Gen de três estrelas, Bethencourt Rodrigues
(Funchal, 1918 - Lisboa, 2011) (*)
1. Uma "batata quente" que estalou nas mãos do novo Governador-geral e Com-chefe da Guiné, o Gen Bettencourt Rodrigues, foi a carestia de vida, provocada pelo aumento da generalidade dos bens essenciais para o abastecimento tanto da tropa como da população civil, na sequência do choque petrolífero e da crise económica de finais de 1973.
Teve consequências na economia, no aumento dos preços, na inflação que disparou, no aumento das despesas militares e da administração civil, nas acrescidas dificuldades de transporte de tropas e material, no fornecimento de combustíveis, enfim, na logística, na alimentação e no moral da tropa, na ação psicossocial, etc. 1974 foi o "anus horribilis" de Marcello Caetano mas também o do governador-geral e com-chefe da Guiné.
Como represália, os países árabes organizados na OPEP (criada em 1960 pela Arábia Saudita, Kuwait, Irão, Iraque e Venezuela) o preço do petróleo aumemntou em mais de 400%. Em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 para 58).
O Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos foram os principais alvos do embargo inicial que se estendeu depois a Portugal, a Rodésia e a África do Sul. Os efeitos económicos e financeiros, a nível internacional, fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, em Portugal, o litro de gasolina super passa de 7,5 escudos para 11 escudos (o equivalente, a preços atuais, a 2,32 €). Esta crise, de 1973, ficou conhecida como o "primeiro choque petrolífero". Outro se seguiu em 1979. (Fonte: Wikipédia > Crise petrolífera de 1973).
No caso de Portugal, tiveram tremendas consequências económicas, financeiras e político-militares, que já não cabe aqui analisar, mas que vão desembocar, indiretamente, no golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e no fim da guerra colonial, numa altura em que a situação militar, no terreno (incluindo na Guiné) estava longe de ser desfavorável para o exército português.(**)
"Reduzida a produção local a cerca de 50% das necessidades,
por aumento do consumo e diminuição da produção, como consequência da guerra e
dum certo afastamento do trabalho na terra por parte da população, em especial
da mais jovem, desde fins de 71, princípios de 72, a importação passou a
encontrar dificuldades crescentes, por
forças da escassez de cereais dos mercados mundiais e da elevação de preços quer do produto, quer dos transportes.
"Assim, em fins de 1973 houve necessidade de contingentar a distribuição e
de elevar o preço tabeladom de 5$50 para
7$00 escudos, suportando, embora o Governo
um encargo não inferior a 2$50 / kg.
"Estas medidas não foram naturalmente recebidas com grande
pela população, apesar do arroz ser vendido nos territórios vizinhos a preços
muito superiores ao praticado na Guiné (Senegal, 14$00, e República da Guiné.
22 a 26$00) e de ter havido um aumento do preço de aquisição ao produtor local
de cerca de 25%.
"Para atenuar uma situação de abastecimento com tendência
para se agravar, dada a progressiva retração do mercado mundial,
independentemente de custos, várias ações foram empreendidas, como a
diversificação da dieta alimentar tradicional, para o que se recorreu à
importação de milho e feijão, a recuperação de bolanhas e uma intensificação do
esforço para aumento da produção, pelo apoio à cooperativização dos
agricultores, distribuição de sementes de arroz seleccionadas e de adubso e apoio
técnico dos Serviços Provinciais de Agricultura, além do aumento dos preços de
aquisição ao produtor." (...)
Fonte: excertos de Gen. Bethencourt Rodrigues, "Guiné", in Joaquim da Luz Cunha et al. "África: a vitória traída" (Lisboa, Editorial Intervenção, 1977), pp. 111/112.
2. Comentário de Cherno Baldé ao poste P25130 (*):
(...) Ainda antes do 25A74, o tal arroz de abastecimento do mercado local chegou, mas por algum motivo ligado a sua qualidade, a população dos centros urbanos que já estavam dependentes do arroz importado, deram-lhe o nome de "arroz Bettencourt", talvez em forma de protesto pela qualidade inferior relativamente ao que estavam habituados durante o consulado do gen Spínola.De salientar que, na altura, a dieta das populações do interior, especialmente do Leste, Norte e Nordeste, era a base do milho e folhas de vegetais (milheto, milho Brasil, cavalo, sorgo, entre outros) e um pouco do arroz de sequeiro e o produzido nas bolanhas.
3 de fevereiro de 2024 às 10:24
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Notas do editor: