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Continuação da História do BCAÇ 2879
Farim, a sua história e as suas gentes.
O Carlos Silva dá a oportunidade, até agora única, aos que passaram por Farim, Jumbembem, Canjambari, Cuntima e K3, de reverem gentes e terras, inesquecíveis para tantos de nós.
Fixação do texto: vb
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Farim, 1969 - Vista aérea
Localização
A Vila de Farim situa-se a cerca de 150 Kms a Norte de Bissau e a cerca de 50 Kms. a Sul da fronteira do Senegal e na margem direita do Rio Cacheu.
É constituída por uma dúzia de ruas perpendiculares umas às outras e de terra batida, cor de fogo, junto a zona ribeirinha, onde existem casas térreas construídas em alvenaria, de traça colonial, com os seus alpendres e jardins, não tão bem tratados como os existentes em Bissau.
Circundando esta zona urbanizada, para o lado Norte, existem os bairros conhecidos por Sintchã(2), Morcunda, Bantadjam e Nema, situado à saída da Vila e junto à estrada que dá acesso à localidade fronteiriça do Dungal.
Podemos considerar o terreno plano, existindo uma pequena elevação a caminho de Nema onde tinha sido construído um aquartelamento.
“Debruçada sobre o rio Cacheu, Farim tem já o aspecto de uma pequena cidade, animada por um intenso movimento comercial.
Fundada em 1641 por Gonçalo Gamboa Ayalla, é uma das mais antigas povoações da Guiné.”(3)
Mapa com a localização de Farim.
Mapa do sector de Farim, que tem a configuração de um coração achatado
Ver a partir da fronteira Dungal>Farim>Ionfarim>Canjambari>Sitató
No dizer de Armando de Aguiar, (4) Farim é das maiores circunscrições. Aproximadamente 5.000 Kms2 e cerca de 58.000 habitantes distribuídos pela sede e postos de Bigene e Cuntima, perto da fronteira com o Senegal, Mansabá e Olossato, no interior.
É das mais ricas regiões da Guiné, e foi há três décadas um dos mais importantes centros comerciais. A população europeia fugiu, abandonando a luta diária, atraída por outras miragens. E, no entanto, a evoluída Vila de Farim, velha praça-forte onde os capitães Lima Júnior e Jaime Falcão se firmaram em mais de uma circunstância arriscada, é sede de uma importante circunscrição.
Tem uma escola onde se ensina a língua portuguesa aos habitantes da região. Há enfermarias e na principal praça pública ergue-se um monumento aos aviadores Pinheiro Correia, Sérgio da Silva e Manuel António, que em 1952 realizaram, com êxito, a primeira viagem aérea Lisboa-Guiné.
Mas Farim, cuja fundação data de 1640, servida pelo porto fluvial de Binta, ainda é o principal centro comercial daquela região, onde se transaccionaram em larga escala madeiras, mancarra, coconote, óleo de palma e outras oleaginosas que abastecem os mercados da Metrópole e os portos do Norte da Europa, levados também por barcos da Noruega e da Suécia que subiam o rio de S. Domingos e iam a Binta carregar produtos para a Escandinávia.
Hoje (1964) esse tráfego diminuiu, mas dia virá em que Farim há-de readquirir a importância que teve (talvez, actualmente fala-se que Farim está assente sobre grandes jazidas de fosfatos e que tende a desaparecer, caso venham a ser explorados. Devendo ser transferida mais para Norte, no sentido de Lamel-Jumbembem ou para a margem esquerda do rio Cacheu).
A exportação da mancarra atingiu no 2º semestre de 1960 cerca de 12.000 toneladas. Os seus cinco celeiros trabalham sempre em pleno, distribuindo pelos agricultores milhares de quilos de semente de mancarra e de arroz, que mandingas, fulas e balantas, as principais tribos que habitam aquela região, sabem aproveitar.
Os rendimentos que revertem para os cofres da província com a exportação de produtos da região foram da ordem dos três milhares de contos. E mais podia ser se os agricultores se dedicassem, afincadamente, ao amanho da terra, utilizando as sementes das granjas e os ensinamentos da moderna agricultura que lhe são ministrados, pois o Estado possui na circunscrição de Farim uma série de granjas com o intuito de obter sementes e plantas para distribuição.
Uma capela a Nossa Senhora das Graças, erguida em 1949, é outra afirmação de fé nas antigas terras pagãs da Guiné, onde Farim, vila progressiva, debruçada sobre o rio Cacheu, com a sua vida social agradável, o seu clube recreativo e a sua piscina, espera a construção da tão almejada ponte a ligar com a estrada para Mansabá, onde ela se bifurca para Bissau ou Bafatá.
Então Farim ganhará, extraordinariamente, como importante centro comercial que já é. E esse dia, com o ritmo de trabalho verificado em toda a Província, não estará felizmente longe....”.
(Nota de C. Silva: decorridos mais de 40 anos, e após a independência do território, a ponte não foi construída e constitui apenas uma miragem para daqui a muitos anos e Farim não progrediu, mas regrediu).
Infraestruturas
Podemos considerar que Farim tinha uma razoável autonomia e vida própria, na medida em que tinha razoáveis infra-estruturas situadas na zona ribeirinha, designadamente: pista de aviação, cais de acostagem para barcos de a média dimensão, escola primária, igreja, correios, clube recreativo, piscina, campo de voleibol, um lindíssimo jardim com um coqueiral tombado na direcção do rio, monumentos.
Existiam alguns estabelecimentos comerciais, Mharon Saad, libanês, Pintozinho, Pinheiro, e outros onde a malta comprava os seus relógios, Breitling, Rolex, Yema, gravadores, ventoinhas, tapetes, bandeirolas com motivos orientais, etc.
A população nativa do sexo feminino comprava aqueles panos de cores garridas, lindíssimos, que usavam enrolados da cintura para baixo e os homens compravam para o seu vestuário as célebres "sabadoras" (5), túnicas amplas, largas e compridas (fazendo lembrar o traje dos advogados “as togas” e dos juízes “as becas”), tipicamente africanos, além de outras coisas, o que prestava à Vila um colorido muito peculiar.
Havia também uma escola de condução, onde a rapaziada aprendia a conduzir e ali tirava a sua carta de condução, bem como, havia um estabelecimento de fotografia “ Foto Brigadeiro”.
Na esplanada do Pedro, também conhecido por “Pedro Turra” comia-se uma boa mariscada, ostras e uns bons frangos assados com piri-piri bem regados com as ditas “bazucas”, cerveja grande bem geladinha.
Apesar de tudo isto, podemos considerar que Farim, se mostrava degradada e infelizmente com tendência para uma maior degradação.
Farim, 1969 > Casario junto ao jardim, e piscina e capela. Zona Ribeirinha, junto do Campo de Volei.
Farim , Novembro de 1969 > Alferes periquitos observando o trabalho do artesão de tecelagem
Farim, 1969 > Alferes André e Marques da CCAÇ 2548 e Alf Capelão Manuel Gonçalves em convívio com a população e aprendendo a jogar o jogo típico das damas.
Fotos cedidas pelo ex-Alf Mil André , da CCAÇ 2548 (1969/71)
Farim > Bairro de Bantadjam na estrada para Lamel-Jumbembem.
Farim, 1970 > Vista aérea do Bairro Morocunda.
Farim em 1970 > Zona do Cais, o campo de volei e a piscina.
Farim, 1970 > Coqueiros, próximo do Pelotão de Morteiros e junto ao rio Cacheu.
Farim > Área do cais, jardim e piscina.
Farim > Jardim, igreja e monumento.
Farim, a piscina em Janeiro 1970.
Farim, 1970. Escola Marechal Carmona. Antes dos CTT e Estrada para Nema .
Fotos: Carlos Silva (2008).
População civil
O aglomerado populacional da Vila de Farim, sede do concelho, em finais de 1967, cifrava-se em cerca de 3900 elementos de diversas etnias. A Vila concentrava, portanto, um aglomerado razoável de população nativa, constituída por várias etnias, principalmente, mandigas, fulas, e alguns balantas, pelo que se considerava chão mandinga e fula.
A população nativa vivia concentrada mais a Norte das ruas ribeirinhas onde estavam implantados os edifícios que albergavam os militares e a população civil europeia, libanesa e cabo-verdiana.
Residiam nos chamados bairros de Morocunda, Sinchã, Bantadjam e de Nema, que ae estendiam para Norte, na direcção das estradas do Dungal e de Lamel, Jumbembem e Cuntima, ficando a primeira e última povoação situadas junto à fronteira senegalesa. Habitavam em casas construídas de adobe de terra e cobertas de palha (capim). Ao conjunto de habitações de um agregado familiar, designava-se por morança (6) e ao conjunto das moranças existentes no local, designava-se por tabanca (7) (aldeia).
No entanto, a Vila de Farim não era designada por tabanca e a sua divisão estava estruturada pelos mencionados bairros.
População civil europeia, praticamente não existia. Basta dizer que além dos militares e suas famílias, apenas existiam duas famílias europeias, compostas por seis elementos, presumo que apenas a família do comerciante Pinheiro e o Brigadeiro, fotógrafo.
Os poucos metropolitanos que ali viviam, ou eram funcionários ou dedicavam-se ao comércio.Ali viviam também alguns libaneses e cabo-verdianos, mas em número pouco significativo. Aqueles dedicavam-se exclusivamente ao comércio. Os cabo-verdianos, uns eram funcionários da Administração Colonial e outros dedicavam-se ao comércio.
1969 – Em Farim também havia bajudas muito lindas.
O menino e a virgem e menino rezando
Farim, 1970 – Quem não se acredita que não havia hipopótamos no rio Cacheu? Aqui está o malandro que dava cabo dos arrozais
Farim, 1970 – População regressando dos trabalhos das bolanhas do K3.
Fotos: Carlos Silva (2008).
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Notas de Carlos Silva :
(1) Farim – Na língua mandinga significa governador. "...Assim o Estado do Mali, diferentemente do Ghana, pode ser qualificado de Impéio; aos países povoados de mandingas, juntaram-se numerosas províncias exteriores, cujas populações pagavam um tributo [ por acaso muito fraco ] ao Mansa « Imperador » e onde este era representado por governadores que tinham o título de 'Farim'...”, pág. 35.
"...O Gabú torna-se assim uma província do Império do Mali, dirigida por um governador 'Farim' escolhido entre os membros dos Mané e Sané, descendentes de Tiramakhan....”, pág. 54.
"...Cada província era dirigida por um governador 'Farim', o qual recebia o seu boné de comandante dado pelo Mansa. O farim, pelo seu lado, ordenava aos chefes de distrito e aos Kanta Mansa 'guardas do mansa – Imperador' que se estabelecessem nas fronteiras do reino, que eles tinham por missão proteger. ", pág. 55.
PAIGC, 1974 - História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde, Edições Afrontamento, págs. 32, 54 e 55
(2) Sintchã – Significa tabanca nova – Álvaro Nóbrega, A luta Pelo Poder na Guiné-Bissau, ISCSP, pág. 98.
(3) In, Fernando Lindley – Missão em África, Angola, Moçambique e Guiné: Percursos de uma História, p.207.
(4) In, Armando de Aguiar – Guiné, Minha Terra, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1964, págs. 98 a 100.
(5) Sabadora - Peça principal do vestuário dos autóctones maometanos. Amplo, de grandes mangas, e preferentemente branco. Também denominada camisa, vuvu, cabaia ou balandrau.(dialecto mandinga).
(6) Morança - Numa tabanca, a morança é um conjunto de casas, próximas umas das outras, pertencentes a pessoas com uma ligação consanguínea, agregado familiar.
(7) Tabanca – Local constituído por todo o aglomerado de casas - aldeia, unidade de base da família alargada, conjunto de várias moranças. A palavra também poderia significar a casa, também por nós chamada de palhota.
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Notas do co-editor:
vd artigos de:
30 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2491: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (4) (Carlos Silva)
24 de Janeiro>Guiné 63/74 - P2477: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim : O Batalhão dos Cobras (3) Carlos Silva)
20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2464: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes a Farim: O Batalhão dos Cobras (2) (Carlos Silva)
15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim : O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)