Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O quarto do Zé Neto... Na mesinha de cabeceira, uma foto da esposa Júlia, de quem tem três filhas. A Júlia é nossa tabanqueira.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > A secretaria... [ O Zé Neto deixou-nos o seu álbum fotográfico (, obtido a partir dos seus diapositivos), organizado por temas, mas as fotos, individualmente, não estão legendadas. Não sei se o 1º cabo Cardoso, escriturário, aparece aqui na foto. Também não nos parece que o Cap Corvacho esteja neste grupo, segundo informação do cor art ref (e nosso tabanqueiro) Nuno Rubim, que é do curso a seguir ao dele. O Corvacho também já morreu].
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento José Neto (que exercia as funções de 1º sargento da compnhia) junto a um abrigo e a uma viatura do Pel Rec Fox 1165, que era comandado pelo alf mil cav Michael Winston Schnitzer da Silva.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O obús 8.8 (1)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > O obús 8.8 (2)
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda, a "mascote da companhia" (1), com outros meninos da Tabanca, a brincar numa poça de água, junto à capelinha...
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O Dauda, a "mascote da companhia" (2)... Vivia praticamente com os militares...
Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]
1. Dauda era filho de Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. O pai biológico de Dauda, dizia-se, era um militar português que passara por Cacine, em 1965/66. O Dauda teve no Zé Neto um protetor. E, história espantosa, em janeiro de 2010, a Júlia Neto, viúva do cap ref José Neto (1929-2007), foi conhecer a esposa e as duas filhas do Dauda (, entretanto falecido ainda há pouco tempo), em Bissau.
Sobre este reencontro, escreveria o Pepito mais tarde, no nosso blogue: "Quando o Capitão começou a colaborar com a Iniciativa de Recuperação de Guiledje, a única coisa que pediu foi: 'Procurem e encontrem-me o Dauda, filho abandonado por um militar que tinha estado neste quartel e que sempre tratei como um filho e que gostaria de voltar a ver'. Para ele, Capitão Neto, com aquele coração enorme que tinha, nunca conseguiu perceber como se pode abandonar uma criança pequena e desinteressar-se definitivamente dela. A sua mulher Júlia Neto veio a Guiledje e encontrou a mulher e as filhas do Dauda e … perfilhou-as imediatamente. A família Neto, toda ela, tem um coração de ouro".
E com o Dauda que começa a III parte das memórias de Guileje, da autoria do Zé Neto, e que já publicámos na I Série do nosso blogue, em janeiro de 2005. O Zé Neto úm dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa. Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Faz há 40 anos, a 22 de maio de 1973, que retirámos de Guileje.
2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte III
(i) Dauda, filho vento e mascote da companhia
Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.
Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.
Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…
Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Uma dos dos abrigos enterrados... Na foto vê-se uma bazuca pendurada e, do lado direito, a máquina de costura do alfaiate da tabanca...
Foto (e legenda): © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.
Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada.
Quanto à actividade militar, a das tropas operacionais era intensa e da minha parte não o era menos. O Capitão Corvacho, ainda em Brá, dividiu o comando da companhia em duas partes distintas: a parte operacional era dirigida por ele e a administrativa por mim. Basta referir que o meu Registo Geral (caderno mensal em que são escriturados todos os homens e as suas mais diversas situações) tinha muito perto de trezentos títulos.
(ii) O meu escriturário, o 1º cabo Cardoso, empregado de sapataria em Viseu, e meu braço direito
Creio que é a terceira vez que o trago a esta história, mas não posso deixar de salientar a enorme ajuda do meu escriturário, o 1º Cabo Ramiro Pais Cardoso, um jovem que antes da tropa era empregado duma sapataria em Viseu, sua terra natal, cuja dedicação e competência me levaram a decidir e recomendar ao nosso Capitão que, durante a minha licença na Metrópole, ele ficasse a exercer as minhas funções, prescindindo da regulamentar substituição pelo 2º Sargento C... P..., que só constou no papel e nos actos imprescindíveis… tais como dispensa de serviço de escala.
(iii) O Rochinha, meu fidelíssimo faxina, manufactor de calçado na vida civil, básico na tropa por ter os pés chatos...
E aproveito também para prestar o meu profundo apreço pelo meu ultra zeloso faxina pessoal, o Rochinha, de seu nome completo António Casimiro da Rocha, natural de Passais, freguesia de Fiães, concelho de Vila da Feira. Dizia-se mal classificado pela tropa, pois era manufactor de calçado e não sapateiro como constava nos seus documentos e roía-se todo por ter sido privado de especialidade, ficando portanto básico, só pelo facto de ter os pés chatos.
