quinta-feira, 27 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25690: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XII): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte II: a versão de Carlos Nery, na história da unidade (pp. 10,11,12 e 13)

 


Guiné > Região de Tombali > Setor S (Aldeia Formosa) > CCAÇ 2382 (19689/70) > s/l > 1969  >  Pontão dos mal entendidos...


Guiné > Região de Tombali > COP 4  (Buiba) > CCAÇ 2382 (19689/70) > s/l > 1969  >   Reabastecimento das NT.... Como passar?

Fotos (e legendas): © Carlos Nery  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Leiria Monte Real > Palace Hotel Monte Real > 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional da Tabanca Grande > A paixão do teatro e da Guiné: o João Barge e o Carlos Nery.... 

Foto (e legenda): © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Carlos Nery  (Carlos Nery Gomes de Araújo, de seu nome completo) foi o comandante da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)...Era capitão miliciano. Tem cerca de 40 referências no nosso blogue. Entrou para a Tabanca Grande em 18/4/2010. Foi também ele o autor da história da unidade, de que vamos reproduzir as pp. 10 a 13, com referência ao ataque de Contabane, de 22 de junho de 1968... 

Durante 3 horas, a tabanca (e destacamento) esteve a ferro e fogo, e ficou reduzida a cinzas. O novo comandante-chefe, o brigadeiro Spínola, uma das medidas que tomou, logo no início do seu mandato,  dentro da economia de meios, e na impossibidade de obter rapidamente os reforços que lhe prometeram, foi "desmilitarizar" uma série de pontos, nomeadamenet no sector Sul... Contabane está na lista: "Banjara, Beli, Madina do Boé, Ché Che, Contabane, Colibuia, Cumbijã, Ponte Baiana, Gandembel, Mejo, Sangonhá, Cacoca, Cachil, Ganjola e Gubia". (Só Banjara pertencia a zona leste.)

Vamos revisitar as páginas que escreveu, sobre o ataque a Contabane, na história da sau unidade.


Contabane, a ferro e fogo

por Carlos Nery










 

Guiné 61/74 - P25689: Humor de caserna (68): Passa-palavra, furriel Canhão à frente! (Alberto Branquinho)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional da Tabanca Grande > Sousa de Castro, o antigo 1º cabo radiotelegrafista (CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74), tentando comunicar com o Eduardo Campos, ex-1º cabo trms (CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), simulando uma situação de comunicação militar,  vulgaríssima, em operações no mato, com recurso ao velhinho Emissor / Receptor AVP1, o famoso"rádio-banana" (*).

Fotos (e legendas): © Sousa de Castro (201o). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

 

1. A comunicação humana parece fácil... mas não é. É uma das principais fontes de conflito, a nível das nações, das sociedades, das organizações, dos grupos, das famílias... E, então, nas redes sociais, é que pode ser mesmo um "bico de obra"...Podemos falar todos português, a mesma "língua", o que não quer dizer a mesma "linguagem"... Em suma, muitas vezes  a gente não se entende...

Comunicar (do latim, "communicare", que quer dizer "pôr em comum", "partilhar"...) é mais do que uma técnica: quem diz o quê a quem, por que meio, e com que efeitos...

A comunicação é uma "arte",  uma "competência", que se tem de se aprender, praticar, desenvolver... Tem muitas subtilezas e armadilhas... Não é só o "texto", é o "contexto"...

 Na tropa e na guerra, no nosso tempo, não faltaram as situações (umas trágicas, outras dramáticas, outras ainda caricatas) de incomunicação, total ou parcial. Às vezes até podia dar jeito à "tropa macaca" quando queria "acampar": por exemplo, as "transmissões não funcionavam" entre terra e ar...


Alberto Branquinho (n. 1944, Vila Foz Coa),
advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,
ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913,
Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69),
tem mais de 140 referências no nosso blogue:
é autor das notáveis séries "Contraponto"
e "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo". 
Tem vários livros publicados, incluindo 
o "Cambança Final"  (2013).


2. O nosso Alberto Branquinho, no seu livro de contos "Cambança Final" (2013) tem uma dessas cenas de (in)comunicação "bem apanhadas", e que merece ser contada ... 

Mais uma vez, temos o privilégio de beneficiar do seu apurado sentido de humor e do seu talento como contador de histórias (**). 


 Passa-palavra, furriel Canhão à frente!

por Alberto Branquinho


Durante as operações militares a comunicação, entre o capitão, comandante de uma companhia e os quatro alferes responsáveis pelos pelotões, era feita através dos chamados rádios-banana: rádios pequenos, com cerca de um palmo de comprimento e cerca de cinco centímetros de espessura, previamente sintonizados e com regulador de som. As extremidades do rádio eram ligadas por uma correia de lona, extensível, que permitia pendurá-lo do pescoço, caído sobre o peito.

No entanto, quando era necessário passar uma mensagem ou uma ordem para retaguarda da coluna, era usada a transmissão homem a homem, o chamado "passa-palavra".

Tinham sido detetadas, na frente da coluna, terras recentemente movimentadas e folhagem caída, ainda fresca. O capitão entendeu dever chamar o furriel de minas e armadilhas, com o apelido Canhão.

− Passa-palavra, o furriel Canhão à frente !

A mensagem foi passando para a retaguarda:

− Furriel Canhão à frente...

− Furriel Canhão à frente...

E assim sucessivamente, homem a homem.

Passaram minutos e minutos. O capitão estava já impaciente, porque o furriel não vinha. Então surgiu a resposta, de trás para a frente:

− Canhão não veio... 

− Canhão não veio... 

− Não veio o canhão... 

− Canhão ficou no quartel!... 

Fonte:  Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 45/46

(Título, excerto,  revisão / fixação de texto, parênteses curvos, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG)  (Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P25688: Elementos para a história dos Pel Caç Nat 52, 54 e 63 que, ao tempo da BART 2917 (Bambadinca, jun 70 / mar 72), estavam destacados no Sector L1 - Parte III


BART 2917 (Bambadinca, junho 1970/março 1972)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 >  Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72) > Monumento aos mortos do batalhão e unidades adidas (este monumento foi destruído a seguir à independência da Guiné-Bissau). O Sousa de Castro ( ex-1º cabo radiotelegrafista, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, jan 72/ abr 74) mandou-nos, em 12 de novembro de 2007,   esta foto do monumento, da autoria do Júlio Campos, ex-fur mil sapador, do  BART 2917.

