quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23854: (Ex)citações (419): Após o 25 a Abril foi nascendo e ganhando raízes, em Nova Sintra, a sensação de que finalmente íamos ficar livres daquele inferno... (Ramiro Figueira, ex-Alf Mil Op Esp)

1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma, ex-Alf Mil Op Especiais da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74), com data de 5 de Dezembro de 2022:

Boa tarde

Como sempre, acompanho todos os dias os posts que vão surgindo no blog e este, sobre as relações com o PAIGC pós-25 de Abril suscitou-me várias memórias.(*)

Após o 25 a Abril foi nascendo e ganhando raízes, em Nova Sintra, a sensação de que finalmente íamos ficar livres daquele inferno e rapidamente regressar a nossas casas depois de dois anos (na verdade mais alguns meses) de sacrifício com a morte a rondar diariamente e as provações contínuas a que fomos sendo submetidos que enumerar aqui seria fastidioso para quem por lá andou e tem memória dos anos de guerra.

Em Julho de 1974 (a 17, segundo o nosso amigo Carlos Barros, que também publicou sobre este tema) tinha recebido do capitão a indicação de que nesse dia iriam chegar ao quartel elementos do PAIGC que iriam substituir-nos e que eu iria recebê-los dado que falava crioulo (acrescento que sou natural de Cabo Verde e falava crioulo sim mas de Cabo Verde, diferente do da Guiné). Dias antes, portanto já bem depois do 25 de Abril, uma Berliet da nossa companhia tinha accionado uma mina na estrada de S. João e só por sorte não houve feridos, só um enorme susto para quem estava na viatura que ficou com a parte traseira feita em cacos.

Cumprindo o determinado lá fui até ao 4.º grupo que dava para a bolanha para onde se saía a caminho de Ganfudé Mussá, tabanca já sob duplo controle nosso e do PAIGC e onde capturámos algum armamento e um guerrilheiro. E assim, logo pela manhã começou a surgir um grupo, aparentemente pequeno, de homens armados que precedia um outro já mais numeroso. Desci pelo carreiro ao encontro deles, confesso que com algum receio e ensaiei umas palavras de crioulo ao que me responderam em português.

- Bom dia, sou o major Quinto Cabi e venho em nome do PAIGC para o quartel de Nova Sintra.

Acompanhavam-no um pequeno grupo de homens que, conforme se foram identificando, foram como campainhas que tocavam na minha cabeça. O comandante Tchambú Mané que comandava a artilharia que muitas vezes nos brindou com canhoadas e morteiradas, o Bunca Dabó que liderava os guerrilheiros que nos emboscavam e causaram tantas dores de cabeça, o Armando Napoca que tratava de colocar as malfadadas minas que tanta chatice nos deram, um comissário político cujo nome já não me recordo e vários outros. Caminhei com eles ao longo do arame farpado até à porta de armas por onde entraram e onde os aguardava o capitão e demais pessoal da companhia e a pequena população da minúscula tabanca que existia em Nova Sintra. Não consigo imaginar o que passava pela cabeça daquela gente, tantos anos junto da tropa e de repente viam o inimigo entrar pela porta dentro do quartel onde se abrigavam, embora tivessem conhecidos e família junto do PAIGC a sensação devia ser no mínimo confusa.

Entraram no quartel e foram-se espalhando entre os soldados e tabanca aparentemente convivendo como se tivessem sempre andado por ali…

Ao fim da manhã, vindo de Tite, chegou o comandante do batalhão, Ten. Coronel Almeida Mira, que reuniu na parada com os quadros do PAIGC numa longa conversa que não acompanhei, apenas o Capitão Machado que comandava a companhia estava presente. Seguiu-se um dia mais ou menos estranho de convívio entre a tropa e a guerrilha e dormimos todos pacificamente no quartel. No dia seguinte subimos para as viaturas e deixámos Nova Sintra para sempre a caminho do Cumeré e depois Lisboa. Interrogo-me hoje sobre o que sentia nesse momento. Acho que senti apenas alívio, depois de dois anos que só quem por lá andou é capaz de definir é a única coisa de que me recordo, outros terão outras sensações, eu apenas queria sair dali quanto mais depressa melhor.

Foto 1 – Viatura Berliet após accionar uma mina na estrada para S. João. Vê-se da esquerda para a direita o alferes Pereira, o furriel Elias e o furriel Sousa
Foto 2 – A chagada do PAIGC a Nova Sintra. À frente da esquerda para a direita, eu, o major Quinto Cabi, o comissário político e o comandante Tchambú Mané
Foto 3 – Reunião na parada do quartel de costas o ten. coronel Almeida Mira, de boné azul o major Quinto Cabi, de lado o mais alto o capitão Machado e de camisa branca o comandante da milícia
Foto 4 – Na parada do quartel o furriel Duarte conversa com o Bunca Dabó
Foto 5 – Dentro de uma Berliet eu a dizer adeus a Nova Sintra
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Notas do editor

(*) - Vd. poste 5 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23749: (Ex)citações (418): O termo "Brassa" como os Balantas se auto-denominam, na verdade, trata-se da denominação histórica de uma grande área geográfica que correspondia à província mandinga de Braço, B'raço ou Brassu (Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P23853: Historiografia da presença portuguesa em África (346): Aquele que terá sido o primeiro exercício etnográfico para toda a Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Há que reconhecer o interesse deste questionário etnográfico proposto pelo capitão Velez Caroço ao governador da Guiné. Desconhecem-se as consequências, mas convém não esquecer que havia antecedentes quanto à obrigatoriedade de relatórios anuais emanados pela administração até Bolama, era um imperativo legal informar o governador sobre determinadas questões elementares de todas as regiões; Ricardo Sá Monteiro, o governador que antecedeu Sarmento Rodrigues procedeu em 1941 a uma reunião de administração em que formulou a exigência de se saber mais sobre os usos e costumes do indigenato. Mas não restam dúvidas que o capitão Velez Caroço se esmerou na procura de uma malha de inquérito que assegurasse um melhor conhecimento, de acordo com os conhecimentos etnográficos do seu tempo, muitos deles rapidamente ultrapassados, caso do conceito de raça.

Um abraço do
Mário



Aquele que terá sido o primeiro exercício etnográfico para toda a Guiné

Mário Beja Santos

Encontram-se pelos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa diferentes relatórios enviados pelos chefes de posto e administradores de circunscrição para o governador da Guiné, logo nas primeiras décadas do século XX, tratava-se, aliás, de uma exigência legal, informar Bolama de tudo quanto se passava em qualquer dos lugares da colónia, havia mesmo preceitos para as informações ordem socioeconómica e cultural. Foi dentre deste vasto acervo que encontrei uma proposta de questionário etnográfico que saiu do punho do Diretor dos Serviços e Negócios Indígenas, Capitão Jorge Frederico Torres Velez Caroço, familiar do antigo governador. A data do documento dirigido ao Governador Carvalho Viegas corresponde à sua publicação no Boletim Oficial da Colónia, 14 de maio de 1934. Atenda-se à importância que tem a carta que o Capitão Velez Caroço envia ao governador:
“Os factos e as características observadas na vida do indígena e na sua maneira de ser, e na necessidade absoluta e urgente de procurar metódica e progressivamente aproximá-lo da nossa civilização, com a garantia indispensável dos seus direitos, é verdade, mas tendendo sempre para um melhor e mais completo aperfeiçoamento, determinaram a conveniência de criar para ele uma ordem jurídica adaptada à sua mentalidade primitiva, às suas faculdades psíquicas, aos seus sentimentos e que se harmonize, tanto quanto possível, com o respeito pelos seus usos e costumes, cuja transformação se deve efetuar lenta e gradualmente, evitando assim possíveis perturbações que têm tanto de inúteis como de prejudiciais”.

