segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13768: Notas de leitura (643): General Spínola ao Diário de Lisboa, em 9 de setembro de 1972: Não há que temer a autodeterminação (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Março de 2014:

Queridos amigos,
Esta entrevista fazia parte de um projeto pessoal em que Spínola buscava apoios junto de oposicionistas do regime. Não foi à toa que pediu apoio a Ruella Ramos para deslocar um repórter à Guiné.
Spínola visa negociações, o seu cordial entendimento com Caetano caminha para a maré-baixa, é a partir de agora que a correspondência entre os dois ganha tons patéticos.
Esta entrevista foi alvo de reparos pessoais de Caetano. Spínola abriga-se em fórmulas que de há muito vem defendendo mas não se coíbe de falar na autodeterminação, fala da perda de apoios do PAIGC e insinua até que há chefes que querem depor as armas. Importa não esquecer que à data desta entrevista já está em marcha um processo de consulta popular para se aprovar uma constituição para a Guiné-Bissau, seguida da declaração unilateral da independência. Havia que jogar com todos os trunfos, para contrariar esse desenlace.
Assim se entende melhor o núcleo desta entrevista.

Um abraço do
Mário


Spínola ao Diário de Lisboa, em 9 de setembro de 1972: 
Não há que temer a autodeterminação

Beja Santos

Na sequência de um conjunto de reportagens publicadas no mês de agosto de 1972, no Diário de Lisboa, assinadas pelo jornalista Avelino Rodrigues, cuja recensão está feita no blogue, em 9 de setembro o enviado especial do então vespertino da rua Luz Soriano entrevista o governador e comandante-chefe. Para se entenderem bem as respostas de Spínola, talvez seja útil dar o pano de fundo. Estamos em 1972, decorre com sucesso a reocupação do Cantanhez, Spínola encontra-se com Senghor, as relações com Marcello Caetano tendem a esfriar, esta entrevista, saber-se-á mais tarde, quando se publicar a correspondência entre os dois, foi censurada pelo próprio presidente do Conselho de Ministros, Spínola reagiu, Caetano irá redarguir que é muito tarde para se voltar a discutir a forma federal em que ele acreditara no passado.

Seguramente que o jornalista e o mediático militar se entenderam na perfeição para que a estrutura da entrevista fosse caminhando desde o inócuo para o explosivo, desde o consensual até ao polémico. Com efeito, Avelino Rodrigues começar por perguntar a Spínola se não existe uma militarização de funções civis na medida em que as forças armadas estão cada vez mais investidas na promoção agrária, cultural e assistencial, havia cada vez mais médicos, militares e familiares na cobertura sanitária das populações, no ensino liceal e até no fomento agrário. Spínola responde com serenidade, são missões de paz, o que interessa às Forças Armadas é captar a total participação dos guinéus, estimular a civilização civil. Mudando de registo, o jornalista pergunta a Spínola se se poderá dizer que as Forças Armadas dominam a maioria do território e controlam a maioria da população. Spínola chama a si os méritos da situação, tudo está a evoluir melhor desde 1968, no plano militar conseguiu-se um pleno aproveitamento do apoio da população, é por isso que está em curso uma revolução social que tirou argumentos ao inimigo, este está enfraquecido, o PAIGC foi desarmado pelo plano de desenvolvimento económico e social.

Sobe a temperatura das perguntas, vai falar-se de democracia, o que o jornalista viu foi a criação de estruturas democráticas, o Congresso do Povo é uma estrutura democrática. Com cuidado, Spínola responde: “Talvez seja racionalmente democrata, uma vez que baseei a essência das minhas convicções no conceito lapidar de que a soberania reside na Nação (…) É o que temos tentado fazer na Guiné, ao instituirmos um sistema de Governo baseado na vontade do povo”.

Nova inflexão, desta vez para a africanização dos quadros guineenses, Spínola já tinha afirmado que a africanização no Exército era um processo irreversível. Spínola não hesita na resposta, caminha-se para uma Guiné administrada por guinéus sob bandeira portuguesa. E arreda completamente o perigo de uma guerra sem controlo entre a Força Africana e o PAIGC: “Os africanos da Guiné sabem bem o que querem, o que elimina qualquer hipótese, mesmo remota, de descontrolo". A pergunta seguinte vem cheia de picante: “Afirma-se que vários grupos de guerrilheiros têm querido encontrar-se com V. Exa. É isto verdade?”. E Spínola, com blandicia, como se fosse detentor de uma posição estratégica firmíssima, responde que havia tentativas de aproximação no sentido de serem obtidas garantias quanto ao regresso de grupos de guerrilha em bloco ou de chefes individualmente, era gente que se propunha colaborar com o projeto “Por uma Guiné Melhor”. Assim se lançava a dúvida nas hostes do PAIGC e se explicava a pequenez dos resultados: “Todavia, o rígido controlo do inimigo sobre os seus elementos, a ação dos quadros estrangeiros e até, pois há que o reconhecer, certa desconfiança em relação a garantias de continuidade e à sinceridade dos nossos propósitos são razões que não têm levado à não concretização de algumas dessas tentativas”. Fala-se dos massacrados de 20 de abril de 1970, na estrada Pelundo – Jolmete, e Spínola responde: “Morreram como heróis, no sublime missão de paz pelo futuro do País e da Guiné”.

