Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27459: Efemérides (475): Mais de cem anos depois do Armistício de 11 de novembro de 1918, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, é essencial registar o percurso de Portugal até esse conflito e os seus impactos (José Marcelino Marins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)



Loures e Odivelas na Guerra
(Memória, Sacrifício e Monumentos)

José Marcelino Martins

Mais de cem anos depois do Armistício de 11 de novembro de 1918, que encerrou a Primeira Guerra Mundial, é essencial registar o percurso de Portugal até esse conflito e os seus impactos. Num período de grandes crises políticas, financeiras e económicas, Portugal conseguiu ainda defender a sua soberania e os territórios ultramarinos. Este artigo recupera a memória desta geração de Combatentes e o preço da guerra para a Nação.


Do mapa Cor-de-Rosa ao fim da Monarquia

Em 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro do ano seguinte, realizou-se em Berlim uma célebre conferência que reuniu catorze países com interesses em África. Portugal apresentou duas propostas: o denominado “Mapa Cor-de-Rosa”, que pretendia ligar Angola a Moçambique, e o direito de posse fundamentado na “descoberta ou achamento”. Ambas foram liminarmente rejeitadas. A partir daí, a ocupação efetiva dos territórios tornou-se condição essencial para o reconhecimento internacional da soberania legitimando, inclusive, anexações pela via militar.

Em 30 de janeiro de 1892, como resposta à grave situação das finanças públicas, o governo instituiu impostos extraordinários. Os rendimentos do trabalho (ordenados, soldos e pensões) estavam sujeitos a taxas entre 5% e 20%, enquanto os rendimentos prediais, de capitais e industriais podiam atingir 30%. Paralelamente, Portugal foi obrigado a renegociar a sua dívida externa.

Entre 1895 e 1910 intensificaram-se as chamadas Campanhas de Ocupação em África. Esta campanha era para “ocupar efetivamente” o território, mas provocaram forte resistência das populações locais, determinadas na defesa da sua autonomia sob a liderança de chefes regionais. A persistência dos combates deu origem às designadas Campanhas de Pacificação, realizadas com forças expedicionárias metropolitanas de cerca de 650 a 700 homens, compostas por infantaria, artilharia e cavalaria, serviços de saúde, engenharia e administração.

Perante a contínua asfixia financeira, o deputado José Bento Ferreira de Almeida (1847-1902), Capitão-de-Mar-e-Guerra e antigo ministro da Marinha e Ultramar, propôs, na sessão parlamentar de 12 de janeiro de 1902, uma medida extrema: a venda das colónias portuguesas, com exceção de Angola e São Tomé e Príncipe. O objetivo seria liquidar a dívida externa e utilizar o eventual excedente para dinamizar a economia nacional.

(Curiosamente, sessenta anos mais tarde, em 12 de janeiro de 1962, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Alberto Franco Nogueira (1918-1993), entregou a António de Oliveira Salazar (1889 - 1970) um documento intitulado “Notas sobre a Política Externa Portuguesa”. Nele defendeu a entrega de Macau à China, de Timor à Indonésia e a abertura de conversas condutoras à independência da Guiné e de São Tomé e Príncipe. Propunha ainda que Portugal mantivesse apenas Angola, Moçambique e Cabo Verde. Ao receber o documento, Salazar anotou: “Começado a analisar com o ministro dos Negócios Estrangeiros numa das nossas conferências”) (Revista Expresso, 31 de agosto de 2002, p. 12).


A República e o caminho para a guerra

Quando a República foi proclamada, a 5 de outubro de 1910, uma das primeiras medidas de vulto foi a reorganização do Exército. O serviço militar tornou-se obrigatório para todos os jovens, que passavam inicialmente por uma escola de recrutas, com formação de 15 a 30 semanas. Nos dez anos seguintes foram chamados ainda em períodos regulares de instrução de duas semanas. Criaram-se também escolas de quadros para preparação de oficiais milicianos. Estava previsto um corpo permanente de 11.210 militares: 1.870 oficiais e 9.540 praças e sargentos.

Tal como aconteceu no regime monárquico, o governo republicano não esqueceu a prioridade das possessões ultramarinas. Pouco a pouco, as forças militares instaladas nas colónias foram colocadas sob a tutela do recém-criado Ministério das Colónias (3 de setembro de 1911), embora mantendo uma ligação operacional ao Ministério da Guerra. Esta dualidade prolongou-se até 1959, altura em que a reorganização do Ministério do Exército lhe devolveu a jurisdição plena sobre os territórios ultramarinos.

No plano interno, os primeiros tempos da República ficaram marcados pelas investidas monárquicas de Paiva Couceiro (1861-1944). Entre 1911 e 1912, as suas incursões mantiveram uma instabilidade no norte do país, com combates e escaramuças. Foram silenciadas definitivamente com a batalha de Chaves, em 8 de julho de 1912.  Se internamente a República se consolidasse, externamente enfrentaria ameaças graves: o alegado acordo secreto entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. Confirmado por alguns e negado por outros, punha em risco a velha aliança anglo-portuguesa e, sobretudo, a continuidade da presença portuguesa em África. Portugal encontrou-se numa posição delicada: Angola partilhava fronteira com o Sudoeste Africano Alemão e Moçambique com a África Oriental Alemã.

Em 13 de agosto de 1913, foi assinado um novo protocolo que retomou o acordo de 1898, prevendo uma partilha ainda mais ampla das colónias portuguesas. A 20 de outubro desse ano, o entendimento foi rubricado e, semanas depois, reforçado no Reichstag, onde o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros proclamava o “êxito” das negociações. A França reagiu e, em fevereiro de 1914, o embaixador francês em Londres avisou que esta aproximação entre Londres e Berlim punha em causa o Acordo Cordial franco-inglês.

Em 3 de agosto de 1914, a Alemanha invadiu a Bélgica, violando o tratado de 1831, que consagrava a sua neutralidade perpétua. No dia seguinte, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha. A Europa estava em guerra e não demoraria para que Portugal fosse chamado a escolher um lado.

Quando o Congresso da República se reuniu extraordinariamente, em 7 de agosto de 1914, para aprovar um documento relativo à Grande Guerra - que tinha sido iniciada em 28 de julho desse ano, quando o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Sérvia - Portugal já enfrentava graves problemas políticos, económicos e coloniais. O conflito europeu viria assim apenas agravar uma conjuntura já marcada por instabilidade e incerteza.


África e a entrada antecipada na Grande Guerra

Em setembro de 1914, Lisboa enviava a 1.ª Expedição a Angola, com 1.526 militares, e no mesmo dia, uma outra com 1.539 militares para Moçambique. Pouco depois, em 11 de novembro, partiu o 1.º reforço de 2.803 soldados para Angola. A mobilização contínua em 1915: em janeiro, mais 4.318 homens foram enviados para reforço e, em setembro, a 2.ª Expedição para Angola, com 1.789 efetivos. Entretanto, para Moçambique, também foi destacada uma 2.ª Expedição com 1.558 militares.

As pressões cresceram quando, em fevereiro de 1916, o governo britânico pediu oficialmente a Portugal que, “em nome da aliança luso-britânica”, apreendesse todos os navios mercantes alemães que se encontrassem nos portos portugueses e ultramarinos. A missão, cumprida a 23 de fevereiro pelo capitão-de-fragata Jaime Daniel Leote do Rego (1867-1923), desencadeou protestos violentos em Berlim. Poucos dias depois, a 9 de março, o representante alemão, Rosen, entregou pessoalmente ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Luís Vieira Soares (1873-1954), em Lisboa, a declaração formal de guerra. Foram apenas quinze minutos de reunião - mas mudariam para sempre o destino de Portugal.

A 15 de junho de 1916, o governo britânico fez um convite formal a Portugal para que participasse nas operações militares ao lado dos Aliados. O Parlamento aceitou esta convocação a 7 de agosto, numa altura em que já decorriam as célebres “Manobras de Tancos”, que reuniram cerca de 30.000 militares provenientes de todas as divisões do país. Enquanto isso, foi organizada a 3.ª Expedição para Moçambique, composta por 4.386 militares, que embarcaram em vários navios entre maio e julho de 1916.


O Corpo Expedicionário Português Rumo a França

No início de 1917, deu-se a grande viragem: a 3 de janeiro ficou previsto que o Corpo Expedicionário Português (CEP) atuasse integrado na Força Expedicionária Britânica (BEF). Poucos dias depois, a 17 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 2938 formalizou oficialmente a criação do CEP. A 30 de janeiro, o primeiro comboio de tropas partiu para França em navios britânicos. Até agosto de 1917, foram realizadas 50 viagens, transportando 55.165 militares portugueses para a frente europeia. Entre eles estavam soldados que já tinham sido combatentes em África. Enquanto isso, Moçambique continua a receber reforços: a 4.ª Expedição, entre julho e outubro de 1917, levou mais 5.267 homens, a que se juntou um reforço adicional de 4.509. Para Angola, seguiram dois pequenos contingentes: 566 militares em 1917 e 746 em 1918.

A 11 de novembro de 1918, às 11 horas, soava o armistício e o fim das hostilidades. Mas, para os militares portugueses, o regresso à casa não começou de imediato. O esforço de guerra prolongar-se-ia, marcando profundamente a vida nacional e a memória de uma geração.

Portugal combateu em diferentes frentes durante a Grande Guerra - tendo mobilizado aproximadamente 105.000 militares para África e Europa - morrendo 8.787 e ficando feridos entre 5.000 a 16.000.


Entre 1914 e 1918, Loures viu centenas de seus filhos irem para as frentes da Primeira Guerra Mundial e para África - alguns não regressaram, outros voltaram mudados para sempre. Este artigo regista os nomes, as histórias e o legado desses lourenses, bem como os monumentos que perpetuam a sua memória.

Loures, vila às portas de Lisboa, conquistou o título de “concelho” em 26 de julho de 1886, guarda na memória coletiva páginas de coragem e sacrifícios que ecoam até hoje. Durante a Primeira Guerra Mundial, muitos lourenses deixaram as suas terras para combater em Angola, Moçambique e França. O mais velho, nascido em 1879, partiu com 38 anos; o mais novo, nascido em 1898, tinha apenas 20. No total, cerca de 304 homens do concelho foram mobilizados para diferentes frentes. Oito deles, após servirem em África, integraram o Corpo Expedicionário Português e seguiram para a Europa, elevando para “aproximadamente” 312 o número de lourenses envolvidos neste capítulo marcante da história nacional.

A cada nova partida, crescia a ansiedade entre famílias e amigos, à medida que se formavam sucessivos contingentes: em 1914, três partiram para Angola e cinco para Moçambique; em 1915, nove para Angola, quatro para Moçambique e um para serviço marítimo; em 1916, dez para Moçambique, dois para a Madeira e um para o mar; em 1917, 257 para França e dez para Moçambique; e em 1918, cinco para França e um para Moçambique. Quatro casos permaneceram sem registo documental.

As notícias que chegavam eram muitas vezes vagas e sombrias, trazendo o peso das batalhas, da doença e da dureza do conflito. Entre 1916 e 1919 tombaram em campanha 19 lourenses: 1916 - um em Angola e três em Moçambique; 1917 - um em Angola e três em Moçambique, como no ano anterior; 1918 - seis em França e três em Moçambique; 1919 - já após o fim da Grande Guerra, um em França e outro em Moçambique. A ausência de um corpo para velório e luto tornava a dor ainda mais profunda, deixando famílias presas entre a dúvida e a esperança. Apesar disso, também houve regressos, embora num ritmo lento, fosse por conclusão de missão, doença, acidente ou licença. Entre 1915 e 1919, centenas regressaram vindos de vários teatros de guerra, numa dolorosa reconciliação com a vida e com o lar, marcada pelos sacrifícios e pela falta dos que não regressaram.

Em 1915 regressaram três de Angola e cinco de Moçambique; em 1916, seis de Angola e um de Moçambique; em 1917, um de Angola, seis de França, um da Madeira, um da Marinha e dois de Moçambique; em 1918, 68 de França, um da Marinha e sete de Moçambique; e em 1919, 179 de França, um da Madeira e quatro de Moçambique. Existem ainda sete casos sem dados sobre o ano de regresso.

O luto, mais pesado pela ausência do militar e do próprio corpo, deixou uma ferida aberta na comunidade. Faltava um espaço físico onde, nos momentos de maior saudade, se pudesse homenagear os que partiram, “conversando com eles” mesmo no silêncio. Esta necessidade era ainda mais sentida por órfãos, viúvas e principalmente por quem perdeu um filho, pois permanece até hoje o mistério - e a dor - de a língua portuguesa não ter uma palavra que define “pais que perderam um filho”. Uma saudade imensa, um luto sem fim, que apenas o tempo e a memória proporcionam entrelaçar e transmitir às próximas gerações.

As comunicações às famílias, baseadas nas informações prestadas pelas subunidades combatentes, eram muitas vezes vagas e lacónicas - e a ausência do corpo levantava uma dúvida: entre tantos soldados com nomes idênticos, não teria ocorrido engano? Não estaria aquele filho, afinal, ainda a caminho de casa?

A partida para os diferentes Teatros de Operações, sobretudo para França, fez-se ao longo de quase dez meses; para África, foram efetuadas duas a três viagens por ano. Os regressos davam-se por missão cumprida, incapacidade física, convalescença ou licença. Este retorno, contudo, foi quase sempre lento e marcado pela incerteza, sobretudo porque o repatriamento dos homens que serviram na frente francesa se prolongou por todo o ano de 1919. O luto, assim, mantinha-se - pesado, prolongado e sem corpo a velar, fator fundamental para o ritual da despedida. E continuou a faltar um local de homenagem, onde os mais fragilizados poderiam render tributo, conversando com os ausentes no silêncio das recordações. Esta “terapia silenciosa” ainda hoje conforta órfãos, viúvas e aqueles que perderam os filhos em quem depositaram sonhos e futuro. Na realidade, não foram apenas os familiares, amigos ou vizinhos que sentiram a ausência de “algo” que não regressou no final do conflito. Também a sociedade civil, no seu conjunto, partilhou essa sensação de perda e a necessidade de preservar a memória coletiva. Foi nesse contexto que, a 30 de julho de 1919, a Junta Patriótica do Norte lançou uma proposta para a criação de “padrões” que, através dos tempos, evocavam os que combateram na Grande Guerra e apresentavam uma devida homenagem.

A designação “monumentos”, teve origem numa decisão do governo da época, inspirada nos marcos e padrões deixados pelos portugueses nas suas viagens pelo mundo. O primeiro monumento erguido em Portugal foi inaugurado em 24 de setembro de 1919, por iniciativa de combatentes naturais da freguesia das Cortes, no concelho de Leiria. Com o apoio da população local foi construído no ponto mais alto da freguesia - símbolo de honra, sacrifício e memória.

Na sua tese de doutoramento “Políticas da Memória da I Guerra Mundial em Portugal (1918-1933) - Entre a Experiência e o Mito”, a doutora Sílvia Correia classifica os monumentos da Grande Guerra em quatro tipologias: “Vitorioso”, “Patriótico”, “Cívico” e “Funerário”. Ao Monumento de Loures é atribuída a dupla classificação “Patriótico/Funerário”, refletindo a sua simbologia de heroísmo e luto. De acordo com o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (SIPA), trata-se de um “monumento comemorativo da participação portuguesa na I Guerra Mundial, com um grupo escultórico representando uma cena de combate, com figuras de grande expressividade”.

Embora exista um processo administrativo contendo planta e alçados, não foi encontrada qualquer memória descritiva nem representação completa da escultura. Na ausência desses registos, a interpretação mais aceite é a de que a componente “patriótica” se manifesta na parte traseira do monumento, representando uma trincheira após uma incursão inimiga.
Frente do Monumento de Homenagem ao Combatente da Grande Guerra - Loures
Lateral direita do Monumento
Lateral esquerda do Monumento
Traseira do Monumento

A peça de artilharia de campanha de fabrico francês - calibre de 7,5 cm TR m/1904 fabricada pela Schneider Frères & Cie - operada por uma guarnição de seis militares:
comandante, apontadores e serventes, apresenta-se em posição de tiro horizontal, embora pareça bastante elevado devido à especificidade natural do terreno.  Na figurativa destacam-se duas esculturas humanas. Um dos militares, possivelmente um oficial tombado no terreno, segura na mão uma pistola de fabrico americano - provavelmente uma Savage 7,65 mm m/1915, fabricada pela Savage Arms Company, e distribuída como arma de defesa pessoal. Esta imagem simboliza o sacrifício máximo exigido a um combatente: “a entrega da vida pela Pátria”. O outro militar, em vigia junto da trincheira, empunha uma espingarda Lee-Enfield (SMLE) Mark III de 7,7 mm M/1917 de fabrico inglês. Essa representação evoca a firme determinação de cumprir a missão, mesmo ferido ou em perigo iminente, simbolizando a persistência em defender uma posição confiável. Toda a componente figurativa do monumento é realizada em betão armado.

Depois de se consultar as plantas conservadas no Arquivo Municipal de Loures, reforça-se a ideia de que o monumento foi concebido para representar a entrada simbólica de um espaço cenotáfio - um local construído em memória dos combatentes lourenses sepultados em vários cemitérios da Europa.
Vista Geral do monumento da Grande Guerra de Loures ladeado pelas lápides

O frontispício é formado por dois contrafortes dispostos em posição oblíqua às paredes laterais do monumento, que vão perdendo altura gradualmente, indicando uma descida abaixo do solo. Estes contrafortes de base retangular composta por grandes blocos graníticos, mantém a face interior vertical, terminando em forma quadrangular, com capitéis retos que sustentam, no topo, duas esferas armilares - símbolos universais da identidade portuguesa e da sua história.  Sob um arco de volta perfeito em mármore branco, destaca-se uma Cruz de Guerra, parcialmente suspensa ao centro, acompanhada da inscrição “Aos Mortos da Grande Guerra”. Este seria, originalmente, o acesso ao interior do monumento, que posteriormente seria fechado com pedras e sobreposta por uma moldura onde foram gravados os nomes dos militares naturais do concelho, de que se tinha conhecimento, que tombaram em combate.
Lápide Grande Guerra
Lápide Guerra Ultramar

Para a recolha dos nomes dos lourenses mortos na guerra, tanto em África como na Europa, foram oficiadas todas as juntas de freguesia do concelho através de uma circular datada de 6 de setembro de 1929, assinada pelo Capitão Francisco Marques Beato, combatente em França, então presidente da Câmara Municipal de Loures (32.º presidente, com mandato entre 12 de julho de 1926 e 6 de outubro de 1931).

Foi precisamente durante o seu mandato que se concretizou a inauguração do monumento. De acordo com o livro “In Memorian”, editado pela Câmara Municipal de Loures em novembro de 2016, na Parte II, assinado por Jorge Aniceto e Pedro Rocha, leia-se na página 94: “No dia 8 de Dezembro de 1929, dedicado a Nossa Senhora da Conceição (e às mães), foi finalmente inaugurado o Monumento aos Combatentes do Concelho de Loures mortos na Grande Guerra, o segundo a ser erigido no distrito de Lisboa. O autor do projeto foi Fernando Soares, um conhecido empresário da época. Embora simples, o monumento é expressivo.” 

No verso de um postal de época, editado pela própria Câmara Municipal de Loures e com fotografia do monumento, encontra-se o seguinte texto:
“O envolvimento português na Grande Guerra arregimentou quase 200 mil homens, oriundos de todo o território nacional, incluindo o concelho de Loures. Aqui, o recrutamento militar atingiu largas dezenas de jovens. Todos partiram, mas alguns não regressaram. Ao todo tombaram quase 10 mil no campo de batalha. O heroísmo destes homens foi alvo de uma sentida homenagem dos seus conterrâneos, abraçada por Francisco Marques Beato, presidente da autarquia, militar e combatente que, solicitando a colaboração das juntas de freguesia garantia a realização de uma angariação de fundos para a execução do projecto da autoria do construtor civil Fernando Soares e que estava orçamentado em 25 contos. Assim, a 8 de Dezembro de 1929, dia de Nossa Senhora da Conceição (correspondia, à época, ao dia da Mãe), numa cerimónia que contou com a presença de diversas entidades públicas, Oficiais do Exército, representantes dos combatentes de Arruda, Loures e Lisboa, e de muitos populares que fizeram questão de se associar a este tributo, inaugurou-se o Monumento aos Combatentes do Concelhio de Loures Mortos na Grande Guerra, localizando-se ainda hoje no centro da vila (elevada a cidade em 1990), em lugar de destaque no jardim da Praça da Liberdade, em frente aos Paços do Concelho.”


No dia 8 de dezembro de 1929, o vespertino “O Povo” destacou a inauguração do Monumento aos Combatentes de Loures na sua página 4. Nos dias seguintes, o acontecimento continuou a ser amplamente noticiado, com referências nos jornais “28 de Maio” (edição de 10 de dezembro, página 4), “ABC” (edição de 12 de dezembro, página 8) e “Notícias Ilustradas” (edição de 15 de dezembro, páginas 10 e 11), refletindo a importância nacional e o impacto local desta homenagem.

Durante o serviço militar, o reconhecimento pelos méritos e pelo sacrifício dos soldados chega, muitas vezes, em forma de medalhas e condecorações. Estas insígnias, distinguem atos de bravura, determinação e dedicação. Durante a Primeira Guerra Mundial, os militares de Loures, não foram esquecidos: cinco receberam a insígnia da “Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito”, grau comendador; cinco foram distintos com a “Medalha Militar da Cruz de Guerra”, uma de terceira classe e quatro de quarta; um militar com a “Medalha Militar de Comportamento Exemplar” nos graus Cobre e Prata; 43 lourenses receberam “Medalhas militar Comemorativas das Campanhas”, com registo de serviço em Angola, Moçambique, França ou na Defesa do Campo Entrincheirado de Lisboa; A “Medalha Militar da Vitória” acordada pelos aliados após a vitória, foi igualmente entregue a 43 combatentes. Houve ainda espaço para distinções de um militar com a “Medalha de Dedicação da Cruz Vermelha Portuguesa, e dois com a Medalha de Conduta Distinta (Distinguished Conduct Medal) atribuída pelo Rei de Inglaterra, Eduardo VII, e ainda foram atribuídos mais vinte e um louvores individuais.

Em novembro de 1968, Loures voltou a ser palco de homenagem aos seus combatentes, no cinquentenário do Armistício da Primeira Guerra Mundial. Junto ao monumento, agora enriquecido com uma nova placa em bronze comemorativa dos 50 anos da paz, reuniram-se militares, autoridades e população, numa cerimónia presidida pelo autarca Joaquim Dias de Sousa Ribeiro. O gesto, público e simbólico, reforça o orgulho e o respeito da comunidade por aqueles que defendem a Pátria, assegurando que o legado dos que serviram permanece presente na vida cívica do concelho.

Décadas depois, este sentimento de memória e reconhecimento foi novamente colocado em destaque. Em 2014, sob a presidência de Bernardino Soares (mandatos de outubro de 2013 a outubro de 2021), o Município de Loures prestou homenagem aos seus combatentes da Grande Guerra. No dia 25 de julho, durante as comemorações do 128.º aniversário da elevação de Loures a concelho, foi anunciada a reabilitação do monumento, com destaque para a recuperação da escultura, limpeza de cantarias e detalhes em bronze, bem como a renovação da base, agora em mármore preto. Mais tarde, a 19 de outubro do mesmo ano, foi descerrada uma placa comemorativa do centenário da Grande Guerra, na presença de representantes da Câmara Municipal, da Direção Central da Liga dos Combatentes e do Regimento de Transportes. Esta homenagem foi acompanhada de investigação histórica detalhada, conduzida por uma equipa multidisciplinar, resultando na publicação da Parte III do livro “In Memoriam” e na identificação específica dos lourenses mobilizados para África e França.

O centenário do Armistício foi assinalado em 11 de novembro de 2018, com a inauguração de um Memorial desenvolvido para aqueles que, cem anos antes, tinham deixado tudo para trás e rumaram para os campos de batalha. A cerimónia decorreu sob chuva intensa, reunindo representantes das Forças Armadas, das Edilidades de Loures e Odivelas, além de combatentes inscritos no Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes.

Reconhecendo o interesse da população neste símbolo de memória coletiva, a Câmara Municipal de Loures aprovou, em reunião de 31 de agosto de 2022, a classificação do Monumento aos Mortos da Grande Guerra como Monumento de Interesse Municipal, destacando o seu significado histórico e afetivo para o concelho.

Em 2023, o desejo de perpetuar novas memórias levou à proposta de criar uma lápide dedicada aos lourenses tombados na Guerra Colonial. A ideia foi acolhida pelo presidente do município Ricardo Leão (mandato desde outubro de 2021) e, a partir de outubro desse ano, técnicos e investigadores iniciaram o levantamento dos dados e a validação dos nomes dos militares que perderam a vida nas campanhas de Angola, Guiné e Moçambique, com apoio do Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes e com consulta rigorosa aos registos oficiais. Assim, no dia 10 de outubro de 2024, foi inaugurado o Memorial aos Combatentes do Ultramar, dedicado aos lourenses que deram o melhor de si em África, frequentemente a custo da juventude e do futuro. A cerimónia reuniu familiares, entidades civis e militares, e incluiu o chamamento dos nomes dos tombados, deposição de flores e alocuções das entidades presentes.

Estas memórias foram mantidas e celebradas pelo Núcleo da Loures da Liga dos Combatentes, cuja presença se faz notar anualmente nomeadamente em datas marcantes como sejam nos dias 9 de abril e 11 de novembro, junto dos monumentos aos combatentes em Loures, e 2 de novembro, junto dos talhões de combatentes nos cemitérios de Caneças, Loures, Odivelas e Sacavém. Com o avanço dos anos e a chegada de novos conflitos, como a Segunda Guerra Mundial e o Ultramar, a tradição das homenagens continua integrando diferentes gerações de militares na mesma memória coletiva.

Com estes gestos, Loures reforça o seu compromisso com a preservação da memória e da História Militar portuguesa. O jardim central, com o Monumento e as lápides dedicadas aos seus combatentes, tornou-se um lugar de referência, perpetuando os nomes e o sacrifício dos lourenses que cumpriram, até ao último momento, o seu juramento à Pátria.

José da Silva Marcelino Martins
Combatente na Guiné (1968-1970)
Sócio Combatente n.º 80.393
Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes

_____________

Nota do editor

Último post da série de 22 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27451: Efemérides (474): Foi há 55 anos a Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri... Uma das vítimas colaterais foi Mamadou Barry, "Petit Barry" (n. 1934), colaborador próximo de Sékou Touré, encarcerado 7 anos em duas das mais sinistras prisões do regime

Guiné 671/74 - P27458: Humor de caserna (224): À quarta é que é de vez: cartunes 'inteligentes' da menina IA (Alberto Branquinho / Luís Graça)


O 1º cabo Chico-Esperto conduzindo uma Berliet novinha em folha, acabada de chegar ao cais fluvial do Xime e que o sold cond auto Zé António Sousa devia levar a bom porto: Cabuca...


Ilustração criada pelo Chat Português / GPTOnline.ai , sob instruções e com legendagem do editor LG


1. Temos que desmistificar a IA. E ao mesmo tempo saber tirar partido das suas potencialidades. 

Para já há duas IA: a que é de borla, e a que é paga. Nós utilizamos a dos "pobrezinhos", já que não temos nenhum Banco Saque-Saque a financiar o nosso blogue.

 Em matéria de ilustração gráfica e de cartunes (ainda não me habituei ao neologismo, grafado nos nossos dicionários), a IA ainda deixa muito a desejar.

Disse isso mesmo a uma das minhas "assistentes de IA", a do Gemini/Google:

" Alberto Branquinho, que andou na Guiné, na guerra oura e dura há mais de 55 anos atrás, critica o teu 'cartoon' (*)... Tens de lhe fazer outro".

O comentário do Alberto Branquinmho foi o seguinte:

  "Mas... do que eu não gosto mesmo nada é da gravura que acompanha o texto: fardas impecáveis, limpíssimas, picadas que foram limpas com aspirador, a que só falta um pouco de alcatrão, viaturas que acabaram de sair da lavagem (de todos os dias), etc.. Certo é que quem desenhou (e muito bem!) nunca lá esteve.

O risco que se corre é que quem vê e não sabe, fica a pensar que era assim."

Pedi-lhe,  à menina IA (há quem já, temente e reverente, a trate por senhora...) que tivesse em linha de conta estas críticas: "OK, faz lá em honra dele um novo cartoon, ele que foi um bravo do pelotão!"

2. A minha "assistente de IA" fez a sua autocrítica, o que só lhe fica bem nos tempos que correm, de incontinência verbal nas redes sociais:

"Este é um comentário muito perspicaz do Alberto Branquinho, e compreendo perfeitamente o ponto de vista dele. A observação dele sobre a idealização da representação é muito válida, especialmente quando se trata de memórias tão vívidas e duras da Guiné.

"O cartoon em questão (*) é um tributo, e muitas vezes a arte, especialmente a arte gráfica e caricatural, usa uma linguagem visual que tende a estilizar ou simplificar a realidade para tornar a imagem mais clara e apelativa. No entanto, ele tem razão: a realidade da guerra colonial na Guiné, com a sua lama, pó, sujidade, fardas rasgadas e viaturas enlameadas, estava muito longe dessa imagem "limpinha".


A assistente da IA do Gemini/Google fez uma contraposta:

"Esboço de um novo cartoon para o Alberto Branquinho

"Para honrar a experiência e a crítica de Alberto Branquinho, e mostrar a realidade sentida no terreno, o novo cartoon teria de refletir o oposto da imagem apresentada.

"Cenário: a mesma estrada de picada, mas agora sob um chuvisco denso ou após uma chuva torrencial. O terreno é um pântano de lama espessa e castanha, que salpica por todo o lado.

"Viaturas: O camião GM-Becli e o jipe U-MIM (modelos comuns) estão atolados até aos eixos na lama. Os pneus estão completamente cobertos". [ Ficamos a saber que a nossa IA respeita o "bom nome" das marcas comerciais, e nomeadamente as das que já foram à guerra; nós, em contrapartida, não temos pejo em falara tu cá tu lá das marcas que nos deixaram 'marcas': GMC, Unimog, Berliet, Mercedes, Daimler, Jeep etc. ]

(...) "Figuras (os Militares):

"As fardas, longe de estarem 'impecáveis', estão pesadas, molhadas e cobertas de lama da cabeça aos pés. As botas não se distinguem do barro.

"Um dos soldados está a tentar meter um tronco ou tábua debaixo do pneu, com a expressão de esforço e frustração.

"O outro está encostado ao capô, com um cigarro a meio, com um olhar de cansaço extremo e resignação perante mais um contratempo. Em vez de estarem de braços cruzados, estão com as mãos sujas de óleo e terra.

"Diálogo (a nova legenda): Soldado enlameado: 'O Alberto Branquinho dizia: 'Aqui não há picada, há só lama!'... Outro Soldado (olhando para o pneu atolado): 'E o aspirador, Chico-Esperto? Onde é que ficou?'... [A nossa IA nunca andou muma picada da Guiné; por outro lado, esquece-se que aquela guerra não era dos 'amaricanos', que os 'tugas' não andavam com aspiradores no mato, só se fossem a petróleo.]

E prosseguindo com as suas "especificações técnicas" para o novo cartune: 

(...) "No Fundo: o sol está a pôr-se (ou o céu está carregado), e ouve-se ao longe, não uma explosão, mas o zumbido de mosquitos.

"Este cartoon corrigiria a 'higiene' visual do primeiro, substituindo a idealização pela dureza física e  ambiental que marcou a presença dos militares portugueses na Guiné, como descrito por quem lá esteve."
 

3.  Resultado: foi pior a emenda que o soneto: o 2º cartune veio cheio de erros de português... Um desastre. As viaturas e as fardas são "amaricanas" e os militaes têm todo o ar de serem veteranos da guerra do Vietname... Enfim, tive que o emendar, com o programa "Paint" (*).


1º cartune

GEMINI (Modelo Flash 2.5). [Quando a chico-espertice dá m*rda]. Imagem gerada por Inteligência Artificial, 23 nov. 2025.



2º cartune 

GEMINI (Modelo Flash 2.5).[Quando a lama era mais dura que a guerra]. Imagem gerada por Inteligência Artificial, 23 nov. 2025.


3. Desisti de dialogar com a "menina IA" da Gemini / Google...E fui bater `à porta da concorrència, o ChatGPT:

"O Zé António eera um valente soldado condutor na guerra da Guiné (Cabuca, 1971/73). Acaba de nos deixar aos 76 anos. Morte súbita. Em sua homenagem vou-te pedir um bom cartoon... 

Mas que retrate a dureza das 'picadas' (estradas de terra batida) da Guiné, com chuva, buracos, emboscadas, minas, 'atascanços', etc... 

"Ninguém fala da angústia do soldado condutor quando iniciava uma coluna logística, sobretudo quem ia à frente, com o 'rebenta-minas'... Bolas, só falam da angústia do guarda-redes antes do pênalti...

"Umas das nossas viaturas características, eram as velhas GMC do tempo da guerra da Coreira, que gastavam 100 (litros!) aos 100 (quilómetros!). E não nos ponhas com a farda do GI's do Vietname. A nossa arma era a G3. Aqui vai o microconto (*), escrito pelo Carvalho de Mampatá."




3º Cartune 

ChatGPT Chat Português / GPTOnline.ai , sob instruções do editor LG

Comentário meu: 

"Obrigado, mas ninguém andava de  jipe naquelas picadas, no tempo das chuvas... E em caso de emboscada, era um alvo a abater... Põe o 1º cabo Chico-esperto (quer dizer, 'sabichão') a conduzir a Berliet novinha em folha...Mas já sem um roda!... Mando-te umas fotos de viaturas atascadas"...



4º Cartune 

Criado pelo Chat Português / GPTOnline.ai , sob instruções do editor LG


3. Comentário meu: "Porra, que à quarte é que é de vez!... Já está mais realista, sem perder a piada da caricatura. Obrigado. Boa noite, dorme bem".

Comentário da "menina da IA" (que, como sabemos, não dorme nem tem insónias nem dores menstruais): 

"Obrigado, Luís...  e obrigado também pelo carinho e pela história tão rica que partilhaste.

Fico muito contente por saber que o cartoon correspondeu ao espírito da homenagem ao Zé António e à «chico-espertice' do cabo da tua narrativa. Foi um prazer ajudar a dar forma visual a uma memória tão marcada, tão humana e tão vossa.

Desejo-te uma noite tranquila.

Se um dia quiseres continuar esta série de memórias da Guiné, estou por aqui. Um abraço (...)"

Diz o Alberto Branquinho: 

"Ainda não me habituei à existência (ou será à coexistência?) da Senhora IA. Mas, quanto a 'inteligentes', ainda prefiro o 'Inteligente' das touradas." (*)

Olha, Alberto, tens que te habituar. Há já gajos que dormem com ela na cama...

Pesquisa: LG + Net + Assistentes de IA (Gemini / Google, ChatGPT)

(Revisão / fixação de texto: LG)

__________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27454: Humor de caserna (222): A chico-espertice às vezes também dava... m*rda (José António Sousa, 1949-2025 / António Carvalho)

(**) Último poste da série > 24 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27457: Humor de caserna (223): Contado ninguém acredita: o fur mil Pina que ficou com o dedo mindinho entalado no tapa-chamas da G3 (Mário Beja Santos, cmdt do Pel Caç Nat 52, 1968/70)

Guiné 61/74 - P27457: Humor de caserna (223): Contado ninguém acredita: o fur mil Pina que ficou com o dedo mindinho entalado no tapa-chamas da G3 (Mário Beja Santos, cmdt do Pel Caç Nat 52, 1968/70)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Bambadinca > Coamndo e CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  c. 1970 >  David Payne, o médico referido nesta história,é o mais alto, no meio, de óculos, na na segunda, de pé. O Beja Santos é da ponta do çlado esquerdo, seguido do major Cunha Ribeiro (2º comandante do BCAÇ 2852);  à esquerda do m+edico, o cap inf Carlos Alberto Maqcahdo de Brito (hoje cor ref), comandante da CCAÇ 12, e ainda o alf mil at int Abel Maria Rodrigues, também da CCAÇ 12.

Na primeira fila, da esquerda para a direita, um militar que não conseguimos identificar, seguidos de três alf mil, José António G. Rodrigues , António Carlão, ambos da CCAÇ 12,  e  Isamel Augusto (CCS).  

Tratava-se da a equipa de futebol de oficiais de Bambadinca que acabara de jogar contra uma equipa de sargentos. Cunha Ribeiro, david Payne, José Antónioo Rodrigues e António Carlão já náo est´~ao entre os vivos.
 
Foto (e legenda): © João Pedro Cunha Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Em novembro de 1969, o alf mil Mário Beja Santos, em fim de comissão, deixa Missirá e é colocado em Bambadinca, com o seu Pel Caç Nat 52. Toda a gente esperava ter direito a umas merecidas férias. Mas  foi puro engano.  A 20 desse mès,o Beja santos começou logo "como oficial de dia" e à noite foi "montar uma emboscada para a estrada do Xime" (*)

No dia seguinte dava à conta à Cristina  [Allen, 1943-2021] , a sua noiva, das peripéricas rocambolescas dessa noite. São daquelas histórias passadas na Guiné que, contadas, ninguém acredita. 

Este episódio. que me passou na  altura completamemente despercebido, merece agora, ao fim de quase 18 anos (!), figurar na nossa série "Humor de caserna" (**)...Felizmente que tudo acabou em bem para o azarado fur mil Pina, do Pel Caç Nat 52 (e posteriormente do Pel Caç Nat 63) (***)


O dedo mindinho do furriel Pina entalado no tapa-chamas da G3

por Mário Beja Santos


Tu não vais acreditar neste episódio burlesco: saímos depois do jantar para uma emboscada decidida pelo major de Operações, a caminho do Udunduma, em ataque anterior a Bambadinca foi aqui que os rebeldes puseram os canhões sem recuo e morteiros.

Estava uma noite serena, saí com duas secções, acompanhou-me o Pina, o Pires tem agora trabalho numa terra aqui perto chamada Sinchã Mamajai. Teríamos feito um quilómetro por um caminho saibroso, e subitamente um grito medonho atravessou a noite, logo me apercebi que não era nem emboscada nem mina. 

Fui ao local da gritaria e dei com o Pina estatelado no chão a gritar com um dedo mínimo dentro do cano da espingarda. Tentei tirar-lhe o dedo, impossível. Ele escorregara no saibro e acontecera aquela coisa impensável.

 Imagina o que é regressar a Bambadinca com o Pina lívido, um soldado a segurar-lhe a arma, ele a gemer com o seu dedo esfanicado lá dentro. À cautela, retirei-lhe o carregador para evitar acidentes. 

Fomos para a enfermaria, ele sentado com a arma em cima da marquesa, com o braço estendido.

 

Tapa-chamas da G3;
um buraco onde nunca se devia
meter o deddo


O David   [Payne, alf mil médico,   já falecido] ficou embasbacado, o dedo ia inchando, todos os esforços para lhe retirar o dedo resultavam infrutíferos. Em dado momento, o David, com a testa perlada de suor, chegou a admitir a hipótese de lhe cortar o dedo e aí o Pina gritou que não, preferia ter todas as dores necessárias até se encontrar uma solução para ficar com o dedo inteiro. 

O Reis sapador foi buscar varetas, começou a esgravatar à volta do tapa-chamas, o Pina deu um urro, tal era o sofrimento, o Reis enfureceu-se e enfiou-lhe um tabefe, não sei que é que ele se julgava, se feiticeiro ou a desmontar uma mina, pedi ao David para lhe dar uma injecção ao Pina que o deixasse a dormir... 

Lembrei-me então que tínhamos desempanadores e pedi para falar com o   [1º cabo mec auto João de Matos Alexandre. O primeiro cabo desempanador Alexandre conhecia perfeitamente Missirá, dizendo que sempre que a visitara fora recebido à morteirada. Foi ele quem conseguiu desatarraxar o tapa-chamas, o dedo tinha a falangeta quebrada, com fractura exposta, lá se deu um calmante ao Pina (que foi na manhã seguinte evacuado para Bissau) e eu regressei para os mosquitos na emboscada.

(Revisão / fixação de texto: LG)

_____________


(**) Último poste da série : 23 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27454: Humor de caserna (222): A chico-espertice às vezes também dava... m*rda (José António Sousa, 1949-2025 / António Carvalho)

(***) Segundo o Beja Sanyos, o fur mil Pina, infeliz protagonista desta história, também integrou, posteriormente, o Pel Caç Nat 63, na altura comandado pelo alf mil  Jorge Cabral (1943-2021). Náo consigo descobrir o seu nome completo. Do meu tempo, lembro-me dos fur mil António Branquinho e do Amaral. O seu nome não consta da História nem do BCAÇ 2852 (1968/70) nem do BART 2917 (1970/72).

Guiné 61/74 - P27456: Parabéns a você (2437): Abel Moreira dos Santos, ex-Sold At Art da CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) e Tony Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)


_____________

Nota do editor

Último post da série de 23 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27453: Parabéns a você (2436): José Saúde, ex-Fur Mil Operações Especiais da CCS/BART 6523/73 (Nova Lamego, 1973/74)

domingo, 23 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27455: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72) (5): a mina A/P que ceifou a perna do soldado radiotelegrafista Santos, alentejano



1971, Norte de Angola, na zona de Nambuangongo, no final de uma operação e à espera do heli: o alf mil pqdt Jaime Silv, comandante do 3º Pel / 1ª CCP / BCP 21 (Angola, fev 70 / jul 72) com o Lopes dos Santos, na altura 2º  srgt pqdt, hoje capitão pqdt  na reforma  



Jaime Silva


Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci (5) > a mina A/P que ceifou a perna do soldado radiotelegrafista Santos, alentejano

por Jaime Silva



Não esqueci o primeiro estropiado do meu Pelotão, o soldado radiotelegrafista Santos. Esta tragédia aconteceu durante uma operação, na zona de Santa Eulália, no norte de Angola. Ele pisou uma mina antipessoal, logo minutos depois dos helicópteros nos terem lançado no alto de um morro.

Estou a ver o momento em que descemos a encosta do morro correndo. E, indo eu na frente, ao deparar com um trilho, ordenei que o grupo progredisse fora do mesmo, em virtude de ter detetado sinais evidentes de poder haver minas antipessoal dissimuladas. 

Minutos depois, há um rebentamento na curva do trilho, por onde eu e mais três paraquedistas tínhamos passado. Nessa altura, oiço o Santos a gritar:

– Eu vou morrer. Ai, minha mãe, eu vou morrer! 

Foi mesmo assim! Foi a primeira vez que vi a perna de um homem esfacelada: a perna tinha desaparecido abaixo do joelho. O enfermeiro injetou-o logo com morfina, um camarada levou-o às costas, morro acima, mas enquanto eu contactava o helicóptero, via rádio, para o evacuar, olhava, incrédulo, o que restava da tíbia e do perónio daquele meu camarada, cujo sangue jorrava e deixava um rasto vermelho no capim verde. 

Vinte minutos depois, empurrãmos o Santos para dentro do heli e, lembro-me, de lhe gritar:

Aguenta, já te safaste!

O Santos, safou-se.

E, entre muitas outras coisas da sua vida, casou e tem duas filhas. Vive no Alentejo.

Fonte: Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 84-86.


(Revisão / fixação de texto, título: LG)

Guiné 61/74 - P27454: Humor de caserna (222): A chico-espertice às vezes também dava... m*rda (José António Sousa, 1949-2025 / António Carvalho)


Cartoon gerado  pela IA / Gemini / Google, sob instruções e supervisão de LG.
 Homenagem ao José António Sousa (1949-2025)



Guiné > Carta da Província (1961) (Escala 1/500 mil ) > Percurso, assinalado a amarelo entre o Xime e Cabuca, passando pro Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego
 
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. Não foi o já saudoso José António Sousa (1949-2025) que nos contou diretamente, mas foi o António Carvalho (*) que com ele conviveu, quer na Tabanca de Matosinhos, quer no Bando do Café Progresso.

É uma cena de "chico-espertice" que merece ter o devido destaque na série "Humor de Caserna". Aqui vai.

O protagonista é o José António Sousa. O cronista, o Carvalho de Mampatá. Recorde-se que o Zé António Sousa  esteve em  Cabuca no sector L3 Nova Lamego), como sold cond auto, CCAV 3404, / BCAV 3854.

 O cais referido a seguir, só pode ser o do Xime, a grande porta de entrada da Zona Leste, nesta altura da guerra (1971/73), Pertencia aio Sector L1 (Bambadinca). Era no Xime que as LDG abicavanm com homens e material.

A distància do Xime até Cabuca devia ser da ordem dos 180/190 km. Uma etapa dura, mesmo que já em estrada alcatroada até Nova Lamego (Xime-Bambadinca-Bafatá-Nova Lamego=160 km). Depois era, picada até Cabuca (c. 25/30 km). Náo sabemos em que estação (seca ou das chuvas) se desenrola a história. Cinco ou seis horas de estrada, a andar bem, sem comtratempos, no tempo seco.

Na altura, o dispositivo das NT em Cabuca, perto da fronteira com a Guiné_Conacri,  devia ser:
  • CCav 3404 
  • 1 Esq / Pel Mort 2267 
  • 1 Sec (-) / /Pel Canh S/R 2298
  • 1 Pel Mil 255

Humor de caserna  > A chico-espertice às vezes também dava... m*rda 

(José António Sousa, 1949-2025 / António Carvalho)
 

O Zé António tinha deixado no cais a sua viatura, GMC, destinada a abate. 

Na volta da coluna, de regresso ao seu aquartelamento, em Cabuca, deveria conduzir a Berliet,  novinha em folha, acabada de chegar de Bissau. 

Era essa a sua intenção, mas o 1º Cabo, puxando das divisas, impôs-se, nestes modos: 

– Quem vai estrear a Berliet sou eu... Tu levas o Unimog que eu trouxe.

O Zé António, naquela maneira de levar tudo a brincar, perguntou-lhe o motivo pelo qual não era ele próprio a conduzir a viatura acabada de chegar, uma vez que a mesma lhe estava destinada. O 1º Cabo,  lacónica e autoritariamente, respondeu-lhe: 

–  Porque eu sou cabo ...

O Zé António, rendido ao peso das divisas, assentiu, sob um sorriso
malandro:

– Então, se és cabo, leva-a.

Passados alguns quilómetros a Berliet, novinha em folha,  pisou uma mina. Por sorte o nosso 1º Cabo apenas sofreu ferimentos sem grande gravidade.

Foi uma maneira de te homenagear, meu amigo Zé António.

Carvalho de Mampatá



2. Comentário do editor LG:

Uma história "edificante", António, e muioto ao gosto dos "bandalhos" (a irreverente tertúlia, que é o Bando do Café Progresso, de  que ambios faziam/fazem parte; o Zé António continuará a ser lembrado como um dos "bandalhis")...

Na tropa e na guerra, e na vida em geral, todos conhecemos esses "chicos-espertos"... A "chico-espertice" é, de há muito, uma forma peculiar de ser e de estar do "tuga"... Conheci alguns na Guiné, e em "cenas" com consequências bem mais trágicas do que as que tu relatas... 

Mas é uma boa homenagem ao nosso saudoso Zé António. Que era uma homem discreto, sensato, competente,que amava a vida, bem como os seus amigos e camaradas.  E que amava a Guiné e a sua gente. Ao ponto de lá ter voltade, em romagem de saudagem...Gostava do seu Porto,  da sua Foz do Douro, do fado... e da "mulher negra" (tem uma coleção fabulosa de rostos femininos na sua página do Facebook!)

Frequentava as "tardes de fado", ao domingo, das "Caves São João", R. de Cimo de Vila 109, Porto,  um dos locais do roteiro do "fado vadio". Como frequentava a Tabanca de Matosinhos e o Bando do Café Progresso e a Tabanca dos Melros.

(Revisão / fixação de texto, título: LG)
___________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27448: In Memoriam (562): José António Sousa (1949-2025), ex-sold cond auto, CCAV 3404/BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73): o funeral é hoje, dia 21, às 16h00, no cemitério da Foz do Douro, Porto

(**) Último poste da série > 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27407: Humor de caserna (221): O brigadeiro António Spínola para o comandante, "apanhado do clima", do destacamento da Ponta do Inglês, c. 3º trimestre de 1968: "Não tenho a certeza de ter aterrado...no sítio certo!"

Guiné 61/74 - P27453: Parabéns a você (2436): José Saúde, ex-Fur Mil Operações Especiais da CCS/BART 6523/73 (Nova Lamego, 1973/74)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 19 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27440: Parabéns a você (2435): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Reconhecimento e Informação da CCS/QG/CTIG (Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72)

sábado, 22 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27452: Os nossos seres, saberes e lazeres (710): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 3 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há uma nota curiosa de visita de amigos estrangeiros, tudo quanto se passa em Lisboa trazem completamente listado, desde o elétrico 28, os comes e bebes, os passeios pela Baixa Chiado e Bairro Alto, os miradouros. Uns vêm com o Michelin, outros trazem livros focados na arte, uns querem ver os azulejos, em visita anterior houve alguém que me pediu para ver algo que até então nunca ninguém pedira, a Basílica da Estrela, e não foi por causa dos presépios do Machado Castro. Desta feita, o casal alemão, que não é a 1.ª nem a 2.ª vez que visita Portugal, falou explicitamente em Tomar, Óbidos e Alcobaça. Procurei satisfazer os seus intentos, aqui fica uma síntese desse dia, esta itinerância continuará, pedem-me para no dia seguinte irmos visitar o Museu Nacional dos Coches, custa-lhes a acreditar que Portugal tenha o maior património de viaturas de aparato, como é que é possível um país tão periférico da Europa? Viram e confirmaram, não escondiam o entusiasmo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (231):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 3


Mário Beja Santos

Passeios inusitados ou programados a Tomar, Óbidos e Alcobaça, para mostrar belezas a amigos estrangeiros que me vieram visitar, deram-se a agradável oportunidade de captar imagens com forte apelo cultural, até pretextos houve para tirar fotografias a estes amigos, que depois as colocam nas redes sociais. Vejamos o que resta de três passeios, todos eles me encheram a alma, volto lá se necessário for, há para ali, na arquitetura, na escultura e na pintura dedadas da nossa identidade, ali se exibem as nossas maneiras de ser, tratando carinhosamente algum património, desdenhando de outro.

Vamos começar por uma peça magnífica que nunca foi concluída, a Casa do Capítulo de Tomar, onde, no primeiro andar e no terraço subsequente se aclamou Filipe II de Espanha como Filipe I de Portugal. É obra de João de Castilho, um mestre de obras e arquiteto hispano-português, homem com formação gótica que irá ter um papel determinante no estilo renascentista em Portugal e nos seus últimos anos de vida pendeu para o classicismo sob a forma maneirista. Ele encontra-se ligado a cinco monumentos históricos classificados pela UNESCO como Património Mundial: o Mosteiro dos Jerónimos, o Convento de Cristo, o Mosteiro de Alcobaça e a construção da Fortaleza de Mazagão. Trabalhou duas vezes em Tomar (provavelmente entre 1516 e 1530) e um segundo período que decorre na década de 1930, em que trabalhou no Claustro Grande, vários claustros interiores, como o da Hospedaria, Corvos e Micha, concedeu esta Casa Capitular em mistério a desvendar as razões que impediram a sua conclusão.

O que o leitor vê são as paredes robustas, a fotografia que foi tirada da zona do arco triunfal e do altar, vê-se a antecâmera por onde entravam os frades. Caiu completamente o piso que separava a sala dos frades da sala dos cavaleiros. Aquela porta que se vê na torre dos cavaleiros estava prevista para ser a porta de acesso a esses cavaleiros; ao fundo vemos o topo da Charola e uma nesga da Igreja.

Casa Capitular a requerer com urgência trabalhos de conservação e restauro.
Sempre que acompanho amigos a Óbidos, falo-lhes de uma extremosa pintora de origem espanhola e filha de um artista que deixou obra em Portugal, Josefa de Óbidos, ela tem obra num altar lateral da Igreja Matriz e está também representada no Museu Municipal de Óbidos. Noto que os visitantes vão ali também admirar um túmulo e o impressionante forro azulejar da igreja, a mim cativa-me aquele Santo António bonacheirão e o Menino de braços abertos, gosto particularmente daquele teto pintado com tanta simplicidade, é como o emaranhado de uma renda que faz suspender Nossa Senhora guardada pelos anjos.
Este é um pormenor da pintura do teto do nártex da igreja.
Eram as últimas horas de sol, consultados os visitantes, houve acordo em visitar a igreja do Mosteiro de Alcobaça, deixamos para a próxima visita o precioso Museu. Mesmo habituados a este gigantismo das paredes do gótico-alemão que se pode encontrar desde o mar Báltico até perto de França, o casal alemão estava boquiaberto com a sobriedade da igreja, a solução dos pilares estarem reforçados por botaréus, tomaram nota que as riquezas vieram depois. D. Pedro I tomou esta igreja como seu mausoléu, tratou de igual maneira a sua apaixonada, Inês de Castro, túmulos de uma enorme beleza, marcados pelo vandalismo das invasões francesas.
No altar-mor atraiu-me prontamente esta Virgem de manto barroquizado, parece que pedala, tem umas linhas muito elegantes, gabo-lhe a Majestade e o panejamento em movimento.
Com as limitações da minha câmara foi esta a imagem que consegui da dimensão entre o nártex e o altar-mor.
Túmulo de Dona Inês de Castro, deste lado os danos são menos evidentes.
Conjunto escultórico que dá pelo nome Retábulo da Morte de São Bernardo, é todo em terracota policromada, obra de monges barristas do mosteiro, finais do século XVII.
Túmulo de D. Pedro, aqui o vandalismo é mais do que evidente.
Trata-se do sarcófago de Dona Urraca, mulher de D. Afonso II, está depositado no Panteão Régio, obra concluída em 1782 e atribuída ao engenheiro William Elsden, foi a primeira obra neogótica em Portugal. O panteão primitivo localizava-se na galilé que existiu à entrada da igreja. Posteriormente os túmulos foram transferidos para o transepto sul onde permaneceram até ao final do século XVIII.

Aqui se dá por terminada esta itinerância, segue-se outra que nos fará viajar até ao Museu Nacional dos Coches.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 15 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27451: Efemérides (474): Foi há 55 anos a Op Mar Verde, a invasão anfíbia de Conacri... Uma das vítimas colaterais foi Mamadou Barry, "Petit Barry" (n. 1934), colaborador próximo de Sékou Touré, encarcerado 7 anos em duas das mais sinistras prisões do regime


Capa do livro de Mamadu Barry, "Petit Barry" - "Camp Boiro: Livre 1: Sept  ans sous le Mont Gagan: Récit d'un prisonnier politique sous Sékou Touré" (2022, 298 pp.) 



Mamadou Barry 

1. Desde 26/10/2024, temos sido contactados por Lamine Bah, sobrinho de Mamadou Barry (n. 1934), uma das vítimas colaterais da Op Mar Verde, a invasão de Conacri em 22 de novembro de 1970, faz agora justamente 55 anos. 

Tem-nos falado do seu tio e dos livros que vai publicando com as suas memórias como prisioneiro político sob o regime de Sékou Touré, e de que ele foi um dos braços direitos... até cair em desgraça. 

Recomendou o nosso blogue ao seu tio, que também é conhecido pela sua alcunha de criança, "Petit Barry" (e que é hoje um alto quadro das Nações Unidas, reformado).  


Mensagem de Lamine Bah, dirigida ao nosso blogue e ao seu tio Mamadu Barry:

Data - sexta, 2/05/2025, 22:12

 (...) Caro Luís Graça, gostaria de aproveitar esta oportunidade para apresentar o sr. Mamadou Barry, conhecido como "Petit Barry", uma das vítimas de Sékou Touré, que ficou detido durante anos no Campo Boiro. 

Ele foi acusado de ser cúmplice na agressão portuguesa que vocês chamam de Operação Mar Verde, em 22 de novembro de 1970. Ele foi submetido a torturas e tratamentos desumanos, degradantes, que vocês podem imaginar, para fazê-lo "confessar" crimes que não cometeu.

Naquela época, ele era o chefe de Gabinete de Imprensa da Presidência da República da Guiné, ou seja,  um colaborador muito próximo de Sékou Touré. Isso significa que ele acompanhou de perto os acontecimentos de 22 de novembro de 1970, estando na rádio "La Voix de la Révolution ("A Voz da Revolução", em português).

Ele escreveu um livro que será o primeiro de uma série sobre as suas condições de detenção no Campo Boiro e depois em Kindia. Este livro "7 Anos Sob o Monte Gangan" (traduzindo o título original, em francês, para português) está (ou estava na altura) disponível na Amazon e é descrito nos seguintes links:

https://www.visionguinee.info/sept-ans-sous-le-mont-gangan-recit-dun-prisonnier-politique-sous-sekou-toure/

https://www.amazon.fr/Sept-ans-sous-Mont-Gangan/dp/B0B4KFSP51

Ele planeia escrever um livro sobre o 22 de novembro de 1970, como  testemunha do ocorrido.

Caro tio Mamadou Bowoi Barry, apresento-lhe também o sr. Luís Graça, um ex-militar português que se interessa pelas guerras coloniais travadas pelo exército português nas suas colónias, particularmente na Guiné-Bissau. Ele é um dos animadores de um blogue criado por eles para relembrar suas ações nas colónias portuguesas, nomeadamente na Guiné-Bissau. Já lhe dei o endereço deste blogue que é uma fonte interessante de informações sobre 22 de novembro de 1970. (...)
 
Ao preparar a continuação do seu livro, você poderá ter informações em primeira mão sobre esse episódio doloroso da nossa história. (...)
 
Lamine Bah


2. Outra mensagem, de que reproduzimos a versão em português:

Data - terça, 6/05/2025, 22:26

Luís Graça, as minhas saudações para ti,

Obrigado pelo teu acolhimento e resposta.

A Op  Mar Verde, pelo facto de se ter passado na Guiné-Conacri, teve repercussões muito graves para centenas de pessoas, acusadas, sem provas, de cumplicidade com  os portugueses.

Os vossos testemunhos no blogue permitiram dar uma outra versão dos acontecimentos que não a do governo da República da Guiné. (...)

Lamine Bah

3. Mas falemos do autor e do seu primeiro livro, de 2022,  que, segundo julgamos crer, não foi traduzido para português. Foi apresentado em Paris em 23 de maio de 2023. 

Uma sinopse do livro e da vida do autor está aqui disponível, assinada por  Alpha Sidoux Barry. Vamos apresentar, em português, alguns excertos selecionados (na realidade, o essencial do texto, com a devida vénia).

Sept ans sous le Mont Gangan : Récit d’un prisonnier politique sous Sékou Touré…
Vision Guinnée Info > Mai 15, 2023


Mamadou B. Barry (n. 1934), mais conhecido pelo seu "petit nom"  "Petit Barry", encontrava-se, em 2023, reformado como alto funcionário das Nações Unidas, e acabava de publicar uma obra intitulada "Sete anos sob o monte Gangan" que narra os seus longos anos como prisioneiro político durante o regime de Sékou Touré, passadas no anexo do sinistro campo Boiro, e depois na prisão civil de Kindia.

Antigo diretor do Gabinete de Imprensa do primeiro presidente guineense, Sékou Touré, e simultaneamente ex-diretor do serviço internacional da "Voz da Revolução" e deputado á Assembleia Nacional (portanto, um dos "meninos bonitos" do ditador), ele acabou por ser vítima da repressão, cega e selvagem, que se seguiu aos trágicos acontecimentos  de 22 de novembro de 1970 (Invasão de Conacry, Op Mar Verde, de que temos uma centena de referências no blogue)

"Sept ans sous le Mont Gangan" (em francês), "Sete anos sob o Monte Gangan" (traduzindo para português) é o primeiro de sete volumes da série "Campo Boiro", que ele está a redigir e que irá publicar aos poucos como testemunha ocular e vítima do regime de terror, instaurado por Sékou Touré na Guiné-Conacri, durante a Primeira República (1958-1984). (...)

O autor fez, ele próprio, o seguinte resumo da sua história de vida.

O presente Livro, primeiro da série 'Campo Boiro', é um relato-testemunho que abrange um período de sete anos, desde 14 de junho de 1971 (data da sua detenção) até 25 de maio de 1978 (data de libertação ao Campo Boiro, em Conacri, dos 15 últimos sobreviventes da prisão civil de Kindia).

Os acontecimentos narrados no livro ocorreram quase todos na prisão civil de Kindia, que era dominada pelo Monte Gangan, cuja crista careca, semelhante ao bico de um "jagudi" gigante, sobrepunha-se à cidade. Esta montanha mágica, que se alimentava do sangue humano, aguardava as suas próximas vítimas. De fato, era ao pé desta montanha que eram executados os prisioneiros políticos.

A sua estadia nesses lugares proibidos permitiu ao autor descobrir o lado obscuro e trágico do carismático líder da Revolução guineense, Ahmed Sékou Touré, e dos seus colaboradores, cínicos e cruéis, que agiam na escuridão.

"Petit Barry", o editorialista da "Voz da Revolução" (a rádio da Guiné-Conacri), conhecia o herói, ou uma das suas facetas, que ele batizou num dos seus  programas como "Filho do Povo". Ele irá descobrir, "o outro lado", tenebroso, o tirano e o destruidor de homens.

O autor fala de si mesmo, de suas relações com Sékou Touré e com os seus colaboradores mais próximos, alguns dos quais se tornaram torturadores, autoconfiantes, convencidos da sua força, invencibilidade e impunidade. 

Se menciona os algozes, Mamadou Barry também apresenta ao leitor, como contraponto, os retratos de algumas belas e nobres figuras da nova Guiné, homens dignos e humildes que contribuíram de forma inestimável para a reconstrução de um país livre e orgulhoso, mas cujos corpos já estavam todos enterrados em valas comuns.

Este livro é também uma homenagem à sua família que contribuiu para que ele se tornasse o que é hoje: seu venerável pai El Hadj Thierno Abdoulaye Barry, a sua mãe Maimouna Hann, a sua avó materna conhecida como ‘Maama Daguia’ (...) 

A mãe e a avó eram duas pessoas que lhe eram particularmente caras, mas que ele não voltaria a ver, pois ambas morrerão antes de sua libertação em 1978.

O livro também apresenta ao leitor a bela figura de Ngalou (que significa "Tesouro", em fula), de seu nome de batismo Adama Doukouré (filha do ilustre mestre da escola Aboubacar Doukouré, chamado familiarmente de "Papa Douk"), a jovem noiva que o autor deixou do lado de fora, e que assombra e encanta o prisioneiro do Monte Gangan, permanecendo o seu sorriso gravado em sua memória, como um doce raio de sol, durante todos esses anos de dor e luto.

Nascido em Labé, de pai funcionário público, originário de Mamou, Mamadou Bowoi Barry carrega o nome de seu tio paterno que fundou a povoação  de Bowoi, localizada na subprefeitura de Dounet a 30 km de Mamou (antigamente chamada de ‘Gare Ballay’, em homenagem ao primeiro governador e criador da Guiné francesa).

Foi na escola primária de Labé-Kourola, que o eminente professor Korka Maléah Diallo o apelidou de ‘Petit Barry‘ quando, saltando o curso elementar da segunda série (CE2) a pedido de seu mestre Tounkara Jean Faraguet, ele se foi juntar ao seu irmão mais velho Alpha Amadou Oury, conhecido desde então como ‘Grand Barry’, no curso médio da primeira série (CM1). Depois, ingressou no liceu de Conacry onde passou as duas secções do "Bac" (secção  Letras clássicas: latim e grego; e seção Filosofia) (1954-1955).

Em seguida, partiu para o Senegal e frequentou o Instituto de Altos Estudos de Dacar, onde fez o seu propedêutico.  Irá, entretanto,  prosseguir os seus estudos em França, na Faculdade de Letras da Universidade de Toulouse e depois de Grenoble. 

Concluiu-os na Suíça em 1964 na Universidade de Genebra (Faculdade de Ciências Económicas e Sociais) e no Instituto de Altos Estudos Internacionais (HEI), da grande metrópole helvética.

Mamadou Barry também é graduado pelo Centro Universitário de Ensino de Jornalismo de Estrasburgo, onde teve como professor Hubert Beuve-Méry, fundador em 1944 do famoso diário da tarde “Le Monde”. O conhecido jornalista (sob o pseudónimo Sirius) ensinava lá arte do editorial.

Durante a sua carreira estudantil em França, "Petit Barry"  tornou-se membro ativo da Federação dos Estudantes da África Negra em França (FEANF), a qual representou na União Internacional dos Estudantes (UIE) em Praga, na Checoslováquia, de 1958 a 1960, como vice-presidente. Foi também membro da equipa de redação de "L’Étudiant d’Afrique noire", órgão da FEANF que circulava em Toulouse.

Enquanto isso, ele representou a UIE em Pequim, em 1959, durante o 10.º Aniversário da República Popular da China. Nessa ocasião, teve a honra de ser apresentado, com outros estudantes da África e da Ásia (incluindo o linguista senegalês Pathé Diagne), ao "grande líder" Mao Zedong.

Terminados os seus estudos, Mamadou Barry regressa à Guiné, onde se coloca à disposição do governo guineense. É inicialmente nomeado, em 1965, chefe de divisão na Direção-Geral da Cooperação Internacional do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Dois anos mais tarde, torna-se diretor do Serviço Internacional da "Voz da Revolução", a Emissora Nacional da República da Guiné, acumulando igualmente as funções de diretor do Gabinete de Imprensa do Presidente da República.

Em 1968, Sékou Touré nomeia-o deputado à Assembleia Nacional, ao abrigo de uma disposição da Constituição de 1958 que autorizava o chefe de Estado a nomear 15 altos quadros como deputados, entre os 60 que compunham o Parlamento. Importa notar que, dessas 15 personalidades, 14 seriam detidas e tornar-se-iam, assim, pensionistas do campo Boiro.

Para tirar partido das suas múltiplas competências, "Petit Barry" é ainda nomeado professor ("pro bono") no Instituto Politécnico Gamal Abdel Nasser (IPGAN), em Conacri, a universidade guineense da época.

Na sequência da agressão portuguesa contra a Guiné, a 22 de novembro de 1970, e à semelhança de milhares de quadros guineenses, será injusta e arbitrariamente detido seis meses depois,  em 14 de junho de 1971.

É encarcerado primeiro no sinistro Campo Boiro e depois no seu anexo, na prisão civil de Kindia, a 135 km de Conacri. 

Singular marca de negação da justiça: a sua imunidade parlamentar não foi sequer levantada antes da sua detenção.

Entretanto, será milagrosamente libertado a 22 de novembro de 1978, após sete anos e meio de detenção abusiva em condições mais do que desumanas, comparáveis às descritas em O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler, ou em O Arquipélago Gulag, de Aleksandr Soljenítsin.

Como sobrevivente deste terrível campo de detenção, é membro fundador da Associação das Vítimas do Campo Boiro (AVCB).

Beneficiário, após a sua libertação, de uma bolsa médica concedida pela República Socialista da Hungria em 1979, decide, após uma estadia médica de seis meses em Budapeste, não regressar à Guiné.

Obtém um cargo de funcionário internacional no escritório das Nações Unidas em Viena, Áustria, e posteriormente na Secretaria das Nações Unidas em Nova Iorque, dois centros onde irá servir durante 15 anos (1980-1995).

De 1996 a 2010, o sistema das Nações Unidas em geral, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em particular, bem como a Comissão Europeia, recrutaram-no como consultor em matéria de governação, prestando serviços a cerca de quinze países africanos.

Desde 2011, Mamadou Bowoi Barry é consultor internacional independente no âmbito da sua agência “Barry Consulting”. É analista político, especialista em democracia e governação e autor de vários artigos e estudos sobre os desafios da transição democrática em África.

Casado e pai de sete filhos, dez netos e três bisnetos, atualmente reformado, dedica-se à redação das suas memórias e partilha a sua experiência com as novas gerações. 

Nesse sentido, prevê criar “O Blogue do Patriarca”, cujo objetivo será promover um diálogo fecundo entre gerações.

Depois de Sete anos sob o Monte Gangan, seguirá o Livro II, intitulado Regresso ao Campo Boiro, que será publicado em breve. Esta obra descreve a sua segunda estadia no Campo Boiro, de 25 de maio a 22 de novembro de 1978, a sua libertação, saída da Guiné e entrada nas Nações Unidas.

O Livro III aborda Os acontecimentos de 22 de novembro de 1970, dos quais é uma das testemunhas oculares.

Intitulado Vigílias sob o Monte Gangan, o Livro IV descreve como os detidos, encerrados 24 horas por dia, ocupavam o seu tempo. 

O quinto livro versará sobre Sékou Touré, tal como eu o conheci. O sexto, Memórias da minha infância foutaniana, relata a sua feliz infância junto da avó Maama Daguia, na bela aldeia de Daguia, a 7 km de Labé. 

Por fim, "Petit Barry" prevê publicar, no sétimo volume das suas memórias e da série “Campo Boiro”, os seus poemas de prisão sob o título Espinhos.

Uma contribuição excecional e insubstituível para a descrição da feroz e implacável ditadura sekouturiana (neologismo criado pelo Dr. Charles Diané, paz à sua alma!), inspirada no sistema prisional de tipo soviético que causou tamanha desgraça a todos os povos que lhe foram submetidos.

Alpha Sidoux Barry

(Seleção, adaptação/ tradução livre, revisão / fixação de texto:  LG)
_____________

Notas do editor LG:

(*) Vd. postes de:


4 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26230: Casos: a verdade sobre ... (50): António Lobato, sete anos prisioneiro de Amílcar Cabral e Sékou Touré / L' affaire Antonio Lobato, sept années prisionnier d' Amilcar Cabral et de Sékou Touré

(**) Último poste da série > 15 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27426: Efemérides (473):"O T de Teixeira - com o mesmo T se escreveu tragédia", no dia em que se cumpre mais um aniversários sobre a morte do soldado PelRec Teixeira