe (ACAP) / CTIG.
3. Comentário de L.G.:
Fica aqui este espaço para o nosso inevitável e doloroso... obituário (1). A geração da guerra colonial (ou do ultramar, como quiserem) começa a desaparecer (2). À parte os que não voltaram connosco, ou que tombaram em combate ou morreram por outras razões em terras de África, na flor da vida, há os que, por doença ou acidente, já na metrópole, nos deixaram precocemente, ainda jovens... Temos nós todos já vários casos em cada um das nossas antigas unidades... Entretanto, estamos nós na calha, pela ordem natural das coisas...
Os camaradas da Guiné poderão sempre deixar aqui uma nota, um apontamento ou um testemunho sobre os camaradas que "da lei da morte se vão libertando" (parafraseando o nosso grande Camões), fossem eles oficiais, sargentos ou praças... Faz naturalmente sentido falar daqueles que conhecemos de mais perto, que connosco serviram a Pátria, com quem nos relacionámos, com quem fizemos operações, com quem partilhámos alegrias e tristezas, com quem tivemos até problemas e conflitos (Refiro-me, nomeadamente, aos nossos comandantes, aos oficiais do quadro permanente que conhecemos em diversos situações de comando: unidade, batalhão, agrupamento, etc.)...
Entretanto, longa vida é o que eu desejo aos membros desta tertúlia, a começar por aqueles de nós que estão a lutar contra a doença. Estou a pensar, por exemplo, no nosso Zé Neto, o capitão José Neto (que pertenceu à CART 1613, Guileje, 1967/68) a quem há dias telefonei e lhe disse: Zé, ainda não vai ser esta a tua última batalha!... Um grande abraço para ele e para todos aqueles de nós que enfrentam, de momento, problemas de saúde. Força e coragem, como sempre!
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1536: Morreu (1)... Barbosa Henriques, o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)
(2) Na vigência do nosso blogue - com início, grosso modo, há dois anos - também morreu Carlos Fabião (1930-2006), sobre o qual se publicaram diversos posts. Vd. entre outros o primeiro > 2 Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006)
Guiné 63/74 - P1691: Convívio da malta da CCAÇ 3 (Barro, Binta e Guidaje): Nazaré, 12 de Maio de 2007 (A. Marques Lopes)
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
1. Mensagem do A. Marques Lopes, um dos nossos primeiros tertulianos, coronel DFA, na reforma, dirigente da A25A - Delegação Norte, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968), animador da tertúlia do norte, grande amigo e camarada, autor de alguns dos melhores textos já publicados no nosso blogue, profundo conhecedor da actual realidade sócio-política da Guiné-Bisssau (aonde já voltou por duas vezes, depois da guerra colonial) (1):
Caro Luís:
Alguns que passaram pela CCAÇ 3 (em Barro, Binta e Guidaje) vão encontrar-se no Restaurante Arte Xávega, na Nazaré, às 12h00 do dia 12 de Maio próximo.
Esperamos ter lá também alguns soldados que foram dessa companhia (2).
Abraço
A. Marques Lopes
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Nota de L.G.:
(1) Há inúmeros posts do A. Marques Lopes, publicados no nosso blogue (I e II Séries). Vd. por exemplo o post de 16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIII: Do Porto a Bissau (17): Finalmente entrámos em Sinchã Jobel (A. Marques Lopes)
(...) " Pois, camaradas e amigos, eu e o Allen acabámos por entrar na base do IN em Sinchã Jobel, que nunca foi tomada pelas NT, nem quando eu, sem querer, lá fui em 24 de Junho de 1967 (Op Jigajoga), nem em 31 de Agosto de 1967 (Op Jigajoga II), nem em 16 de Setembro de 1967 (Op Jacaré), nem 15 e 16 de Outubro de 1967(Op Imparável), nem em 27 de Outubro de 1967 (Op Insistir), nem em 28 de Outubro de 1967 (Op Instar), nem em 19 de Dezembro de 1967 (Op Invisível) e nem em 21 de Dezembro de 1967 (Op Invisível II), a última que se fez para tomar essa base, comandada durante esse período por Lúcio Soares, como ele próprio me disse" (...).
(2) Sobre CCAÇ 3 e outras unidades baseadas em pessoal do recrutamento local > Vd. post de 2 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1640: A africanização da guerra (A. Marques Lopes)
Guiné 63/74 - P1690: Presente em espírito no encontro de Pombal (3): Paulo Raposo / Hernani Acácio
Fotos: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados
Mensagens de camaradas que, não podendo estar fisicamente connosco em Pombal, no dia 28 de Abril de 2007, no 2º encontro da nossa tertúlia, estarão no entanto presentes em espírito (1):
1. Paulo Raposo (ex-Alf Mil da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852, 1968/70)
Meu caro Luís:
Tenho andado cheio de trabalho. Vivemos tempos apertados e cheios de desafios.