Começa-se a perceber o móbil desta incursão etnográfica que o oficial do exército apresenta: conhecer as gentes para as encaminhar para um quadro civilizacional superior, para tanto é indispensável conhecer a fundo as mentalidades e garantir direitos a quem ainda não está no patamar de “civilizado” ou “assimilado”. Velez Caroço faz notar a singularidade do mosaico étnico, havia que conhecer a fundo os usos e costumes de todos para que essa codificação melhorasse a ação administrativa, daí o imperativo de conhecer com minúcia a vida material do indígena, a sua constituição moral, as práticas religiosas, etc. E adianta uma informação:
“Já em 1928 uma ordem emanada do governo da colónia mandava elaborar o questionário etnográfico cuja finalidade se fixava, naturalmente na absoluta necessidade da existência de uma codificação de usos e costumes, sobre a qual deveria assentar a legislação especial reguladora dos estatutos sociais dos indígenas”. Foram poucas as respostas que chegaram, vieram dos administradores de Canchungo e Mansoa e sobre as etnias Manjaca, Brame e Balanta. Tudo insuficiente, daí ele poder dizer que a ordem jurídica existente é falha e a ordem jurídica inadequada, como observa: “No cível e comercial, a ação da justiça é, vagamente, encerrada no respeito pelos usos e costumes das raças jurisdicionadas, com a resultante de confusões e atropelos produzidos por critérios diferentes na forma de provocar a evolução, se por transformação lenta, se por imposição abrupta de sistemas que se aproximem da definição do estado social perfeito. Um e outro estatuto, o civil e o criminal, carecem da unificação de diretrizes sobre que assente a ação da justiça. Obtido, como é de esperar, o interesse e a dedicação das autoridades administrativas, e de outras individualidades que podem e devem trazer à resolução do problema o concurso dos seus conhecimentos, disporemos dos elementos precisos à confeção dos Códigos Indígenas especiais de administração e justiça, tão necessários a uma perfeita ação civilizadora”.

A proposta de questionário abarca três temas: raças, dos direitos, comércio e indústria. Nas raças, visa-se conhecer a sua origem e história, a que raças pertencem os indígenas que habitam a região, hipóteses prováveis sobre a sua origem, conhecer a raça mais antiga; atender aos sinais e características de cada raça ou tribo, saber se praticam tatuagens ou cicatrizações, a que regras obedece a tatuagem, se há tatuagens próprias para as crianças púberes; na dimensão antropológica pretendia-se apurar qual o tipo físico e a cor, a forma geral dos crânios, se o cabelo quando cresce forma mechas separadas ou ganham uniformidade; pretendia-se apurar a índole da população: se é ativa, industriosa, pacifica ou de caráter guerreiro, se têm aversão ao trabalho e como a manifestam; passando para o campo da justiça pretende-se saber mais sobre o exercício e principio de autoridade dos indígenas: quais são as autoridades indígenas estabelecidas pelos seus usos e costumes, se existe régulo, qual a sua autoridade e poder, que homenagens prestam aos régulos e chefes, como os saúdam, como saúdam os velhos; havendo emigrações constantes na colónia, impunha-se saber se a população se considerava definitivamente fixada à terra, se aspira à mobilização e havia que perguntar se quando abandonavam determinada região o que transportavam consigo; o questionário inflete agora para a família, a sua constituição: se são polígamos ou se casam apenas com uma mulher; quais as formalidades e cerimónias do nascimento, quem assiste as parturientes, direitos dos irmãos e parentes, direitos dos filhos de segunda mãe, se o divórcio é aceite entre os indígenas, em que condições; como se fazem os enterros, que tipo de cerimoniais; procurar conhecer se os indígenas costumam fazer disposições dos seus bens e direitos ainda em vida ou se as heranças e sucessões produzem o seu efeito apenas após o seu falecimento; na questão da habitação, o inquérito propõe apurar em que idade constrói o indígena a sua casa e passa a ter domicílio próprio, e como é apreciada a ausência de um indígena na sua terra e na sua casa; pretende-se igualmente apurar a prática do poder paternal e a legitimidade dos filhos, como é que esse poder é exercido, como se reconhece a legitimidade dos filhos, se os pais são inteiramente responsáveis pela alimentação dos filhos, e até se pretende saber até que idade são os indígenas considerados menores ou se há diferenças segundo os sexos.

Todas estas matérias acima assinaladas pertencem ao tronco que o Capitão Velez Caroço designa por raças, segue-se agora o que ele designa “dos direitos”, e aqui formulam-se múltiplas questões que abordamos sinteticamente: como encaram os indígenas o direito de existência e qual o sentido da propriedade, se se dedicam ou não à caça e à pesca, se gostam de ter animais domésticos e quais os animais selvagens que abundam na região, como também se pretende saber quais as principais plantas que ali existem.

Vejamos agora o último acervo de matérias, designados por “comércio e indústria”: qual a característica do comércio indígena, pretende-se saber quais as indústrias privativas da raça na região, se os indígenas se dedicam e preferem a vida do mar, se aprendem artes e ofícios; quanto à saúde e higiene, intenta-se saber quais as medicinas indígenas, se existem curandeiros entre os indígenas; passa-se depois para a religião e superstição, pretende-se apurar quais os cultos, os ritos e se existem mitologias; falando das diversões, pretende-se saber a que distrações se entregam os indígenas; quanto à habitação, quais as formas das velhotas e os materiais empregados na sua construção; e temos aqui o último pacote de questões sobre “literatura e moral”: que dialetos se falam na região, quais as principais regras gramaticais, se existem provérbios, canções ou contos.

Esta é a essência de proposta de questionário etnográfico que seria enviado para os administradores de circunscrição, porventura outras autoridades, talvez missionários, personalidades de reconhecido mérito, etc. Se aqui destacamos a essência do que se pretendia apurar, importa reter o conceito de missão civilizadora, a incontestável preocupação em saber o quadro das mentalidades das diferentes etnias para não tratar uniformemente aquilo que não é uniforme. Estamos na década de 1930, pensava-se que existiam raças, recordo que em 1947 andou pela Guiné o professor Mendes Corrêa a medir crânios, alturas, desvio dos olhos, tamanho das orelhas, à procura de prognatismos e dolicocefalias, são hoje questões absurdas. E recordo igualmente que se dá um salto com os reconhecimentos etnográficos na década seguinte, Teixeira da Mota irá elaborar com base noutras pautas de rigor científico um questionário sobre a habitação na Guiné, ainda hoje um documento de leitura obrigatória, visava-se uma dimensão etnográfica, mas também havia subentendido o cuidado de melhorar as infraestruturas nessas tabancas. Mas isso é outra história, já não cabe nos comentários a este documento de referência que foi o questionário etnográfico de Velez Caroço.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23831: Historiografia da presença portuguesa em África (345): L’Affaire Gaté: o mirabolante desaparecimento de um avião, com guerra em chão Felupe (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23852: Notas de leitura (1529): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte IV: Os cafés de estudantes e a crise académica de 1962 em Lisboa (Luís Graça)

 


Capa do livro de José  Pardete  Ferreira - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. O ex-alf mil médico José Pardete Ferreira (1941-2021), membro da nossa Tabanca Grande,  que, infelizmente,  nos deixou há quase dois anos (em janeiro de 2021),  é o autor de "O paparratos", um livro que pode ser classificado  como um misto de narrativa histórica e de autobiografia,  em que a realidade e a ficção se misturam. Já fizemos, no passado,  três notas de leitura do livro (*),

A obra, a que o autor chama "romance", tem como subtítulo "novas crónicas da Guiné, 1969/71". Mas o arco temporal da acção   é maior, abarcando, no essencial, a década de sessenta e de setenta (até ao 25 de Abril), com dois acontecimentos marcantes de que o autor foi, ele próprio, protagonista: (i)  a crise académica de 1962; e (ii)  e a sua mobilização, em fevereiro de 1969, para o teatro de operações da Guiné, como alferes mil médico.

 Uma das personagens da narrativa é o João Pekoff (um "alter ego" do autor, José Pardete), apresentado como estudante activista da crise académica de 1962, em Lisboa, ligado à JUC - Juventude Universitária Carólica,  e depois médico no CAOP, em Teixeira Pinto  (de fevereiro a junho de 1969) e no HM 241, em Bissau (até ao princípio de 1971).

Lisboeta, nascido em 1941, filho único, morava, com os pais, no Bairro das Colónias, frequentando, desde cedo, o Café Colonial (que ainda hoje existe, na Av Almirante Reis, aos Anjos; inaugurado em 1934, foi tertúlia e café de estudantes, transformado entretanto em pastelaria, em 1978, hoje Café Pastelaria Colonial).

João Peckoff / José Pardete passou pela Mocidade Portuguesa e a JEC (Juventude Estudantil Católica), enquanto estudante de liceu, e depois pela Acção Católica, a JUC e a Pax Romana - Movimento Internacional de Estudantes Católicos, enquanto estudante de medicina.  Praticou desporto de alta competição na CDUL e no Sporting (onde foi, nomeadamente, guarda-redes nas equipas de andebol)...Além de cirurgião, especializou-se mais tarde em medicina desportiva...

