sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6244: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (14): Cap Figueiredo: Capiton Lelö dahdè ou capitão cabeça inclinada

1. Mensagem do Cherno Baldé

Data: 17 de Abril de 2010 01:36
Assunto: O Capitão Figueiredo em Fajonquito

Caro amigo Luis Graça,

A resposta a tua pergunta [, se conheço o Pepito,] é sim. A Guiné é um pais muito pequeno e, quase, tudo gira a volta da capital Bissau, uma cidade de menos de 500 mil almas. Eu devo ter conhecido o Sr. Eng. Pepito (*) desde finais dos anos 70, pois, para além de pertencer ao grupo dos primeiros quadros regressados a Guiné apos a independência, ele dirigiu o DEPA (departamento experiemental de produção de arroz) de Contuboel durante muito tempo. E, sendo eu de Fajonquito, fica tudo dito.

Mas, não é só isso, de 1999 a 2000, ele foi Ministro das obras públicas no Governo da unidade nacional (GUN), liderado por Francisco José Fadul. Nessa altura eu exercia a função de Director Executivo do fundo rodoviário nesse mesmo Ministério de modo que, como poderás deduzir, fazia parte do seu staff. Mas se fizeres esta mesma pergunta ao Eng. Pepito, certamente que a resposta sera NÃO. Nada mais lógico.Eu ainda tenho a sorte de pertencer ao grupo dos anónimos que, no contexto da Guiné, é um grande privilégio. Posso andar a pé na rua e saborear um sorvete sem escandalizar ninguém. 

No mês de Janeiro do corrente ano, estive em missão na região de Tombali, tendo passado por Guiledje a caminho de Bedanda. Vi e apreciei o trabalho que foi feito no antigo aquartelamento. Aconteceu alguns dias antes da sua inauguração pelo Presidente e o Primeiro Ministro, que acompanhei via rádio. Facto curioso, houve muitos discursos (as vezes contraditórios) mas do Eng. Pepito não ouvi nada.

Relativamente ao meu comentário sobre a tragédia de Fajonquito (**), como que para redimir-se do meu erro por ter chamado o Almeida de "nosso amigo" como se os outros o não fossem, o que não corresponde à verdade, quero hoje falar do saudoso Cap Figueiredo e dizer que foi para todos nós uma perda inestimável. 

O que vou dizer pode parecer paradoxal se não incongruente. O Sr. Carlos Borges de Figueiredo, ao contrário de muitos outros, foi um Capitão pacifista pois ele tinha-se distinguido, sobretudo, pela promoção da educação entre as criancas nativas (o número de alunos na escola local tinha aumentado significativamente facto que poderia estar ligado ao ambiente de paz criado e uma grande sensibilidade pelos problemas sociais da população) e organização de eventos sócio-culturais que, não só afastavam, por algumas horas,  o espectro da guerra e da morte entre a tropa mas eram também muito úteis e importantes na construção de relações de aproximação e de confiança com a populaçã local, tão prezada por General Spínola.

Foi nessa altura que, pela primeira vez, recebemos a visita de grupos musicais vindos da metrópole. Numa dessas visitas, lembro-me da presença de uma ou mais mulheres  cantavam o Fado. A música era muito morna, lenta demais para o nosso gosto temperado na ritmada, quase violenta dança de tambor mandinga. No meio de tudo isso, não nos escapou um detalhe importante. Notamos a deferençaa e o extremo respeito com que todos a(s) tratavam. O respeito dado àquela(s) mulher(res) contrastava de forma flagrante com a maneira como habitualmente lidavam com as nossas mulheres, fossem elas grandes ou pequenas. E não estou a referir-me, claro esta, à esposa do Capitão que, também, deve ter visitado Fajonquito.

Ele ficou conhecido no meio da populacao local com o nome de Capiton Lelö dahdè o que na lingua fula significa o Capitão cabeça inclinada. Talvez aqueles que o conheceram de perto me possam corrigir, parece que ele tinha o hábito de inclinar ligeiramente a cabeça para um dos lados, daí o nome com que o baptizaram e que fica para a historia.

Com muita amizade e saudades,

Cherno (Chico de fajonquito)

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Notas de L.G.:


1 comentário:

septuagenário disse...

As alcunhas em África são uma regra tal, que se chega ao ponto de o nome natural das pessoas se esquecer por vizinhos e amigos.

Quando o Cherno diz que o capitão que é Figueiredo passou a ser cabeça inclinada, não seria apenas o capitão a levar alcunha.

Branco ou preto, tudo tem alcunha.

Provavelmente não teria havido oficial ou sargento e a maioria dos praças, que tenham saido da Guiné, sem uma alcunha.

Só que, nem sempre, os africanos, transmitem essas alcunhas aos alcunhados, se forem brancos ou estranhos, e ficam apenas entre eles, no próprio dialeto.

Quer as alcunhas sejam abonatórias ou não, são sempre tão apropriadas que pegam sempre.

O Cherno podia muito bem dar exemplos dessas alcunhas mesmo sem mencionar pessoas, para nos apercebermos desse hábito de os Guineenses, e não só, de batizarem toda a gente.

Eu sei que tive alcunhas (Somec, Soares da Costa, Tecnil e O.Publicas), mas os amigos nunca mos quizeram transmitir.

Antº Rosinha