E entra-se no mais escaldante da entrevista, a autodeterminação da Guiné, e Spínola é categórico: “Não há que temer a autodeterminação mas, antes, que construir sobre ela a autêntica unidade nacional; e, no caso particular da Guiné, a política que vimos prosseguindo a esta luz, vem-se afirmando pela continuidade de Portugal em África”. Então o jornalista questiona-o sobre a livre opção dos guineenses, será que Spínola aceitaria a forma plebiscitária? E Spínola responde que aceita o conceito universal de “livre opção dos povos”, mas que no caso da Guiné esta constitui parte integrante de uma nação independente, não era necessário qualquer plebiscito já que a esmagadora maioria dos guinéus dera a sua adesão à política da administração portuguesa. E de novo perguntado se sentiria desgosto se essa Guiné autodeterminada se orientasse no sentido da independência, mesmo ficado ligada a Portugal, Spínola responde que sim, já que tem procurado construir uma Guiné autodeterminada dentro do contexto do Portugal renovado.

Por fim, aborda-se o problema da liberdade de expressão e o jornalista pergunta-lhe se Spínola estaria disposto a aceitar uma imprensa livre em Bissau do mesmo modo que aceitava a liberdade de expressão nos Congressos do Povo. Com subtileza, Spínola torneia a questão, fala na verdade absoluta e que ninguém pode arrogar-se detentor da verdade, a imprensa livre prossupõe uma ética muito sólida, haveria que caminhar progressivamente no sentido de uma imprensa livre, responsável e consciente da sua função social.

Tudo vai mudar radicalmente depois desta entrevista. Após as férias no Luso, Spínola é confrontado com a total relutância de Caetano em negociações com Amílcar Cabral. Começa o afastamento. Amílcar Cabral está no auge das suas potencialidades, o seu reconhecimento internacional é indesmentível, anuncia que se prepara uma assembleia para aprovar uma constituição e a independência unilateral. A guerrilha está intensificada. A URSS fornece os temíveis mísseis terra-ar. Cabral é assassinado em Conacri, entrou-se num novo patamar da guerra, a partir de maio de 1973. Toda a argumentação de Spínola cai por terra quando é decidido reduzir o número de destacamentos e de população protegida, fala-se num recuo que deixa uma grande porção das fronteiras totalmente permeáveis, não há equipamento que contrarie os morteiros 120. Então Spínola desiste e deixa a Guiné.

A Fundação Mário Soares dá acesso ao Diário de Lisboa, todo ele está digitalizado e o leitor interessado pode encontrar aqui esta entrevista de 9 de setembro cujo grau de censura se ignora, talvez seja necessário consultar a documentação de Marcello Caetano para se saber a fraseologia que os pôs em confronto, o idílio Spínola-Caetano já esmorecera.


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13747: Notas de leitura (642): “Libertação Nacional - Manual Político do P.A.I.G.C.”, com intervenções de Amílcar Cabral, Edições Maria da Fonte, 1974 (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Já agora, Mário, em complemento do teu poste nº 1001, aí vai uma informação adicional para os nossos leitores:

O Avelino Rodrigues foi padre, e capelão do RI 5 (Caldas da Raínha), em 1966... E dai porventura o seu à vontade ao entrevistar o Spínola, em Bissau, em 1972... Uma entrevista para a história, uma entrevista histórica, sem dúvida... LG

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Avelino Rodrigues, um capelão nas origens do movimento dos capitães
CARLOS CIPRIANO 30/04/2014 - 11:00

Público

http://www.publico.pt/portugal/noticia/avelino-rodrigues--um-capelao-nas-origens-do-movimento-dos-capitaes-1634045#/0



Mais conhecido como jornalista, o co-autor do livro O Movimento dos Capitães e o 25 de Abril (recém-reeditado) foi também padre, tendo sido capelão do Exército no Regimento de Infantaria 5. Hoje, Avelino Rodrigues diz, sem dúvidas: “O 25 de Abril começou nos Vidais [freguesia das Caldas da Rainha] e logo em 1966”. (...)

JD disse...

Antes do mais, quero apresentar ao Mário o meu agradecimento pela prestimosa colaboração que tem dado ao Blogue, que geralmente leio com atenção e interesse, e tem sido fonte inspiradora para algumas leituras. Essa colaboração é francamente enriquecedora e, por ventura, estará na primeira linha da importância do nosso acervo colectivo.
Sobre a entrevista, é preciso notar-se, que foi dada em 9/9/72, numa ocasião em que o general manipulava a informação tendo em conta a satisfação da sua ambição pessoal de alcançar a presidência. Assim, depois da invasão de Conakri, que alimentou a intensa actividade diplomática contra Portugal, Spínola serve-se da entrevista para desferir (novos) golpes psicológicos sobre o PAIGC através da desconfiança entre o IN.
Todavia, numa interpretação aleatória, parece que só "conseguiu" a aceleração da entrega ao PAIGC de novos armamentos, susceptíveis de alterar as confianças sobre as estratégias prosseguidas de parte a parte. Quando Spínola deixou a Guiné, já tinha apresentado um quadro negro sobre o evoluir da situação, tinha agregado à sua a opinião de C.Gomes, e deixara pairar dúvidas, que lhe devolveriam o prestígio de um comandante atraiçoado pela retaguarda, situação que declarou na despedida às tropas em Dez/71, onde eu me integrava.
Porém, havia um conceito muito diferente sobre autodeterminação: enquanto em Angola (e talvez em Moçambique) a evolução política, económica e social exigia justificadamente maior autonomia da metrópole (do ponto de vista de uma sociedade capitalista demo-liberal), ainda sem se falar de independência, o que evidenciava uma prudente inteligência colectiva, na Guiné, onde os Congressos do Povo não passavam de organizações induzidas, logo de insuficiente capacidade política colectiva, a passagem do poder não só estava a ser oferecida, como parecia existir pressa nessa resolução, o que poderia contrariar a ideia do general para o futuro da Guiné.
JD

antonio graça de abreu disse...


Diz o Mário Beja Santos:

"A URSS fornece os temíveis mísseis terra-ar. Cabral é assassinado em Conacri, entrou-se num novo patamar da guerra, a partir de Maio de 1973. Toda a argumentação de Spínola cai por terra quando é decidido reduzir o número de destacamentos e de população protegida, fala-se num recuo que deixa uma grande porção das fronteiras totalmente permeáveis, não há equipamento que contrarie os morteiros 120. Então Spínola desiste e deixa a Guiné."

O inefável Mário Beja Santos, com as suas meias verdades, -- tipo a retracção do dispositivo militar, ideia de Costa Gomes que nunca aconteceu, jamais abandonámos um aquartelamento em 225 existente na Guiné, à excepção de Guileje --, com as suas meias verdades continua a vender a sua banha da cobra. Mário Beja Santos será assim até ao fim da vida. Cada qual é como é.

Estive com o jornalista Avelino Rodrigues, depois com o jornalista Vitor Direito, da República, homens contra a guerra, de "esquerda",
em Teixeira Pinto, 1972. Estive com o meu coronel Rafael Ferreira Durão e todas as nossas tropas no terreno, tropas especiais, de élite, comandos, pára-quedistas, fuzileiros no CAOP 1, em Teixeira Pinto e em Mansoa. Mais tarde estive onze meses em Cufar, a continuação da nossa História.
Está tudo descrito ao pormenor no meu "Diário da Guiné, 72/74", obra que jamais mereceu uma recensão do Mário Beja Santos no nosso blogue. Porquê?
Respigo do meu Diário da Guiné, em Teixeira Pinto, a de 26 de Julho de: 1972:

Abro muito os olhos e os ouvidos, meto tudo dentro de mim, falo pouquíssimo, quase não reajo, não demonstro nada. Mas sinto que em Portugal é que o PAIGC vai ganhar a guerra, aqui não a perde e no terreno não a consegue ganhar.
No labor quotidiano no Comando de Operações, passam pelas minhas mãos documentos fundamentais para se entender a guerra na Guiné. Chegam de Bissau e são as informações diárias e semanais, os relatórios mensais de operações com todos os dados, bombardeamentos, flagelações, ataques, emboscadas, os números dos milhares de quilos de bombas lançadas pelos nossos aviões, o número de mortos e feridos, NT e IN, dias, horas, particularidades dos ataques, etc. Esta documentação tem a classificação de confidencial e secreta. Vêm também as informações da PIDE/DGS com dados sobre a movimentação dos guerrilheiros, natureza dos acampamentos IN e outros elementos. Um exemplo, pela PIDE de Canchungo soubemos que neste momento estão dentro da Guiné sete jornalistas de nacionalidade checa, búlgara e russa. Entraram, vindos do Senegal, pela fronteira junto a S. Domingos, uns oitenta quilómetros a norte daqui. O meu major Pimentel da Fonseca. não gosta muito do Sr. Costa, o agente da PIDE/DGS em Canchungo, que tem uma vivenda aqui na avenida. O major diz que o Costa, para mostrar serviço, de vez em quando inventa factos e notícias. Parece-me bem possível. Estive em casa dele a semana passada e, no desempenho de funções, tive de lhe apertar a mão. Coisas impensáveis em Lisboa.
Voltemos à guerra.
As NT, as nossas tropas são constituídas por cerca de 35.000 homens, incluindo os negros que combatem do nosso lado. Pensa-se que o IN, o inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, conta com cinco a sete mil homens.
Quem controla todos os centros urbanos, vilas, estradas, aeroportos, rios principais e ilhas da Guiné são os portugueses. O território é pequeno, pouco maior do que o Alentejo e os guerrilheiros nunca estão longe. Têm capacidade para lançar ataques, flagelações, emboscadas, colocar minas um pouco por todo lado, não é difícil movimentarem-se por entre a malha do dispositivo militar português. Todavia é um exagero afirmar-se que dois terços da Guiné estão nas mãos do PAIGC.

antonio graça de abreu disse...

(contimuação)

Só controlam as aldeias escondidas nas florestas, quase sem estradas, onde não existe luz eléctrica, não têm viaturas para se movimentar, não dispõem de meios aéreos, nem de barcos, a não ser canoas. As suas principais bases militares situam-se do outro lado da fronteira, no Senegal e na Guiné-Conacry. Daí partem muitas vezes em acções militares e, cumprido o plano, para lá regressam. As zonas libertadas de que falam corresponderão em termos reais talvez a um terço do território da Guiné. São as tais florestas quase impenetráveis, às vezes circundadas por rios onde só costuma entrar a nossa tropa especial e há logo escaramuças, contactos de fogo. Trata-se de regiões mártires sujeitas a frequentes bombardeamentos da aviação portuguesa. Aí o IN controla a população, há pequenas aldeias, escolas e hospitais, tudo muito primitivo. Algumas das zonas libertadas próximas dos nossos aquartelamentos estão também sujeitas a ser flageladas pela artilharia das NT, temos os obuses 14, uns canhões já antigos (do tempo da 2ª. Guerra Mundial?) que disparam uns projécteis de todo o tamanho, por exemplo, sobre a Caboiana, a zona libertada aqui a norte onde os guerrilheiros instalaram uma das suas maiores bases dentro da Guiné, com defesas montadas em quadrado, cerca de trezentos combatentes e três mil elementos da população. Os canhões têm um alcance de dez a doze quilómetros, os nossos artilheiros calculam o local onde se abrigam os elementos IN e bombardeiam em diferentes períodos do dia. Do Bachile são disparados em média quinze tiros sobre a Caboiana, diariamente, do Cacheu são disparados outros quinze. Cada projéctil pesa cinquenta quilos e custa dois contos e quinhentos, o salário normal de um mês de trabalho de um cidadão em Portugal.
As populações das zonas libertadas vivem em condições deploráveis, numa insegurança constante, os tiros de canhão, os bombardeamentos aéreos acertam por vezes nas suas aldeias.
As NT, as nossas tropas são constituídas por cerca de 35.000 homens, incluindo os negros que combatem do nosso lado. Pensa-se que o IN, o inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, conta com cinco a sete mil homens.
Quem controla todos os centros urbanos, vilas, estradas, aeroportos, rios principais e ilhas da Guiné são os portugueses. O território é pequeno, pouco maior do que o Alentejo e os guerrilheiros nunca estão longe. Têm capacidade para lançar ataques, flagelações, emboscadas, colocar minas um pouco por todo lado, não é difícil movimentarem-se por entre a malha do dispositivo militar português. Todavia é um exagero afirmar-se que dois terços da Guiné estão nas mãos do PAIGC. Só controlam as aldeias escondidas nas florestas, quase sem estradas, onde não existe luz eléctrica, não têm viaturas para se movimentar, não dispõem de meios aéreos, nem de barcos, a não ser canoas. As suas principais bases militares situam-se do outro lado da fronteira, no Senegal e na Guiné-Conacry. Daí partem muitas vezes em acções militares e, cumprido o plano, para lá regressam. As zonas libertadas de que falam corresponderão em termos reais talvez a um terço do território da Guiné. São as tais florestas quase impenetráveis, às vezes circundadas por rios onde só costuma entrar a nossa tropa especial e há logo escaramuças, contactos de fogo.

antonio graça de abreu disse...

(continuação)

Trata-se de regiões mártires sujeitas a frequentes bombardeamentos da aviação portuguesa. Aí o IN controla a população, há pequenas aldeias, escolas e hospitais, tudo muito primitivo. Algumas das zonas libertadas próximas dos nossos aquartelamentos estão também sujeitas a ser flageladas pela artilharia das NT, temos os obuses 14, uns canhões já antigos (do tempo da 2ª. Guerra Mundial?) que disparam uns projécteis de todo o tamanho, por exemplo, sobre a Caboiana, a zona libertada aqui a norte onde os guerrilheiros instalaram uma das suas maiores bases dentro da Guiné, com defesas montadas em quadrado, cerca de trezentos combatentes e três mil elementos da população. Os canhões têm um alcance de dez a doze quilómetros, os nossos artilheiros calculam o local onde se abrigam os elementos IN e bombardeiam em diferentes períodos do dia. Do Bachile são disparados em média quinze tiros sobre a Caboiana, diariamente, do Cacheu são disparados outros quinze. Cada projéctil pesa cinquenta quilos e custa dois contos e quinhentos, o salário normal de um mês de trabalho de um cidadão em Portugal.
As populações das zonas libertadas vivem em condições deploráveis, numa insegurança constante, os tiros de canhão, os bombardeamentos aéreos acertam por vezes nas suas aldeias.
As NT, as nossas tropas são constituídas por cerca de 35.000 homens, incluindo os negros que combatem do nosso lado. Pensa-se que o IN, o inimigo, os guerrilheiros do PAIGC, conta com cinco a sete mil homens.
Quem controla todos os centros urbanos, vilas, estradas, aeroportos, rios principais e ilhas da Guiné são os portugueses. O território é pequeno, pouco maior do que o Alentejo e os guerrilheiros nunca estão longe. Têm capacidade para lançar ataques, flagelações, emboscadas, colocar minas um pouco por todo lado, não é difícil movimentarem-se por entre a malha do dispositivo militar português. Todavia é um exagero afirmar-se que dois terços da Guiné estão nas mãos do PAIGC. Só controlam as aldeias escondidas nas florestas, quase sem estradas, onde não existe luz eléctrica, não têm viaturas para se movimentar, não dispõem de meios aéreos, nem de barcos, a não ser canoas. As suas principais bases militares situam-se do outro lado da fronteira, no Senegal e na Guiné-Conacry. Daí partem muitas vezes em acções militares e, cumprido o plano, para lá regressam. As zonas libertadas de que falam corresponderão em termos reais talvez a um terço do território da Guiné. São as tais florestas quase impenetráveis, às vezes circundadas por rios onde só costuma entrar a nossa tropa especial e há logo escaramuças, contactos de fogo. Trata-se de regiões mártires sujeitas a frequentes bombardeamentos da aviação portuguesa. Aí o IN controla a população, há pequenas aldeias, escolas e hospitais, tudo muito primitivo. Algumas das zonas libertadas próximas dos nossos aquartelamentos estão também sujeitas a ser flageladas pela artilharia das NT, temos os obuses 14, uns canhões já antigos (do tempo da 2ª. Guerra Mundial?) que disparam uns projécteis de todo o tamanho, por exemplo, sobre a Caboiana, a zona libertada aqui a norte onde os guerrilheiros instalaram uma das suas maiores bases dentro da Guiné, com defesas montadas em quadrado, cerca de trezentos combatentes e três mil elementos da população. Os canhões têm um alcance de dez a doze quilómetros, os nossos artilheiros calculam o local onde se abrigam os elementos IN e bombardeiam em diferentes períodos do dia. Do Bachile são disparados em média quinze tiros sobre a Caboiana, diariamente, do Cacheu são disparados outros quinze. Cada projéctil pesa cinquenta quilos e custa dois contos e quinhentos, o salário normal de um mês de trabalho de um cidadão em Portugal.

É tudo.
Abraço, do Cumbijã ao Cacheu,

António Graça de Abreu