Participou também na organização da assembleia mundial do Movimento Internacional de Estudantes Católicos — Pax Romana, que se realizou em Lisboa, 1960 (vd. cap 16º, "A Pax Romana", pp. 111), ao lado de outros católicos portugueses, como Antero Silva Guerra / António Sousa Franco (?),   Márcia Luisa Piriquita / Maria de Lurdes Pintassilgo, Telma Santana Guera / Teresa Santa Clara Gomes... e outros/as (que não conseguimos identificar). 

2. Interessa-nos dar a conhecer, melhor, aos nossos leitores, essa época da Lisboa dos anos 60, e nomeadamente da crise académica de 1962, vista pelos olhos de João Pekoff, sobre o qual, aliás, o autor diz que  "não tinha grande formação política" (p. 47), o que não o impede ser um dos  "atores" que pisaram o "campus universitário" desse ano histórico (e sobretudo  sua testemunha privilegiada e, ao mesmo tempo,  um crítico da liderança estudantil em Lisboa)... 

Delicioso, como já o dissemos,  é o retrato que ele faz faz de alguns dos históricos dirigentes  do movimento estudantil dessa época: não é difícil descobrir por detrás do pseudónimo Ernesto Figueira, estudante de medicina, a  figura do futuro psiquiatra Eurico Figueiredo (n. 1939, em Vila Real), ou do João Santos, estudante de direito, o futuro presidente da República, Jorge Sampaio. Ambos frequentavam, tal como o João Pekoff, o Café Roma, junto à Praça de Londres, na Av de Roma (pp.  23 e ss). 

Também achámos, na altura, interessante "a ronda dos cafés" (pp. 81 e ss.), uma reconstituição do roteiro histórico dos cafés de estudantes e tertúlias da Lisboa dos anos 50, 60 e 70 (até ao 25 de Abril). Tínhamos prometido falar deste roteiro. Surge agora a oportunidade.(**)

Mal ou bem, os cafés das Avenidas Novas (Roma, Vá-Vá, Monte Carlo...) estão associados, nos anos 50/60/70, à boémia estudantil, animação cultural e sobretudo uma certa atmosfera de "contestação e conspiração" dos jovens que frequentavam a universidade naquele tempo em Lisboa (nomeadamente a Universidade Clássica de Lisboa: letras, direito, filosofia, história...;  mas  também a Universidade Técnica de Lisboa (UTL), frequentada igualmente pelos alunos da Academia Militar que cursavam as engenharias, sem esquecer, na 7ª colina, no Quelhas, o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), hoje ISEG. (Desde os anos 30 que estava integrado na UTL.) 

Ainda não havia em 1962, o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (criado em 1972, no Campo Grande e depois com instalações modernas (que eu fui inaugurar) na Av das Forças Armadas. A sua criação está associada ao nome de outro "católico progressista", o Adérito Sedas Nunes.

Já existia, isso, sim, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), designação criada em 1962, para o antigo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), herdeiro da Escola Superior Colonial (fundada em 1906)... Mas em 1962 era rapaziada ordeira, "situacionista", que tinha emprego garantido no Utramar português, como admistradores coloniais, antropólogos, assistentes sociais, etc. O que não impediu que a contestação estudantil de 1969 lá chegasse, e forte, sobretudo entre a malta de economia... E, claro, também ainda não havia a Universidade Nova de Lisboa, criada no fim do marcelismo, em 11 de agosto de 1973...

Fiquemo-nos pela "cidade universitária", circunscrita ao Campo Grande/Saldanha, ou seja, afinal, à Universidade Clássica de Lisboa.... Dizia-se que o Salazar, provinciano e coimbrão, sempre quis, em Lisboa, os diferentes estabelecimentos de ensino superior universitário, "higienicamente" separados no espaço... Ele lá tinha as suas razões.

O maior destaque é dado ao Café Roma... Mas havia outros cafés frequentados por estudantes, escritores, intelectuais, jornalistas, homens e mulheres do cinema e do teatro,  e demais figuras da vida cultural da cidade no início dos anos 60:

(...) Continuando a ronda alargada dos cafés lisboetas que acolhiam estudantes, é de lembrar o Café Minabela, na Amadora,  não esquecer o Café Monte Carlo, onde pontuava o imponente Pena Peres  [não descortinamos quem fosse o personagem por detrás deste pseudónimo]. , nem a Leitaria próxima, na Duque d'Ávila, que tinha sofrido uma carga a cavalo da GNR (...). 

Não se olvida , do mesmo modo, o Monumental, nem o D. Rodrigo, na Avenida D. Rodrigo da Cunha, aquela via larga que liga a Avenida Gago Coutinho às traseiras da Igreja de São João de Brito, em Alvalade. No D. Rodrigo um castiço trauteava, quase em permanência, as canções de Jacques Brel, muito em voga naquele período, tais como "Le Diable"  e "Les Flamandes" (...).

Provavelmente o mais famoso e icónicos dos cafés desta época é o Monte Carlo, a par do Vá-Vá, duas referências obrigatórias dos roteiros históricos dos cafés lisboetas da época ... Mas, ainda de acordo com o autor que temos vindo a citar:

(...) A Pastelaria Biarritz e a Casa dos Caracóis (...) mantêm-se de pedra e cal. Já o mesmo não se pode dizer do celebérrimo Monte Carlo que deu lugar a uma loja de uma cadeia espanhola de venda de vestuário  [Zara].  Tão pouco o Monumental cumpriu as promessas de antanho. (...). (pág,  81).

(...) É um risco calculado não se citar  com deferência o Vává, o Londres, a Mexicana, e tantos, tantos, tantos mais que, embora omissos, bem por sombras estão esquecidos. Neles, não eram só os estudantes que faziam pulsar a cidade e que viviam 'nessa Lisboa que eu amo', como diz a marcha (...).

Como em Lisboa não havia a típica república da Academia de Coimbra, cada estudante  vvivia com uma família, que por vezes coincidia com a sua, em quarto alugado, ou em algunas das poucas casas próprias para estudantes (...) (pág. 82).

Pardete Ferreira descreve muito bem o que era "o Café, naquete tempo",  enquanto local de sociabilidade (pág. 85):

(...) Era um local onde nasciam e eram alimentadas amizades que perduaravam ao longo de uma vida inteira. Tal como no mato.  Aquela instituição substituia, com naturalidade, aquela grande árvore do largo da igreja lá da aldeia, em torno da qual as gentes se sentavam para cavaquear, cultivando assim a camaradagem e a amizade. (...) Hoje,  o Café está ultrapassado e a maioria das pessoas já não o usa como tertúlia, nem os estidantes o utilizam  como local de estudo institucionalizado".

Estamos de resto a falar de uma época, os primeiros anos da década de 60, em que a população universitária lisboeta seria ainda da ordem dos  escassos milhares (c. 12 mil - 15 mil), oriundos da classe média e classe média alta, com apenas uma irrisória representação (da ordem dos 6-7%) das classes trabalhadoras, segundo um estudo do sociólogo Sedas Nunes.

E conclui o autor de "O Paparratos":

(...) Poderá parecer que se tenta dizer que o Portugal de hoje nasceu à volta da mesa de um Café, algures em Lisboa, provavelmente no Roma, saboreando um bica que ia arrefecendo, fumando um cigarro (...). Pensa-se não ser questionável que muitos dos estudantes de 1962 e seguintes, tornados oficiais milicianos, nados e criados tal e qual como o Paparratos, em qualquer aldeia anónima deste país ou em urbe mais ampla, também tenham sido o fermento de um modo de pensar (...) que, uma vez consolidado, permitiu que a sociedade portuguesa acolhesse com tanto entusiasmo os acontecimentos de 1974 (...) (pág. 84.)


3. O Pardete Ferreira dedica o capítulo II, de "O Paparratos",  ao café Roma (pp. 23-28), que descreve nestes termos:

(...) Em Lisboa, junto à Praça de Londres, na Avenida de Roma,  havia um café com cerca de duzentos metros quadrados que dava pelo nome de Roma.  Era um lugar preferencialmente frequentado por estudantes que, a troco de uma simples bica e de um copo de água, nele faziam biblioteca, com livros, sebentas,  cadernos, papéis e outros objectos  ligados à vida escolar pejando as mesas e cadeiras" (pág. 23).

Dois dos conhecidos líderes da crise estudantil de 1962 frequentavam o Roma: o José Santos (pseudónimo de Jorge Sampaio), já licenciado  em direito (em 1961), e Ernesto Figueira (pseudónimo de Eurico Figueiredo, n. 1939, em Vila Real), estudante de medicina, futuro pisquiatra.

Jorge Sampaio (1939-2021) foi presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1959-1960 e em 1960-1961, e secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA), em 1961-1962.

João Santos /Jorge Sampaio é descrito, em "O Paparratos", nestes termos, de fino recorte literário:

(...) Numa das mesas do fundo, no lado essquerdo de quem entrava,  não muito longe do balcão, tinha foral um rapaz de vinte e tal anos, discretamente sobre o ruivo, testa alta, olhos não muito exressivos, por vezes parecendo duros, metálicos, de tom azulado, transportando óculos grossos. Possuía tez clara, era algo magro e tinha uma estatura ligeiramente superior à média. Vestia preferencialmente fato  azul, não muito escuro, sendo a gravata quase sempre a condizer com este último, repousando sobre leito de camisa branca. Interrompia frequentemente o estudo  e passava grande parte das suas tardes a ler Camus ou o último Libération que comprara nas bancas" (...) (pág. 23).

(...) Filho de boas famílias, educado no estrangeiro (...), o José Santos tinha sobretudo a estrutura de um ideólogo. Paradoxalmente, não tinha ainda ideais muito claras e, mesmo desprovido de um carisma marcado de líder, impunha-se pela cordialidade de um discurso escorreito e pela conversa erudita, apoiada em citações de Camus, não descurando Nietzsche, Kant, Engels, Marx e Lenine, à mistura de Baudelaire e Jean-Jacques Rousseau ou, ocasionalmente Voltaire" (pág. 25).

Além disso, "confessava-se agnóstico. Com frequência, era o centro de atenções, juntando à sua volta uma meia dúzia de interlocutores, a  quem por vezes se via obrigado a pagar a despesa (...). Cursava direito e não  escondia uma certa ambição" (...).

João Santos e Ernesto Figueira encontravam-se com frequência no Café Roma, mesmo pejado de informadores da "Pevide" (PIDE), a começar pelos empregados de mesa.  Enquanto o primeiro era "uma  espécie de ideólogo" , o segundo era o "comandante operacional do movimento estudantil" (pág. 35).  

Também se encontravam na Cantina Universitária. Os estudantes também frequentavam o bar do Estádio Universitário onde "por mais cinco ou dez tostões", se comia "francamente melhor" do que na Cantina. "O bitoque, o pão, a imperial e a bica, por doze escudos e cinquenta centavos  [equivalente, a preços de hoje, a 6 euros].

A crise académica de 1962, em Lisboa, é desencadeada quando, a 24 de março,  o Governo de Salazar proíbe, estupidamente,  as comemorações tradicionais do Dia do Estudante, tendo a  Polícia de Choque invadido a Cidade Universitária, e carregado sobre centenas de jovens, rapazes e raparigas.  

Passados dois dias, os estudantes de  todas as escolas superiores de Lisboa declaram "luto académico" (na prática, greve geral às aulas, usando uma forma de luta que era proibida pelo regime). Mês e meio depois, a 9 de maio, há uma escalada do conflito, com a adoção, num plenário de estudantes,  de uma nova forma de protesto: uma greve de fome coletiva, na cantina. 

A medida, arriscada,  for proposta por Eurico Figueiredo e seguida por centenas de estudantes como António Correia de Campos, que eu vou encontrar mais tarde como colega na Escola Nacional de Saúde Pública.

A 11 de maio, a cantina foi cercada pela polícia de choque e os estudantes foram detidos (cerca de 800, segundo a versão da PSP ou cerca de 1200 segundo as associações de estudantes). Terá sido a maior operação policial realizada pelo Estado Novo.

Seguiu-se uma enorme onda de indignação, tendo todos os estudantes detidos sido libertados  libertados a 14 de maioEntretanto, um mês depois, em 14 de junho, um plenário realizado no Instituto Superior Técnico ditou o levantamento da greve.

Um despacho ministerial em final de junho  veio punir 21 grevistas com uma pena de expulsão, durante 30 meses, de todas as escolas de Lisboa.

Mas "poucos foram efetivamente convocados para a primeira incorporação militar que se seguiu ao Luto Académico" (...) "A grande maioria voltou progreessivamente  à sua vida habitual" (...) (pág. 39). Afinal, ninguém queria perder o ano, e isso explica que o fim do "Luto Académico" (eufemismo para não se dizer greve...) foi recebido com alívio... Mas a verddae é que nada ficou como dantes...

Jorge Sampaio, Eurico Figueiredo, Medeiros Ferreira e outros dirigentes estiveram detidos.

A crise académica de 1962 foi um acontecimento de grande significado político e sociológico. Hoje, passados 60 anos, alguns dos seus protagonistas recordam a resposta do movimento estudantil à repressão salazarista.  Caso de António Correia de Campos, antigo ministro da saúde, e conhecido dirigente socialista, em entrevista à Lusa, em 22/3/2022, e citado pelo "Observador":  (..) " enumera três 'dirigentes de grande envergadura', cujo papel foi determinante na gestão da crise: Jorge Sampaio, no centro ideológico — sociais democratas, mais socialistas, Eurico Figueiredo, então militante do PCP, e Vítor Wengorovius, o católico progressista." 

Mais houve mais dirigentes estudantis, a merecer destaque: Alberto Torres da Silva, Afonso de Barros, Manuel Lucena e José Medeiros Ferreira (que viria a suceder a Jorge Sampaio como secretário-geral da Reunião Inter-Associações,  a RIA). Poucos mas corajosos foram os professores que se solidariezra,m com os estudantes, como Lindley Cintra ou Pereira de Moura, por exemplo.

Octávio Quintela, em "Algumas considerações a propósito da crise académica de 1962" (Ler História, 62, 2012, pp. 187/192) escreveu:

(...) A greve de 1962, na sequência da proibição do Dia do Estudante, foi o resultado da luta de milhares de jovens católicos, sem partido, mas muito também da ação dos comunistas. Em cada Faculdade de Lisboa é possível destacar três ou quatro ativistas de um vasto conjunto:

(i) Em Direito, Jorge Sampaio, Vítor Wengorvius, Correia de Campos, J. Felismino, Macaísta Malheiros, Pedro Ramos de Almeida. 

(ii) Em Letras, Medeiros Ferreira, Mário S. M. Cardia, João Paulo Monteiro, Alberto Teixeira Ribeiro, Maria Assunção Franco, Maria João Gerardo e eu próprio;

(iii) Em Ciências, António Ribeiro e Ernani Pinto Basto;

(iv) Em Medicina, Isabel do Carmo, Rui de Oliveira, Eurico Figueiredo, Alexandre Ribeiro, Dante Marques;

(v) No Técnico, João Cravinho, Crisóstomo Teixeira e José Bernardino." (...)

Curiosamente não sabemos em que ponto ficou a situação militar destes jovens. Relatuvamente a Jorge Samapio, sabemos que ficou isento do serviço militar, pro razões de saúde.

Alguns terão ido parar á Guiné. É o caso de José Augusto Rocha (1938-2018), que foi alf mil, CCAÇ 557, (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65): director da Associação Académica de Coimbra, em 1962, foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62, esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses, acabando por ser chamado para a tropa e mobilizado para o CTIG. (Só terminaria a licenciatura em direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965.)

Um outro caso, mais conhecido dos leitores do nosso blogue, é o do açoriano José Medeiros Ferreira (1942-2014) (tem 7 referências): depois de se destacar na crise estudantil de 1962, foi chamado em 1967 a cunprir o serviço militar; mobilizado para a Guiné, não comparaceu ao embarque da sua companhia, a CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato)/ BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro) (1968/70), no T/T/ Uíge, em 24 de julho de 1968.

È provavelmente o mais conhecido dos desertores da guerra colonial: viveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).



Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos.  [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande, e o Raul, infelizmente já falecido.]

O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.

Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho.  

Foto (e legenda) : © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)

 
(**) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23851: Agenda cultural (821): Diogo Picão, na Lourinhã, sua terra natal, sábado, 10 de dezembro de 2022, às 21h30, para o lançamento do seu segundo álbum, "Palavras Caras"



Capa do segundo álbum de Diogo Picão, "Palavras Caras" 


Diogo Picão, na Lourinhã, Auditório da AMAL sábado, dia 10 de dezembro,
as 21h30, com Diogo Picão (voz e saxofone), Olmo Marín (guitarra de 7 cordas), Carlos Garcia (piano) e Juninho Ibituruna (Percussão). Espectáculo integrado nas festas Lourinhã Natal (de 26 de novembro de 2022 a 6 de janeiro de 2023).  Bilhetes à venda no Posto de Turismo da Lourinhã (de segunda a sexta, exceto feriados, telef.  
261 410 127). Cinco paus, cinco aéreos, o preço de um maço de cigarros... Música e poesia que apontam, certeiras, ao coração da gente em plena época natalícia...