Com muita pena minha não vou poder estar no almoço, porque tenho cá o meu filho Bernardo, que vem ao Hotel fazer uma acção de formação.
O David vai a um casamento, do Rijo já não tenho notícias dele há muito tempo e, quanto ao Felício, julgo que iria se eu fosse. Este Felício está muito mimado (2).
Gostava de estar com todo o pessoal, especialmente com os do meu Batalhão [CAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70] e ainda mais especial com o baixinho do Beja Santos. É um excelente rapaz, já em Mafra vivia afogado em livros e escreve muito bem. Tem uma imaginação para descrever certas histórias que deixa o meu cabo cripto num chinelo.
Quanto ao pessoal do Batalhão 2851 também são como irmãos. O endereço mail do Pimentel [ex-alf mil da CCS do BCAÇ 2851] não está certo. Será que alguém me ajuda e me o envia. Grato.
A todos os abraço com muitas saudades e sã amizade,
do Raposo, El Almançor debaixo de um chaparro.
Paulo Lage Raposo (3)
Alf Mil Inf
BCAÇ 2852
CCAÇ 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira
2. Mensagem do Hernani Acácio (ex-Alf Mil Trms da CCS do BCCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70; vive em Ovar):
Caros amigos:
Por razões que se prendem com a saúde do meu pai, também eu, infelizmente, não posso estar presente em Pombal. Ficará para o próximo encontro, assim o espero.
Um abraço e muita saúde,
Hernani
PS - Paulo, o endereço correcto do António Pimentel é: a44_pimentel@hotmail.com
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
19 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1678: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (2): Manuel Pereira (CCAÇ 3547, Contuboel e Bafatá)
14 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1660: Tertúlia: Presente em espírito no encontro de Pombal (1): Martins Julião (CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72)
(2) Vd. post de 16 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1181: Ameira: o (re)encontro de uma geração valorosa (Rui Felício)
Vd. também algumas das deliciosas estórias do Rui que já publicámos no nosso blogue:
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG
5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço
19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)
(3) O Paulo foi o magnífico e generoso anfitrião do 1º encontro da nossa tertúlia, de boa memória, realizado na Herdade da Ameira, Ameira, Montemor-O-Novo: vd. post de
15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça)
O Paulo também já nos deu o seu testemunho da sua valorosa passagem pelo TO da Guiné, em 19 posts:
Vd. último dos seus posts > 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)
O primeiro post desta série foi publicado em 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra
segunda-feira, 23 de abril de 2007
Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)
Publicada originalmente sob o post de 7 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXIX: O básico apaixonado (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 3) (1).
O básico apaixonado
por Jorge Cabral (2)
O Pel Caç Nat 63 esteve quase sempre em Destacamentos. Comigo em Fá e Missirá. Antes no Saltinho, e depois no Mato Cão.
Para os Destacamentos eram mandados os especialistas que a CCS [do Batalhão sediado em Bambadinca] não queria. Assim, tive maqueiros que não podiam ver sangue, motoristas epilépticos e até um apontador de morteiros cego de um olho. Tudo boa rapaziada, aliás!
Como cozinheiros, eram enviados os básicos, dos quais me lembro especialmente de um, pastor em Trás-os-Montes, semi-analfabeto, de uma ingenuidade tocante. Foi este que me pediu para escrever uma bonita carta à namorada. E assim fiz.
Ainda recordo algumas frases:
"Beijo-te nos rins desta espingarda, bebendo-te no ventre da bazuca. Contigo celebro o orgasmo do canhão. Serei seta no teu alvo aberto à volúpia do sempre. Nunca mais eu, nunca mais tu, apenas um corpo, o nosso, no êxtase da eternidade...".
Enviada a carta, também eu fiquei à espera da resposta. Quinze dias depois, procurou-me o básico, entristecido:
– O meu Alferes é pecador?
– Eu? Porquê? - Estendeu-me então um aerograma com três linhas:
– Não escrevas mais poucas vergonhas. O Senhor Padre disse-me que pecou não só quem as escreveu, mas também quem as leu… Confessa-te, que eu já me confessei… Arminda.
Ainda ganharei o céu?
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)
(2) Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...
Guiné 63/74 - P1688: Estórias cabralianas (2): O rally turra (Jorge Cabral)
Este texto foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXII: Rally turra ? (estórias cabralianas) (Estória a que corresponderia o nº 2).
Numa tarde de tédio convenci o motorista da viatura existente em Missirá, um humilde Unimog, a dar um passeio. Pretendia visitar o Enxalé, seguindo pela estrada de Mato Cão, pela qual não passava qualquer veículo há muito tempo.