Cuidava de mim e dos meus pertences com uma dedicação extrema. Um dos seus cuidados era fazer-me o café às horas certas de acordo com a nossa combinação. Ficou histórica a sua presteza quando, durante os dois dias de viagem marítima de Buba para Gadamael, às horas marcadas me aparecia o Rochinha com o cafezinho fumegante.
E o único convidado para a bica que ele admitia era o nosso Capitão e o Dr. Oliveira Martins quando estava connosco. Fartou-se de me pedir para o deixar ir a uma operação, mas sempre lhe neguei a vontade, porque, se por um lado lhe estava vedada essa actividade, por outro eu não podia prescindir da sua colaboração.
De parceria com o Ramiro, que o ensinou a escrever à máquina, dava volta à papelada mais trivial com segurança e a contento de todos, pois nunca abusou da sua relativa proximidade com o comando da companhia. Antes pelo contrário. Algumas vezes ajudava um ou outro camarada menos expedito a trazer-me este ou aquele problema que necessitava da minha intervenção.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Mais um dos abrigos enterrados... e local de brincadeira da criançada...
Foto (e legenda): © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
(iv) O nosso batismo de fogo já no final das chuvas, em outubro de 1967
O resto da estação das chuvas, de Junho a Setembro [de 1967], foi passada na expectativa das tradicionais boas vindas que os turras costumavam dar às guarnições novas.
Havia informações de que o IN tinha deslocado para aquela zona dois bigrupos (*) e possivelmente, tal como nós, andavam a adaptar-se ao terreno. Até que, em meados de Outubro, tivemos o primeiro ataque, muito mal realizado, graças a Deus.
Primeiro, já tínhamos conhecimento dos seus movimentos e da hora provável da flagelação e segundo, acercaram-se demasiado do perímetro fortificado e ficaram expostos ao fogo das nossas armas ligeiras, principalmente dilagramas (1) e bazucas. Além disso as suas granadas de morteiro, embora tivessem o alvo constituído pelas coberturas de zinco das nossas instalações iluminado pelo luar, caíram todas longe da tabanca, sem causar o mínimo estrago.
Em contrapartida, deixaram no terreno algum armamento, peças de roupa ensanguentada e sinais de uma retirada pouco organizada. Soube-se depois que esta acção foi o baptismo de fogo da maior parte dos atacantes, uma espécie de exercícios finais de recrutas, mas a sério. E para mim também o foi, já que a campanha do Lap Sap, de 1952, em Macau (2), não conta, porque não cheguei a sentir o calafrio provocado pela incerteza de onde irá cair a próxima?
Tínhamos acabado de jantar e cada qual foi para o seu buraco, porque, como já referi, estávamos à espera do ataque. No meu quarto-abrigo a segurança era mais que suficiente e dispus-me a escrever um aerograma para a minha mulher a mentir-lhe, como sempre fiz em relação aos perigos que corria, dizendo-lhe que estava tudo bem comigo, que estivesse descansada e por aí fora.
Ao estrondo da primeira granada de morteiro que caiu lá para o fundo da pista seguiu-se o corte da electricidade, já programado. Acendi a minha lanterna de pilhas e fiz um leve risco no alto da folha para assinalar o acontecimento. Com o continuar dos rebentamentos, começou a ouvir-se o som característico das costureirinhas e das Kalash, o que pressupunha a intenção de flagelação seguida de tentativa de assalto.
Até essa altura eu tinha a convicção de que a história de medo de pôr os cabelos em pé não passava disso mesmo, um rifão como outro qualquer. Mas a veracidade estava bem presente. Por momentos senti um arrepio de frio na espinha e os cabelos, e pêlos dos braços, a eriçarem-se.
Compreendi rapidamente que estar ali sozinho não me era emocionalmente favorável e arrastei-me até ao abrigo fortificado que ficava por trás do meu quarto onde encontrei os elementos da guarnição muito calmos a fazerem uns disparos tiro-a-tiro pelas seteiras ao mesmo tempo que comentavam:
- Estes gajos são loucos. Se avançam para cá das árvores caiem todos como tordos.
Ao fim de muitas horas, quando o silêncio se consolidou, fiquei pasmado ao olhar para o meu relógio e constatar que a coisa tinha durado menos de quarenta minutos. Acompanhei o Capitão na volta pelos abrigos e palhotas da tabanca e certificámo-nos de que o ataque nem uma beliscadura causou.
Em conversa sobre o acontecido eu disse-lhe que me tinha arrepiado com medo, embora sabendo que estava em local seguro. Respondeu-me que também ele já tinha passado por isso, mas que, com a continuação, uma pessoa se habitua.
Entramos assim num ciclo de duas campanhas: eles executavam a sua de noite e nós a nossa de dia. Quanto aos ataques que sofremos daí para o futuro, e foram muitos, apenas quero salientar, para além do que descrevi sobre o Viegas, dois ou três pormenores:
Na gíria das transmissões essas acções do IN eram alcunhadas de festival o que se estendeu ao dia-a-dia do pessoal. Muitas vezes as nossas sentinelas detectavam o som da saída das granadas do tubo e disparavam uma rajada ao mesmo tempo que gritavam:
-Festival!!!