Diogo Picão:

(i) é músico, compositor e letrista;

(ii) faz canções para se libertar das insónias e sonhar com mundos melhores;

(iii) cresceu músico, estudou saxofone, virou cantautor e espera envelhecer como poeta e boémio;

(iv) nascido em 1988 na Lourinhã, começou a estudar saxofone na Escola de Jazz de Torres Vedras;

(v) é licenciado em Música pela ESMAE / IPP (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo / Instituto Politécnico do Porto), e pós-graduado em Artes da Escrita pela Universidade Nova de Lisboa;

(vi) já tocou com a Big Band do Oeste, Big Band da ESMAE, Tchakare Kanyembe, Jungle Jazz Orchestra, Diabolando, Carlos Barretto In Loko Band, Tony Madeira y los Impressionantes e Histórias de Monstros e Outros Bichos;

(vii) é co-criador, com Olmo Marín, do duo Sambacalao e integra ainda a Orquestra Latinidade, João Berhan, Jon Luz & Baile Criolo e espectáculo Pantera (Cia. Clara Andermatt);

(viii) Cidade Saloia (2018) é o  seu álbum de estreia, composto por doze canções da sua autoria, e conta com exímios músicos da cosmopolita Lisboa.

Tendo-se apresentado por Portugal e Brasil, lança agora o seu segundo álbum, Palavras Caras, com a participação de uma vintena de convidados,  incluindo Luca Argel, Salvador Sobral e Mônica Salmaso. 

Desse álbum,  ouça-se aqui o belíssimo tema Vendedor de Fruta (4' 22'') . (O autor inspira-se, mais uma vez, na popular  figura do avô materno Bonifácio  da Silva, do Seixal, que tinha uma banca de frutas e legumes no antigo mercado municipal da Lourinhã, uma figura muito popular que eu, de resto,  recordo com  saudade.) (LG)

Depois do grande êxito que foi o seu último espetáculo em Lisboa, no Maria Matos, no passado dia 30 de novembro, estamos ansiosos por vê-lo, ao vivo e a cores, na sua terra natal, Lourinhã, dia 10 de dezembro, na AMAL - Associação Musical e Artística Lourinhanense.

A Tabanca Grande e a Tabanca do Atira-te ao Mar (... e Não Tenhas Medo), Porto das Barcas / Atalaia / Lourinhã, apoiam o nosso Diogo Picão.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23788: Agenda cultural (820): Livro: “Do Inverno à Primavera”, obra do camarada José Alberto Neves, Nova Lamego (Gabu). (José Saúde)

Guiné 61/74 - P23850: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte VI - Gadamael Porto... Continuando

1. Parte VI da publicação do excerto que diz respeito à sua vida militar do livro "Um Olhar Retrospectivo", da autoria de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 - Gadamael e Quinhamel, 1970/72.


VI - Continuando…

Parte da primeira companhia de comandos africanos, comandada pelo célebre e temido João Bacar Jaló e pelo segundo comandante Zacarias Saeigh, logo a seguir, apareceu em Gadamael Porto, com indicação de que ficariam uns dias, participando em operações com a nossa companhia.
Aqui estava parte da razão da nossa espera em Bissau, até ao dia 27 de Novembro pois, parte deles, tinha participado na operação de que lhe falarei, a seguir.

Recordo alguns dos elementos: o Jalibá, o Bari, o Tomaz Camara, o Justo, o João Lomba, um felupe com dois metros, sempre de catana à tiracolo, que fazia colecção de crânios do inimigo, segundo diziam os outros, com convicção.
Tenho fotos de recordação com alguns deles.
Tinham feito parte da operação Mar Verde, invasão à República da Guiné-Conacry, em 22 de Novembro, ainda bem marcados e feridos pelos resultados.

Só por curiosidade, uma das nossas operações, em que alguns deles participaram, durante uma emboscada, o Tomaz Camara foi baleado na cabeça, mas de tal forma que a bala entrou pela fronte, não penetrou na parte óssea e deu a volta, ao longo do couro cabeludo, ficando retida na parte posterior da cabeça.
Concluiu-se que aquela bala foi sendo amortecida pelos ramos e folhagem das árvores, chegando à cabeça do Tomaz Camara já com pouca capacidade, a grande sorte dele.
Foi evacuado para o hospital de Bissau e lá se safou, após cirurgia adequada.

Voltando aquela operação Mar Verde, só para o Daniel ter uma ideia, foi uma operação liderada pelo capitão-tenente fuzileiro Alpoim Calvão, com o máximo sigilo e de forma a evitar que algum sinal pudesse indicar como obra de forças armadas portuguesas.
A equipa foi formada por fuzileiros do continente, fuzileiros guineenses formados no local e alguns comandos africanos.
Parte da equipa foi treinada pelo temido Marcelino da Mata, que também participou, de que lhe falarei, se me lembrar.

Como acontecia em outras operações, as armas e os uniformes teriam de ser iguais ou idênticas às usadas pelos militares do PAIGC, além das pinturas a negro, na cara.
Os próprios veículos usados nas operações teriam de ser o mais discretos possível, sem inscrições que os pudessem denunciar, assim como as próprias equipas que deviam ser caracterizadas de forma a confundirem-se com o inimigo, neste caso, africanos.

O objectivo seria destruir bases militares e equipamento, assim como pontos estratégicos que convinha neutralizar, libertar prisioneiros de guerra portugueses e prisioneiros políticos contra o regime de Sékou Touré, tendo em vista um golpe de estado que pudesse aniquilar Sékou Touré e Amílcar Cabral.
Mas o objectivo não foi conseguido, na sua totalidade, claro.

Foram libertados 26 prisioneiros portugueses, cerca de 400 prisioneiros políticos guineenses, além de destruído bastante equipamento militar e causadas centenas de baixas aos guerrilheiros do PAIGC e população, inevitável…

Como era de esperar, as organizações internacionais receberam as queixas por parte do governo da Guiné-Conakry, nada de extraordinário, considerando a gravidade…
Segundo o relatório desta operação, parte do insucesso da operação deveu-se ao mau trabalho da PIDE, nomeadamente, deficientes passos no campo das informações.

Lembro-me da insatisfação do João Bacar Jaló, pelo facto de não termos comida suficiente, além da rotura do stock de ração de combate.
Já tínhamos enviado rádios para Bissau, solicitando alguns mantimentos, mas nada aparecia.
Foi preciso um rádio, com código do João Bacar Jaló, para enviarem frescos, de imediato.
Os frescos eram constituídos, normalmente, por peixe congelado, frango congelado, ovos, lançados em rede por um hélio, com o impacto no solo que se prevê…

Era assim, o reino do Sr Spínola, em Bissau!... O João Bacar Jaló veio a falecer, em combate, uns meses depois, penso que em Abril, na designada operação ‘nilo’.

"O Adolfo fala dessa sua passagem por África com alguma frieza, mas acredito que deixou muitas marcas, como todos sabemos e o Adolfo melhor saberá…"
Sim, mas já tive tempos mais difíceis do que agora.
Quando andava nos quarenta, quarenta e tal, recordo-me de dias e noites bem difíceis, com um grande esforço para evitar transparecer aos que me rodeavam, na empresa e na família.

Uma sensação de distúrbio mental, principalmente, durante a noite, com perturbações de sono, uma certa ansiedade sem razão aparente, uma mistura de revolta com instabilidade, desânimo, saltos repentinos da cama, o gesto tantas vezes lá repetido, tudo isso relatei aos médicos, neurologista e psiquiatra, que definiram como parte das consequências resultantes de momentos vividos neste tipo de cenários.

Não me imaginava a desabafar e, até, a chorar, mas foi uma realidade, logo justificada pelos médicos.
Falaram em stress traumático de guerra, o que atingiu alguns elementos da companhia, com graves consequências para o resto da vida, como constatado, aquando dos nossos encontros/convívio/almoços anuais.
Alguns medicamentos, por pouco tempo, também ajudaram.

Sabe, Daniel, nós só acreditamos nestas coisas quando, realmente, nos tocam pela porta, directamente.
Mas há gente que não compreende, nem os nossos sentimentos, nem a nossa linguagem, mas nós estamos preparados para compreender essa gente que não nos compreende…
A par dos acontecimentos próprios daquela guerra, como já lhe disse, o clima deixava-nos de rastos.
Humidade do ar, na ordem dos noventa por cento, temperatura, na ordem dos quarenta graus, um factor determinante de um certo desespero diário, sem nada se poder fazer para o evitar.

