Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > O abastecimento das NT era deficiente, pelo que se recorria aos produtos naturais da região...
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Este texto do Jorge Cabral foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (Luís Graça / Jorge Cabral).
Trata-se da primeira estória da série Estórias cabralianas. Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com as estórias nºs. 2 e 3, que também não estavam identificadas como tal. Há, além disso, um duplicação: há duas estórias nº 5. Uma delas será republicada, com outra numeração.
Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...
Em tempos deixei-lhe este comentário do editor do blogue, do admirador, do camarada e do amigo (3):
É caso para dizer que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na linha de fronteira, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a família às costas e mais meia dúzia de quadros e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...
Amigos e camaradas da Guiné: não vejam
nestas estórias cabralianas qualquer propósito de ofender a instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Este texto do Jorge Cabral foi originalmente publicada sob o post de 5 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXI: Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum... (Luís Graça / Jorge Cabral).
Trata-se da primeira estória da série Estórias cabralianas. Reformula-se o título e passa a estar mais acessível, no presente blogue. O mesmo acontecerá com as estórias nºs. 2 e 3, que também não estavam identificadas como tal. Há, além disso, um duplicação: há duas estórias nº 5. Uma delas será republicada, com outra numeração.
Jorge Cabral foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. Era estudante universitário, em Lisboa, quando foi convocado para a tropa. Hoje é advogado e docente universitário. Ninguém melhor do que ele, no nosso blogue, para descrever, em traço grosso, numa frase, numa linha, uma situação-limite, um personagem de carne e osso, um ambiente de caserna, um episódio grotesco mas sempre humaníssimo, relativamente à nossa passagem pela Guiné...
Em tempos deixei-lhe este comentário do editor do blogue, do admirador, do camarada e do amigo (3):
É caso para dizer que ninguém podia invejar o lugar de comandante deste tipo de destacamentos, isolados, na linha de fronteira, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a família às costas e mais meia dúzia de quadros e especialistas de origem metropolitano, à beira do abismo, esquecidos e abandonados...
Amigos e camaradas da Guiné: não vejam
nestas estórias cabralianas qualquer propósito de ofender a instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...
Contrariamente a qualquer bestiário da guerra, as estórias cabralianas são um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de imaginação e de adaptação da nossa gente... Eu sei que as estórias do Jorge têm fãs e detractores... Eu, que estou do lado dos fãs, tiro-lhe o quico, e espero que ele não esgote este filão: ele é um grande observador da natureza humana e consegue também, em duas pinceladas, criar personagens e mostrar aquilo que é o único na espécie humana que é a compaixão (no seu sentido etimológico cum + passio > sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor).
Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Dia de rancho melhorado... A caça (e, muitas vezes, o roubo) era uma alternativa para as deficiências do abastecimento dos destacamentos isolados... "Este foi o melhor almoço", diz a legenda do fotógrafo.
Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 > Destacamento de Banjara > 1968 > Dia de rancho melhorado... A caça (e, muitas vezes, o roubo) era uma alternativa para as deficiências do abastecimento dos destacamentos isolados... "Este foi o melhor almoço", diz a legenda do fotógrafo.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
O Jorge, que enquanto estudante universitário devorou o Ionesco e o teatro do absurdo, não se coloca na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça e do cenário...
Querido amigo e camarada: Não precisas de bagas do Sambaro no teu sapatinho para nos pores a sorrir e a pensar... Mas que o talento não te falte no Novo Ano que - dizem - aí vem, cheio de promessas, de ilusões e de ameaças como os todos os Novos Anos que já vivemos...
(LG)
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O Jorge, que enquanto estudante universitário devorou o Ionesco e o teatro do absurdo, não se coloca na situação, confortável, do marionetista... Ele faz parte, de alma e coração, da peça e do cenário...
Querido amigo e camarada: Não precisas de bagas do Sambaro no teu sapatinho para nos pores a sorrir e a pensar... Mas que o talento não te falte no Novo Ano que - dizem - aí vem, cheio de promessas, de ilusões e de ameaças como os todos os Novos Anos que já vivemos...
(LG)
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Estórias cabralianas (1) - A mulher do Major e o castigo do Cabral
por Jorge Cabral
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.
Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia (2).
Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.
Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).
Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...
O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens, querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.
Cumprido o castigo voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...
_______
Notas de L.G.
(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido.
(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro (Jorge Cabral)
(3) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa (Jorge Cabral)
por Jorge Cabral
Quando de Missirá me deslocava a Bambadinca, seguia sempre a mesma rotina. Primeiro visitava o Bar do Soldado, até porque aí tinha que liquidar as despesas alcoólicas efectuadas pelo meu Soldado Ocamari Nanque, que se encontrava preso.
Desta personagem, que depois passou a ordenança do Polidoro Monteiro (1), papel gordo do Biombo, ex-soldado na Índia, falarei um dia (2).
Feitas as contas, bem acompanhadas de várias libações e seguindo uma hierarquia ascendente, passava ao Bar dos Sargentos, onde continuava a matar a sede e só por fim aterrava no Bar dos Oficiais.
Naquele dia quando entrei fiquei surpreendido. Além do simpático e solícito barman, apenas uma branca jovem senhora ali se encontrava. Desconhecendo em absoluto de quem se tratava, reparei que a mesma ficou espantada com a minha aparição. (Na verdade o meu aspecto não era muito civilizado. Enlameado até ao peito – havia atravessado a bolanha de Finete, ostentava um estrambólico bigode e amparava-me num pingalim-bengala prateado).
Logo da porta encomendei:
- Rapaz, uma sandes de chocolate e um whisky quádruplo - e, vendo pelo canto do olho a reacção da dama, iniciei um absurdo monólogo sobre a minha dieta alimentar:
- Ando cheio de fome, os presuntos de macaco não me sabem a nada, a sopa de formigas causa-me azia, até a vinagrada de orelhas de turra me provoca urticária...
O espanto da jovem dera lugar ao pânico, até que entrou o Major, que vendo a mulher pálida e aterrada, se afligiu:
– Que tens, querida? Estás mal disposta? Olha, apresento-te o Alferes Cabral, de Missirá.
Não me estendeu a mão, nada balbuciou, saiu quase a correr…
Logo nessa noite recebi uma mensagem:
- Alferes Cabral proibido de se deslocar a Bambadinca, durante sessenta dias.
Cumprido o castigo voltei, mas nunca mais vi a mulher do Major. Contaram-me que a avisavam logo que eu entrava no quartel...
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Notas de L.G.
(1) Tenente-coronel, spinolista, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) na altura em que os quadros metropolitanos da CCAÇ 12 foram rendidos individualmente (Fevereiro/Março de 1971). Já falecido.
(2) Vd. post de 3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro (Jorge Cabral)
(3) Vd. post de 14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa (Jorge Cabral)
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