Quando a primeira granada chegava já estava quase tudo abrigado. Uma ocasião tal não sucedeu e se alguém pode acreditar em milagres, esses são o Capitão Corvacho e o Alferes Michael (3). Ao correrem para junto da posição do Morteiro de 81 mm, seu posto de combate na circunstância, por pouco não foram atingidos por qualquer coisa que não identificaram de imediato. Quando acabou a flagelação constatou-se que essa coisa era uma granada de morteiro que não explodiu e estava semi-enterrada no solo.
Tomaram-se as precauções necessárias e no dia seguinte a granada foi puxada por um extenso cabo de aço. Mas antes, como bom artilheiro, o Capitão mediu o ângulo de chegada do projéctil com o qual calculou a direcção e a distância de onde tinha sido disparado, para futuras retribuições (4).
Providencialmente o turra tinha-se esquecido de sacar a cavilha de segurança da espoleta antes de meter a granada no tubo!!!
(Continua)
[Subtítulos da responsabilidade do editor]
_____________
Notas do autor
(1) Dispositivo de Lançamento de Granadas de Mão, um engenho português que se adaptava ao cano da espingarda automática G3. Com uma munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a distâncias consideráveis em tiro curvo. Era terrivelmente eficaz quando lançado sobre as copas das árvores, pois as granadas explodiam e fragmentavam-se em direcção ao solo.
O seu uso exigia do atirador muita perícia e, principalmente, concentração, pois se na confusão fosse utilizada munição normal a granada explodia imediatamente. Deu-se um percalço destes com um atirador da CART 1612 que matou dois soldados.
(2) Incidentes das Portas do Cerco que isolaram Macau durante três semanas, nos quais os chineses mataram o Soldado Moçambicano Jacinto Mundau.
(3) Michael Winston Schnitzer da Silva [, alf mil cav, comandante do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165, ou Pel Rec Fox 1165]
(4) O Morteiro é uma arma de tiro curvo, mas diferente dos obuses ou canhões. Grosso modo pode dizer-se que o projéctil descreve uma trajectória parecida com um V invertido. O alcance da arma (distância para o alvo) é obtido pelas tabelas de inclinação do tubo de lançamento e variação das cargas propulsoras. Assim, identificado o projéctil descobre-se com facilidade a arma que o lançou. Com uma arma igual, ou outra com os ajustes calculados, há muitas probabilidades de fazer um disparo inverso e atingir as redondezas da posição da arma inimiga.
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11635: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (14): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Partes I/II: Formação e mobilização da companhia, que foi render a CCAÇ 1477
Foto (e legenda): © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
(iv) O nosso batismo de fogo já no final das chuvas, em outubro de 1967
O resto da estação das chuvas, de Junho a Setembro [de 1967], foi passada na expectativa das tradicionais boas vindas que os turras costumavam dar às guarnições novas.
Havia informações de que o IN tinha deslocado para aquela zona dois bigrupos (*) e possivelmente, tal como nós, andavam a adaptar-se ao terreno. Até que, em meados de Outubro, tivemos o primeiro ataque, muito mal realizado, graças a Deus.
Primeiro, já tínhamos conhecimento dos seus movimentos e da hora provável da flagelação e segundo, acercaram-se demasiado do perímetro fortificado e ficaram expostos ao fogo das nossas armas ligeiras, principalmente dilagramas (1) e bazucas. Além disso as suas granadas de morteiro, embora tivessem o alvo constituído pelas coberturas de zinco das nossas instalações iluminado pelo luar, caíram todas longe da tabanca, sem causar o mínimo estrago.
Em contrapartida, deixaram no terreno algum armamento, peças de roupa ensanguentada e sinais de uma retirada pouco organizada. Soube-se depois que esta acção foi o baptismo de fogo da maior parte dos atacantes, uma espécie de exercícios finais de recrutas, mas a sério. E para mim também o foi, já que a campanha do Lap Sap, de 1952, em Macau (2), não conta, porque não cheguei a sentir o calafrio provocado pela incerteza de onde irá cair a próxima?
Tínhamos acabado de jantar e cada qual foi para o seu buraco, porque, como já referi, estávamos à espera do ataque. No meu quarto-abrigo a segurança era mais que suficiente e dispus-me a escrever um aerograma para a minha mulher a mentir-lhe, como sempre fiz em relação aos perigos que corria, dizendo-lhe que estava tudo bem comigo, que estivesse descansada e por aí fora.
Ao estrondo da primeira granada de morteiro que caiu lá para o fundo da pista seguiu-se o corte da electricidade, já programado. Acendi a minha lanterna de pilhas e fiz um leve risco no alto da folha para assinalar o acontecimento. Com o continuar dos rebentamentos, começou a ouvir-se o som característico das costureirinhas e das Kalash, o que pressupunha a intenção de flagelação seguida de tentativa de assalto.
Até essa altura eu tinha a convicção de que a história de medo de pôr os cabelos em pé não passava disso mesmo, um rifão como outro qualquer. Mas a veracidade estava bem presente. Por momentos senti um arrepio de frio na espinha e os cabelos, e pêlos dos braços, a eriçarem-se.
Compreendi rapidamente que estar ali sozinho não me era emocionalmente favorável e arrastei-me até ao abrigo fortificado que ficava por trás do meu quarto onde encontrei os elementos da guarnição muito calmos a fazerem uns disparos tiro-a-tiro pelas seteiras ao mesmo tempo que comentavam:
- Estes gajos são loucos. Se avançam para cá das árvores caiem todos como tordos.
Ao fim de muitas horas, quando o silêncio se consolidou, fiquei pasmado ao olhar para o meu relógio e constatar que a coisa tinha durado menos de quarenta minutos. Acompanhei o Capitão na volta pelos abrigos e palhotas da tabanca e certificámo-nos de que o ataque nem uma beliscadura causou.
Em conversa sobre o acontecido eu disse-lhe que me tinha arrepiado com medo, embora sabendo que estava em local seguro. Respondeu-me que também ele já tinha passado por isso, mas que, com a continuação, uma pessoa se habitua.
Entramos assim num ciclo de duas campanhas: eles executavam a sua de noite e nós a nossa de dia. Quanto aos ataques que sofremos daí para o futuro, e foram muitos, apenas quero salientar, para além do que descrevi sobre o Viegas, dois ou três pormenores:
Na gíria das transmissões essas acções do IN eram alcunhadas de festival o que se estendeu ao dia-a-dia do pessoal. Muitas vezes as nossas sentinelas detectavam o som da saída das granadas do tubo e disparavam uma rajada ao mesmo tempo que gritavam:
-Festival!!!
Quando a primeira granada chegava já estava quase tudo abrigado. Uma ocasião tal não sucedeu e se alguém pode acreditar em milagres, esses são o Capitão Corvacho e o Alferes Michael (3). Ao correrem para junto da posição do Morteiro de 81 mm, seu posto de combate na circunstância, por pouco não foram atingidos por qualquer coisa que não identificaram de imediato. Quando acabou a flagelação constatou-se que essa coisa era uma granada de morteiro que não explodiu e estava semi-enterrada no solo.
Tomaram-se as precauções necessárias e no dia seguinte a granada foi puxada por um extenso cabo de aço. Mas antes, como bom artilheiro, o Capitão mediu o ângulo de chegada do projéctil com o qual calculou a direcção e a distância de onde tinha sido disparado, para futuras retribuições (4).
Providencialmente o turra tinha-se esquecido de sacar a cavilha de segurança da espoleta antes de meter a granada no tubo!!!
(Continua)
[Subtítulos da responsabilidade do editor]
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Notas do autor
(1) Dispositivo de Lançamento de Granadas de Mão, um engenho português que se adaptava ao cano da espingarda automática G3. Com uma munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a distâncias consideráveis em tiro curvo. Era terrivelmente eficaz quando lançado sobre as copas das árvores, pois as granadas explodiam e fragmentavam-se em direcção ao solo.
O seu uso exigia do atirador muita perícia e, principalmente, concentração, pois se na confusão fosse utilizada munição normal a granada explodia imediatamente. Deu-se um percalço destes com um atirador da CART 1612 que matou dois soldados.
(2) Incidentes das Portas do Cerco que isolaram Macau durante três semanas, nos quais os chineses mataram o Soldado Moçambicano Jacinto Mundau.
(3) Michael Winston Schnitzer da Silva [, alf mil cav, comandante do Pelotão de Reconhecimento Fox nº 1165, ou Pel Rec Fox 1165]
(4) O Morteiro é uma arma de tiro curvo, mas diferente dos obuses ou canhões. Grosso modo pode dizer-se que o projéctil descreve uma trajectória parecida com um V invertido. O alcance da arma (distância para o alvo) é obtido pelas tabelas de inclinação do tubo de lançamento e variação das cargas propulsoras. Assim, identificado o projéctil descobre-se com facilidade a arma que o lançou. Com uma arma igual, ou outra com os ajustes calculados, há muitas probabilidades de fazer um disparo inverso e atingir as redondezas da posição da arma inimiga.
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11635: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (14): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Partes I/II: Formação e mobilização da companhia, que foi render a CCAÇ 1477