As operações de rotina, tantas vezes, dentro de matas virgens desbravadas à custa de catana, quase de rastos, incluíam entrar em regatos de águas geladas, que nunca viam o Sol, ou lamas negras que se agarravam ao camuflado.
Quando saíamos da mata e entrávamos nas designadas lalas, com aquelas temperaturas, as lamas coziam e eram como lâminas a rasgar a pele, provocando irritações e queimaduras, um tormento, só possível aliviar à custa de fórmula cinco, de que resultava um ardor tal, que só aos saltos!…
Dentro do camuflado, nem pensar em cuecas...

Outras agressividades nos surpreendiam, quando em progressão pelos trilhos ou dentro das matas, como os carreiros de formigas vermelhas, os enxames de vespas e as cobras cuspideiras.
As formigas começavam a entrar, não sabíamos por onde, e alojavam-se pelo corpo, principalmente, nas partes íntimas, cravando as tenazes nos testículos, o que deixava qualquer um desnorteado, pelas dores.
E nós tínhamos o camuflado bem apertado sobre as botas!...
Quando tentávamos tirá-las, a cabeça ficava cravada e apenas saía o corpo.

Os enxames estavam pendurados em ramos das árvores e, logo que algum de nós lhes tocava, elas começavam a sair, endiabradas, ferrando tudo o que podiam, do que resultavam uma espécie de monstros!
Aliás, diziam-nos que os próprios guerrilheiros do PAIGC preparavam esses enxames e colocavam-nos em locais estratégicos, picadas e carreiros de progressão que usávamos, nas nossas operações.

As cuspideiras, pequenas e verdes como os ramos das árvores, cuspiam nas partes brilhantes, logo, nos olhos.
Como imaginará, a população de baratas e formigas com asas, cá conhecidas por agúdias, era uma enormidade, mas habituámo-nos a viver com elas, a dormir com elas.

Também as limitações de alimentos e água ‘bebível’ faziam parte da nossa festa diária…
Tivemos um período que nem ração de combate havia, diziam que estava esgotada!

Outro problema era o paludismo, quando forte, podia matar.
Felizmente, foi coisa que não me tocou!
Mas as diarreias eram um cenário quase comum, deixando muitos de nós de rastos.
No meu caso, felizmente, um só episódio, mas levou-me a ‘buracos do mato’ um monte de vezes, num só dia, que ficaram bem registados!

"Ouvi falar de doenças desse tipo, como o paludismo, e também dos problemas provocados pelas águas, problemas em cima de problemas que vocês tinham de contornar - ossos do ofício…
Se calhar, era o tipo de problemas para o qual não estavam preparados".


Daniel, depois desta experiência, concluo que estamos preparados para muito pouco…
Também me lembro de um quadro muito engraçado, algumas vezes fazendo parte do nosso cenário, quando em progressão pelos carreiros ou picadas: as famílias de sancus (macacos).

Imagine que tínhamos de parar, com os riscos inerentes, para que as famílias atravessassem os carreiros ou as picadas, o pai de um lado, a vigiar o espaço, garantindo a segurança da família, enquanto a mãe ia atravessando com os filhos, todos de mão dada, até chegarem todos ao outro lado, sempre olhando-nos nos olhos e como que a dizerem-nos alguma coisa, numa linguagem acompanhada de um rosnar tipo cão.
Aliás, o macaco-cão abundava e dizia-se muito apreciado pela etnia Fula, que não consumia carne de porco.
E sabia-se que, muitas vezes, os bifes não eram de vaca, porco ou gazela, mas de macaco-cão…
A etnia Balanta criava e consumia porco.

Quando chegava correio, tarde, mas chegava, uma enorme festa para alguns, mas uma tristeza para outros, pois não eram contemplados.
Lembro-me de aerogramas partilhados, um gesto de solidariedade e amizade.
Algumas vezes, quando se ouvia um ligeiro ruído característico do héli, associávamos a correio, logo, toca a pegar no aerograma e escrevinhar qualquer coisa, à pressa, como: ‘meus queridos pais e irmãos, espero que estejam bem, eu estou bem, o resto vão ler aos anteriores, beijinhos.’
Também chegou a acontecer aparecer um héli e, ao dar a entender que tencionava baixar, um dos soldados pegou na G3, apontava para o ar, enquanto outro avisava, pelo radio móvel, que não se aventurassem a baixar, caso não trouxessem correio!…

As revistas da altura, como a Plateia, quando lá chegavam, enviadas por familiares e amigos de alguns, constituíam um alimento para o espírito de todos.
E liam-se, e reliam-se, e reliam-se,…
De vez em quando, eu recebia aerogramas das minhas amigas, que não me esqueciam, cujo significado e efeito não têm tradução, por palavras.
Uma delas enviava-me, de vez em quando, algumas cassetes com gravações de músicas acabadas de sair, o que me permitia estar ao corrente do que se ia passando, na ‘civilização’.
Ainda bem que tinha comprado o tal leitor de cassetes e que podia ouvi-las, sempre que chegavam à minha mão - um verdadeiro milagre…

Algumas vezes, quando se ouvia um ligeiro ruído característico do héli, logo associávamos a correio…

"Ó Adolfo, por falar nisso, lembro-me do Movimento Nacional Feminino que, embora algo contestado, ainda conseguia fazer alguma coisa válida, no apoio aos militares que chegavam feridos e aos familiares dos que morriam. Pelo menos, era o que me constava…"

Sim, Daniel, era um movimento interessante, mas…


Mais qualquer coisinha desagradável…

Mas nem tudo o que me chegava era agradável.

Recebo uma carta da minha mãe, não aerograma, com um texto normal de mãe, mas juntando uma foto dos meus pais com a criança Carla ao colo.
Claro que não incluía a mãe, por precaução.
Não foi preciso pensar e não respondi, como se nunca tivesse recebido aquela carta.

Obviamente, associei este quadro ao que o meu irmão me tinha relatado sobre uma Guiomar, embora sem pormenores, mas qualquer coisa seria de desagradável.

Mais tarde, recebi novo aerograma da minha mãe, pedindo-me autorização para levantar dinheiro da minha conta, pois a tia Jú estava aflita com umas despesas inesperadas que tinha de cumprir e a minha mãe já tinha ajudado, um pouco, mas não podia ajudar mais.
Logo respondi que sim, poderia levantar tudo o que a tia Jú necessitasse - para a tia Jú, tudo!
No entanto, deixou-me a pensar na coisa, pois era estranho...

Mesmo com algum problema inesperado, a tia Jú tinha o seu emprego, o marido o seu emprego, a avó Júlia a sua pensão, a sogra a sua pensão, as duas sem despesas, logo, porquê?!
Paciência, mais tarde teria oportunidade de conhecer a resposta e, no momento, era melhor esquecer.

"Adolfo, não consigo imaginar o que sente uma pessoa, em cenário de guerra e de falhas no mais elementar, como a comidinha, ao receber notícias da família, com situações que suscitam dúvidas e criam preocupações…"
Realmente, Daniel, era difícil conciliar a situação com algumas notícias que lá nos chegavam…
Mesmo o pouco tempo de descanso era assaltado por estas dúvidas e preocupações, apesar de sabermos que nada podíamos fazer.

Mas o meu relacionamento com toda a companhia continuava óptimo, em espírito de grupo saudável e imprescindível, com os condicionalismos próprios do contexto, mas com uma grande vontade de, em conjunto, procurarmos vencer todas as dificuldades que nos iam surgindo, sempre motivados pela esperança de um regresso a casa, sãos e salvos.
Mas as situações delicadas não podiam ser contornadas, pois faziam parte daquela realidade, e surgiam a cada momento.
Já com baixas, a moral ia ficando debilitada, mas o nosso espírito ia amadurecendo, a forma possível de continuarmos a nossa marcha.

Pouco mais de dois meses decorridos, durante uma emboscada que sofremos logo uns minutos depois do arame farpado do aquartelamento, ainda no início de mais uma operação, o capitão Assunção e Silva, um ranger bem preparado e bom líder, morre, com tiro certeiro no coração.
Além do capitão morto, mais dois ou três feridos, apenas.