Progredimos alguns quilómetros e, perto de S. Belchior, ouvimos tiros, pelo que retrocedemos, perdendo no regresso um jericã. E o caso teria ficado por aqui, se oito dias depois não fosse chamado ao Batalhão, onde o Major das Operações, me deu conta de uma inquietante informação: os turras possuíam viaturas, com as quais efectuavam abastecimentos, talvez de Mero. Até um jericã tinha sido encontrado.
Fiz um ar preocupado como me competia, e afirmei que iria averiguar e fazer explodir o tal jericã, que devia estar minado. Logo no dia seguinte, fui buscar o jericã, e não pensei mais no assunto. Porém, o Major não se esqueceu, e através de mensagem ordenou-me que informasse qual a origem dos indícios encontrados. Lá lhe respondi:
“Viatura ligeira, presumivelmente soviética, detectados restos de aguardente de cana no jericã destruído”.
Tudo isto se passou a curtos dias do meu regresso [à Metrópole], pelo que desconheço as consequências da minha tão sábia informação…Será que ordenaram aos turras que soprassem o balão?
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 20 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1682: Estórias cabralianas (1): A mulher do Major e o castigo do Alferes (Jorge Cabral)
Guiné 63/74 - P1687: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (9): Maluqueiras na picada Saltinho-Galomaro-Bafatá
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > Fevereiro de 2005 > "Vejam a beleza da miúda ao lado do meu filho. Hoje como ontem... O Pedro é o puto mais alto, ao lado da tia, mãe dos dois miúdos. Ele, por sua vez, é filho de uma fula e de um balanta, antigo guerrilheiro, e hoje oficial superior das Forças Armadasa Guineenses. A moça muito bonita é irmã do Pedro. O João e o Sado estão no lado direito" (1)
Fotos e legendas: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.
IX Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72) (2). O Paulo é natural de Águeda.
Já referi, em textos anteriores, a abertura e posterior utilização da picada que ligava o Saltinho a Galomaro, via Pulom. Antes desta abertura, os abastecimentos eram efectuados por colunas, saídas de Bambadinca, via Mansambo, Xitole, seguindo até ao Saltinho (3).
Não sei de quem partiu a ideia da picada, penso que saiu da cabeça do Clemente [, capitão Carlos Clemente, comandante da CCAÇ 2701], encadeada numa sugestão do comerciante libanês Jamil Nasser (4).
A picada não teve grandes problemas de construção, sendo que a sua maior extensão já se encontrava aberta ao trânsito de viaturas, nomeadamente entre o Saltinho e Chumael (ver carta de Contabane), e servia também de via para os djilas que, em Chumael, flectiam à esquerda, abandonando a picada existente, tomando um carreiro - carreiro dos djilas - que seguia em direcção ao Pulom-Duas Fontes-Galomaro.
Houve que alargar aquele trilho, tarefa a cargo da CCAÇ 2701 e da CCS [do BCAÇ 2912] de Galomaro e estava aberta uma nova via, com grandes benefícios para os militares do Saltinho,como seja ir às putas a Bafatá.
Assim, no início de Abril de 71, mais dia menos dia, estava pronta para inauguração aquela nova acessibilidade. Uns dias antes, tinha chegado, de heli, ao Saltinho um Auxiliar de Pecuária, penso ser esta a designação, vindo de Bafatá, com a função de vacinar, contra a febre aftosa, o efectivo bovino existente na área. Por motivos profissionais, conversei muito com o senhor e bebemos também muitos uisques com Perrier. Ele era natural da Metrópole, casado com uma cabo-verdiana.
A inauguração da picada calhou ao Gr Comb do Alf Mil Op Esp Fernando Mota, indo eu à boleia, após um pedido ao Clemente. Acompanhou-nos o tal Sr Auxiliar de Pecuária que de imediato nos convidou para irmos jantar, eu e o Mota, a sua casa em Bafatá. Convite aceite na hora.
O piso da picada, onde tinha sido alargada, estava uma merda, tinham faltado as máquinas da Engenharia para arrancar os cepos dos troncos. Um tipo fartava-se de saltar dentro dos Unimog 404, mas há que aguentar, vamos para a cidade, que se lixem as costelas. Chegamos a Galomaro, com o corpo bem massajado, mas sem qualquer outro problema.
Informamos o comandante de batalhão [BCAÇ 2912], Ten-Cor Octávio Pimentel, que a via se encontra operacional e que seguiremos para Bafatá levar o Sr da Pecuária, onde jantaremos, regressando tarde ao batalhão onde iremos pernoitar. Acrescento que, naquela altura, não havia, em princípio, qualquer problema de encontro com o IN, no trajecto Galomaro-Bafatá e vice-versa.
