Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil José Carlos Lopes, o homem dos reabastecimentos, posando ao lado da temível Browning, 12.7, um metralhadora pesada que podia varrer toda a pista de aviação.
Era
uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto, e com um alcance à superfície de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg. Principal função: defesa de ponto. Era também usada pela Marinha.
Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
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Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 >
Em primeiro plano, o Fernando Calado, e atrás o Ismael Augus |
Ataque / flagelação a Bambadinca na noite de 29/5/1969
por Fernando Calado & Ismael Augusto
INTRODUÇÃO
Como todos sabem, o decurso do tempo permite interpretações que, frequentemente, deturpam os factos e conduzem às chamadas “falsidades históricas” que, de acordo com os historiadores mais exigentes, caracterizam a história da humanidade.
Assim, assumimos que esta é a nossa versão do ataque/flagelação a Bambadinca que ocorreu há 48 anos e alguns dias, cerca das 0 horas e 30 minutos do dia 28 de Maio de 1969.
Assumimos ainda que, em termos de informação precisa dos factos, somos detentores de algumas vantagens relativamente aos autores de outras versões (que respeitamos) e que são as seguintes:
- Estivemos lá antes, durante e depois da flagelação.
- Como em qualquer outro contacto de fogo, vivemos cada minuto com muita intensidade, o que permitiu armazenar na memória próxima ou na memória remota a maioria dos detalhes ocorridos.
- As responsabilidades próprias das funções que desempenhámos permitiram, no próprio dia e nos dias seguintes, ter acesso a informação privilegiada.
VERSÂO OFICIAL
O Sitrep (situation report) refere, no capítulo “Actividade em Maio de 1969”, subcapítulo “Actividade do In”, apenas o seguinte:
“Em 280025, um Gr. IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 CAN S/R, Mort82, LGF, ML, MP e PM, durante 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros”.
É interessante verificar que os relatórios referiam com grande desenvolvimento e detalhe as operações das nossas tropas, sendo que as operações do inimigo eram descritas de uma forma breve e sucinta.
A NOSSA VERSÃO
Bambadinca era considerado um local de difícil acesso militar por parte do PAIGC já que o quartel se situava num pequeno planalto no topo da povoação e, numa grande extensão, rodeado de bolanhas. Todavia, era um alvo apetecido do ponto de vista político-militar, uma vez que o seu porto do rio Geba constituía a maior plataforma de abastecimento logístico e militar a todo o leste da Guiné (Em Maio de 1969 a estrada para o Xime era ainda de terra batida com emboscadas frequentes, com especial frequência em Ponta Coli).
Nesse âmbito, Bambadinca garantia a maioria dos abastecimentos, tanto de combustíveis e munições a vários aquartelamentos, para além de outros bens, sendo por isso um local por onde terão passado muitos dos nossos camaradas sediados em aquartelamentos da Zona Leste.
As tropas do PAIGC tinham aumentado as suas acções de combate com manifesta tendência para flagelação de aquartelamentos.
O Comandante do Batalhão, tenente-coronel Manuel Maria Pimentel Basto, s tinha sido transferido por razões disciplinares e tinha sido substituído interinamente pelo tenente-coronel Álvaro Nuno Lemos de Fontoura ausente em Bissau na data da flagelação. Já antes, tinha sido transferido o 2º. Comandante Major Manuel Domingues Duarte Bispo (por razões de saúde). A responsabilidade de comando nesse dia pertencia ao Major Viriato Amílcar Pires da Silva.
É neste contexto que aconteceu o ataque de 28 de Maio e que provocou enquanto durou (cerca de 40 a 50 minutos) uma grande desorientação inicial na maioria dos militares presentes que não tinham grande experiência operacional.
Nas circunstâncias vividas todas as possibilidades se colocavam, inclusive a da possível tentativa dos guerrilheiros do PAIGC assaltarem as instalações.
Durante o ataque percebemos que estavam a ser utilizadas diferentes tipos de armas, designadamente os canhões sem recuo, instalados nas proximidades da pomposamente designada e assinalada em todos os mapas da Guiné como pista de aviação (na direção do Xime) e não muito distante da periferia do quartel. Nessa pista pousavam os helicópteros e aterravam com dificuldade os monomotores militares conhecidos por DO’s, e também alguns monomotores civis (a pista servia também esporadicamente de campo de futebol)
Foram também utilizadas as célebres “costureirinhas” (PPSh 41) que tinham um forte impacto psicológico já que parecia que estavam a disparar apenas a alguns metros.
Foram ainda utilizados alguns morteiros de calibre 82, tendo algumas das granadas atingido o
aquartelamento, nomeadamente o telhado de um quarto do edifício dos sargentos, as traseiras dos quartos dos oficiais (fotografia do blogue) e outros locais, mas sem danos de maior, com exceção de dois feridos ligeiros.
Alguns invólucros das munições utilizadas já foram objeto de uma fotografia apresentada no blogue.
Para sua defesa estavam habitualmente estacionados em Bambadinca dois obuses de grande calibre, que por razões operacionais algumas vezes eram deslocados para outros aquartelamentos. Foi o que sucedeu na noite da flagelação.
Por outro lado, constatou-se que pelotão de morteiros só teve possibilidade de reagir com algum atraso.
As armas ligeiras fizeram quase todo o trabalho, bem como uma Browning 12,7 mm, que ajudou um pouco á festa estava colocada junto ao abrigo, que ficava próximo do topo da pista e encravado entre a central elétrica e dezenas de bidons de combustível e lubrificantes colocados numa vala muito próxima. Apenas três ou quatro que estavam mais perto da superfície foram atingidos. Felizmente, mas não por acaso, eram de lubrificantes.
Bambadinca, como já referimos e na sua componente de grande base logística, era plenamente conhecida pelo PAIGC, bastando lembrar que o aquartelamento era atravessado pela única estrada que ligava a povoação a todas as outras situadas a sul.
Em condições muito provisórias, mas por períodos muito curtos, eram armazenados em Bambadinca, dezenas de bidões de combustível e de lubrificantes e muito raramente também largas quantidades de munições de todo o tipo e para todo o tipo de armas em uso no exército português.
Era, portanto, visível para quem com alguma frequência ali passasse, a chegada massiva de materiais e a sua permanência, dentro do aquartelamento.
Percebemos no final do ataque, que a missão do grupo do PAIGC era proceder à flagelação e sair rapidamente, uma vez que os guerrilheiros naquele local ficariam expostos logo que a noite clareasse e a retirada seria difícil.
Se além de outros objetivos, conseguissem atingir pelo menos parte dos materiais em trânsito tanto melhor e, se por acaso, esses tivessem sido alguns de entre as dezenas de bidões de gasolina e gasóleo que ali estavam naquela noite, a história seria outra.
Parece ficar claro que a operação do PAIGC foi bem pensada já que se tratava de atingir um objetivo muito importante, que consistia em atacar a sede de um Batalhão que, naquela zona e como se disse, era uma base de interesse estratégico do ponto de vista militar e logístico.
Isso não invalida a realidade de uma flagelação muito intensa ao longo de todo o período em que decorreu.
Não foi por falta de munições nem de vontade, que o PAIGC não causou danos profundos.
É necessário ter em conta que do ponto de vista militar o aquartelamento ficava no vértice mais a sul da zona Fula que importava a todo o custo manter sem perturbações de maior. Fragilizar Bambadinca, seria, não só do ponto de vista estritamente militar, mas também psicológico, um trunfo de importância significativa no já frágil xadrez em que nos movíamos.
Por volta das 4h30/05h00 (quando começou a alvorecer), comandados pelo capitão Neves, criou-se um pequeno grupo que se deslocou em reconhecimento à zona que se estendia de Bambadinca até á primeira bolanha a caminho do Xime. Não havia vestígios que indiciassem que alguém do PAIGC tivesse sido atingido. O material recuperado teve apenas valor simbólico e parte, como se referiu, já foi apresentado no blogue (invólucros de munições).
Ficámos, no entanto, a perceber como foi montada no terreno a operação. Se serviu como informação útil para outras situações é matéria que desconhecemos.
Parece, no entanto, poder concluir que a sorte e a ineficácia se juntaram de ambos os lados
Pouco tempo depois chegou de helicóptero o comandante de Batalhão, tenente coronel Lemos Fontoura.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá >
Bambadinca > 3 de Março de 2008 > O antigo quartel das NT > Edifíco dos quartos e messes de oficiais e sargentos, ao tempo da CCS/BCAÇ 2852, 1968/70; CCAÇ 12, 1969/71, e CCS/BART 2917, 1970/72)... No regresso a Bissau, depois de uma visita ao sul, à região do Cantanhez, no ãmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), eu e o Nuno Rubim , fizemos um pequeno desvio para visitar Bambadinca... Os militares ali instalados foram minimamente corteses connosco, e não se opuseram a que tirássemos fotos às instalações, já muito degradadas...
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados
O OUTRO LADO
Em Junho de 1995, eu, Ismael Augusto, desloquei-me á Guiné Bissau ao serviço da RTP para se proceder à inauguração do emissor da RTP África que tínhamos instalado em Nhacra.
Integrava na altura a comitiva do Ministro da Presidência, Dr. Marques Mendes, que também tinha como missão anunciar o apoio a instalação de um emissor em Bafatá, juntamente com um outro destinado á televisão da Guiné Bissau.
Acompanhei-os num almoço realizado no empreendimento português construído no Capé (próximo de Bafatá) e a seguir desliguei-me da comitiva que regressava a Bissau e fui com um colega da RTP a Bambadinca.
Já com a nova estrada para o Xime construída, o acesso ao aquartelamento era feito pela antiga porta de armas que ficava junto á pista.
A custo convenci o dono da viatura, que por casualidade era do Xitole e tinha sido milícia na nossa zona, que queria entrar pela velha rampa, já quase inoperacional mas ainda transitável. Foi por aí que retornei a Bambadinca, percorrendo o caminho de sempre.
As emoções e as lembranças que me atingiram não são o objeto deste pequeno testemunho, apenas quero sublinhar o estado de alguma degradação das instalações, apesar de uma parte continuar em perfeito funcionamento, nomeadamente as que serviam a zona dos sargentos e oficiais e o comando do batalhão.
Refiro isto porque Bambadinca era então (1995) um posto da polícia.
Dirigiu-se a mim um jovem tenente, que com alguma desconfiança me perguntou o que queria dali.
Disse-lhe que apenas pretendia tirar algumas fotografias (para quem não sabe, ao tempo, era expressamente proibido tirar fotografias a postos militares ou militarizados. Tinha a meu lado um exemplo vivo disso mesmo. O colega e amigo da RTP que me acompanhou tinha sido detido cerca de um ano antes junto a Nhacra por fotografar inadvertidamente um posto de polícia não identificado).
A resposta veio rápida:
- Não pode, pá.
Tentei convence-lo explicando as razões que me levaram á Guiné, a futura televisão em Bafatá, a presença do Ministro das Comunicações (salvo o erro) da Guiné-Bissau, que nos tinha acompanhado (seria fuzilado pouco tempo depois na sequência de um dos vários golpes militares de que a Guiné foi fértil), mas nada disso o demoveu.
Fotografias, não.
Entretanto enquanto a conversa decorria á sombra duma acácia, que recordamos como pequenas árvores mas já atingiam então um porte razoável, aproximou-se um civil, mais velho, que ouvia a conversa com interesse.
Aí e perante as negativas continuadas disse ao tenente:
- Sabe porque é que eu insisti em tirar as fotografias? Porque fui militar aqui em Bambadinca no período de 68/70.
Nessa altura o homem mais velho perguntou.
- O que é que fazias?
Lá lhe expliquei sucintamente. Sorriu e disse-me: Podes tirar todas as fotografias que quiseres e visitar todas as instalações.
Mas antes foi a minha vez de perguntar o porquê da mudança.
Então contou-me que tinha sido e ainda era quadro do PAIGC, comandante no tempo da guerra e comandado um bigrupo (ou grupo) no ataque a Bambadinca a 28 de Maio de 1969.
Depois afirmou:
- Fomos militares, estivemos em lados diferentes, mas hoje já podemos ser amigos.
A conversa que se seguiu foi longa, interessante e cheia de detalhes mas, o grande resumo foi este:
- Naquela noite de 28 de Maio de 69 ficamos muito preocupados, esperávamos uma grande reação e ela não acontecia. Esperamos a resposta dos obuses e ela não vinha. Nem os morteiros reagiam. Instalou-se a desconfiança e pensamos que teriam saído tropas do quartel para nos cercarem.
Não fazemos quaisquer comentários. O que dissemos anteriormente explica tudo isto.
Grande abraço a todos os grã-tabanqueiros e amigos de sempre.
Fernando Calado e Ismael Augusto
Lisboa, 07.06.17
Fotos do arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)
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Nota do editor:
Último poste da série > 31 de maio de 2017 >
Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)