Sim, mais uma operação, designada de reconhecimento, em que saía o primeiro grupo, do Ponte, o capitão Assunção e Silva, um ou dois dos comandos africanos e alguns milícias.
Como era necessário mais um graduado, o Ponte manifestou interesse em que eu participasse nesta operação, apesar de não ser o meu grupo, mas a solidariedade ‘obrigada’ sobrepunha-se a tudo, dadas as circunstâncias.
Mas não me esqueço de que, neste dia, eu estava muito mal disposto, com os meus problemas do aparelho digestivo, já conhecidos, e que se foram agravando.
Mas o cenário que vivíamos não tolerava más disposições…

Como o Daniel saberá, o desenrolar de uma emboscada pode durar segundos ou minutos, depende das circunstâncias.
Início, troca de tiros, uns segundos e… já está - final e retirada estratégica de ambas as partes…

Como o Daniel já deve ter ouvido, sempre que em situações como esta, toca a despir camuflados para apoiar em G3 e improvisar macas, até chegarmos ao aquartelamento, tudo rápido e em silêncio, claro, mais uma experiência para a vida.
Confesso que fiquei bastante abalado quando vi o capitão caído, já sem vida!
Aliás, um sentimento geral, em toda a companhia, quando entrámos no aquartelamento!

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23843: "Um Olhar Retrospectivo", autobiografia de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796. Excerto da pág. 407 à 483 - Parte V - Chegada a Gadamael Porto

Guiné 61/74 - P23849: Fichas de unidades (29): BCAÇ 4616/73 (Bambadinca, 1974)

1.  O BCAÇ 4616/73 é uma daqueles unidades que podíamos pôr na série "Os nossos últimos seis meses"... ou nas "Memórias dos últimos soldados do império"...

Chegou ao CTIG já no início do ano de 1974 e regressou à metrópole oito meses depois, no início de setembro. Como  se tornou normal, nos últimos anos da guerra, o comandante da CCS era um capitão SGE (oriundo da Escola Central de Sargentos) e os comandantes das subunidades operacionais eram todos milicianos...

Lamentavelmente não tem história da unidade... Mas o livro da CECA, diz que na parte final da comissão, "adaptou a sua actividade à situação então vigente, comandando e coordenando a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC."

Se repararmos na ficha da unidade, a seguir reproduzida, a 2ª C/BCAÇ 4616/73 (sediada no Xitole) em oito dias "fechou a porta duas vezes", primeiro a do Xitole e depois a de Bambadinca, o mesmo é dizer, desativou e entregou ao PAIGC o  setor L1 (parte importantíssima do "chão fula" (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole):

(...) Em 1Set74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Xitole, seguiu para Bambadinca, onde substituíu a 1ª Comp/BArt 6523/73 na responsabilidade do respectivo subsector. Em 8Set74, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Bissau e efectuou, em 9Set74, a desactivação e entrega do aquartelamento de Bambadinca, tendo recolhido a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.(...)

Vale a pena juntar (e reflectir sobre) estes factos (*)...


Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores n.º 4616/73


Identificação: BCaç 4616/73

Unidade Mob: RI 16 - Évora

Cmdt: TCor Inf Luís Ataíde da Silva Banazol | TCor Inf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira

2.° Cmdt: Maj lnf Joaquim Luís de Azevedo Alves Moreira

OInfOp/Adj: Cap lnf Bernardino Luís de Matos Pereira Torres

Cmdts Comp:

CCS: Cap SGE Domingos Roque

1ª Comp: Cap Mil lnf Augusto Vicente Penteado

2.ª Comp: Cap Mil lnf Luís Fernando de Andrade Viegas

3.ª Comp: Cap Mil lnf João Lontra Leite Martins


Divisa: "Conduta Brava e Distinta" 
 [de acordo com a imagem do brasão, acima reproduzida, colecção Carlos Coutinho, 2009, com a devida vénia]

Partida: Embarque em 30Dez73; desembarque em 05Jan74 |  Regresso: Embarque em 12Set74 (1*  e 2*: Comp), 15Set74 (3ª Comp) e 16Set74 (Cmd e CCS)


Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 9Jan74 a 6Fev74, no CML, em Cumeré, seguiu depois, com as suas companhias, excepto a 3ª Comp, para o sector de Bambadinca, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com o BArt 3873, de 13Fev73 a 8Mar73.

Em 9Mar74, assumiu a responsabilidade do Sector LI, com a sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Mansambo, Xime, Xitole e Bambadinca.

Desenvolveu a actividade operacional adequada às características do sector, com realização de várias operações, patrulhamentos, emboscadas dos reordenamentos de Nhabijões, Samba Silate e Bambadinca e de construção, manutenção e controlo dos itinerários da sua zona de acção. 

Na parte final, adaptou a sua actividade à situação então vigente, comandando e coordenando a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, sucessivamente efectuada nos subsectores de Xitole, em 1Set74, de Mansambo, em 2Set74 e de Bambadinca e Xime, ambos em 9Set74.

Em 2Set74, após desactivação e entrega dos aquartelamentos de Bambadinca, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***

A 1ª Comp, após efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CArt 3494 na região de Mansambo, sob orientação do BArt 3873, assumiu, em 9Mar74, a responsabilidade do subsector de Mansambo, tendo destacado um pelotão para Bambadincazinho, este no subsector de Bambadinca, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 22Ago74, dois pelotões seguiram para Porto Gole e destacamento de Bissá, a fim de substituirem a 1ª Comp/BCaç 4612/72 a partir de 26Ago74, os quais ficaram na dependência do BCaç 4612/74, procedendo depois à desactivação e entrega dos aquartelamentos de Bissá, em 1Set74 e de Porto Gole, em 2Set74, após o que recolheram a Bissau.

Em 2Set74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Mansambo, a companhia, então a dois pelotões, deslocou-se transitoriamente para Xime, recolhendo em 8Set4 a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

***

A 2ª  Comp, após efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CArt 3492 na região de Xitole, sob orientação do BArt 3873, assumiu, em 9Mar74, a responsabilidade do subsector de Xitole, com um pelotão destacado na ponte do rio Pulom, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.

Em 1Set74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Xitole, seguiu para Bambadinca, onde substituíu a 1ª Comp/BArt 6523/73 na responsabilidade do respectivo subsector.

Em 8Set74, iniciou o deslocamento dos seus efectivos para Bissau e efectuou, em 9Set74, a desactivação e entrega do aquartelamento de Bambadinca, tendo recolhido a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

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A 3ª  Comp cedeu, a partir de 5Jan74, um pelotão para reforço da 2ª Comp/BCaç 4512/72, o qual se instalou em Jumbembém. 

Em 11Fev74, a subunidade seguiu para Farim, a fim de efectuar o treino operacional com a CCaç 4944/73, sob orientação do BCaç 4512/72 e seguidamente reforçar este batalhão, a fim de fazer face ao agravamento da situação na sua zona de acção.

Em 23Mar74, mantendo-se no mesmo sector do BCaç 4512/72, foi toda colocada em Jumbembém, em reforço da actividade da guarnição local, tendo destacado um pelotão para Canjambari, também em reforço da guarnição local, de 23Mar74 a 2Jun74.

Em 6Jun74, substituindo a 1ª  Comp/BCaç 4516/73, assumiu a responsabilidade do subsector de Farim.

Em 7Set74, após desactivação e entrega do aquartelamento de Farim, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações -  Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp.195/197. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O assunto não é de sua menos importância, as estratégias de guerrilha, ao tempo em que foram desencadeadas pelos nacionalistas das colónias portuguesas, tinham como referência o Vietname, a Argélia, Cuba; havia o contexto ideológico, podemos falar nos fatores históricos destas lutas pela independência, o papel dos camponeses e agricultores sem terra, a organização da vanguarda ideológica mobilizadora e o imperativo da sua coesão, a ligação do guerrilheiro às populações. Quem conduzia essas lutas armadas tinha consciência de que o fim da II Guerra Mundial trouxera a rutura de equilíbrios, que houvera guerrilha na própria Europa, caso da Jugoslávia e da Albânia, e os impérios coloniais europeus estavam em desagregação. Havia que saber conduzir a guerra revolucionária, Guevara tornou-se uma referência, tal como Frantz Fanon. Acontece que Amílcar Cabral tinha uma tipologia sobre a condução da luta, a organização da guerrilha e as finalidades da luta de libertação um tanto distintas do que Guevara e Fanon propuseram. É a contextualização dessas concordâncias e divergências que aqui se ponderam para se avaliar como o pensamento revolucionário de Cabral se ajustou à realidade da luta que conduziu.

