Septuagésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
Relato do décimo segundo dia de viagem
Foi dos dias mais pacatos, céu azul, bom tempo, só
vendo paisagem e sem qualquer sobressalto, o clima
polar, a latitude 66° 33’, tinha ficado lá no norte.
No hotel pertencente à tal rede, na cidade Wasilla, que
por acaso é a cidade onde vive uma personagem
bastante popular, a senhora Sarah Palin, que já foi
governadora do estado do Alaska, cuja foto correu
mundo. Muitas senhoras a copiaram, com
uns óculos de estilo e uma cara simpática, que até o
Partido Republicano a nomeou para concorrer às
eleições para vice-presidente dos USA. Aqui,
continuavam a gostar de nós, pois além de nos fazerem
sempre um preço de amigos, serviram-nos um pequeno
almoço que era quase um jantar.
Rumo ao sul, já a manhã ia um pouco alta, a cidade de
Anchorage, era já ali, parámos na entrada junto da
placa que dava as boas-vindas à cidade, tirámos fotos,
fomos ver o “Ship Creek”, que é um rio do Alasca que
brota das “Montanhas Chugach” em Cook Inlet, ali no
porto de Anchorage, na foz do Ship Creek, que deu o seu
nome "Knik Anchorage", à cidade de Anchorage que foi
crescendo nas suas proximidades, já por lá havia alguns
pescadores, todavia disseram-nos que o salmão ainda
não tinha subido.
A cidade de Anchorage mostrava bem a presença russa,
no centro-sul do Alasca, no século dezanove, quando em
1867 o secretário de estado William Seward intermediou
um acordo para a compra do Alasca, ao endividado
Império Russo por US$ 7,2 milhões, algo como dois
centavos de dólar por acre. O negócio foi muito criticado
por políticos e pela população em geral, como a "loucura de
Seward", pois ia comprar a "caixa gelada de Seward" e
"Walrussia". Todavia em 1888 foi descoberto ouro no
“Turnagain Arm”, na região da enseada de “Cook”.
Em 1912, o Alasca tornou-se um território dos USA e
Anchorage, ao contrário de todas as outras cidades
grandes no Alasca ao sul da Faixa de Brooks, não era
nem pesqueira nem um campo de mineração. A área de
dezenas de quilómetros de Anchorage é estéril de
minerais metálicos economicamente importantes e, não
havia, naquele tempo, frota de pesca operando fora de
Anchorage.
Foi estabelecida em 1914 como um porto de
construção de caminhos-de-ferro para o “Alaska Railroad’,
que foi construído entre 1915 e 1923, sendo na área de
“Ship Creek Landing” onde se localizava o quartel
principal dos caminhos-de-ferro, que rapidamente se
tornou uma cidade de tendas. Depois disso, a cidade
sofreu uma grande transformação com o desenvolvimento
do caminho de ferro, com a chegada de bases militares e,
mais tarde, com o tráfrgo no Aeroporto Internacional Ted
Stevens, sendo a cidade de Anchorage, incorporada no
ano de 1920.
Em 1964, ano em que chegámos à província da Guiné,
com aquela farda amarela, servindo a “Muito Digna e
Orgulhosa Pátria Amada”, como me dizia o professor
Silvério, nos anos cinquenta, no segundo andar da escola
fria do Adro, em Águeda, aquela cidade foi atingida pelo
Terramoto de “Good Friday” (Semana Santa), ou “Grande
Terremoto do Alasca”, com uma magnitude de 9.2, que
matou 115 pessoas e provocou um prejuízo de 1.8 bilhões
de dólares. O terramoto durou cerca de 5 minutos, e as
construções que não cederam nos primeiros tremores,
ruíram com os movimentos incessantes. Foi o segundo
maior sismo da história mundial e a reconstrução
dominou a cidade em meados dos anos 60.
Continuámos visitando a cidade, mas nunca parando, pois
com uma caravana atrelada ao Jeep, dentro da cidade era
difícil o estacionamento e, pelas informações que
tínhamos, existe por aqui algum crime, talvez não seja
verdadeiramente crime, é a falta de ocupação dos
naturais, por tal motivo não era muito recomendável
estacionar, pelo menos nas áreas circundantes da cidade,
pois podia-se ver grupos de pessoas, em especial na
área da foz do “Ship Creek”, sem qualquer ocupação,
dando a entender que viviam por ali, talvez na esperança
de alguma oportunidade para enriquecer o seu miserável
património.
Mas deixemos esses pormenores, o que os nossos
companheiros devem querer saber é o que os nossos
olhos viram, em outras palavras, viajar connosco e isso é
o que vamos fazer.
Sempre rumo ao sul, seguindo na
estrada número 1, o tempo estava bom, o céu azul, com
um cenário que podia ser pintado, pois as montanhas de
“Chugach” estavam de um lado e a linha do caminho de
ferro, quase sobre a água da baía de “Turnagain Arm”, do
outro.
Umas horas depois éramos passageiros de um barco
que navegava por um pequeno lago, onde uma simpática
rapariga, com feições de esquimó, nos explicava alguns
pormenores do “Portage Glacier”, que é uma massa de
gelo, compactada e cristalizada, que desce da montanha,
caindo sobre o lago, na área de “Chugach National
Forest”, entre montanhas. A neve que o compõe anda
por lá há milhares de anos, tem aproximadamente 14
milhas, (23 quilómetros) de comprimento e está
conectado a mais cinco “glacieres”, que se escondem
também por entre montanhas.
Quando erguíamos os olhos, avistávamos neve e
gelo. À nossa frente a paisagem era de floresta, com
árvores verdes a circundarem a estrada que passava por
muitos ribeiros e lagos. Agora era rumo ao sul, entrando
na província do Kenai, onde existe uma área em que se
viaja por mais de 100 milhas sem estações de serviço,
mas a estrada é de alcatrão, em muito bom estado.
Continuando sempre na estrada número 1, chamada também “Sterling Highway”, podemos
avistar, do outro lado do “Cook Inlet”, onde a baía já é
bastante larga, algumas montanhas cobertas de neve
com o cume a fumegar, sinal de que são vulcões
adormecidos.
Saindo da estrada, aqui e ali, para apreciar a paisagem,
passando por algumas pontes, muitas são mesmo obras de arte, vendo pequenas embarcações
descarregando e limpando peixe. "Águias de colarinho
branco”, aproximavam-se enquanto se limpava o peixe.
Assim, fomos seguindo até à cidade Homer onde, antes
de procurar um parque de campismo, vendo um cenário
de mar e montanha, logo à saída de Cook Inlet, em
Kachemak Bay, existe um complexo de 7 vivendas,
casas em madeira de troncos, com dois andares, simples,
com todas as facilidades incluídas, a parte de trás tem um
pequena área coberta, com cadeiras, onde se pode
presenciar um cenário de mar e montanha mais lindo e
completo, que em toda a nossa vida, que já é um pouco
longa, vimos. São alugadas ao dia ou à semana e, como já
eram quase onze horas da noite, embora ainda fosse dia,
por curiosidade, perguntámos qual o preço do seu
aluguer, a pessoa responsável, uma senhora, sorrindo,
com aquele sorriso gaiato de esquimó, nos disse que
ainda tinha uma vaga, dado ao adiantado da hora nos
fazia um preço especial, para aquela noite, que era maior do que uma normal família, talvez com dois
filhos, podia gastar para viver razoavelmente durante
duas ou três semanas.
Dormimos próximo, num parque de campismo do estado,
cozinhando a nossa refeição, ocupando um espaço com
uma vista privilegiada, quase igual à das casas, em
troncos em madeira, por apenas $10.00, que colocámos
num apropriado envelope, oferecendo de ajuda, para a
manutenção do parque.
Neste dia, esquecendo o miserável dia anterior, pois por
aqui, já é “sul do Alaska”, percorremos apenas 297
milhas, num cenário de floresta, montanhas, glaciares,
lagos, alguns ribeiros, mar, zonas piscatórias, alguns
animais e aves selvagens, o céu quase sempre azul, com
o preço da gasolina variando entre $4.22 e $4.37 o galão,
que são aproximadamente 4 litros.
Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor
Último poste da série de 18 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13754: Bom ou mau tempo na bolanha (70): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (11) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Gostei de ler mais esta tua crónica recheada de dados históricos da Florida ao Alasca.
Um abraço.
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