Chegamos à dita segunda cidade da Guiné [, Bafatá,] perto do fim da tarde. Para mim, estava desde fins de Outubro de 70 no mato, chegar aquela cidade foi um deslumbramento... Havia automóveis, havia restaurantes, havia brancas e verdianas... Maravilha!
Encontro o Alf Mil Médico Abílio Oliveira que encontrara quando da minha chegada/passagem para o Saltinho e dormira uma noite no Esquadrão de Cavalaria (5). É médico e director do Hospital, tem uma carrinha Peugeot onde eu sento o cú, após meses de bancos de GMC e Unimog. Sei que também está convidado para o jantar em casa do Sr. da Pecuária, onde nos dirigimos.
Ficamos, eu e o Mota, embasbacados, a filha do Sr., mistura perfeita de branco com cabo-verdiana, é um espanto, uma beleza em qualquer lugar do mundo, bonita, formas harmoniosas,uma coisa para comer com os olhos. Servem-nos frango à cafreela, está muito bom, mas, aquela moça ali ao lado tira-me o apetite,vou bebendo mais que comendo.
Mais bebidos que comidos, regressamos já bastante tarde a Galomaro, com aquela bela imagem de fêmea a pairar frente aos nossos olhos.Enquanto, eu e Mota jantávamos, o Gr de Comb andou a despejar os tomates nas putas, negras e verdianas, havendo alguns que também arranjaram tempo para se meterem nos copos.Dormimos em Galomaro, regressando na manhã seguinte ao Saltinho.
Passados uns dias, mais uma incursão a Bafatá.D esta vez,vai o Cap Clemente e eu com o Pel Caç Nat 53. Do Saltinho até Galomaro, vamos em dois Unimog 404. Na sede do batalhão o Clemente crava um jipe, para melhor nos movimentar-mos na cidade. Grande parte dos meus homens, negros, tinha família ou amigos, em Bafatá, para eles era também festa, estas saídas. Seguimos directos ao Transmontano, apesar de ter insistido com o Clemente, fazermos uma paragem em casa do Sr da Pecuária.
No Restaurante apareceu o dono de uma escola de condução(será que era também o proprietário da casa ?) que entabolou uma conversa sobre as grandes vantagens com a recente abertura da picada. Os militares do Saltinho que quisessem tirar carta, podiam agora,com grande facilidade deslocarem-se a Bafatá e concretizarem esse objetivo. Claro, a conversa foi sendo acompanhada com petiscos e bebidas, com predominância para estas, e prolongou-se até às tantas da noite, já com o meu grupo à porta do Restaurante, esperando por nós.
Muito bem enfrascados,lá resolvemos regressar a Galomaro. O Clemente comigo no jipe, e, para evitar o pó, os Unimog na nossa rectaguarda. O Clemente era um acelerativo com as viaturas. Poucos minutos após deixar-mos a estrada que seguia para Bambadinca,uma manobra mais arriscada, vai pneu e jante pró caralho. Grande merda,a noite está escura como breu e o jipe não tem roda sobresselente. Foda-se.
O Fur Mil Duarte, instruendo do Clemente nas Caldas, vinha no Unimog atrás de nós foi incumbido de resolver o problema: dirigia-se a Galomaro, sacava uma roda de um jipe,regressando ao nosso encontro. Passada mais de uma hora chegou a desejada roda e a informação que o Octávio Pimentel se fora deitar,todo fodido, por aqueles caralhos do Saltinho nunca mais chegarem.
Trocaram-se as rodas, seguimos para Galomaro, onde chegámos, passava da meia-noite... Maluqeiras. Acordo de manhã com os berros histéricos do Pimentel, eu, que estava com uma ressaca lixada,e o Clemente pouco melhor estaria. O gaijo estava com a manhã estragada, queria ir dar uma volta pela tabanca, ver as bajudas, encontrara o jipe sem uma roda e apoiado num cepo.
Grande azar, como podia o Duarte imaginar que aquele era o jipe do Comandante de Batalhão,os gaijos da CCS poderiam ter avisado na noite anterior, mas fecharam-se em copas, maginando a cena da manhã seguinte. Àuma ameaça de punição (ao Duarte) o Clemente empertigou-se, informando o Ten-Cor que a roda fora retirada por sua ordem.
Terminou por aqui, o Pimentel tinha um certo temor perante o Carlos Clemente.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca
(2) Vd. post anterior > 12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa
(3) Vd. posts de:
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho) (Luís Graça)
(4) Jamil Nasser, comerciante libanês do Xitole, de cuja casa o Joaquim Mexia Alves e outros milicianos da CART 3492 eram assíduos frequentadores. Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73).
(5) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado