Capa do livro de José Pardete Ferreira - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.
1. O ex-alf mil médico José Pardete Ferreira (1941-2021), membro da nossa Tabanca Grande, que, infelizmente, nos deixou há quase dois anos (em janeiro de 2021), é o autor de "O paparratos", um livro que pode ser classificado como um misto de narrativa histórica e de autobiografia, em que a realidade e a ficção se misturam. Já fizemos, no passado, três notas de leitura do livro (*),
A obra, a que o autor chama "romance", tem como subtítulo "novas crónicas da Guiné, 1969/71". Mas o arco temporal da acção é maior, abarcando, no essencial, a década de sessenta e de setenta (até ao 25 de Abril), com dois acontecimentos marcantes de que o autor foi, ele próprio, protagonista: (i) a crise académica de 1962; e (ii) e a sua mobilização, em fevereiro de 1969, para o teatro de operações da Guiné, como alferes mil médico.
Uma das personagens da narrativa é o João Pekoff (um "alter ego" do autor, José Pardete), apresentado como estudante activista da crise académica de 1962, em Lisboa, ligado à JUC - Juventude Universitária Carólica, e depois médico no CAOP, em Teixeira Pinto (de fevereiro a junho de 1969) e no HM 241, em Bissau (até ao princípio de 1971).
Lisboeta, nascido em 1941, filho único, morava, com os pais, no Bairro das Colónias, frequentando, desde cedo, o Café Colonial (que ainda hoje existe, na Av Almirante Reis, aos Anjos; inaugurado em 1934, foi tertúlia e café de estudantes, transformado entretanto em pastelaria, em 1978, hoje Café Pastelaria Colonial).
João Peckoff / José Pardete passou pela Mocidade Portuguesa e a JEC (Juventude Estudantil Católica), enquanto estudante de liceu, e depois pela Acção Católica, a JUC e a Pax Romana - Movimento Internacional de Estudantes Católicos, enquanto estudante de medicina. Praticou desporto de alta competição na CDUL e no Sporting (onde foi, nomeadamente, guarda-redes nas equipas de andebol)...Além de cirurgião, especializou-se mais tarde em medicina desportiva...
Participou também na organização da assembleia mundial do Movimento Internacional de Estudantes Católicos — Pax Romana, que se realizou em Lisboa, 1960 (vd. cap 16º, "A Pax Romana", pp. 111), ao lado de outros católicos portugueses, como Antero Silva Guerra / António Sousa Franco (?), Márcia Luisa Piriquita / Maria de Lurdes Pintassilgo, Telma Santana Guera / Teresa Santa Clara Gomes... e outros/as (que não conseguimos identificar).
2. Interessa-nos dar a conhecer, melhor, aos nossos leitores, essa época da Lisboa dos anos 60, e nomeadamente da crise académica de 1962, vista pelos olhos de João Pekoff, sobre o qual, aliás, o autor diz que "não tinha grande formação política" (p. 47), o que não o impede ser um dos "atores" que pisaram o "campus universitário" desse ano histórico (e sobretudo sua testemunha privilegiada e, ao mesmo tempo, um crítico da liderança estudantil em Lisboa)...
Delicioso, como já o dissemos, é o retrato que ele faz faz de alguns dos históricos dirigentes do movimento estudantil dessa época: não é difícil descobrir por detrás do pseudónimo Ernesto Figueira, estudante de medicina, a figura do futuro psiquiatra Eurico Figueiredo (n. 1939, em Vila Real), ou do João Santos, estudante de direito, o futuro presidente da República, Jorge Sampaio. Ambos frequentavam, tal como o João Pekoff, o Café Roma, junto à Praça de Londres, na Av de Roma (pp. 23 e ss).
Também achámos, na altura, interessante "a ronda dos cafés" (pp. 81 e ss.), uma reconstituição do roteiro histórico dos cafés de estudantes e tertúlias da Lisboa dos anos 50, 60 e 70 (até ao 25 de Abril). Tínhamos prometido falar deste roteiro. Surge agora a oportunidade.(**)
Mal ou bem, os cafés das Avenidas Novas (Roma, Vá-Vá, Monte Carlo...) estão associados, nos anos 50/60/70, à boémia estudantil, animação cultural e sobretudo uma certa atmosfera de "contestação e conspiração" dos jovens que frequentavam a universidade naquele tempo em Lisboa (nomeadamente a Universidade Clássica de Lisboa: letras, direito, filosofia, história...; mas também a Universidade Técnica de Lisboa (UTL), frequentada igualmente pelos alunos da Academia Militar que cursavam as engenharias, sem esquecer, na 7ª colina, no Quelhas, o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), hoje ISEG. (Desde os anos 30 que estava integrado na UTL.)
Ainda não havia em 1962, o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (criado em 1972, no Campo Grande e depois com instalações modernas (que eu fui inaugurar) na Av das Forças Armadas. A sua criação está associada ao nome de outro "católico progressista", o Adérito Sedas Nunes.
Já existia, isso, sim, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), designação criada em 1962, para o antigo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), herdeiro da Escola Superior Colonial (fundada em 1906)... Mas em 1962 era rapaziada ordeira, "situacionista", que tinha emprego garantido no Utramar português, como admistradores coloniais, antropólogos, assistentes sociais, etc. O que não impediu que a contestação estudantil de 1969 lá chegasse, e forte, sobretudo entre a malta de economia... E, claro, também ainda não havia a Universidade Nova de Lisboa, criada no fim do marcelismo, em 11 de agosto de 1973...
Fiquemo-nos pela "cidade universitária", circunscrita ao Campo Grande/Saldanha, ou seja, afinal, à Universidade Clássica de Lisboa.... Dizia-se que o Salazar, provinciano e coimbrão, sempre quis, em Lisboa, os diferentes estabelecimentos de ensino superior universitário, "higienicamente" separados no espaço... Ele lá tinha as suas razões.
O maior destaque é dado ao Café Roma... Mas havia outros cafés frequentados por estudantes, escritores, intelectuais, jornalistas, homens e mulheres do cinema e do teatro, e demais figuras da vida cultural da cidade no início dos anos 60:
(...) Continuando a ronda alargada dos cafés lisboetas que acolhiam estudantes, é de lembrar o Café Minabela, na Amadora, não esquecer o Café Monte Carlo, onde pontuava o imponente Pena Peres [não descortinamos quem fosse o personagem por detrás deste pseudónimo]. , nem a Leitaria próxima, na Duque d'Ávila, que tinha sofrido uma carga a cavalo da GNR (...).
Não se olvida , do mesmo modo, o Monumental, nem o D. Rodrigo, na Avenida D. Rodrigo da Cunha, aquela via larga que liga a Avenida Gago Coutinho às traseiras da Igreja de São João de Brito, em Alvalade. No D. Rodrigo um castiço trauteava, quase em permanência, as canções de Jacques Brel, muito em voga naquele período, tais como "Le Diable" e "Les Flamandes" (...).
Provavelmente o mais famoso e icónicos dos cafés desta época é o Monte Carlo, a par do Vá-Vá, duas referências obrigatórias dos roteiros históricos dos cafés lisboetas da época ... Mas, ainda de acordo com o autor que temos vindo a citar:
(...) A Pastelaria Biarritz e a Casa dos Caracóis (...) mantêm-se de pedra e cal. Já o mesmo não se pode dizer do celebérrimo Monte Carlo que deu lugar a uma loja de uma cadeia espanhola de venda de vestuário [Zara]. Tão pouco o Monumental cumpriu as promessas de antanho. (...). (pág, 81).
(...) É um risco calculado não se citar com deferência o Vává, o Londres, a Mexicana, e tantos, tantos, tantos mais que, embora omissos, bem por sombras estão esquecidos. Neles, não eram só os estudantes que faziam pulsar a cidade e que viviam 'nessa Lisboa que eu amo', como diz a marcha (...).
Como em Lisboa não havia a típica república da Academia de Coimbra, cada estudante vvivia com uma família, que por vezes coincidia com a sua, em quarto alugado, ou em algunas das poucas casas próprias para estudantes (...) (pág. 82).
Pardete Ferreira descreve muito bem o que era "o Café, naquete tempo", enquanto local de sociabilidade (pág. 85):
(...) Era um local onde nasciam e eram alimentadas amizades que perduaravam ao longo de uma vida inteira. Tal como no mato. Aquela instituição substituia, com naturalidade, aquela grande árvore do largo da igreja lá da aldeia, em torno da qual as gentes se sentavam para cavaquear, cultivando assim a camaradagem e a amizade. (...) Hoje, o Café está ultrapassado e a maioria das pessoas já não o usa como tertúlia, nem os estidantes o utilizam como local de estudo institucionalizado".
Estamos de resto a falar de uma época, os primeiros anos da década de 60, em que a população universitária lisboeta seria ainda da ordem dos escassos milhares (c. 12 mil - 15 mil), oriundos da classe média e classe média alta, com apenas uma irrisória representação (da ordem dos 6-7%) das classes trabalhadoras, segundo um estudo do sociólogo Sedas Nunes.
E conclui o autor de "O Paparratos":
(...) Poderá parecer que se tenta dizer que o Portugal de hoje nasceu à volta da mesa de um Café, algures em Lisboa, provavelmente no Roma, saboreando um bica que ia arrefecendo, fumando um cigarro (...). Pensa-se não ser questionável que muitos dos estudantes de 1962 e seguintes, tornados oficiais milicianos, nados e criados tal e qual como o Paparratos, em qualquer aldeia anónima deste país ou em urbe mais ampla, também tenham sido o fermento de um modo de pensar (...) que, uma vez consolidado, permitiu que a sociedade portuguesa acolhesse com tanto entusiasmo os acontecimentos de 1974 (...) (pág. 84.)
3. O Pardete Ferreira dedica o capítulo II, de "O Paparratos", ao café Roma (pp. 23-28), que descreve nestes termos:
(...) Em Lisboa, junto à Praça de Londres, na Avenida de Roma, havia um café com cerca de duzentos metros quadrados que dava pelo nome de Roma. Era um lugar preferencialmente frequentado por estudantes que, a troco de uma simples bica e de um copo de água, nele faziam biblioteca, com livros, sebentas, cadernos, papéis e outros objectos ligados à vida escolar pejando as mesas e cadeiras" (pág. 23).
Dois dos conhecidos líderes da crise estudantil de 1962 frequentavam o Roma: o José Santos (pseudónimo de Jorge Sampaio), já licenciado em direito (em 1961), e Ernesto Figueira (pseudónimo de Eurico Figueiredo, n. 1939, em Vila Real), estudante de medicina, futuro pisquiatra.
Jorge Sampaio (1939-2021) foi presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1959-1960 e em 1960-1961, e secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA), em 1961-1962.
O João Santos /Jorge Sampaio é descrito, em "O Paparratos", nestes termos, de fino recorte literário:
(...) Numa das mesas do fundo, no lado essquerdo de quem entrava, não muito longe do balcão, tinha foral um rapaz de vinte e tal anos, discretamente sobre o ruivo, testa alta, olhos não muito exressivos, por vezes parecendo duros, metálicos, de tom azulado, transportando óculos grossos. Possuía tez clara, era algo magro e tinha uma estatura ligeiramente superior à média. Vestia preferencialmente fato azul, não muito escuro, sendo a gravata quase sempre a condizer com este último, repousando sobre leito de camisa branca. Interrompia frequentemente o estudo e passava grande parte das suas tardes a ler Camus ou o último Libération que comprara nas bancas" (...) (pág. 23).
(...) Filho de boas famílias, educado no estrangeiro (...), o José Santos tinha sobretudo a estrutura de um ideólogo. Paradoxalmente, não tinha ainda ideais muito claras e, mesmo desprovido de um carisma marcado de líder, impunha-se pela cordialidade de um discurso escorreito e pela conversa erudita, apoiada em citações de Camus, não descurando Nietzsche, Kant, Engels, Marx e Lenine, à mistura de Baudelaire e Jean-Jacques Rousseau ou, ocasionalmente Voltaire" (pág. 25).
Além disso, "confessava-se agnóstico. Com frequência, era o centro de atenções, juntando à sua volta uma meia dúzia de interlocutores, a quem por vezes se via obrigado a pagar a despesa (...). Cursava direito e não escondia uma certa ambição" (...).
João Santos e Ernesto Figueira encontravam-se com frequência no Café Roma, mesmo pejado de informadores da "Pevide" (PIDE), a começar pelos empregados de mesa. Enquanto o primeiro era "uma espécie de ideólogo" , o segundo era o "comandante operacional do movimento estudantil" (pág. 35).
Também se encontravam na Cantina Universitária. Os estudantes também frequentavam o bar do Estádio Universitário onde "por mais cinco ou dez tostões", se comia "francamente melhor" do que na Cantina. "O bitoque, o pão, a imperial e a bica, por doze escudos e cinquenta centavos [equivalente, a preços de hoje, a 6 euros].
A crise académica de 1962, em Lisboa, é desencadeada quando, a 24 de março, o Governo de Salazar proíbe, estupidamente, as comemorações tradicionais do Dia do Estudante, tendo a Polícia de Choque invadido a Cidade Universitária, e carregado sobre centenas de jovens, rapazes e raparigas.
Passados dois dias, os estudantes de todas as escolas superiores de Lisboa declaram "luto académico" (na prática, greve geral às aulas, usando uma forma de luta que era proibida pelo regime). Mês e meio depois, a 9 de maio, há uma escalada do conflito, com a adoção, num plenário de estudantes, de uma nova forma de protesto: uma greve de fome coletiva, na cantina.
A medida, arriscada, for proposta por Eurico Figueiredo e seguida por centenas de estudantes como António Correia de Campos, que eu vou encontrar mais tarde como colega na Escola Nacional de Saúde Pública.
A 11 de maio, a cantina foi cercada pela polícia de choque e os estudantes foram detidos (cerca de 800, segundo a versão da PSP ou cerca de 1200 segundo as associações de estudantes). Terá sido a maior operação policial realizada pelo Estado Novo.
Seguiu-se uma enorme onda de indignação, tendo todos os estudantes detidos sido libertados libertados a 14 de maio. Entretanto, um mês depois, em 14 de junho, um plenário realizado no Instituto Superior Técnico ditou o levantamento da greve.
Um despacho ministerial em final de junho veio punir 21 grevistas com uma pena de expulsão, durante 30 meses, de todas as escolas de Lisboa.
Mas "poucos foram efetivamente convocados para a primeira incorporação militar que se seguiu ao Luto Académico" (...) "A grande maioria voltou progreessivamente à sua vida habitual" (...) (pág. 39). Afinal, ninguém queria perder o ano, e isso explica que o fim do "Luto Académico" (eufemismo para não se dizer greve...) foi recebido com alívio... Mas a verddae é que nada ficou como dantes...
Jorge Sampaio, Eurico Figueiredo, Medeiros Ferreira e outros dirigentes estiveram detidos.
A crise académica de 1962 foi um acontecimento de grande significado político e sociológico. Hoje, passados 60 anos, alguns dos seus protagonistas recordam a resposta do movimento estudantil à repressão salazarista. Caso de António Correia de Campos, antigo ministro da saúde, e conhecido dirigente socialista, em entrevista à Lusa, em 22/3/2022, e citado pelo "Observador": (..) " enumera três 'dirigentes de grande envergadura', cujo papel foi determinante na gestão da crise: Jorge Sampaio, no centro ideológico — sociais democratas, mais socialistas, Eurico Figueiredo, então militante do PCP, e Vítor Wengorovius, o católico progressista."
Mais houve mais dirigentes estudantis, a merecer destaque: Alberto Torres da Silva, Afonso de Barros, Manuel Lucena e José Medeiros Ferreira (que viria a suceder a Jorge Sampaio como secretário-geral da Reunião Inter-Associações, a RIA). Poucos mas corajosos foram os professores que se solidariezra,m com os estudantes, como Lindley Cintra ou Pereira de Moura, por exemplo.
Octávio Quintela, em "Algumas considerações a propósito da crise académica de 1962" (Ler História, 62, 2012, pp. 187/192) escreveu:
(...) A greve de 1962, na sequência da proibição do Dia do Estudante, foi o resultado da luta de milhares de jovens católicos, sem partido, mas muito também da ação dos comunistas. Em cada Faculdade de Lisboa é possível destacar três ou quatro ativistas de um vasto conjunto:
(i) Em Direito, Jorge Sampaio, Vítor Wengorvius, Correia de Campos, J. Felismino, Macaísta Malheiros, Pedro Ramos de Almeida.
(ii) Em Letras, Medeiros Ferreira, Mário S. M. Cardia, João Paulo Monteiro, Alberto Teixeira Ribeiro, Maria Assunção Franco, Maria João Gerardo e eu próprio;
(iii) Em Ciências, António Ribeiro e Ernani Pinto Basto;
(iv) Em Medicina, Isabel do Carmo, Rui de Oliveira, Eurico Figueiredo, Alexandre Ribeiro, Dante Marques;
(v) No Técnico, João Cravinho, Crisóstomo Teixeira e José Bernardino." (...)
Curiosamente não sabemos em que ponto ficou a situação militar destes jovens. Relatuvamente a Jorge Samapio, sabemos que ficou isento do serviço militar, pro razões de saúde.
Alguns terão ido parar á Guiné. É o caso de José Augusto Rocha (1938-2018), que foi alf mil, CCAÇ 557, (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65): director da Associação Académica de Coimbra, em 1962, foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62, esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses, acabando por ser chamado para a tropa e mobilizado para o CTIG. (Só terminaria a licenciatura em direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965.)
Um outro caso, mais conhecido dos leitores do nosso blogue, é o do açoriano José Medeiros Ferreira (1942-2014) (tem 7 referências): depois de se destacar na crise estudantil de 1962, foi chamado em 1967 a cunprir o serviço militar; mobilizado para a Guiné, não comparaceu ao embarque da sua companhia, a CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato)/ BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro) (1968/70), no T/T/ Uíge, em 24 de julho de 1968.
È provavelmente o mais conhecido dos desertores da guerra colonial: viveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).
Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos. [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande, e o Raul, infelizmente já falecido.]
O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.
Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho.
Foto (e legenda) : © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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(**) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)
10 comentários:
Temos aqui um retrato daquilo que foi a juventude portuguesa, que passou num filtro bem pequeno que o Estado Novo desenvolveu, uma elite, mas que já era, embora noutros moldes, habitual em Portugal.
Nesta elite de nomes que o post menciona, também aparecem "estudantes do império", que embora não tivessem alinhado nos movimentos africanos, ficaram em cima do muro.
Embora um ou outro jovem do povinho tenha passado naquele funil, mas foi com muito esforço e muita ginástica e artimanhas e imaginação das famílias.
Isto a falar até à guerra do ultramar, a partir daí as coisas foram-se alterando lentamente.
Grande post.
Claro que cada um vê as coisas "a gosto".
Rosinha, obrigado pelo teu comentário. Faltam-nos, de facto, testemunhos dos "estudantes do Império" que por esta data (Março de 1962) ainda estavam por cá... E eram a maioria. Só alguns "fugiram" para o estrangeiro para se juntarem aos movimentos nacionalistas dos seus países... Vamos tentar saber o que se passou com os estudantes ultramarinos (que também não escreviam muito)... LG
Excelente trabalho, meu caro Luís Graça. Dizes que poucos mas corajosos foram os professores que se solidariezaram com os estudantes, como Lindley Cintra ou Pereira de Moura.
Esqueceste Joaquim Veríssimo Serrão, Mais tarde meu professor, meu Amigo e orientador da minha tese de mestrado em História, em 1999. Grande Senhor!
Eu estive lá, de corpo inteiro, na minha Faculdade de Letras, na crise de académica de 1968/69. A PIDE já de olho em mim. Basta consultar o meu ficheiro na PIDE, já aqui referido no blogue.
Fui incorporado em Mafra, 1970,a meio do meu curso na Faculdade de Letras, por denúncias de pertencer ao Partido Comunista Portugês, enviado para a Guiné em 1972 por actividades subversivas contra o Estado salazarento e marcelista.
E mais não digo.
Abraço,
António Graça de Abreu
António, terá havido mais um ou outro professor, em 1962, a apoiar os estudantes... e a tentar o papel de mediação com as autoridades... O Lindley Cintra é, de facto, um nome que nos hinra a todos, os que foram estudantes e depois docentes...(A minha rua me Alfragide tem o seu nome...).
Para quem quiser saber mais (e a "crise" não foi só em Lisboa, estende-se ao resto da Academia, e em especial à de Coimbra(, ver aqui:
Crise de 1962: Como a ditadura perdeu os estudantes
24 de Março, 2012 - 12:03h | Jorge Costa
Esquerda
https://www.esquerda.net/artigo/crise-de-1962-como-ditadura-perdeu-os-estudantes/22462
(...) Faz este sábado 50 anos da jornada que marcou o início da Crise Académica de 1962 quando, em Lisboa, na sequência da proibição do Dia do Estudante, a polícia espancou e prendeu estudantes, ocupou instalações universitárias e cantinas. Por Jorge Costa. (...)
De todos estes revolucionários o que melhor conheci foi o então ex-alferes José Augusto Rocha, devido á vida militar fui seu subordinado durante 2 anos na companhia de caç. 557 na Guiné 1963/65. Ele comandante do 4º pelotão de armas pesadas eu elemento integrante do pelotão soldado de transmissões.
O Prof. Veríssimo Serrão não esteve metido na Crise Académica de 1962, por estar em França.
Não esteve metido, nem se sabe se estaria, como amigo de Marcelo Caetano não estaria, provavelmente, do lado dos estudos contestatários.
Sobre Veríssimo Serrão á um trabalho de Beja Santos 'Veríssimo Serrão e o Governo de Salazar' muito interessante.
Valdemar Queiroz
Meu caro Valdemar, não digas disparates, não publiques mentiras.
Leio no Dicionário dos Historiadores Portugueses, da Academia Real das Ciências ao Estado Novo:
"Por ter defendido centenas de estudantes que se tinham concentrado no recinto da Universidade para o celebrar, em 7 Abril desse ano de 1962, contra os quais o ministro da Educação ordenara o envio de numeroso contingente policial- que considerou desproporcionado, pondo em causa o prestígio da Universidade - Joaquim Veríssimo Serrão acedeu ao convite de Lindley Cintra para conseguir acalmar os ânimos. E durante várias horas contiveram o explosivo ambiente,susceptível de um confronto físico de graves consequências." Claro que o Prof. não estava em França.
Quanto às inclinações políticas do Mário Beja Santos, pós 25 de Abril, e à sua maneira de fazer História, estamos entendidos, são bem conhecidas neste blogue. Mas é verdade que Veríssimo Serrão foi muito amigo de Marcello Caetano, não de Salazar.
Abraço,
António Graça de Abreu
Abreu, fiz confusão com 1972.
Não se tratou de nenhuma mentira, tenho é que começar a não ter muita confiança na minha memória.
Embora não pertencesse à Academia, tinha 17 anos e gostava de ir aquelas manifestações. E julgo que as figuras conhecidas das contestações não se deram bem com Veríssimo Serrão.
Aquela de em 1972, a PIDE em vez de meter em Caxias os suspeitos do PCP enviava-os pra Guiné era novidade, e queriam lá saber se depois se passavam para o inimigo.
Eu não conheço as inclinações políticas de Beja Santos pós 25 de Abril ou antes, apenas morávamos perto mas nunca nos conhecemos pessoalmente. Acompanhei os programas dele de Direitos do Consumidor, e lido artigos dele de critica literária em vários blogues e aqui no nosso os vários interessantes artigos da Sociedade de Geografia e viagens.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Luis Graça, aquela minoria de estudantes que tiveram o privilégio familiar para terem uma mesada para irem para a universidade, Lisboa, Porto e Coimbra, daqueles movimentos estudantis, normalmente já tinham passado o tempo da tropa.
Já não foram convocados ou porque já tinham cumprido ou ficaram livres, quando em 1961 o Salazar mandou para Angola e em força.
A maioria para estar na universidade em 1961 já teria mais de 20 anos, já seria de 1938 ou antes, já estava livre.
Eu, de 1938 só apanhei a guerra porque era de incorporação de Angola, e chamaram-me novamente por ser de lá.
Embora vemos que Jorge Sampaio era de 1939, mas sabemos como as coisas eram, "quem não tem competência não se estabelece".
A maioria já estava livre da idade da guerra.
Mas aquela gente desse tempo de antes da guerra, podiam muitos serem uns grandes estudantes
revolucionários, mas mesmo sendo, ainda conseguiam umas bolsinhas para ir para a Inglaterra.
Luis, mesmo gente que aparece neste teu blog, como activista, tambem abichou uns anitos na Inglaterra apadrinhado pelo Estado Novo.
Depois veio em grande, no 25 de Abril.
Nome? aqui não-
Caro António Rosinha
Esse envolvimento de vários já sem risco de irem para Angola, que aconteceu depois de 1961, (crise académica de 1962), já não foi o mesmo em 1969. Muitos se "embrulharam" porque não tinham ainda passado pela tropa nem estavam livres do serviço militar. Mas compreendi que o que escreveste foi só quanto aos tempos do início da guerrilha em Angola.
Por outro lado (e não tem nada a ver com o que escreveste), há que dizer que muita gente confunde a crise académica de 1962 (que começou essencialmente em Lisboa) com a de 1969 (que começou em Coimbra). Em 1969 eu estava em Coimbra (acabado de regressar da Guiné). Em 1962 tive ocasião de observar alguns movimentos em Lisboa (tinha 18 aninhos). E teve uma consequência que muita gente ignora: a decisão de não construir mais escolas universitárias na chamada Cidade Universitária. Além disso tinha dois caminhos de fuga muito bons: o Estádio Universitário mais os campos próximos e, para o lado oposto, o Campo Grande...
Abraço
Alberto Branquinho
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