Lisboa > Largo da Madalena > Pormenor da calçada à antiga portuguesa, à entrada da Igreja da Madalena..."Ontem não foi sexta-feira 13, mas bem podia ter sido" (jornal de caserna)
Foto e texto: Luís Graça (2009). Direitos reservados
[Instruções: Para ler com o melhor sorriso da Gioconda. Para todos os amigos e camaradas da Guiné que, sendo-o, são meus amigos e camaradas. Esta adenda impunha-se, por causa das minas e armadilhas da (in)comunicação humana ]
Juram, os amigos,
que a amizade não se esgota
nas questões de lana caprina.
Nem se dilui na espuma dos dias.
Testa-se e reforça-se na provação.
Dizem outros que eles, os amigos,
devem ser para as ocasiões.
Todas as ocasiões?
As pequenas e as grandes ?
As boas e as más ?
Sobretudo as más ?
A estação seca e a estação das chuvas ?
A paz e a guerra ?
Ou tudo isso é letra morta ?
Que os amigos conhecem-se
na adversidade,
diz o provérbio.
E os camaradas, na guerra,
diz o Marques.
E os colegas nas tainadas,
dizia o António, meu instrutor
de minas, fornilhos e outras armadilhas da vida.
Quem em caça, política, guerra e amores se meter,
não sairá quando quiser.
Sairá ou não ?
Os amigos, os verdadeiros e os falsos,
conhecem-se nas ocasiões.
Que a adversidade é o teste da amizade.
A prosperidade traz amigos,
a adversidade os afasta,
diz o chinoca da minha rua,
que não tem amigos,
a não ser o dicionário de português-cantonês,
do outro António, o Abreu,
que o poderia ter escrito.
Que no céu se fazem amigos;
e, no inferno, inimigos,
canta o poeta, cego,
tocador de cora,
deambulando de tabanca em tabanca,
no que resta do regulado de Joladu.
Que a amizade é um edifício
que leva uma vida a construir,
e que num minuto pode ruir,
garante o
Esquilo Sorridente.
No aperto do perigo, conhece-se o amigo.
Essa é a verdade, Abílio,
e a verdade é um osso duro de roer,
até para o cão que rói o osso,
na opinião do Pires, que na Guiné teve um cão.
Que os amigos fazem-se,
praticando a amizade:
tal como os caminhos que
se não se usarem,
ganham espinhos, ervas, silvas,
moitas, carrascos,
pedras soltas, calhaus, pedregulhos,
tornam-se abatizes, obstáculos, cabeços, colinas, montanhas.
Ou na versão de um velho homem grande,
africano, de Contuboel,
algures na velha Guiné agora Bissau:
A amizade é uma picada
que desaparece na areia, na bolanha ou no mato,
se não a usares todos dias,
Não aceito que digas:
- Amigo não empata amigo,
citando o Paulo, a caminho de Santiago.
Por que o amigo é isso, Vasco,
tens toda a razão,
que o amigo é para se usar,
se guardar
e se resguardar.
(Obrigado, Cordeiro, pela precisão!).
Para se resguardar das pontadas de ar,
dos tiros tensos do canhão sem recuo
e das emboscadas.
Não é para se usar, expor e deitar fora,
na berma do caminho.
A amizade não é um objecto descartável,
manda o filósofo Juvenal dizer no seu último mail.
(Ou foi o Sócrates, o grego, antes da cicuta ?).
A conselho amigo, não feches o postigo,
além de que
amigo diligente é melhor que parente.
Sobretudo se te dói o dente.
E já que tens físico amigo, manda-o a casa do teu inimigo.
Dinis, que foi rei, mandou lavrar cantiga de escárnio e mal dizer:
quem seu inimigo poupa, às mãos lhe morre.
Mas atenção,
amigo disfarçado, inimigo dobrado,
escreve o ranger, o Eduardo.
E o que fazer ao amigo que não presta
e à faca que não corta ?
Que se percam, pouco importa,
decreta o Hélder,
pela telegrafia sem fios.
Também se diz que os amigos novos
metem os velhos no canto ou a um canto.
Se não se diz, pensa-se.
Será assim, mana Giselda,
que os amigos também cansam
como a sarna na pele,
como a pele e as suas sete camadas ?
Os amigos têm prazo de validade ?,
pergunto ao Briote.
Uma questão que nada tem de metafísica:
Ovo de uma hora,
pão de um dia,
vinho de um ano,
mulher de vinte,
amigo de trinta
e deitarás boa conta.
Amigo, vinho e azeite... o mais antigo.
O vinho e o amigo, quer-se do mais antigo,
recomendam o Jorge, que é engenheiro,
mais o Picado, que foi agrónomo.
E o que farei dos meus novos amigos, Virgínio ?
Faz como o vinho, Zé Manel,
se forem bons,
mete-os a envelhecer em cascos de carvalho.
E por que é que os amigos dos meus amigos meus amigos são ?
É como os filhos do meu filho, serão dele ou não…
Que ao menos, Jorge, cresçam Narcisos no teu jardim.
Que sei eu, meus amigos e camaradas da Guiné ?
Só sei do desalento
e da morte na alma
e da terrível secura na garganta
e das lágrimas que não podíamos chorar
quando trazíamos, do mato, os camaradas mortos,
às costas...
Só damos valor às coisas, Reis,
o Humberto, o Ilídio (e quem mais ?),
quando elas nos faltam,
e aos amigos
quando fazemos o luto pela sua perda.
São tantos os estereótipos, meus amigos e camaradas,
sobre os amigos e a amizade.
Não falo, Nino, dos teus inimigos
que esses são os mais previsíveis,
estão sempre do outro lado da ponte,
que à volta eles cá te esperam.
Amigo verdadeiro, esse vale mais do que dinheiro,
meu pobre Amadu Dajaló,
bom crente, bom muçulmano,
bravo combatente,
leal aos teus amigos tugas,
tu a quem já te acusaram de mercenário.
Mas vale a morte que tal sorte,
quando os amigos que tens não os tens.
Como os velhos elefantes, voltas para o teu chão,
para morrer entre os teus
e seres enterrado debaixo do teu poilão.
O próximo teste, Henriques,
é quando ganhares o Euromilhões.
Ou quando ficares esticado no caixão,
ao comprido:
será que lá terás todos os gatos pingados da companhia ?
Antes boa que má companhia,
nem que seja a do gás e electricidade.
Amigos, amigos, negócios à parte,
dizia o nosso primeiro,
que quem vai à guerra dá e leva.
Quem te avisa, teu amigo é,
li uma vez no bilhetinho anónimo
do tempo da delação e do inquisidor-mor.
Quem seu amigo quiser conservar,
com ele não há-de negociar.
E será que se pode blogar ?
Longe da cidade,
tanto melhor.
Mas... quem tem amigos, não morre na cadeia,
nem no exílio, dourado,
seja feio ou belo,
e mesmo que se chame José, o viking.
Um rico avarento não tem amigo nem parente.
As boas contas fazem os bons amigos.
Ao bom amigo, com o teu pão e o teu vinho.
Ao rico mil amigos se deparam,
ao pobre até seus irmãos o desamparam.
Os camaradas dizem:
Lourenço, connosco ninguém fica para trás...
Aquele que me tira do perigo, é meu amigo.
Bocado comido não faz amigo,
porque não é partilha, Belarmino.
Defeitos do meu amigo ?
Lamento, meu caro Jorge, mas não maldigo
o teu
alterego Cabral.
Em tempo de figos, não há amigos.
Chacun que se governe, Carlos,
em caso de peste (de que Deus nos livre!).
Ou de ataque de abelhas.
Ou de pânico.
Ou de fobia.
Muitos conhecidos, poucos amigos:
não é nenhuma heresia,
é palavra do Senhor,
e o Senhor esteja contigo,
meu camarigo Joaquim Mexia,
e com todos nós, filhos da humanidade,
de Abel e Caím.
Guarda-te do alvoroço do povo, Martins,
e de travar com o doido.
Mas se calhar não há maior amigo do que o Julho
com o seu trigo que dá pão.
Olha, mulher, se não tens marido,
pouca sorte a tua,
não tens amigo e acabas na rua.
Amigo mesmo é aquele que sabe o pior
a teu respeito
e mesmo assim... continua a gostar de ti,
mesmo que tenhas perdido a tua caderneta de vôo,
meu inFélix piloto de Allouettes...
Quando uma pessoa perde dinheiro, perde muito;
quando perde um amigo, perde mais;
quando perde a coragem e a fé, perde tudo.
Difícil, meus amigos e camaradas da Guiné,
é ganhar um amigo numa hora;
fácil é ofendê-lo
e perdê-lo num minuto.
José
dixit, da sua janela do Fundão que dá para a Gardunha,
a Serra da Estrela e a cova da Beira.
Hoje é o amanhã
que tanto nos preocupava ontem, Mário,
li isto no teu diário,
nas páginas dos feriados e dos
Dias de Todos os Santos...
Mas não menos sábia do que a do meu amigo Cherno
é a sabedoria do mongol:
O vitorioso tem muitos amigos, fracos,
mas o vencido tem bons amigos, valentes.
E até o otomano aprendeu à sua custa:
Quando o machado entrou na floresta,
as árvores disseram:
- O cabo é dos nossos,
mas a lâmina de aço... não a estamos a reconhecer.
Resta-nos a doce memória do passado,
As toponímias da nossa peregrinação trágico-marítima,
do Pijiguiti ao Xime,
de Bolma a Buba.
O que foi duro de sofrer,
lá longe da Pátria,
é agora doce de recordar,
no lar, no doce lar.
Olha o Cufeu, Amílcar,
olha o Cufar, Fitas!
Planta hoje a semente da amizade,
mesmo que não sejas lavrador,
para colheres amanhã a flor da gratidão.
Ser amigo é ser generoso,
é dar antes de te pedirem,
é um gesto gratuito.
Quiçá o mais puramente gratuito dos teus gestos.
Ou será interesseira, a amizade ?
Para mim, não é como dar aos pobres...
Aí emprestas a Deus,
tu que és Paulo e Lage, tu que és pedra,
e Deus paga-te em vida ou na morte,
com os dividendos do poder,
da glória,
da fama,
da riqueza
ou da eternidade.
Se estás tão cansado, meu amigo,
Junqueira, Condeço, Tavares,
que não possas dar-me um sorriso,
eu deixo-te o meu,
a ti que és Victor,
E
In Hoc Signo Vinces.
Volta o teu rosto na direção do sol, Miguel,
que és o mais
strelado de todos nós,
para que as sombras fiquem para trás.
Não, nunca digas:
- Chega-te para lá,
que me tapas o meu sol.
Por que o sol quando nasce devia ser para todos.
As lágrimas dos bons caem no chão,
para poderem vir a engrossar os rios da revolta
e da indignação.
Inútil tentares juntar as tuas mãos,
João, José, Joaquim,
se elas não estiverem vazias,
diz o meu guru do Tibete,
agrilhoado.
Os amigos escolho-os eu,
os parentes são os que Deus me deu.
Quando estás certo,
ninguém se lembra;
quando estás errado,
ninguém esquece.
À laia de conclusão,
meu amigo e camarada,
de A a Z:
Antes de começares o trabalho de mudar o mundo,
dá três voltas dentro de tua casa...
E sobretudo não esqueças a lição
sobre a parábola da Sabedoria e da Asneira:
Para os erros alheios
temos os olhos do lince;
para os nossos próprios,
os olhos da toupeira.
Luís Graça