Um abraço do
Mário



Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1)

Mário Beja Santos

Para se situar o conceito de guerrilha preconizado por Guevara, e mais adiante pô-lo em confronto com a estratégia de Amílcar Cabral aplicada à Guiné, e tentar medir a distância que separou os modos de aplicação preconizados pelos dois revolucionários, é indispensável procurar enquadrar as condições de lugar em que ocorreu a revolução cubana e um pouco mais adiante se forjou a luta armada na Guiné colonial. O território cubano parecia adverso à guerrilha, o tempo era-lhe favorável, mudara a relação de forças à escala mundial no então designado “campo socialista”. Quando os EUA bloquearam Cuba, subtraindo-lhe energia, matérias-primas, peças de substituição para os tratores, trigo e sabão, a URSS estava em condições, mesmo que estivesse posto numa linha vermelha da chamada coexistência pacífica, de apoiar Cuba. Como escreveu Régis Debray, um acérrimo defensor da doutrina guevarista, e que a impulsionou com o conceito de foco, vivia-se um período fasto para o socialismo. A doutrina estalinista fora posta no sótão, não era imperioso a defesa do “socialismo num só país”, análise que bloqueara a generalidade dos partidos comunistas das Américas do Sul e Central. Nikita Kruschev abraçou as causas do Terceiro Mundo, estamos num período de afundamento dos sistemas coloniais, é o tempo de vitórias na Indochina e na Argélia, há ainda repercussões das conferências de Bandung e de Belgrado, o Sputnik e Gagarin eram vedetas – foi assim o período entre 1956 e 1962, a cisão entre a China e a URSS ainda não provocou mossas monumentais, o socialismo parece estar na ofensiva no mundo ocidental; Kennedy e o desastre da Baía dos Porcos não estavam esquecidos, este quadro idílico só se alterará com a crise dos mísseis, que custará a prazo o afastamento de Kruschev, mas a linha dita de apoio ao movimento revolucionário, a partir de Moscovo, a que se juntava o apoio do apoio incondicional de Pequim ao fim do colonialismo na Ásia e na África manter-se-á.

Guevara deixou um apreciável número de escritos, logo as recordações da guerra revolucionária, tinha a sua própria interpretação do que tinha sido a guerrilha em Cuba, desde o falhanço de Moncada, analisa toda a progressão da guerrilha de 1957 até à entrada em Havana em janeiro de 1959. E tece comentários que podem ser úteis para as concordâncias e divergências com a atuação de Amílcar Cabral. Ele cola a palavra guerrilheiro à luta cubana, a palavra guerrilheiro era símbolo de um desejo de liberdade, e apreciava a revolução cubana pela sua ação libertadora, propulsora da reforma agrária. O exército de guerrilha, exército popular por excelência, era constituído por indivíduos virtuosos, disciplinados, ágeis, física e mentalmente. O guerrilheiro deve procurar esgotar o inimigo, desmotivá-lo, fazê-lo perder a tranquilidade. Para que a tática resulte, o conhecimento do terreno deve ser perfeito, ter um conhecimento rigoroso da aproximação e da retirada, do esquema ofensivo e defensivo do inimigo. O guerrilheiro é um reformador social, pega nas armas contra a opressão, reclama uma pátria e a mudança de regime social e económico, é um intérprete das aspirações da grande massa camponesa.

Guevara pronuncia-se igualmente sobre o método guerrilheiro, lembra a diversidade de aplicações na Ásia, na África e nas Américas, discreteia se o método da guerrilha é a única fórmula para a tomada do poder em toda a América e põe uma questão muito dura se a revolução cubana poderá sobreviver se o movimento revolucionário não se expandir pelas Américas. Na esteira de outras correntes revolucionárias, refere a necessidade da classe operária, observa que a América vivia num estado de equilíbrio instável entre a ditadura das oligarquias e a pressão popular. Tanto ele como Régis Debray não esconderão a sua profunda desilusão com o comportamento seguidor do estalinismo da generalidade dos partidos comunistas das Américas. Vaticina uma luta longa e sangrenta no continente americano, haverá numerosas frentes, custará muitas vidas. Está plenamente convicto da vitória, as burguesias nacionais estavam mancomunadas com o imperialismo. Em dado passo, Guevara dá o parecer que o crescimento do mercado comum europeu iria acarretar o desenvolvimento de contradições fundamentais, acentuar mesmo a eclosão da luta americana, e refere que há já indícios seguros na Venezuela, Guatemala, Colômbia, Peru e Equador. Curiosamente, não fala na Bolívia, em cuja guerrilha se inseriu, em 1965, e onde foi assassinado, dois anos depois.

Guevara sentia-se na obrigação de procurar sistematizar a experiência cubana e o processo revolucionário cubano, definindo o cânon do guerrilheiro e a estratégia de guerrilha. Em tudo quanto escrevia deixava claro que a revolução cubana era o simples prelúdio da onda revolucionária que iria varrer todo o continente latino-americano. Dava como certo e seguro que as forças seculares podiam ganhar uma guerra de guerrilhas contra um exército institucional; que nem sempre se podem esperar todas as condições para a revolução, poderá ser imperativo criar um foco insurrecional e o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo. Nunca perde de vista a crítica à inoperância dos partidos comunistas e depois detalha o princípio, o desenvolvimento e o fim da guerra de guerrilhas: “No início há um grupo mais ou menos armado, mais ou menos homogéneo, que se dedica quase exclusivamente a esconder-se nos lugares mais agrestes, mantendo raros contatos com os camponeses, esse núcleo de guerrilheiros pode viver isolado, embrenhado na mata, mas a luta não pode avançar sem o apoio dos camponeses, daí o papel determinante do trabalho político”. E enfatiza de novo o guerrilheiro como um reformador social. Nos seus escritos, Guevara não ignora a existência de contradições na massa dos agricultores e camponeses, a propriedade da terra, a existência de oligarcas possuidores de grandes propriedades, o que gera aproximações interclassistas e interdependências que podem fazer hesitar a massa de agricultores e camponeses em aderir à guerrilha.

Também os seus escritos fazem uma clara apologia ao internacionalismo, e observa que o imperialismo é um sistema mundial, a última etapa do capitalismo, por isso é preciso derrotá-lo numa grande confrontação mundial. Todos os estudiosos do guevarismo não iludem que Che tinha plena consciência que a revolução cubana não poderia permanecer isolada. O seu confronto com os partidos comunistas latino-americanos foi extremamente duro. Ainda preponderava a sombra de Estaline que dava como seguro que os países latino-americanos pelo seu atraso precisavam de modelos de governação de unidade nacional, Guevara achava-os cristalizados, totalmente incapazes de detonar focos insurrecionais, por estrita obediência a um princípio estalinista que já estava no caixote do lixo da História. Guevara também não iludia o princípio marxista do proletariado, respondendo que o camponês era o verdadeiro agente revolucionário, o que contrariava o que Marx dissera, que o camponês constituía uma “massa de produtores não envolvidos diretamente na luta entre capital e trabalho”. Guevara reconhecia as diferenças existentes sobretudo naqueles países com grandes centros urbanos, como era o caso do Brasil, da Argentina, Chile e Uruguai. Mas Guevara não aceitava a necessidade de haver guerras de guerrilha diferenciadas, postulava que a influência ideológica dos centros urbanos inibe a luta guerrilheira e incentiva as lutas de massas organizadas pacificamente, isto para regressar à ideia de que se devia contar com uma guerrilha de camponeses.

Como é evidente, Guevara cometeu inúmeros erros de apreciação da realidade socioeconómica e cultural dos países latino-americanos, esteve no Congo a procurar estimular focos insurrecionais, foi um fracasso total, encontrou-se em Conacri com Amílcar Cabral, não há documentação de Cabral sobre tudo o que se passou nesse encontro, mas que teve resultados promissores. Primeiro, Guevara considerou Cabral o único dirigente revolucionário com consistência e linha organizativa bem delineada. Cabral pediu apoio a Cuba e recebeu. Em 1966, em janeiro, na cidade de Havana, Amílcar Cabral exporá as linhas norteadoras do movimento revolucionário que dirige, incomodará muita gente quanto ao conceito de luta de classes e ao significado do proletariado. Fidel Castro admirou a ousadia da exposição de Cabral. Passeiam-se por Cuba, garante-lhe mais apoio. Será em Cuba que se irão formar os cabo-verdianos que era suposto promoverem a luta armada no arquipélago. Tal não aconteceu, mas esse grupo cabo-verdiano irá ser determinante em território guineense.

(continua)

Che Guevara no Congo
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23840: Notas de leitura (1527): "Uma longa viagem com Vasco Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 296 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte VI: 25 de Abril ? 25 de Novembro ? E descolonização ? Acho que consigo compreender tudo no caso português. Isto parece uma gabarolice, mas não é. A mim, não há nenhum acontecimento que me cause perplexidade" (VPV)