Mortos (1970/72): BART 2917: Alf Mil Ribeiro | Fur Mil Quaresma | Fur Mil Cunha | 1º Cabo Ribeiro | Sol F Soares | Sol Monteiro | Sol Oliveira | Sol P. Almeida || CCAÇ 12: Sol Soares | Sol U. Sissé | Sol C. Baldé || Pel Caç Nat 52: 2º Cabo Nhaga || Pel Caç Nat 54: 1º Cabo Menoita | Sol S Camará | Sol Adip Jop | Sol S Embaló | Sol S Sanhá | Sol S Indjai || Pel Caç Nat 63: Sol D Candé || Pel Mil 201: Sarg Mil C Candé | Sol M Camará | Sol Iaia Jau

Guiné >Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > Aspetos banais da vida do dia a dia do destacamento,com o de cortar lenha com uma motosserra (um pequeno luxo)... Na foto, o último cmdt do Pelotão, extinto em agosto de 1974.

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Enxalé > CCAÇ 1439 (1965/67) e Pel Caç Nat 52 (1966/74) > O primeiro comandante do Pel Caç Nat 52,o alf mil Henrique Matos: "Primeira lição no rio Geba, eu, periquito, com os velhinhos da CCAÇ 1439 no Sintex, que até tinha um pequeno motor fora de borda e base para metralhadora".


Foto (e legenda): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos [Edição e legendagem complementar : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fonte: Adapt. de História da Unidade - BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) Cópia gentilmente fornecida pelo Benjamim Durães.


I.  Baixas sofridas pelos Pel Caç Nat 52, 54 e 63, no Setor L1, ao tempo do BART 2917 (maio 70 / março 72), bem como punições e louvores


(i)  Mortos em combate 

  • Pel Caç Nat 52

- 2º Cabo Atirador Nhaga Macque 82068762 | Morto em 28/08/71 numa Acção de Patrulhamento em Finete | Sepultado em Enxeia.

  • Pel Caç Nat 54

- Soldado Atirador Suntum Camará 82047766 | Morto em 05/05/71 na Operação  Triângulo Vermelho | Sepultado em Bambadinca.

- Soldado Atirador Adi Jop 82130863 | Morto em 05/05/71 na Operação Triângulo Vermelho | Sepultado em Bambadinca.

- Soldado Atirador Cherno Sirá Sanhá 82088464 | Morto em 22/06/71 na Acção Galhito |  Sepultado em Bedanda.

- Soldado Atirador Sambaro Embaló 82052068 | Morto em 22/06/71 na Acção Galhito” | Sepultado em Farim

(ii) Feridos em combate

  • Pel Caç Nat 52

- Soldado Atirador Tunca Seidi 82063665

- Soldado Atirador Jobo Baldé  82068868

  • Pel Caç Nat 54

- Furriel Mil Atirador José  A L Pires 10684269

- Soldado Atirador António Maninho 82049167

- Soldado Atirador Sherifo Baldé 82056966

  • Pel Caç Nat 63

- 1º Cabo Atirador Sanassi Baldé 82052865

- Soldado Atirador Samaro Jau  82069865

- Soldado Atirador Guiro Jau  82064067

- Soldado Atirador Nianda Embaló  82035566


(iii) Mortos por outras causas 

  • Pel Caç Nat 54

- 1º Cabo Atirador Fernando Vasco Menoita 00762170 | Morto (Acidente) em 01/07/71 | Sepultado na Guarda.
  • Pel Caç Nat 63
- Soldado Atirador Jango Candé | Morto (Doença) em 15/03/71 | Sepultado em Bambadinca.

 
(iv) Louvores e Punições  (vd. quadro acima)
 
De acordo com o quadro acima reproduzido, o Pel Caç Nat 54 foi, comparativamente  com os outros dois (Pel Caç Nat 52 e 63),  o que teve mais baixas, mais punições e menos louvores.  Por razões óbvias, não queremos individualizar nem uns (os louvores) nem outras (as punições).

Sobre as punições,  há que referir que o Pel Caç Nat 54 teve tantas quantas as sofridas pelos outros Pel Caç Nat juntos : houve um militar com 3 punições, ao longo desde período (Pel Caç Nat 52) e outro  com 4 (Pel Caç Nat 54), o que naturalmente afeta o número total de casos. 

Somando os dias (de detenção, detenção agravada, prisão disciplinar e prisão disciplinar agravada), o Pel Caç Nat 54 sofreu tantos dias de punição (n=119) como os outros Pel Caç Nat juntos (n=118): 74, o Pel Caç Nat 52 e 44 o Pel Caç Nat 63... 

Na maior dos casos, as punições foram dadas pelo cmdt do BART 2917. Se acrescentarmos a estas subunidades, a CCAÇ 12, que também era composta por praças do recrutamento local, valeria a pena, com tempo e vagar, verificar  se  o comando deste batalhão teve ou não mão  pesada para as "africanas"... que eram pau para a toda a obra.

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Guiné 61/74 - P25687: Parabéns a você (2285): Vítor Caseiro, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4641/72 (Mansoa, Braia, Infandre e Ilondé, 1973/74)

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Nota do editor

Último post da série de 22 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25671: Parabéns a você (2284): Cor Art Ref António José Pereira da Costa, ex-Alf Art da CART 1692 / BART 1914 (Sangonhá e Cameconde, 1968/69); ex-Cap Art, CMDT da CART 3494 / BART 3873 e CART 3567 (Xime, Mansambo e Mansabá, 1972/74) e João Crisóstomo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé e Fá Mandinga, 1965/67)

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25686: Convívios (1003): Rescaldo do XLIII Encontro do pessoal da CCAV 2639, levado a efeito no passado dia 8 de Junho em Anadia (António Ramalho, ex-Fur Mil)


Foto de família com os antigos Combatentes da CCAV 2639 presentes no Convívio


1. Mensagem do nosso camarada António Ramalho (ex-Fur Mil At Cav da CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71), com data de 23 de Junho de 2024:

Caro Luís Graça, bom dia.
Espero que esteja tudo bem convosco.
Agradecia que na primeira oportunidade publicasses no nosso blogue as fotos do nosso 43.º Encontro em Aguim - (Mealhada/Anadia), no passado dia 8/6/2024.

Um forte abraço para todos.
António Ramalho (757)

Vista panorâmica da sala
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Nota do editor

Último post da série de 21 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25669: Convívios (1002): Rescaldo do XXXVII Convívio da CART 3494, realizado no Quartel da Serra do Pilar (ex-RAP 2) Vila Nova de Gaia (Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista)

Guiné 61/74 - P25685: Historiografia da presença portuguesa em África (429): João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
A partir da circunstância de ter comparecido a uma homenagem dedicada a João Barreto pelo seu neto Aires Barreto e historiador Valentino Viegas, que ocorreu na Casa de Goa, deu-me para procurar conhecer melhor a atividade deste facultativo que veio de Margão para Bolama, e tudo leva a crer que teve um comportamento admirável, de tal sorte que quando partiu para Lisboa foi tratado como cidadão de mérito bolamense. Só encontrei dois trabalhos a que o seu nome está ligado, este relatório sobre a doença do sono, onde a tendência para a investigação histórica já é patente, a ponto, como aqui se faz notar, ele parece um historiador a descrever a guerra do Forreá, e dá razões quase de caráter sociológico para a localização da doença do sono; e outro trabalho que é o primeiro que se escreveu acerca da craniometria dos indígenas da Guiné Portuguesa. Se algum leitor conhecer outra obra de João Barreto, peço-lhe o favor de me informar.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, médico em Bolama (1)

Mário Beja Santos

O primeiro trabalho que se conhece de João Barreto é o seu relatório apresentado em 1927 à Direção dos Serviços de Saúde e Higiene, será publicado pela Imprensa Nacional da Guiné, Bolama, em 1928. Ele é diretor do laboratório de análise do Hospital Civil e Militar de Bolama. Barreto faz parte de uma missão que procedeu a estudos que tinham por fim averiguar se a doença do sono existia, ou não, entre as populações indígenas da colónia; e, ao mesmo tempo, praticar a vacinação antivariólica e proceder a inquéritos sobre outras doenças tais como lepra, filarioses, bilharzioses, etc. Barreto trabalhava com outro facultativo, Fernando Leite Noronha, andaram durante algumas semanas na circunscrição de Buba e concluíram que a moléstia do sono existia entre os indígenas de uma forma endémica. Escreverá mesmo que a extensão da tripanossomíase era enorme. Começa por informar que a referência mais antiga que encontrou da doença do sono na Guiné vinha num relatório enviado em 1885, da autoria de João Pedro Esmael Moniz, descrevendo três moléstias tropicais: a tripanossomíase, a uncinária e a bilharziose. Dirá depois que irão encontrar situações de anasarca, anemia palustre, caquexia palustre, disenteria crónica, doença do sono, febre perniciosa, febre renitente palustre e febre biliosa hematúria. Barreto faz um vasto reportório de informações retidas de diferentes serviços sanitários, à escala internacional.

Deverá ter incomodado os decisores políticos da época ao dizer coisas como estas: “Pode dizer-se que, até aqui, a função dos médicos na Guiné se tem limitado a assistência clínica à população civilizada e pouca aos indígenas. A parte puramente de investigação científica tem sido bastante descurada, há pouco mais do que a higiene e o saneamento da colónia.”

A missão médica começou os trabalhos em meados de maio de 1927, visitaram primeiramente povoações indígenas da ilha de Bolama, uma inspeção superficial a Mancanhas, mas a repartição de saúde deu instruções para marcharem imediatamente para Buba. “No desempenho das nossas funções clínicas tivemos conhecimento de três casos de lepra na ilha de Bolama, casos de elefantíases, admitia-se haver casos de tuberculose e não se encontraram casos de bilharziose.” Visitaram em Buba quase todas as tabancas, procedendo à inspeção médica dos indígenas para a verificação clínica da doença do sono, elefantíase, lepra e qualquer outra doença suspeita; fizeram colheitas de sangue, procedeu-se à vacinação antivariólica e à captura de insetos hematófagos, em especial, glossinas.

João Barreto não deve ter resistido à ideia de que cabia ali lugar apresentar dados de investigação histórica, dado o quadro demográfico da região em análise, a circunscrição de Buba, quis fazer a quem o lia um relato da história recente, vale a pena lê-lo com atenção:
“Entre os diferentes fatores que podem contribuir para a despopulação de um território, cremos que na circunscrição de Buba deveriam ter atuado dois mais importantes: um ligado à política e à administração indígena, e outro, à insalubridade da região. É de data recente a infiltração dos Fulas-Forros entre os Biafadas do Corubal. Tendo-se estabelecido pacificamente como colonos, tributários daqueles, os Fulas foram aguardando uma ocasião oportuna para se libertarem dos seus senhores e essa ocasião foi-lhes proporcionada por um régulo Biafada que solicitou auxílio dos Fulas para castigar a rebeldia da tabanca de Bacar Guidali, construída em 1852 por uma fidalga Biafada. Os Fulas-Forros não só prestaram auxílio na destruição da tabanca referida, mas acabaram por expulsar os Biafadas de uma e de outra margem do Corubal, organizando um regulado independente a que deram o nome de Forreá, isto é, terra de liberdade.
Mas no intuito de satisfazer os principais cabos de guerra, a região foi dividida entre os chefes, Bacar Guidali, Bacar Demba (eleito régulo), Sambel Tombon e Ogô Maná, de que resultou, como era de prever, uma série interminável de lutas e rivalidades.

Alguns comerciantes portugueses estabelecidos de 1874, na margem direita do rio Bolola, lembraram-se então de, para garantia das suas vidas e haveres ameaçados, pedir ao Governo de Bissau uma força armada em 1879, datando desse ano o estabelecimento de presídio militar de Buba.
Não tardou, porém, que as dissidências entre os Fula-Forros, Fulas-Pretos, Futas-Fulas e Biafadas destruíssem esta relativa prosperidade. Desde 1880 a 1890, poucos meses decorreram sem que os comandantes militares de Buba tivessem de registar assaltos às tabancas, raptos de mulheres, roubos de gado, mortos, assassinatos e guerras, entre as diversas tribos capitaneadas por Bacar Guidali, Paté Coiada, Paté Bolola, Daman Iaiá e outros. Essas lutas, pondo a região toda em estado permanente de guerra, acabaram por dizimar uma grande parte da população pela morte, fome e fuga, e só tiveram fim depois da derrota de Paté Coiada por intervenção do Governo português. Pode-se, por isso, dizer que há pouco mais de 20 anos esta região entrou num período de normalidade.
Os factos que acabamos de expor parece-nos terem sido causa principal dos despovoamento e abandono desse território aliás fértil.”


E muda de linha de observação, temos agora o médico tropicalista: “Há nesta região um outro facto que chama desde logo a atenção do observador: é o grande número de crianças portadores de poliadenites e de cicatrizes da extração de gânglios submaxilares. As adenites suboccipitais observadas nessas crianças poder-se-iam em grande parte às dermatoses do couro cabeludo. Quanto à hipertrofia dos gânglios cervicais e submaxilares observada em 80% das crianças examinadas, não nos foi fácil encontrar uma explicação plausível e parece-nos que este assunto tem de ser estudado demoradamente. Os indígenas atribuem-na invariavelmente à doença do sono. Até que ponto é verdadeira esta hipótese?”

Barreto procura uma explicação para esses fenómenos, há um facto merecedor de atenção, como ele pretende analisar:
“Dentro da colónia da Guiné notam-se duas regiões em que o decrescimento da população de acentua progressivamente, não tendo até hoje quaisquer medidas de ordem administrativa conseguido evitar o seu lento abandono e despovoamento.
Estas zonas estão situadas uma ao norte do rio Cacheu, compreendendo quase todas a circunscrição de S. Domingos, e outra, entre as sedes administrativas de Buba e Cacine, abrangendo os territórios banhados pelos rios Bolola, Tombali, Cumbijã e Cacine. Ora, é precisamente nestas duas zonas desabitadas pelos indígenas que a produção e desenvolvimento das glossinas parece ter atingido o máximo da sua intensidade; e essa aparição exagerada da mosca, quer a consideremos como mera coincidência quer como elemento causal do despovoamento não é de molde a favorecer a fixação do indígena nem tão pouco dos seus rebanhos, pela facilidade da transmissão das tripanossomíases animais, podendo ser que este último facto tenha levado os indígenas a procurarem de preferência localidades menos visitadas pelas glossinas.”

Trata-se da única fotografia que se conhece do médico João Barreto, imagem que me foi amavelmente concedida pelo historiador Valentino Viegas aquando do lançamento o opúsculo que lhe dedicou o seu neto Aires Barreto
Mapa étnico da Guiné, seguramente enviado por João Barreto aos seus colegas
Crânios enviados por João Barreto para o trabalho de equipa, tratou-se de um artigo em homenagem ao professor J. Leite Vasconcelos

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 19 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25659: Historiografia da presença portuguesa em África (428): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão


Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução) > c. 1970/73 > O José Àlvaro Almeida de Carvalho, diretor do departamento de trabalhos externos da empresa L. Dargent Lda. Aqui ainda no início da montagem do tabuleiro da ponte...



Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução) > 25 de dezembro de 1973  >

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Conheço o José Álvaro Almeida de Carvalho, da Lourinhã, é meu conterrâneo, cantor, autor de fados (pelo menos uns 26...) e exímio tocador de guitarra. 

Durante muito tempo tocou numa velha casa de fados, o "Cantinho da Amizade",  escondida, ali na Rua da Cruz da Carreira, 38, na colina de Santana, ali perto do Campo dos Mártires da Pátria. (Vd. aqui página no Facebook)

Quadro técnico superior, com uma larga experiência no setor da metalomecânica pesada, reformado, vive na Praia da Areia Branca. Aos fins de semana, encontramo-nos no VIGIA - Grupo dos Amigos da Praia da Areia Branca. Conversa puxa conversa, vim a saber que tinha também estado na Guiné, em 1963/65, tendo passado por Bissau, Olossato, Catió e Ilha do Como (tendo inclusive participado na Op Tridente, dando apoio de artilharia).

Com os seus 85 anos (n. 1939), tem uma ótima cabeça e é grande contador de histórias. É uma apaixonado pela vida. E tem um riquíssima história de vida, que gosta de partilhar com os outros.

Por outro lado, ele também em comum comigo o conhecimento de Angola, onde viveu e trabalhou. Estava lá quando se deu o 25 de Abril. A sua empresa, a L. Dargent Lda, de que  o Zé Álvaro era diretor do departamento de trabalhos exteriores, fez a montagem da superestrutura metálica e cabos de suspensão da ponte na foz do Rio Cuanza em Angola.

A ponte do rio Cuanza (que alguns angolanos grafam como Kwanza), perto da foz, e que servia de ligação entre os antigos distritos (hoje províncias) de Luanda e Bengo, foi construída entre 1970 e 1973. O projeto é do eng. Edgar Cardoso. Fica a 75 km da capital.

Construída em aço e betão, esta ponte também conhecida como a ponte da Barra do Cuanza, tem em 400 metros de tabuleiro com 47 metros de altura, dois vãos externos de 70 metros e outro com 260 metros. O dono da obra na altura era a Junta Autónoma de Estradas de Portugal (JAEP).

O Zé Álvaro viveu, então, com a família (esposa e duas filhas), em Luanda no bairro da Sagrada Família, enquanto decorreu a obra (os trabalhos da empresa foram dados por comcluídos em março de 1974). 

Pouco tempo depois do 25 de Abril voltou a Lisboa. Continuou a ir a Angola, sempre que era preciso... Entretanto, conheceu outras empresas, a começar pela Sorefame: é, por isso, um ator e uma testemunha privilegiada das grandezas e misérias da nossa indústria metalomecânica pesada, cujas empresas, muitas delas, se afundaram com o pós-25 de Abril, as mudanças económicas, sociais e políticas operadas, a par da crise financeira, bem como da descolonização e, depois, com a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), já em1986...

Com Angola, a Guiné, o fado... e a história do trabalho e da indústria, como interesses em comum, temos sempre tema de conversa, enquanto passamos tardes agradáveis na varanda do VIGIA, que é reconhecidaente umas das mais fantásticas para se assistir a um pôr do sol sobre o Atântico: tem uma vista de 180 graus, do cabo Carvoeiro e Berlengas a norte/noroeste, e Santa Cruz, a sul...

2. O que eu não sabia é que o Zé Álvaro também era um talentoso escritor, tendo inclusive já publicado, em 2019, na Chiado Books, um livro autobiográfico ficcionado, o "Livro de C" (710 pp.), disponível em papel e em ebook. É um livro difícil de catalogar, logo à primeira leitura... A editora classificou-o como "não ficção".

O autor cedeu-me uma com cópia digital do manuscrito, que consta de duas partes. Trata-se de uma nova versão, aumentada, revista e melhorada.

O autor é o José Carvalho, o título mantém-se o mesmo, Livro de C. Em formato pdf, está dividido em dois volumes: volume 1 (328 pp) e volume 2 (357 pp.).  É um livro com múltiplas narrativas, desfasadas no tempo e no espaço. A separá-las, o autor teve a ideia de inserir fados em formato mp3, e acompanhados com a respetivas letra. 

Diz ele: cada volume é "reconstruído com alguns fados gravados, ao longo da vida, aqui inseridos como separadores e ornamento de narrativa".  Parte das letras (e algumas músicas) são  da sua autoria. Teremos ocasião de voltar a falar deste projeto singular, original, onde há lugar também para as memórias de guerra.

O Zé Álvaro aceitou o meu convite para integrar a nossa Tabanca Grande e autorizou-me a reproduzir excertos do seu manuscrito, entretanto, revisto e aumentado. (Não conheço o livro em papel, mas ele vai-se oferecer um exemplar, autografado.)

Falaremos mais, oportunamente, sobre este projeto literário  e o autor. C (inicial de Carvalho) era a letra do alfabeto pelo qual o pai, comerciante, o tratava. "Livro de C" tem, pois, um cunho marcadamente autobiográfico. Mas o livro é mais do que isso.



Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > s/l > s/d > c- 1963/65 > Fotos, sem legenda, do ex-alf mil art, José Álvaro Almeida de Carvalho, BCAC, Pel Art obus 8.8, m/943, que esteve 14 meses adido ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Em Catió, seguramenyte que conheceu o João Sacôto, da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66).


Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


3. O José Álvaro Almeida de Carvalho foi alferes miliciano de artilharia, pertenceu ao BAC (1963/65), esteve na Guiné, adido ao BCAÇ 619 (14 meses em Catió). Mas, antes, em Bissau também pertenceu a uma companhia de intervenção, de que comandava um pelotão, operando em Bissau e arredores. Esteve destacado no Olossato, com o seu pelotão de infantaria.  (E fez um assalto ao K3!).

Veio originalmente em rendição individual. Quando essa companhia de caçadores, acabou a comissão, o Zé Álvaro ficou no QT, em Bissau, a aguardar nova colocação. 

Sei que, nessa altura,  também pensou em oferecer-se para os comandos do CTIG, conheceu o Saraiva e o Godinho, do tempo do nosso Virgínio Briote. É possível até que tenham estado juntos, o Briote e o Carvalho.

Mas foi no sul, na região de Tombali, em Catió, como oficial de artilharia do BAC (Bateria de Artilharia de Campanha, obus 8.8 cm m/943) que ganhou a sua cruz de guerra de 3ª classe. (Curiosamente, o seu primo direito, meu conterrâneio, vizinho e amigo de infância, João Patrício, viria a ser  colocado em Catió, dez anos depois, como alf mil, CCS/BCAÇ 4510/72, jun72/jul74)(um batalhão que só tinha comando e CCS, não dispunha de subuniddaes operacionais orgânicas).

Cruz de Guerra, 3ª Classe Alferes Miliciano de Artilharia JOSÉ ÁLVARO ALMEIDA DE CARVALHO | BAC | GUINÉ

Transcrição da Portaria publicada na O.E. Nº 15 - 2ª série, de 1965.

Por Portaria de 29 de Maio de 1965:

Condecorado com a Cruz de Guerra de 3ª classe, ao abrigo dos artigos 9º e 10º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, do Quartel-General do Comando Territorial Independente da Guiné.

Transcrição do louvor que originou a condecoração. (Publicado na OS nº 42, de 21 de Maio de 1965, do CTIG):

Louvo o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, da BAC, porque, durante o período de catorze meses em que esteve destacado no Batalhão de Caçadores nº 619, foi sempre um Oficial zeloso, dedicado e muito competente, salientado-se a sua acção, principalmente, no campo operacional, em que foi utilíssimo o apoio, sempre eficaz, que soube dar com o seu pelotão em todas as operações em que interveio, nomeadamente, nas "Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate", contribuindo assim, dentro do seu âmbito, para o prestígio da Arma a que pertence.

Várias vezes se ofereceu para acompanhar o pessoal infante em operações, deslocando-se às zonas de contacto, para assim ver, "in loco", novas posições para as suas bocas de fogo, demonstrando a sua nobreza de carácter, a sua coragem e o desprezo pelo perigo.

Contribuiu imenso e com o seu pessoal, nunca se poupando a esforços, para o aperfeiçoamento dos trabalhos de organização do terreno e defesa do aquartelamento.

Pelas qualidades apontadas, este Oficial tornou-se digno de apreço e estima dos seus superiores e subordinados.

Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 5.° volume: Condecorações Militares Atribuídas, Tomo II: Cruz de Guerra (1962-1965). Lisboa, 1991, pág. 475.


4. Finalmente, e embora nos falte uma foto mais atual, e legendas para as fotos do seu álbum (que é diminuto), eu quero apresentar o José Álvaro Carvalho como o grão-tabanqueiro nº 890. É o seu lugar, sentado, à sombra do nosso poilão. 

Passa a ser mais um dos n0ssos "veteraníssimos", um dos poucos (com o Mário Dias e o João Sacôto, por exemplo) que participou na Op Tridente (jan / mar 1964).

Guiné 61/74 - P25683: Timor-Leste, passado e presente (9): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte I






Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia).



1. José dos Santos Carvalho foi médico de saúde pública, no território português de Timor, ao tempo da ocupação estrangeira da ilha (primeiro da parte dos australianos e holandeses, e depois dos japoneses). Médico de 2ª classe, exerceu as funções de chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene, em Lahane, 

O nosso amigo e camarada, membro da Tabanca Grande,  cor art ref Morais da Silva, descobriu, na Internet Archive, uma cópia, em formato digital, do  livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial". originalmente reproduzida  em;

https://archive.org/stream/VidaEMorteEmTimorDuranteASegundaGuerraMundial/VidaMorteTimor_djvu.txt 

O livro foi digitalizado e carregado, em 2010, no Archive.org,  por um sobrinho do autor ("Fernando in Lisbon"). Na dedicatória  lê-se: "Ao Fernando, com um abraço, muito amigo, do tio, José. Lisboa, 2/v/72".

A obra está disponível no Archive.org em vários formatos e  é apresentada como sendo do "domínio público". 

(Imagem à direita: Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp. , il... Livro raro, só possível de encontrar em alfarrabistas, ou então no Internet Archive, em formato digital; está registado na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, podendo ser enconttrado na Biblioteca Nacional de Portugal e no Instituto Científico d
de Investigação Tropical.)

 
Sinopse:

(...) Testemunho de um médico que se encontrava a prestar serviço em Timor quando se deu a invasão japonesa durante a segunda guerra mundial. Além de ser uma descrição emocionada das atrocidades alí­ cometidas, este livro é também uma homenagem a todos aqueles, Portugueses e Timorenses, que resistiram à ocupação, muitas vezes com o sacrifí­cio da própria vida, unidos numa causa comum - a libertação de Timor. Como médico, o autor incluiu também as suas notas sobre a situação sanitária no território, durante e após a invasão.

Outros livros deste autor que podem ser encontrados no archive.org: 

  • "A Santa Bárbara de Cimbres (1959)"; 
  • "Iconografia e Simbólica do Polí­ptico de São Vicente de Fora (1965)"; 
  • "Os Painéis da Confraria de São Roque Expostos no Museu de São Roque em Lisboa (1974)"; 
  • "O Retábulo da Conceição (Benção Nupcial a D. Manuel e D. Leonor) Exposto no Museu de São Roque em Lisboa"; 
  • "O Tríptico da Santa Casa da Misericórdia do Funchal - A Tapeçaria do Templo de Latona do Museu de Lamego"; 
  • "Quatro Painéis da Confraria do Salvador Provenientes do Mosteiro de São Bento Expostos no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa". (...)
É escassa a informação, na Net, sobre este português que teve o azar de estar em Timor, em 1942... Julgamos que ele fosse beirão (talvez de Lamego, distrito de Viseu), devendo ter nascido no início da República. 

Outros trabalhos do autor (que descobri na PorBase):

  • O políptico de S. Vicente de Fora e a Iconografia Médica Portuguesa do século XV / por José dos Santos Carvalho. Lisboa : [s.n., 1968.
  • A Sé Catedral de Lamego / José dos Santos Carvalho. Lamego : Paroquial da Sé : Gráf. de Lamego, 1966.

O livro que escreveu sobre Timor,  baseia-se nas suas recordaçõe e registos  pessoais bem como nas memórias de outros portugueses, seus companheiros de infortúnio.

Em anexo, o autor publica também os relatórios anuais do serviço de saúde (pp. 142-194), que têm igualmente interesse documental para  a historiografia da presença portuguesa em Timor, relatórios esses que ele nunca deixou de fazer, anualmente, apesar das dramáticas circunstâncias em que teve de exercer as suas funções de médico de 2ª classe, chefe interino da Repartição Técnica de Saúde e Higiene.

O livro, de 208 pp.,  ilustrado com algumas fotografias, foi escrito, em 1970, quando passavam  já 25 anos sobre o fim da ocupação japonesa do território de Timor e a libertação dos prisioneiros portugueses, timorenses e outros. Foi composto e impresso na Gráfica Lamego e publicado pela Livraria Portugal, 1972, editora que já não existe. 




2. Vamos publicando notas de leitura e excertos do livro, de modo a permitir conhecer melhor este período da história de Portugal, em que Timor foi o único pedaço do Império que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, na altura da II Guerra Mundial (entre dezembro de 1942 e setembro de 1945).


(...) Explicação Prévia (pp. 3-9)

 Todos os portugueses que então aí viviam, fossem eles timorenses, metropolitanos, goeses, madeirenses, africanos ou macaenses, estiveram sujeitos a prolongado e pertinaz suplício que estóica e patrioticamente suportaram, apesar de terem sido despojados de qualquer meio de comunicação com o mundo e de defesa contra a doença e, os que foram obrigados a reunir-se numa zona de concentração, submetidos a privações extremas de alimentos, medicamentos, artigos de vestuário, de higienee de conforto ,etc, numa palavra, de quase todo o essencial a uma via saudável e decente.


O autor esclarece que não foi apenas uma invasão estrangeira mas duas, as que vieram perturbar "a perfeita ordem e a serena paz" (sic)  em que até então ali se vivia:

(...) Duas invasões por tropas estrangeiras vieram destruir a perfeita ordem e serena paz que em Timor desfrutavam portugueses de diversas naturalidades e crenças, mas unidos fraternalmente num mesmo ideal patriótico e de amor pela fascinante terra em que haviam nascido ou trabalhavam.

Deram o exemplo de desprezo pela soberania de Portugal as forças australiano-holandesas que desembarcaram em Díli a 11 de Dezembro de 1941, não obstante a firme e decidida oposição do governador Ferreira de Carvalho, esse português de ouro do mais puro quilate, que, sem possibilidade de se impor pelas armas, energicamente protestou contra tão aleivosa afronta a um país neutral, aliado de Inglaterra, ainda mais!

Mas, não ficou por aí o atropelo à autoridade portuguesa. Já instalado em Díli, o tenente-coronel holandês Van Stratten, comandante das forças aliadas, impôs ao Governador a deslocação para longe da cidade do aquartelamento da Companhia de Caçadores de Timor, única força válida de que os portugueses dispunham, com a ameaça de a mandar desarmar, se assim não fosse, dando como motivo de tão vexatória decisão, o ter recebido informação de que a companhia se preparava para as atacar! (...)

Apesar de tudo, o comportamento das duas tropas invasoras não são comparáveis, sendo o autor muito mais  crítico do projeto imperalista e totalitário dos japoneses, ao mesmo tempo que não perde a oportunidade de exaltar o portuguesismo das gentes de Timor e marcar o seu alinhamento pela política de "neutralidade" do país face ao conflito mundial: 


(...) Não teve esta invasão efeitos maléficos de monta sobre a vida material da população, porém, da levada a efeito pelos japoneses resultaram inúmeras e variadas consequências funestas pois certamente se aperceberam de que o desenvolvimento em Timor da ideia da Grande Ásia Oriental (eufemismo com que encobriam o seu desígnio de se tornarem senhores de toda ela) somente poderia realizar-se na condição de serem profundamente abaladas a fé patriótica, assim como a amizade e a confiança dos naturais timorenses nos seus irmãos de álém-mar.

Para atingirem esse objectivo dedicaram-se os nipões a vexar duramente estes últimos e a procurar desprestigiá-los perante os nativos da ilha, servindo-se dos meios mais desleais e hipócritas.

A propaganda contra Portugal era prática sistemática dos segundos invasores que não escondiam o desprezo do «Império Imperial do Grande Japão» pelos europeus que tão fácil e surpreendentemente até então haviam conseguido derrotar e quase aniquilar.


 (...) Sabiam bem que os soldados australianos e holandeses refugiados no interior da ilha e que seriamente os molestavam e dizimavam quando saíam de Díli, somente podiam aguentar-se na guerrilha que faziam por serem fornecidos de alimentos e ajudados por todos os meios não só pelos timorenses como por todos os nativos doutras terras, havendo somente a diferença de que a maior parte o faziacom as devidas cautelas, aparentando neutralidade, ao passo que alguns outros tomavam atitudes tão abertamente parciais que nos comprometiam, sem necessidade, perante os japoneses. (...)

 
A estratégia dos japoneses  era claramente a de segregar e separar timorenses e não-timorenses, se não a bem, a mal, pelo terror.  Sabe-se, por outro lado, que a guarnição militar de Timor tinha um efetivo total de três oficiais, sete sargentos e cerca de 3 dezenas de  cabos metropolitanos, mestiços e nativos;  e não mais de 3 centenas de soldados do recrutamento local, mal treinados e pior equipados.

(...) Continuando na sua obra demolidora, recrutaram no Timor Holandês centenas de indígenas com os quais, enquadrados por árabes e chineses, constituíram as famigeradas "colunas negras". Ora, esses timorenses da parte ocidental da ilha odiavam francamente os europeus, avaliados pelo padrão holandês que nunca conseguira, nem provavelmente pretendera, captar a sua amizade, o que bem fácil seria, a exemplo da parte portuguesa, se os considerassem, em tudo, como seres humanos seus iguaise não como espécimes duma raça inferior.

Lançadas as "colunas negras" pelo interior da ilha, sempre veladamente amparadas pela tropa nipónica que punha todo o cuidado em não se misturar com elas, por toda a parte se registaram assassinatos de pessoas indefesas, violências e depredações de toda a espécie.

As autoridades portuguesas prontamente reagiram, seguindo para as regiões afectadas expedições constituídas por militares e por voluntários civis, com o fim de castigar os culpados e restabelecer a ordem. Heroicamente se comportaram esses valentes e destemidos homens, tendo morrido em combate o cabo Paulo Moreira, o soldado Abel Soares dos Santos e o civil, António Fernão Magalhães, porém a sua missão foi integralmente cumprida. (...)

E aqui se conta como uma dessas "colunas negras", oriunda de Atambua,  atacou à traição o aquartelamento da Companhia de Caçadores de Timor, em 1 de outubro de 1942, provocando aquilo a ques e chamou a "chacina de Aileu" (Aileu ficava a sul de Dili, vd. mapa):

 (...) Uma "coluna negra" formada por timorenses da cidade de Atambua, na parte holandesa, assaltou o aquartelamento da Companhia de Caçadores de Timor, então situado em Aileu. Ataque traiçoeiro, a coberto do escuro da noite, não permitiu uma defesa eficaz, morrendo, combatendo, os cabos Evaristo Madeira e Júlio António da Costa, os soldados Álvaro Henrique Maher e João Florindo e vários soldados timorenses.

O comandante da companhia, capitão Freire da Costa, que com sua esposa, o médico dr. Arriarte Pedroso, o secretário de circunscrição Gouveia Leite e o chefe de posto auxiliar António Afonso, se encontravam reunidos na residência do comandante, suicidaram-se para não caírem nas mãos dos selvagens que atacavam a casa e lançavam fogo às suas dependências, os quais, certamente, os torturariam e sujeitariam aos piores vexames. (...) 


O antigo palácio dos governadores, em Lahane
datando de 1933, em estilo art déco, colonial. 
Restaurado.
Foto: cortesia de Wikimedia Commons

Na impossibilidade comunicar com 
o  Governo central (cuja política , de resto, era a da "estrita neutralidade" 
e de não-confrontação  com as tropas nipónicas de modo a garantir a "manutenção da soberania portuguesa", a todo o custpo), enfim, com a certeza de que nunca viriam  reforços de Lisboa (via Moçambique ou de Macau), e face ao número crescente de acções hostis contra os portugueses e a populução autóctone,  o Governador, o capitão Manuel Abreu Ferreira de Carvalho (1940- 1945) não teve outra solução se não aceitar a vontade do ocupante, que era a de separar e concentrar os não-timorenses nas povoações de Lahane  (na encosta sobranceira a Dili),  Liquiçá  e Maubara (a oeste de Dili) (vd. mapa). 

(...)  Foi nestes campos de detenção que "se passaram três infindáveis anos de permanente terror, fome e extrema miséria em que nos tornámos 'esqueléticos, quase irreconhecíveis à primeira vista', tal como nos encontrou o Dr. Cal Brandão, no fim da guerra, voltando da Austrália." (...)

 Mas foram esses esqueletos ambulantes, verdadeiros fantasmas de si próprios, que seguiram impavidamente para o interior da ilha onde, desde há anos, os nipões faziam, certamente, propaganda assassina contra eles! (...)

Refira-se que o dr. Carlos Cal Brandão (1906-1973) era um advogado do Porto, deportado para Timor em 1931, que se irá mais tarde juntar aos australianos na resistência ao ocupante japonês.

Na hora da libertação, três anos e meio depois, "as bandeiras verde-rubras logo surgiram por toda a parte, retiradas dos esconderijos onde ciosamente haviam sido resguardadas pelos timorenses":

(...) No dia 19 de setembro de 1945, data a todos os títulos memorável na nossa história, a bandeira da Pátria desfraldava-se orgulhosamente em todas as localidades importantes eem muitas povoações timorenses enfim libertadas da opressão estrangeira.

Três dias depois amarou na baía de Díli um hidroavião australiano transportando um representante do brigadeiro Dyke que em Koepang já havia recebido a rendição das tropas japonesas. (..:)

(...) A 27 de Setembro ancoraram na baía de Díu os avisos Bartolomeu Dias e Gonçalves Zarco, com tropas vindas de Lourenço Marques. (..)

O autor, nesta síntese dos anos que passou em Timor, faz o balanço das vítimas (subestimado em relação aos timorenses):

(... ) Contaram-se muitas centenas de timorenses assassinados, mortos em combate ou falecidos na prisão e, entre os não-nativos de Timor, pelo menos, trinta e sete assassinados, dez mortos em combate, seis mortos por suicídio, vinte falecidos ao abandono no interior da ilha onde andavam foragidos e oito que miseravelmente acabaram os seus dias no cárcere japonês, vítimas de violências e, sobretudo, da privação de alimentos e da falta de condições higiénicas e de qualquer espécie de assistência na doença. (...)

 Único sobrevivente dos quatro médicos que estavam ao serviço da administração colonial (dois morreram de morte violenta), o dr. José dos Santos Carvalho vai começar a sua narrativa com a sua história de vida, quando em meados de 1940 é colocado em Timor como médico de 2ª classe, do "quadro comum colonial". 

Muito resumidamente, descreve-se aqui a verdadeira odisseia que era, para um funcionário colonial,  em plena II Guerra Mundial, chegar, a partir de Lisboa, a um território tão longínquo como Timor, no Sudoeste Asiático:

(i)  o autor não pôde, obviamente,  fazer  a viagem pelo canal de Suez, mas seguir peçla rota o Cabo (cerca de 19,5 mil km até Dili);

(ii) viajou até Lourenço Marques, transportado no vapor "Niassa".

 (iii) na capital de Moçambique teve de  aguardar dois meses (!) até poder embarcar,  num vapor holandês, o "Tasmam",  com destino a Singapura;

(iv) a bordo encontrou outros compatriotas que iam para Timor: o coronel de aeronáutica Jorge Castilho, e o engenheiro Canto Resende, chefe e adjunto da Missão Geográfica de Timor, respetivamente; o dr. Tarroso Gomes, funcionário do serviço da Fazenda;  os funcionários administrativos Botelho Torresão e Silva Marques e o sargento da marinha Luís de Sousa, auxiliar da referida missão geográfica.

 (v) passados dias , embarcaram num "grande e luxuoso navio", o "Op Tèn Noort" que os transportou a Malaca, a Batávia (atual Jacarta) e a Soerabaja:

 (...) Pelas Índias Holandesas notava-se um ambiente febril de preparação guerreira, sendo frequente o encontro de campos de treino onde militares holandeses exercitavam recrutas javaneses. De facto, sentia-se evidente e iminente a ameaça nipónica a Singapura, à Insulíndia e à Austrália, pois os japoneses que há três anos se encontravam em guerra com a China, haviam aproveitado o facto de a França se encontrar manietada pelos alemães e conseguido dos governadores militares da Indochina a sua ocupação militar e levado, logo depois, as suas tropas, de setembro a novembro de 1940, à Indochina do Sul, à Tailândia e ao Cambodja.(...).

 Em Soerabaja estiveram três dias...

(vi) embarcando depois  num pequeno navio, o "Valentijn", que tocou em vários portos das pequenas ilhas de Sonda entre as quais a capital de Bali;

 (vii) em  21 de dezembro de 1940 chegam a Koepang, capital da parte holandesa da ilha de Timor;

 (viii) na noite de 29 fundeavam, finalmente, na baía de Díli; 

(ix) em Timor o autor iria ter apenas um ano de paz.

 (Continua)

(Excertos, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos: MS/LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25661: Timor Leste: passado e presente (8): Os últimos soldados do império que estiveram prisioneiros do IN, na Indonésia (de setembro de 1975 a julho de 1976): tiramos o quico, o chapéu, a boina, o barrete, o boné... à Ephemera - Biblioteca e Arquivo do José Pacheco Pereira