segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22850: O meu sapatinho de Natal (21): Merry Christmas! (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Nova Iorque, 25 de Dezembro de 2021 > O João e os filhos


Nova Iorque, 25 de dezembro de 2021 > Em primeiro plano, a Vilma, 
os três netos do João e a nora (americana); ao fundo, o João e os filhos


Nova Iorque, 25 de dezembro de 2021 > O João e o neto Caton, 
em primeiro plano (, sendo menor,  escondemos-lhe o rosto,  


Nova Iorque, Queens, 25 de dezembro de 2021 >  O Natal português 
do João Crisóstomo, passado em sua casa, 
com os seus filhos, genro, nora, e os três netos 
e, pela primeira vez, a sua Vilma, eslovena


Fotos (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67) (a viver em Nova Iorque desde 1975, depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)

Data - domingo, 26/12, 18:57
Assunto - Merry Christmas! 

Caro Luís Graça


Estava para deixar passar este Natal sem grande alvoroço da minha parte. Mas este teu email veio pôr tudo no seu devido lugar!

Fico satisfeito que tenhas achado a carta de Quebá Soncó, enviada da Alemanha, como relevante (*). Uma vez que foi nesse hospital que muitos dos nossos camaradas, vítimas da guerra, receberam membros artificiais. Talvez esta carta sirva como inspiração e ocasião para outros partilharem sua experiência.

E antes que me esqueça: quando estive em tua casa o nosso comum querido camarada e amigo Joaquim Pinto Carvalho deu-me o seu livro "A 'Chama' que nos chamou". Quis depois telefonar -lhe directamente, e pedi-te o número dele; mas não sei porque razão a máquina de respostas diz que não é possível o contacto. Quando puderes liga para ele e diz-lhe o que eu tencionava dizer-lhe : Levou-me tempo a arranjar ocasião para o ler . Mas quando lhe peguei sucedeu-me o que me acontece com livros que apaixonam: li-o da primeira página à última, sem conseguir parar. E sei que mais cedo ou mais tarde vou lê-lo outra vez.

E outros a quem tentei falar também não consegui fazê-lo. E continuo a fazê-lo, quando posso, quer estejam nos USA, Canadá, Holanda ou em qualquer “Cochinchina" mundo fora. Porque sou teimoso, geralmente mais cedo ou mais tarde acabo por chegar. Mas nem sempre. Oxalá de alguma maneira muitos tenham conhecimento do conteúdo deste email.
 
Se não achares inconveniente (sei que há razões hoje em dia que podem tornar coisas bem simples em grandes problemas… e por isso , quem sabe?, pode não ser coisa aconselhável a fazer; mas por mim não vejo inconveniente) podes partilhar o meu e mail e o meu telefone: 

 telefone + 1. 718 899 7776; e email : crisostomo.joao2@gmail.com

E agora ao fim primeiro deste: mas que maravilhoso Natal este  que 
acabou por ser para tantos de nós. Desde dia primeiro de Dezembro eu tenho vindo a seguir no nosso blogue , a série "O nosso sapatinho de Natal” começado por uma “reflexão" do nosso camarada Francisco Baptista (poste P22774): logo seguido por um conto do José Teixeira. 

Reparei que os dois primeiros apareceram como sendo "O nosso sapatinho de Natal" mas com António Martins de Matos, em vez de “O nosso sapatinho” começou a ser "O meu sapatinho de Natal" (poste  P22778). E assim tem sido até hoje, em que apareces tu mesmo, "cantando as janeiras" (poste  no P22841). Mas, “meu sapatinho" ou "nosso sapatinho”..., o importante é que muitos dos nossos camaradas tiveram oportunidade de partilhar no presente, ou num passado mais ou menos distante, as suas experiências e memórias de Natal.

Eu estava a seguir tudo isto, e alegrava-me com o que se passava, mas não me sentia com forças para dar o meu contributo, pois ultimamente as coisas, em vários campos, tinham estado a ser um pouco "menos fáceis" para mim. E, com pena o digo, eu não tenho a mesma coragem que tu tens que consegues "cantar janeiras”,  mesmo no meio da adversidade. Por isso me limitava a fazer alguns telefonemas a alguns camaradas. Mas as coisas mudaram.

Que bom foi receber este teu email, de 25 do corrente, em que dizias: 

"João: estou no Porto, e tenho boas notícias, vou ser operado em janeiro ou por aí (se os exames estiverem todos bem...). Foi a melhor prenda de Natal que recebi, logo no dia 22 (consulta com o meu ortopedista)...

"E tu, antes de ires a 28, para o hospital, lê aqui mais um poste das tuas memórias (**)... Foi bom teres reproduzido a carta do Quebá Soncó, datada de 6/8/1967, temos poucas referências ao Hospital de Hamburgo ...Beijinhos para a Vilma, grande abraço fraterno para ti. Vai correr tudo bem.. Mano Luís"

E mais ainda porque chegou mesmo no dia de Natal! Eu e a Vilma pulamos de contentes: compreendemos bem as tuas palavras: “ Tenho boas notícias, vou ser operado em janeiro ou por aí (se os exames estiverem todos bem...)  Foi a melhor prenda de Natal que recebi”.

 Para nós também foi um belo presente: compreendemos bem ( e sentimos) o que tu e a Alice sentes neste momento. E podes crer que muitos dos que têm seguido as tuas notícias desde que começaste com problemas de locomoção sentem o mesmo! == não foramos nós todos irmãos agora, uma irmandade criada pelas mesmas experiências na Guiné, que tu em tão boa hora decidiste lembrar, fazendo destas passadas experiências um edifício monumental em que todos nos refugiamos e até onde nos foi possível amadurecer ainda melhor, se tal é possível dizer.

No meu caso devo dizer que tenho razões duplas, pois até são semelhantes às tuas!

