sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13794: Inquérito online: resultados finais (n=145): (i) o paludismo é doença que não se esquece; (ii) um em cada dois tê-lo-á apanhado; e (iii) um em cada três diz que tomava sempre ou quase sempre, todas as semanas, o comprimidinho, Pirimetamina, 25 mg, LM


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > CCAÇ 2592/  CCAÇ 14  (Bolama, Contuboel, Aldeia Formosa, Cuntima, 1969/71) > Junho ou Julho de 1969 > O António Bartolomeu, fur mil, "recuperando de um ataque de paludismo, foi do caraças" (*)... Estivemos juntos, nessa altura, na formação das nossas companhias (ele, da CCAÇ 14, eu, da CCAÇ 12). Depois cada foi à sua sorte... (LG)

Foto: © António Bartolomeu (2007). Todos os direitos reservados.


A. Resultados finais da nossa sondagem sobre o paludismo (n=145) (**)

1. Não me lembro se tive paludismo > 3 (2%)

2. Não me lembro do medicamento para o paludismo > 9 (6%)

3. Sim, tive paludismo > 69 (47%)

4. Não, nunca tive paludismo > 30 (20%)

5. Não, nunca tomava o medicamento > 3 (2%)

6. Sim, tomava sempre (ou quase sempre) > 48 (33%)

7. Sim, tomava, mas só às vezes > 28 (19%)

8. Tomava o medicamento e tive o paludismo > 55 (37%)

9. Tomava o medicamento e nunca tive o paludismo > 22 (15%)

10. Nunca tomei o medicamento nem nunca tive paludismo > 11 (7%)

Votos apurados: 145
Encerramento: 23 out 2014,  21h45


Guiné  > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > O "resort" do Manuel Maia,  o poeta  que irá cantar, em sextilhas, tanto  o "seu" Portugal como a "sua" Guiné). (O Manuel Oliveira Maia é  autor de: (i) História de Portugal em Sextilhas, 2009; e (ii)  "Guiné que aprendemos a amar", 2013)

Foto: © Manuel Maia (2009). Todos os direitos reservados.

2.  Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, 1972/4) andou por muito sítio palúdico ( Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine)  mas foi um dos 20% que nunca terá apanhado o  paludismo...

Recorde.-se, a propósito, as suas  quadras alusivas ao paludismo de que se livrou (***)

Do paludismo nem cheiro,
"capei" mosquitas da zona,
já o mosquito era porreiro,
não me deu cabo da mona...

Malária ou paludismo,
foi maleita que não tive,
por ter um bom organismo,
sempre o "plasmodium" contive...

À custa duns "largos jarros"
e pastilhas LM [, Laboratório Militar,],
cerveja, whisky e cigarros,
paludismo não se teme...

Milhões de vezes picado
nos "resorts" conhecidos,
avisei-os por recado
- Se me infectais estais perdidos !!!

No Cantanhez foi a sorte,
a livrar-me do descambo,
que à mosquitada deu morte,
herói AB [, Almeida Bruno],  nosso Rambo...

Como Caio, o "mata sete",
ganhara fama por lá...
mosquitos do jet set
não picavam nos de cá...

Assim graças ao acordo,
e a uns copos bem regados,
as picadas que recordo,
não trouxeram mais cuidados...

Por outro lado também,
proibida era a doença,
por lá médico "cá tem",
e só na guerra se pensa...

Maleita é mais na cidade
com hospital logo à mão,
mosquito é da urbanidade,
que lhe dá mais atenção...

Sobre a doença hei dito,
acreditem que é verdade,
a relação com mosquito,
quase digo que é saudade...

Manuel Maia


3.  Mais  alguns postes, antigos,  publicados sobre a experiência do paludismo (e a sua prevenção e tratamento) no TO da Guiné (lista meramente exemplificativa; há muitos mais...)

15 de maio 2013 > Guiné 63/74 - P11573: Em Mansoa, nem mezinha má nem picada de mosquito boa... Ou as nossas doenças em tempo de guerra (1): Um mosquiteiro barato para um pira (Magalhães Ribeiro)

(...) O velhinho e meu grande amigo Furriel Ranger Marques, com a sua calma e longa experiência de vinte e muitos meses, deu-me, então, uma lição sobre “Como dormir sem zumbidos nem picadas dos mosquitos na Guiné”, assim:

1º) Não se faz mal às osguinhas e salamandras que deslizam ali no tecto — estavam lá três de vários tamanhos —, apesar do seu aspecto repelente elas são nossas amigas, e ajudam-nos a eliminar os mosquitos que, à noite, abundam e atacam muito mais, comendo-os; (...)


12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

(...) E lá fui eu a tremer até ao Xitole, a bordo o de uma viatura... de Cavalaria, a autometralhadora Daimler do Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler... Esse mesmo, o da fotografia, espero que não tenha sido nesse dia mesmo que eu fiquei doente; julgo que na altura lhe agradeci a boleia, mas se o não fiz, devido ao estado febril em que eu me encontrava, ainda vou a tempo, trinta e seis anos depois:
- Obrigado, meu alferes! Foi a melhor boleia, a mais oportuna, a mais rápida, que eu apanhei na puta da vida! Mesmo à justa!... (...)


(...) Esta doença não demorou a entrar na [CCAÇ]  816 ou não começássemos logo a ser atacados pelo agente causador (o Anopheles) mal pusemos os pés na Guiné.  Pele branquinha e sangue fresco, bom pasto para aqueles sanguessugas. 

Os 13 primeiros dias em Brá (trampolim para o mato) foram dormidos sem mosquiteiros. Foi um tal atacar! O pessoal passava a vida a “tocar harpa”, como dizia o meu amigo Furriel Baião (já falecido) ao apontar um camarada a coçar-se desesperadamente com as unhas das mãos, logo ao limiar do dia. Afinal aprendemos todos a tocar harpa (uns mais desesperados que outros). A picada do mosquito, em alguns quase não se via sinais da dita, noutros era cada verdugo (!). (...)
________________

7 comentários:

Luís Graça disse...

Temos falado de tudo ou quase tudo, em mais de 10 anos de blogue, sobre a nossa experiência como combatentes no TO da Guiné, entre 1961 e 1974, incluindo a nossa experiência (pessoal, única mas transmissível...) doença…

Qualquer dia, temos que começara a inventar, por falata de assunto,,, Nessa altura, prometo fechar o blogue...

Mas convenhamos: não é assunto fácil, falar de doenças, das nossas próprias doenças, porque é do foro íntimo, e nomeadamente as doenças sexualmente transmissíveis e as do foro psicol+ogico e mental…

Mas o paludismo, meu Deus, quem não o apanhou ?!

Esta última sondagem - "on line", baseada numa amostra pequena (n=145), de mera conveniência, e que portanto “vale o que vale" - aponta para uma estimativa de 1 em cada 2… Seria intressante saber se os serviços de saúde do exército têm outros números, relativamente à taxa de incidência do paludismo entre os militares, durante a guerra colonial... Se têm não os conheço...

É evidente que não estávamos todos na mesma situação de risco, se bem que o paludismo fosse endémico em todo o territórioda Guiné… Em todo o caso, quem vivia em Bissau, aparentemente estava em melhores condições para se proteger e prevenir desta doença tramada (e de tratar, quando doente)... Doença tramada que matava (e que matou alguns camaradas nossos: também não temos números)...

E já que estamos a falar na primeira pessoa do singular, deixem-me também evocar aqui a minha experiência pessoal, de resto já partilhada algures num comentário (ao poste P11556, de 12/5/2013)

Também foi do “caraças”, para usar aqui a expressão castiça e apropriada do David Guimarães: O meu primeiro ataque do paludismo foi em Bambadinca, se não erro, já no final da época das chuvas ou até mesmo no princípio da época seca (já não posso precisar, talvez no último trimestre de 1969).

E, como outros camaradas já o disseram, era mesmo uma experiência brutal para um tuga... Um pesadelo.
A imagem que ainda tenho é a do ciclo (curto) da temperatura do corpo que ia do muito baixo (abaixo dos 36!) ao muito alto (aos quarenta e tais!)...

É dessa alternância do muito frio ao muito quente, que eu me recordo, nas minhas noites e dias palúdicos… Dois, três, takvez mais… Os lençois encharcados de suor, e a nossa mãezinha lá tão longe, sem nos poder valer...

Sozinho, no meu quarto (que aliás não era só meu, era de mais 4 ou 5), com o meu amigo 'Pastilhas' (ex-fur mil enf João Carreira Martins, da CCAÇ 12, que se reformou como enfermeiro chefe do Hospital Curry Cabral e é hoje pai de 2 médicos) a vigiar-me de tempos e a medicar-me com doses de cavalo, a Resoquina, se não erro...

A sensação que eu tinha, nesses dias, era a de abandono, solidão, desespero... Ora ardia em febre, ora tiritava de frio, entrando em hipotermia... Um dia vou ter que transfiormar esta "descida ao inferno" em poesia... Emfim, não sei quantas vezes tive paludismo na Guiné... Talvez duas ou três… E cá tive algumas "ressacas" (ou recidivas, em linguagem médica), como muita malta...

Por outro lado, no regresso, trazíamos o fígado em mau estado, de tanto uísque, água da bolanha, gin tónico, cerveja, tintol, brancol e outras merdas que emborcávamos.

Anónimo disse...

Nunca tomei o medicamento. Nunca tive paludismo. Nunca estive doente, nem uma dor de cabeça..Também, é verdade que nunca bebi água..Nas operações enchia o meu cantil de aguardente de cana, que usava para recuperar as forças...

Abraço.

J.Cabral

Juvenal Amado disse...

Quando inverti neste assunto e mencionei que após começarmos a tomar a profilaxia o paludismo abrandou lá por Galomaro esqueci de dar uma informação também muito importante;
É que também na mesma altura foram disponibilizados os mosquiteiro e a partir daí as noites foram uma coisa que nem sabia que existia, sem zumbidos, sem ferruadas, etc.

Um abraço ao manuel Maia que ao contrário do "Perdigão perdeu a pena e não mal que lhe não venha" o Maia não a perdeu e mantém um apurado dom para as palavras.

Juvenal Amado disse...

Não é inverti, mas sim intervim

Luís Graça disse...

Juvenal: essa é outra boa questão para perguntar a malat...

Quem, no nato, se podia dar ao luxo de dormir com rede mosquiteira ?...Talvez os oficiais e sargentos...

Não sei se todas as companhias que iam para a a Guiné levavam redes mosquiteiras no seu inventário... Eu que a muita malta não gostava nada de dormir com rede, por causa do calor... Mas a rede era uma boa proteção individual... Por outro lado, a dormia praticammente nua... O calor e a humnidade erma horríveis... Com os mosquitos, faziam uma combinação infernal...

Só que ao fim de algumas semanas a rede era posta de lado, por ser incómda, ou por se ter rompido... Isto ni caso de haver rede distribuída...

Por outro lado, a malta operacional que dormia no mato, nos "destacamentos" com instalações precárias e improvisadas, ou nas tabancas em autodefesa, o único meio que tinha para se defender dos mosquitos era o maldito repelente, da marca LM... que até as hienas afugentava!

Um abraço grande. LG

Juvenal Amado disse...

Luís

Eu quando a apanhei entrei no céu e nunca mais a larguei.
Ventoinha lá dentro enquanto havia energia eléctrica mas os mosquitos era por demais mais incomodativos. Nos postos de reforço usávamos o Old Brand (já não sei se é assim que se escreve) e a rede verde pela cabeça.

Nas colunas e nos destacamentos operacionais a mesma rede sempre ajudava. Nas picagens aquelas moscas pequeninas eram aos milhões e pegavam-se ao nosso suor.

Enfim tempos vividos e idos

Um abraço a todos que tiveram paludismo e aos que não tiveram nem sabem o que perderam

Anónimo disse...

Paulo Salgado
20/10/2014

Luís:

​Um abraço tertuliano.

a) Tomava o anti-palúdico habitualmente;
b) Tive o paludismo duas vezes entre 70 e 72.

Posteriormente, desloquei-me à Guiné-Bissau por mais de 30 vezes ao longo de 20 anos e nunca contraí o paludismo.

Forte abraço.