Como sabes no ano passado quando ainda lutava com uma lombalgia,  tive um ataque de ciática que se prolongou bem mais do que eu esperava. Quando estive aí em Portugal , um primo meu que também havia “feito a Guiné", falou-me dum tal Peixeira ( não Teixeira, como alguns o chamam por engano) que havia sido seu comandante de secção em Tite "que se mantinha ainda em contacto com toda a gente”.

 Curioso e interessado, e logo na mira de o convidar para entrar para a nossa Tabanca, no caso de ele não saber dela, contactei-o. Foi quando partilhávamos as nossas experiências na Guiné, que ele me disse ter sofrido duma lombalgia de que havia sido curado por um fisioterapista. E este era um "doutor ucraniano” já reformado mas que ainda ajudava quem o procurasse , especialmente se tivesse sido recomendado por antigos pacientes. Não só me recomendou, como se fez de guia na primeira vez que lá fui para eu não me perder.

Valeu bem a pena,  pois este não só endireitou a minha coluna com resultados surpreendentes e quase instantâneos, como me elucidou que algumas das dores que eu sentia e que eu atribuía a efeitos colaterais da ciática, eram antes provocadas por uma hérnia ( que eu desconhecia ter) que era coisa a que ele não podia ajudar mas para a qual,  ao voltar a Nova Iorque,  eu tinha de consultar o meu médico.

Assim fiz; mas se já não estava tranquilo por ter descuidado esta hérnia tanto tempo, que me obrigava a uma inação enervante, mais preocupado fiquei. Foi-me dito que só em 2022, na melhor das hipóteses em fins de Janeiro, pois devido à situação criada pela Covid poderia ser mesmo "lá para Março” em que eu poderia ser operado. 

 Valeu-me o que muitos  me creditam como perseverança, e que eu sei bem ser apenas obstinação e teimosia minha; depois de vários telefonemas e de ter sido posto em "listas de espera",   recebi um telefonema de que, devido a um inesperado cancelamento,  a minha cirurgia podia ser ainda este mês, no dia 28. 

 E tudo mudou. Porque não tencionava fazer mais "árvores de Natal” dentro de casa, com intenção de me limitar agora ao simples e mais tradicional presépio, eu tinha-me já desfeito de tudo o que com ela era relacionado e, para grande gáudio e excitação dos miúdos das redondezas, tínhamos feito uma espécie de “garage sale” (feira de garagem, como se diz aí)  oferecendo todos os ornamentos que cada um quis levar.

Quando porém fui informado da boa nova e dela participei aos meus filhos,  eles, em vez de sermos nós a ir a casa de um deles passar o Natal, concordaram em virem os dois (e seus respectivos filhos, meus netos) a virem passar o Natal deste ano a nossa casa. 

Que melhor Natal do que isto?

Foi uma revolução aqui: no mesmo dia fomos comprar uma árvore de Natal (não podia ser muito grande, pois para evitar problemas com os cães que o meu filho pediu para trazer com eles nesse dia , a árvore tinha de ser posta e ficar em lugar elevado)...  E depois foi comprar luzes e ornamentos para substituir aqueles de que nos havíamos desfeito … 

Para que não faltasse música e distrações, fomos comprar um “Alexa” (um sistema simples que permite pedir por voz as canções, músicas e informações que acharmos bem pedir); e logo a seguir eu “actualizava" uma pequena mesa de "pool"  ( bilhar, penso eu que se chama em português) que eu há anos havia feito para o meu netinho mais novo,  mesa que ainda hoje serve de passatempo quando ele vem a minha casa.

E logo a seguir com o meu neto Caton e minha filha Cristina, entusiasta nestas coisas de celebrar tradições portuguesas, deslocámo-nos-nos a Newark para fazer as compras de Natal : bacalhau, chouriço, castanhas, bolos-rei (sete deles pois serviriam de presentes para alguns dos meus vizinhos),  azeitonas e tremoços, broas e azeite português, e os necessários condimentos para fazer o arroz doce e rabanadas… 

Que os meus filhos fizeram questão que fosse um jantar (consoada) português, apesar da mãe duns ser americana e o mesmo se dizer do pai do Caton que nasceu em Cuba mas foi feito americano logo aos dois anos de idade. Uma idéia que a Vilma, apesar de ser eslovena, abraçou com todo o entusiasmo: ao fim e ao cabo nos seus tempos de meninice sob um regime de orientação comunista o Natal não contava nada. 

Mas que gosto era ver a genica dela, preocupando-se talvez mais do que eu que nada faltasse, custasse o que quer que fosse. Eu até estava preocupado pois ela tinha sobrevivido ainda há bem pouco (a segunda vez que isso lhe acontece comigo) a uma forte reaçção à vacina da Covid 19. Em ambos as vezes,  passadas cerca de 24 horas, começou a ter frio e acabou por desfalecer e me cair nos braços com um ataque de “hipotermia”. Chegou para susto. Felizmente que logo que a deitei no chão, e chamava já a ambulância, ela começou a recuperar e a instruir-me para não o fazer, que tal não era preciso.

Imagino pois a alegria da Alice e dos teus ao saberem dessa tua prenda de Natal que recebeste, logo no dia 22!... É com a mesma alegria que te enviamos o nosso grande abraço e nos associamos à Alice e os teus queridos e todos os que se felicitam pela boa notícia.

Aproveito agora este para me associar também a todos os meus/nossos camaradas que duma maneira ou outra estão celebrando esta época festiva. Obrigado aos que já me fizeram chegar os seus bons desejos, que retribuo de coração também.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha

Guiné 61/74 - P22849: Notas de leitura (1402): Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969: A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui fica o relato que António Martins Moreira dedicou à sua CART 1690, de vida tão atribulada, no setor de Geba, nunca pensei que os meus vizinhos para lá da ponte do rio Gambiel atingissem tal nível de sofrimento. No início da guerra houve uma separação radical da população no regulado de Mansomine, região onde o PAIGC passou a dispor de algumas bases como Sinchã Jobel, e mais para o interior Sara-Sarauol, confinando, um pouco mais abaixo, com Belel, aqui estacionavam, tal como em Madina, os meus atacantes. Ficamos a dever a António Martins Moreira um belo depoimento, ele não se cansa de afirmar que comandou gente de bravura e de enorme capacidade de sacrifício. Veio a tempo, felizmente, uma importante narrativa para que não se esqueça o que foi a vida dura no setor de Geba entre 1967 e 1969.

Um abraço do
Mário



Memórias de um alferes, Leste da Guiné, 1967-1969:
A CART 1690, uma das mais sinistradas, em toda a Guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Trata-se de uma edição do Município de Idanha-a-Nova, com data de 2018, são as memórias do então alferes António Martins Moreira, que combateu na região de Geba, entre 1967 e 1969, não quis o destino que nos conhecêssemos, éramos vizinhos, ele estava para lá da ponte do Rio Gambiel, eu para cá, e quando ele diz que a paisagem era deslumbrante, estou à vontade para o confirmar. Este nativo de Penha Garcia foi para Mafra em janeiro de 1966, onde permaneceu até julho, promovido a aspirante foi transferido para o Regimento de Infantaria em Abrantes, e aqui mobilizado e colocado na CART 1690, do BART 1914, frequentou o curso de operações especiais, em Lamego, ainda andou por Lisboa, Torres Novas e Oeiras, desembarcou no Pidjiquiti em 15 de abril de 1967, quem comanda a companhia é o Capitão Manuel Carlos Guimarães. Faz-se a viagem sacramental até Bambadinca, seguem para Bafatá, é-lhes atribuído o setor de Geba. Nesta localidade substituem a CCAÇ 1426. A Companhia dissemina-se por quatro destacamentos. A 17, avança para Banjara, que ele classifica como pior destacamento a seguir a Madina do Boé. “Banjara era um destacamento de alto risco, situado na estrada de Bafatá-Mansabá, a cerca de 40 quilómetros de Geba, e outros tantos de Bafatá, na mata do Oio”

Descreve Banjara e o seu perímetro. O destacamento era um verdadeiro inferno se bem que só tenha havido uma flagelação, era o isolamento, não havia população civil, os abastecimentos e o correio chegavam uma vez por mês. Banjara tinha um grupo de combate, reforçado por uma seção de autometralhadoras, Granadeiros da Cavalaria de Bafatá, um Esquadrão de Reconhecimento, 15 milícias, uma seção de armas pesadas, num total de 70 a 80 homens. “Lá passámos os 8 mais longos meses da nossa juventude”. Descreve as atividades desenvolvidas em Banjara.

Em 21 de agosto morre o comandante da Companhia e o seu guarda-costas, caíram num campo de minas anticarro e antipessoal na estrada de Geba-Banjara, depois de terem ultrapassado o destacamento de Sare Banda. O Alferes Domingos Maçarico passou a comandar a Companhia, Martins Moreira e Maçarico trocam posições, Martins Moreira vai para Geba. O histórico desta unidade militar é marcado por várias infelicidades, para além da morte do Capitão Guimarães, os alferes Maçarico e Marques Lopes foram evacuados com ferimentos em combate. Recorda situações penosas como quinze dias de alimentação sem sal e depois dá-nos uma descrição do destacamento de Cantacunda, a cerca de 35 quilómetros para norte, refere os efetivos, não esquecem o nome do comandante do pelotão de milícias, Samba So, o destacamento tinha população civil e régulo. 

Parecia calmo e seguro, mas era profundamente vulnerável, como se comprovou em abril de 1968, um numeroso grupo do PAIGC apanhou a guarnição descontraída, tomou de assalto a caserna e os abrigos, aprisionou 12 elementos, assassinou um à facada. Muitos militares conseguiram escapar e chegaram a Geba depois deambularem pelo mato uma noite inteira. Dez destes prisioneiros virão a ser resgatados em 1970, no âmbito da Operação Mar Verde.

O novo comandante da CART 1690 passou a ser o Capitão Sarmento Ferreira, é chamado a Bafatá onde lhe entregam uma ordem de operações para uma batida de Sinchã Jobel, uma importante base do PAIGC, vão dois destacamentos, a CART 1690 com três grupos de combate, Martins Pereira está em Banjara, mas dá-nos a versão dos acontecimentos. Quando os efetivos chegaram as imediações do objetivo já estavam bem referenciados pelas sentinelas, as nossas tropas caíram numa emboscada brutal, procuraram reagir abatendo os atiradores que estavam na copa das palmeiras, mas o embate era fortíssimo, retiraram deixando para trás alguns mortos e feridos e cerca de 25 desaparecidos que só se conseguiram recuperar, completamente extenuados e famintos, no dia seguinte. 

O Alferes Fernandes foi assassinado a sangue frio, conforme testemunhou o seu guarda-costas, que nessa ocasião se fingiu de morto. O Alferes Fernandes tinha substituído o Alferes Marques Lopes, ferido em 21 de agosto. O resultado desta operação foram nove mortes e cerca de vinte feridos.

O autor refere que faltavam cerca de 25 elementos, no rescaldo desta ida a Sinchã Jobel foi recuperar os desaparecidos, na manhã seguinte. Ao amanhecer, estavam em frente ao objetivo, foram aparecendo soldados a correr em grupos, completamente exaustos, um deles vinha gravemente ferido. Teve apoio aéreo e um dos pilotos avisou que à frente, a cerca de 2 quilómetros, aguardava-os uma forte emboscada, inverteram a marcha, novo aviso que há emboscada à frente, então afastam-se da picada e embrenham-se na mata até à margem do rio Geba.

 Repetiu-se a operação de resgate no dia seguinte, ainda faltavam 9 ou 10 homens, recuperaram todos com exceção do assassinado Alferes Fernandes e de um capturado, gravemente ferido e levado para Ziguinchor. “Ficou ainda o Armindo Correia Paulino, o magarefe da Companhia, também assassinado, fria e cobardemente, à facada por vários elementos do PAIGC, depois de o terem cercado e aprisionado”.

Fazendo o balanço da situação, o autor estima que em maio de 1968 a sua unidade vivia numa situação muito difícil, o comandante Companhia morto em combate, dois alferes evacuados, o Alferes Fernandes assassinado, em abril passado o assalto a Cantacunda com resultados trágicos, a Companhia estava desmoralizada. 

Em junho, o destacamento de Sare Banda, na estrada Bafatá-Mansabá, com quarenta milícias, foi tomado de assalto pelo PAIGC, com a cumplicidade do chefe de tabanca. Os guerrilheiros incendiaram todas as moranças. “Sare Banda era um destacamento vital que nos garantia a progressão a poente na direção de Mansabá até ao nosso destacamento de Banjara, o mais isolado. Retornava-se, pois, imperioso reocupar, reconstruir e reforçar este destacamento. Foi esta a missão que recebemos”

E dá-nos conta dos trabalhos de reconstrução, ergueram-se seis abrigos subterrâneos, construiu-se uma autêntica fortaleza. Findas as obras, Martins Moreira regressa a Geba. Em 12 de junho, o PAIGC ataca Sare Gana, o pelotão de milícias reage com bravura, houve que recuar, PAIGC instalou-se, na manhã seguinte as nossas tropas puseram os atacantes em debandada. Ao fim de 19 meses no setor de Geba, a CART é transferida para Bissau, teve uma comovente despedida em Geba, os últimos 4 meses foram relativamente tranquilos, fazendo colunas, rusgas, preceitos da rotina, várias emboscadas sem confronto, em 2 de março de 1969 embarcam para Lisboa. Há ainda alguns textos soltos, a completar a missão.

Um relato bem sentido da história de uma unidade militar que conheceu o martírio e o pleno sofrimento, muitos mortos, sequestros, homens devastados e perdidos depois de uma tempestade de fogo. E enternecedor, atenda-se que António Martins Moreira já não é criança, mas exigiu-se ao dever da memória, fielmente cumprido.

António Martins Moreira, no lançamento do seu livro na Câmara Municipal de Idanha-a-Nova
Bafatá
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22828: Notas de leitura (1401): "Adeus... até ao meu regresso": livro de memórias fotográficas de 56 antigos combatentes, naturais de Vila Real, incluindo o Miguel Rocha, ex-alf mil inf, CCAÇ 2367/BCAÇ 2845, "Os Vampiros" (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70) - Parte I

Guiné 61/74 - P22848: Parabéns a você (2019): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 4745/73 (Binta, Jugudul e Mansoa, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22836: Parabéns a você (2018): Fernando de Jesus Sousa, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/71)

domingo, 26 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22847: Memória dos lugares (434): Hospital Militar de Hamburgo, onde estiveram internados, para tratamento e reabilitação, camaradas nossos deficientes como o Quebá Soncó (CCAÇ 1439) e o António Dias das Neves (CCAV 2486): não se sabe quantos, mas devem ter sido algumas centenas de um total de mais de 1800 "amputados", entre 1964 e 1974


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu Pai é o que está na cadeira de rodas com o prato na mão. Esteve lá 8 meses. Antes passou pelo anexo de Campolide, em Lisboa, onde fez 18 operações" (Marisa Neves).



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que está no lado direito, de camisola acastanhada, sentado na cadeira de rodas" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que está de frente, de  camisola acastanhada" (MN)


Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o que vem com duas muletas,  de camisola branca" (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai é o de camisola castanha, sentado na cadeira de rodas, em primeiro plano " (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai sentado na cadeira de rodas, e com um camarada ao lado" (MN)



Alemanha Ocidental > Hospital Militar de Hamburgo > c. 1970 > "O meu pai, junto a um lago, amparando-se a m camarada" (MN)

Antiga Alemanha Ocidental  (ex-RFA - República Federal Alemã) > Hamburgo > Hospital Militar de Hamburgo > Álbum fotográfico de António Dias das Neves (1947-2001) (*) 


Fotos (e legendas): © Marisa Neves (2011) Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Depois de ter ficado sem as duas pernas, devido ao acionamento de uma mina A/P, a norte de Bula, no decurso da tão mediatizada Op Ostra Amarga, 18 de Outubro de 1969, o sold at cav António Dias das Neves, da CCAV 2486/BCAV 2868 (1969/70), foi evacuado para a metrópole, longe dos holofotes da televisão e do voyeurismo dos jornalistas franceses... e daqui para a Alemanha

Sabemos que passou esteve no Hospital Militar da Estrela, anexo de Campolide, desde finais de 1969. Deve ter ido no ano seguinte   para o prestigiado Hospital Militar de Hamburgo, na Alemanha  onde recebeu, com sucesso, duas próteses que lhe permitiram refazer a sua vida como civil... na sua terra natal, Ramada, Odivelas.

"O meu pai fez bastantes amigos durante os 8 meses que esteve em recuperação no hospital de Hamburgo. Sei que fartou-se de passear, pois tenho alguns postais de vários sítios da Alemanha que o meu pai mandava para a minha avó", escreve-nos a sua filha Marisa Neves.

"Sei também que o meu pai foi um caso de sucesso na adaptação das próteses, sei que fizeram bastantes arquivos documentados para próximos doentes".

"As pessoas que acompanham o meu pai nas fotos, infelizmente não sei quem são, só ele poderia dizer ou a minha avozita que infelizmente faz agora dia 6 de Novembro [ de 2011] num ano que me deixou. O meu pai sempre foi um homem de coragem e de orgulho".


Em 1979 nasceu a sua primeira filha, Marisa Neves. Estas fotos, recebidas originalmente sem legenda, documentam a parte final, germânica, do seu calvário da Guiné...

Sobre a hospitalização do seu pai, a Marisa disse-nos o seguinte:

 "Em relação aos hospitais, infelizmente não sei datas concretas, acho que ele foi, primeiro, para Bissau [ HM 241]   e depois veio para Portugal [ HMP] . A seguir foi transferido para Alemanha. Sei que esteve algum tempo na Alemanha em tratamentos e recuperação para adaptação das próteses". 

E, ao que parece, adaptou-se bem, do ponto de vista funcional, às suas novas pernas artificiais, segundo o testemunho da filha.

Há um ponto que não conseguimos (ainda)  esclarecer com a Marisa. Diz ela que, de acordo com a caderneta militar, o pai foi "evacuado para o HMP em 6/11/71"... "por despacho de 30/12/70 de sua Excia o Secretário de Estado do Exército" (?)... 

Admitamos que é um erro de transcrição, dela ou do burocrata do exército... Não é crível que tenha ficado mais de dois anos no HM 241, em Bissau (contando o período que medeia entre a data dos ferimentos em combate, 18/10/1969, e a alegada mas improvável data de evacuação para o HMP, 6/11/71)... É mais provável que a data seja 6/11/1969... Por outro não se entende a referência ao "despacho" do Secretário de Estado do Exército, de 30/12/70.

Por outro lado,  foi-lhe contado 100% o  tempo  de  serviço militar no TO da Guiné, desde 1/3/169 (data de desembarque da CCAV 2486) ate´31/12/1970.

Foi condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª Classe.




Fonte: Revista de Cavalaria: Anais da Cavalaria Portuguesa, Ano de 1971, pág. 96



2. De qualquer modo, o que importa é sublinhar a novidade destas fotos do álbum da filha de uma camarada nosso, já falecido, integrado na Tabanca Grande a título póstomo (poste P8910) (*),  em 2011, quando aqui foram publicadas (poste P8914) (**) eram as primeiras de camaradas nossos, feridos gravemente na guerra de África, e n0meadamente amputados, que foram beneficiários do programa de tratamento e reabilitação do Hospital Militar de Hamburgo...  

Não sabemos quantos por lá passaram, pro Hamburgo, por causa das próteses...Um deles foi o Quebá Soncó, que também perdeu uma perna, no dia 7 de dezembro de 1966, ao serviço da CCAÇ 1439 (***). 

 O mesmo se passa com o CMRA - Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitção, inaugurado em 1966 ... Não sei se a ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas tem informação estatística, ou dados históricos, adicionais, com referência  aos utentes portugueses do Hospital Militar de Hamburgo, entre 1964 e 1974.

Segundo Pedro Marquês de Sousa ("Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 144),  dos cerca de 28 mil feridos graves evacuados durante a guerra (nos 3 teatros de operações),  "resultaram cerca de 14 mil deficientes  (5120 com grau de deficiência superior a 60%)"...  

Desses 14324 feridos graves e deficientes, 1852 estão classificdos na categoria de "amputados" (12,9%), dos quais 480 em Angola, 540 na Guiné, 697 em Moçambique e 135 na instrução e serviço militar. (Algumas centenas destes amputados deverão ter sido tratados e recuperados no Hospital Militar de Hamburgo, acrescentamos nós.)

À Marisa já aqui deixámos, em 2011, o nosso profundo reconhecimento por querer partilhar, connosco, com os camaradas do seu pai, este cantinho da sua intimidade, o álbum fotográfico do seu querido pai e seu grande herói (**).



3. Sobre o programa de reabilitação dos deficientes da guerra colonial no Hospital Militar de Hamburgo (****), iniciado em 1963, publicamos uma "nota histórica",  excerto da revista ELO, da ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas, julho de 2013, pág. 9, com a devida vénia:


Pequeno historial

Em 1963 uma delegação alemã visitou Portugal. Integrava essa mesma delegação o General médico, Diretor do Serviço de Saúde Militar da República Federal da Alemanha, que foi convidado pela Cruz Vermelha Portuguesa, através do então Movimento Nacional Feminino, a visitar o Hospital Militar Principal, onde já se encontravam um número significativo de deficientes vindos dos conflitos das ex-colónias portuguesas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique.

Na sua maioria, esses mutilados eram vítimas de rebentamentos de minas. Esta visita deu origem à assinatura de um protocolo em que os médicos militares alemães aplicariam a sua ampla experiência adquirida com mutilados das primeira e segunda guerras mundiais, no tratamento dos mutilados portugueses. O referido protocolo também estava relacionado com a presença da Força Aérea Alemã na base de Beja e dependências em Alverca.

Em 1964, os primeiros deficientes de guerra foram internados no Serviço de Cirurgia do Hospital Militar de Hamburgo (nessa data chamava-se Standortlazarett, depois Bundeswehrlazarett) e eram levados diariamente para tratamentos para o hospital de acidentados em Hamburgo – Hospital de Bergedorf.

Em 1966, foi colocado no Hospital Militar de Hamburgo o então Capitão-de-Fragata, médico, Dr. Franz Traut, especialista em ortopedia de guerra, que criou o Serviço de Ortopedia e também foi o responsável pela instalação de uma casa ortopédica dentro do Hospital Militar.

Para complementar o processo, disponibilizou duas enfermarias, uma com seis camas e outra com quatro, destinadas aos deficientes das Forças Armadas portugueses. Criou também o Serviço de Fisiatria e chamou a fisioterapeuta, Srª. Frauke Maltusch, docente no Hospital Universitário de Eppendorf, em Hamburgo.

Os mutilados eram transportados de e para Portugal nos aviões militares de transporte alemães – a princípio Noratlas, depois Transal, sempre acompanhados por um oficial médico ou sargento enfermeiro portugueses. Os custos inerentes a todo o processo, eram suportados pelo Estado alemão.

Em 1975 e em virtude dos conflitos coloniais terem terminado, o número de camas foi reduzido para seis.

Em 1986, o então Capitão de Mar-e-Guerra, médico, Dr. Franz Traut, passou à situação de reforma (os médicos alemães eram obrigados a passar à reforma aos 60 anos) e foi substituído pelo Coronel médico, Dr. Joachim Niehaus.

Este acordo terminou em 1991 e os últimos deficientes militares regressaram a Portugal, em setembro de 1991. A partir desta data, apenas aqueles que necessitavam de tratamentos que não encontravam resposta em Portugal, eram autorizados a irem para o Hospital Militar de Hamburgo.

Atualmente, a chefia do Serviço de Ortopedia e Cirurgia de Acidentados é exercida pelo Coronel Médico, Dr. Bernhard Klein, o qual já efetuou diversas deslocações a Portugal, tendo visitado o então Hospital da Força Aérea e a ADFA.

O Dr. Franz Traut, a fisioterapeuta Frauke Maltusch e outros elementos ligados aos Deficientes das Forças Armadas (DFA), em 1981, foram condecorados pelo então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Garcia dos Santos, em cerimónia pública no Estado-Maior do Exército.

Em 1977, o General Ramalho Eanes, na qualidade de Presidente da República, visitou os Deficientes da Forças Armadas no Hospital Militar de Hamburgo.

(***) Vd. poste de 25 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha
 
(****) Último poste da série > 8 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22788: Memória dos lugares (433): Tabatô, a tabanca da utopia, a 10 km, a nordeste de Bafatá - Parte IV

Guiné 61/74 - P22846: Blogues da nossa blogosfera (168): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (74): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


MUNDO

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

Neste mundo, em que os verdadeiros bárbaros são impostos aos olhos mais ou menos cegos, como agentes da paz, da justiça e do bem-estar, neste mundo em que a humanidade não come ou se enfarta de caviar, eu tento aquecer o pensamento com o abraço do nascer do sol, mas a pobreza foi reduzida a um buraco sem janelas e dói-me viver assim, sem a luz de um horizonte.

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TEMPO...

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

Na luz do tardio amanhecer
no claro-escuro do fim da tarde
no descer da rua
no virar da esquina
no entrar da porta…
já não importa se o tempo vai se o tempo vem.
Tudo hoje é rua
tudo hoje é esquina
tudo hoje é porta de um tempo que se não tem

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22833: Blogues da nossa blogosfera (167): "Os pães e os peixes", conto de Joaquim Mexia Alves no Blogue da Tabanca do Centro

sábado, 25 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadicna) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Missirá > O alf mil João Crisóstomo e o régulo do Cuor, Malan Soncó, alferes de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977, 
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



1. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)

Parte XV: Memórias do Quebá Soncó



Dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 1966

Realizou-se a Op FIFA no Chão Balanta que consistiu em emboscadas e batidas na região de Colicunda, Durante as emboscadas não houve contacto com o IN.

Foram capturados três elementos , sendo dois de menor idade e entregues ao posto Administrativo e o terceiro entregue ao BCAç 1888.


Dia 7 de Dezembro de 1966

Eu fiz parte desta operação, mas não me recordo de pormernores, excepto do momento em que Quebá Soncó foi ferido. Por isso transcrevo o que consta do relatório até esse momento, e falarei/lembrarei depois Quebá Soncó.

(...) A CCaç 1439 realizou a Op Harpa na região a N de Cherel, a fim de explorar uma informação dum prisioneiro que disse conhecer a casa de mato de Cubadjal.

O prisioneiro que serviu de guia não colaborou devidamente com a tropa, tendo conduzido por um itinerário muito vigiadoo pelo IN. Desta forma as NT foram detectadas a cerca de 1.000 metros do acampamento por uma a sentinela dupla que se encontrava colocada sobre uma árvore absolutamente camuflada. À aproximaçnao das NT a sentinela disparou várias rajadas de P. M. alertando desta forma todo o acampamento. Quando as NT, numa tentativa de aproximação rápida do referido acampamento o mesmo encontrava-se abandonado. Feita uma batida, foi encontrada uma tabanca a qual tinha sido da mesma forma abandonada." (...) 

"Resultados obtidos: Destruiram-se 13 casas de mato no acampamento IN e 10 casas na tabanca satélite.

Foi destruida grande quantidade de arroz e capturados 4 pentes de munições cal 7.9.

Baixas estimadas em número não estimado."


E o relatório diz então que, "quando a sentinela disparava sober as NT ( portanto no início da aproximação) foi atingido numa perna o caçador auxiliar contratado Quebá Soncó, evacuado para o HMP". 

E o relatório prossegue:

(...) "Mais uma vez foi distinguido o 1º cabo nº 5939264, Dionísio Lopes Ferreira, tendo demostrado a sua competência e sangue frio,  não abandonado o ferido mesmo debaixo de fogo IN,  prestando uma assistência permanente e cuidadosa." (...)

Lembro bem esses momentos e a dedicação e sangue frio do cabo enfermeiro, como vem descrito.

O que discordo é do momento e situação em que isso aconteceu. Se isto tivesse sucedido durante a aproximação, não teria havido mais esse assalto ao campo inimigo, deixando o enfermeiro a cuidar de Quebá Soncó.

Estas “rajadas de metralhadora” e o ferimento de Quebá Soncó foram depois do assalto quando já regressávamos e de repente começou um forte tiroteio, que era a uma distância razoável e que durou algum tempo. 

 Lembro-me que estava a disparar a minha G3 como um louco para onde me parecia vir o fogo IN, quando o o Quebá Soncó, que estava mesmo ao meu lado esquerdo,   foi ferido. E lembro que o fogo, embora de longe, ainda continuou por algum tempo, e de ver o enfermeiro Dionísio, ainda o tiroteio não tinha acabado, a ajudar o Quebá Soncó e logo a pedir que chamassem um helicópetro para o evacuar para Bissau.

Não sei se Quebá Soncó era considerado “caçador auxiliar contratado”. Ele era o filho do régulo de Missirá, Malan Soncó, a quem na devida altura iria suceder como régulo de Missirá. O que sei é que ele estava sempre connosco,  sempre com um grande sorriso contagiante e sempre voluntário inspirando com o seu exemplo o resto do pessoal da tabanca. 

Depois do meu regresso a Portugal,    escrevemo-nos por algum tempo. A sua volta à Guiné, em outubro de 1967.   simultânea com a minha ida para a Inglaterra,  ocasionou a perda de contactos. Mas lembro-o sempre assim, amigo e brincalhão também. E assim continuou, mesmo depois de ter sofrido a amputação duma das pernas. 

Uma das cartas que seguem, foi escrita já depois de ter regressado à Guiné  (, datada de Bambadinca, 18 de outubro de 1967). A outra carta que junto também, escrita quando ele estava na Alemanha Ocidental (, Hamburgo, 6 de agosto de4 1967), é uma boa amostra da sua jovialidade. Nunca mais o esquecerei. Já falei de Quebá Soncó numa outra ocasião (Vd. poste P21797)  (**)

Acabada a Guiné, quando voltei, logo que fui a Lisboa  fui visitá-lo ao Hospital Militar Principal.  Ficou contente de me ver e mostrou vontade de conhecer Lisboa antes de partir para a Alemanha onde ia para lhe porem uma perna artificial. E, mesmo na condição em que ele estava, de muletas  – ele insistia que não era problema e se podia movimentar – eu peguei nele e de taxi andei com ele  dum lado para outro  e mostrei-lhe Lisboa tanto quanto pude fazer.  Ele não o esqueceu e  depois de voltar à Guiné escreveu-me uma carta lembrando isso, carta essa que faz parte  do mencionado Poste de 23 /01/21 (**).


Dia 17 de Dezembro de 1966

No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta. Noto que esta operação é quase uma repeticão de uma que teve lugar em 10 de Junho, operação GOLO 1. A região era realmente muito perigosa, como tristemente e à custa de muitas mortes nas NT,  se viria a  confirmar depois da CCaç  1439 ter voltado, acabado o seu tempo de comissão na Guiné. E por isso a  frequente presença da CCaç 1439 nesta região, durante a nossa “comissão”.

Para que conste  transcrevo o relatório:

(...) "No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta, que  consistiu em montagem de emboscadas a N de Chubi e Sée seguida de batida às tabancas de Bissá, Funcor, Blassé, Sée e Chubi.

Durante esta operação não foram detectados quaisquer elementos supeitos. Verificou-se que a população  manifesta desejos de melhor colaborar com a tropa, dando a impressão de fadiga de descontentamento perante as atitudes do IN que visita aa tabancas, exigiundo tudo inclusive bufalos. As NT através de palestras e pequenos serviços de enfermagem continuous a exercer influência psicológica no seio da população.

 Dia 23 de Dezembro de 1966 : Ataque a Missirá (vd. próximo poste, Parte XIX)

 



Carta do (António Eduardo) Quebá Soncó, filho do régulo de Missirá, enviada ao João Crisóstomo,  Datada de Hamburgo, 6 de agosto de 1967. Reprodução de alguns excertos:

(...) "Sr. Crisóstomo, recebi a sua carta, há já algusn dias, mas foi-me impossível respodner-lhe mais cedo, do que peço muita desculpa. (...) Fui operado à bexiga, pois apareceram-me uns micróbios nela: não é nada de grave, pois há me levanto e não dói quase nada..

"Logo que cheguei à Alemanha, dali por poucos dias, deram logo a perna [prótese] e agora ando a treinar a andar. Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês. Ainda me custa um bocadinho mas, depois de estar mais habituado,já não me vai custar tanto. No princípio custava-me muito mais porque a perna [prótese] estava um pouco grande, mas depois tiraram-lhe 2 centímetros e agora isto vai bem".

E depois acrescenta: "Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês."

Sabemos que partiu para a Alemanha a 23/6/1967, pela carta que escreveu nessa data ao João Crisóstomo, a despedir-se dele e a agradecer-lhe a sua amizade (**).   Deve ter regressado a Lisboa em setembro de 1967. Esteve no Depósito Geral de Adidos à espera de transporte para Bissau aonde chegou a 3 de outubro de 1967, conforme aerograma datado de Bambadinca, 18 desse mês e ano.

Sobre o hospital disse ainda o seguinte:

(...) "Isto aqui é muito bonito e muito bom. Eu logo que possa sair para a rua, ponho-me logo a mexer pois as meninas aqui são muito boas e andam quase todas de mini-saia (...)

"A assistência médica aqui é tão boa como em Portugal ou ainda melhor, estamos todos muito satiosfeitos (...).

"Sr. Crisóstomo, como o Sr vai para Inglaterra e não pode ir ver-me ao hospital em Lisboa, eu fico muito triste, palavra de honra. Aproveito para lhe desejar boa viagem e muitas felicidades na Inglaterra" (...)

 



Aerograma do Quebá Soncó, para o João Crisóromo, datada de 18 de outubro de 1967, quando o destinatário já estava em Inglaterra. Num português quase impecável, o remetente dá conta do seu regresso a Bissau, depois de ter estado internado no Hospital de Reabilitação de Hamburgo, Alemanha  (então Ocidental) e pede desculpa de não ter podido responder mais cedo ao João Crisóstomo:

 " (...) estive muito tempo no Depósito Geral de Adidos  [em Lisboa] e só cheguei a Bissau em 3 do corrente ".

E acrescenta: 

"Já estive com a minha família que ficou não só muito satisfeita por me ver como também ficou muito agradecida ao amigo João Francisco  [Crisóstomo ] pelas atenções que teve comigo quando da minha estadia na Metrópole. Eu também nunca esquecerei a sua amizade e toda a vida hei de recordar os belos passeios que me proporcionou"


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 61/74 – P22844: Agenda cultural (794): General Manuel Monge na apresentação do meu último livro (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem: 

E eis que a Pátria (do antigamente) ainda reconhece os seus já velhos combatentes 

Na apresentação do meu último livro com o General Manuel Monge 


Decorreu no último dia 11 de dezembro de 2021, sábado, no Cine Teatro Municipal Maria Lamas, em Vila Nova de São Bento, sendo que o evento resvalou, necessariamente, para um mar de saudades, de recordações literalmente eternas, ou não fosse a obra “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes”, um “local” privilegiado para sentirmos, na sua essência, quem fomos, o que somos e de onde viemos.   

No anfiteatro juntaram-se muitos conterrâneos, sendo que o tema da conversa foi de elevada elegância. Abordaram-se temas, aliás, narrativas que o livro contém, falou-se em determinados pormenores da nossa terra e abordou-se a temática da guerra colonial. Aliás, já aqui tinha deixado exposto um texto sobre os mortos que minha querida Aldeia Nova de São Bento contabilizou nas três frentes de guerra -Angola, Moçambique e Guiné. 

O General Manuel Monge, natural de Aldeia Nova de São Bento, é uma pessoa que há muito estimo, e lá esteve na plateia acompanhado pela sua esposa, sendo que no final lhe autografei um exemplar, onde ele, por razões óbvias, merece toda a nossa consideração, tendo em linha de conta a sua condição militar na guerra colonial (duas comissões na Guiné), bem como a sua interferência na concretização do 25 de Abril, Revolução dos Cravos, de 1974.  

IV 

Gentes que deixam memórias   

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General Manuel Monge 

 

Detenho-me defronte a uma colossal personalidade militar, coloco-me na inflexível posição de sentido, faço-lhe a devida continência, peço, virtualmente, autorização para entrar, cuja sua autorização me terá sido permitida, e ouso viajar pela carreira de um homem que após ter passado pela Academia Militar, logrou atingir a especialidade de cavalaria e chegar a general. 

Manuel Soares Monge nasceu a 18 de Fevereiro de 1938 em Aldeia Nova de São Bento, e muito cedo se interessou por uma carreira militar. Razão esta que o levou até Lisboa, onde ingressou na Academia Militar e daí saindo como oficial de carreira.  

Na guerra colonial conheceu duas frentes de batalha onde os conflitos eram, de facto, terríveis: Angola e Guiné. Deste período horrendo e em que o clamor das armas não dava tréguas ao mais incauto militar, Manuel Monge regista no seu currículo duas comissões militares em Angola e outras duas na Guiné. 

Em 1968, o nomeado comandante-chefe da Guiné, António de Spínola, escolheu um lote de oficiais, sendo que o propósito passava por arranjar uma nova estratégica para a província, a qual estava à beira de uma derrota militar, presumia-se. Manuel Monge foi um dos eleitos e o então capitão foi colocado no sul, numa região assumida como um autêntico inferno. Assim, perante a missão que lhe fora atribuída, viajou para Gadamael, onde se bateu como um bravo, merecendo ovações de Spínola. 

A 16 de Março de 1974, participou numa tentativa falhada de revolução, sendo a coluna, que vinha das Caldas da Rainha e por ele comandada, fora intercetada no caminho e o propósito previamente engendrado resvalou para o insucesso. 

A 25 de Abril de 1974, um mês e pouco passado, deu-se a Revolução dos Cravos e Manuel Monge foi membro do Movimento dos Capitães e da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas.  

Nesse tempo, Manuel Monge já tinha a patente de major, sendo assessor de António Spínola e de Mário Soares na Presidência da República. Entre 1980 e 1982 esteve no comando do Esquadrão de Reconhecimento no Quartel de Cavalaria de Santa Margarida. Foi, também, responsável pelo pelouro das relações com Macau, quando desempenhou as funções de secretário-adjunto do Governo.  

General Manuel Monge, como governador civil, quando fiz o lançamento de um dos meus livros na Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja  

Em Setembro de 1996 foi secretário-adjunto para a segurança e promovido a brigadeiro. Hoje, Manuel Monge, está aposentado como general, tendo passado por Beja como governador civil. 

No campo das homenagens, Manuel Monge recebeu com os graus a grã-oficial da Ordem Militar de Avis, a 6 de Janeiro de 1992, sabendo-se que esta ascendeu a grã-cruz a 20 de Setembro de 2001, assim como a de grã-oficial na Ordem Militar de Cristo.  

O general Manuel Monge, nosso ilustre conterrâneo, reside na sua terra natal, Aldeia Nova de São Bento, sendo uma pessoa muito respeitada pelo povo.   

Um abraço, camaradas 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

5 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 – P22783: Agenda cultural (793): Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes, 10º livro do José Saúde: sessão de lançamento, 11/12/2021, 15h00, Vila Nova de São Bento. Apresentação do prof David Monge da Silva.

Guiné 61/74 - P22843: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XVIII: João Paulo da Veiga Pestana, alf inf (Funchal, 25/12/1895 - França, CEP, 9/4/1918


João Paulo da Veiga Pestana, alf inf (1895 - 1918)


Nome:  João Paulo da Veiga Pestana
Posto:  Alferes de Infantaria
Naturalidade:  Funchal
Data de nascimento: 25 de Dezembro de 1895
Incorporação: 1916 na Escola de Guerra (nº 530 do Corpo de Alunos)
Unidade:  4ª Bateria de Morteiros Médios
Condecorações

TO da morte em combate: França (CEP)
Data de Embarque: 9 de Setembro de 1917
Data da morte: 9 de Abril de 1918
Sepultura: França, Cemitério de Richebourg l`Avoué
Circunstâncias da morte: Faleceu na batalha de 9 de Abril ferido gravemente pelos fogos inimigos tendo o seu corpo sido encontrado em Laventie.

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António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).


Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.
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Nota do editor: