quarta-feira, 7 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17444: Convívios (808): Encontro de RANGERS, alguns antigos combatentes na Guiné. Homens que cruzaram as suas vidas com a guerra colonial. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 

Encontro de RANGERS, alguns antigos combatentes na Guiné


Homens que cruzaram as suas vidas com a guerra colonial 
Sábado, 3 de junho de 2017, Restaurante Praxedes, Setúbal, um dia que ficará, com certeza, selado com lacre substancialmente consistente no baú das recordações de antigos RANGERS, cujo destino militar foi frequentarem o 1º Curso de Operações Especiais/Ranger no já distante ano de 1973. 

Foi enorme a maré de emoções. Visualizámos silhuetas humanas que o tempo ousou alterar. Uns com falta (já muita) de cabelo; outros com ele já esbranquiçado; pesos corporais a mais registados em balanças que teimam em não regredir inquestionáveis verdades consumadas; rostos transformados pelo ónus de uma vida que já vai longa, restando porém a certeza que ainda por cá continuamos, felizmente, como seres viventes. 

Recordámos os velhos tempos, dissecámos constantes conversas onde a temática assentou, evidentemente, na dureza militar com a qual nos confrontámos durante o ciclo de uma especialidade que muito nos ajudou a crescer como homens e, claro, como militares. 

Camaradas que cruzaram as suas vidas com a guerra colonial. Entrosaram-se convicções pessoais com estadias em Angola, Moçambique e Guiné. Falou-se da guerra e, logicamente, de Lamego, melhor, de Penude com a sua mítica Serra das Meadas, bíblia sagrada para a comunidade ranger. 

À tona da conversa surgiram, como é absolutamente admissível, as operações levadas a cabo por terras durienses. Falou-se da “Largada”, das “24 horas de Lamego”, da “Dureza 11”, do “Calvário”, enfim, um rol de inestimáveis contratempos que nos preparam para uma peleja que ditava ordem e sobretudo precaução. 

Curioso foi o detentor do encontro ter sido proporcionado pelo camarada, ex-Alferes Miliciano Alberto Grácio, que conheceu os meandros da guerra em solo guineense. O ranger Grácio pertenceu ao BCAÇ 4615, sediado em Teixeira Pinto, e cruzou os anos de 1973/1974, sendo também ele um dos militares que conheceram a guerra e a paz.

Por razões, creio que óbvias, não me vou alargar com a narrativa, direi, de forma sucinta, que em Setúbal, num almoço servido maravilhosamente pelo camarada ranger Praxedes, reencontraram-se condiscípulos de tropa, ou seja, rangers que cruzaram os mesmos espaços em Penude e que não se viam há 44 anos. 

A brilhante ideia do Grácio colheu excelentes opiniões, ficando a certeza que para o ano o nosso almoço (mancebos do 1º turno de 1973) será por terras nortenhas. 

Como nota de rodapé é justo mencionar que fizeram questão em marcar presença três dos nossos instrutores: os então Aspirantes Milicianos Jacob (um Alferes que conheceu o conteúdo da guerra na Guiné) e o Seixal, assim como o Cabo Miliciano Peixoto.

Valeu a pena!... 




Um abraço, camaradas

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE JUNHO DE 2017 > Guiné 61/74 - P17442: Convívios (807): XIII Convívio da Companhia de Artilharia 1742 (OS PANTERAS), levado a efeito no passado dia 27 de Maio de 2017 em Ribeirão, Famalicão (Abel Santos, ex-Soldado Atirador)

Guiné 61/74 - P17443: Falsificações da história (3): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: nós estávamos lá !...e esta é a nossa versão dos acontecimentos (Fernando Calado, ex-alf mil trms / Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS / BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil José Carlos Lopes, o homem dos reabastecimentos, posando ao lado da temível Browning, 12.7, um metralhadora pesada que podia varrer toda a pista de aviação.

Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto, e com um alcance à superfície de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg. Principal função: defesa de ponto. Era também usada pela Marinha.

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 >
Em primeiro plano,  o Fernando Calado, e atrás
o Ismael Augus
Ataque / flagelação a Bambadinca na noite de 29/5/1969

por Fernando Calado & Ismael Augusto


INTRODUÇÃO

Como todos sabem, o decurso do tempo permite interpretações que, frequentemente, deturpam os factos e conduzem às chamadas “falsidades históricas” que, de acordo com os historiadores mais exigentes, caracterizam a história da humanidade.

Assim, assumimos que esta é a nossa versão do ataque/flagelação a Bambadinca que ocorreu há 48 anos e alguns dias, cerca das 0 horas e 30 minutos do dia 28 de Maio de 1969.

Assumimos ainda que, em termos de informação precisa dos factos, somos detentores de algumas vantagens relativamente aos autores de outras versões (que respeitamos) e que são as seguintes:

- Estivemos lá antes, durante e depois da flagelação.

- Como em qualquer outro contacto de fogo, vivemos cada minuto com muita intensidade, o que permitiu armazenar na memória próxima ou na memória remota a maioria dos detalhes ocorridos.

- As responsabilidades próprias das funções que desempenhámos permitiram, no próprio dia e nos dias seguintes, ter acesso a informação privilegiada.


VERSÂO OFICIAL

O Sitrep (situation report) refere, no capítulo “Actividade em Maio de 1969”, subcapítulo “Actividade do In”, apenas o seguinte:

“Em 280025, um Gr. IN de mais de 100 elementos flagelou com 3 CAN S/R, Mort82, LGF, ML, MP e PM, durante 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros”.

É interessante verificar que os relatórios referiam com grande desenvolvimento e detalhe as operações das nossas tropas, sendo que as operações do inimigo eram descritas de uma forma breve e sucinta.

A NOSSA VERSÃO

Bambadinca era considerado um local de difícil acesso militar por parte do PAIGC já que o quartel se situava num pequeno planalto no topo da povoação e, numa grande extensão, rodeado de bolanhas. Todavia, era um alvo apetecido do ponto de vista político-militar, uma vez que o seu porto do rio Geba constituía a maior plataforma de abastecimento logístico e militar a todo o leste da Guiné (Em Maio de 1969 a estrada para o Xime era ainda de terra batida com emboscadas frequentes, com especial frequência em Ponta Coli).

Nesse âmbito,  Bambadinca garantia a maioria dos abastecimentos, tanto de combustíveis e munições a vários aquartelamentos, para além de outros bens, sendo por isso um local por onde terão passado muitos dos nossos camaradas sediados em aquartelamentos da Zona Leste.

As tropas do PAIGC tinham aumentado as suas acções de combate com manifesta tendência para flagelação de aquartelamentos.

O Comandante do Batalhão,  tenente-coronel Manuel Maria Pimentel Basto, s tinha sido transferido por razões disciplinares e tinha sido substituído interinamente pelo tenente-coronel Álvaro Nuno Lemos de Fontoura ausente em Bissau na data da flagelação. Já antes, tinha sido transferido o 2º. Comandante Major Manuel Domingues Duarte Bispo (por razões de saúde). A responsabilidade de comando nesse dia pertencia ao Major Viriato Amílcar Pires da Silva.

É neste contexto que  aconteceu o ataque de 28 de Maio e que provocou enquanto durou (cerca de 40 a 50 minutos) uma grande desorientação inicial na maioria dos militares presentes que não tinham grande experiência operacional.

Nas circunstâncias vividas todas as possibilidades se colocavam, inclusive a da possível tentativa dos guerrilheiros do PAIGC assaltarem as instalações.

Durante o ataque percebemos que estavam a ser utilizadas diferentes tipos de armas, designadamente os canhões sem recuo,  instalados nas proximidades da pomposamente designada e assinalada em todos os mapas da Guiné como pista de aviação (na direção do Xime) e não muito distante da periferia do quartel. Nessa pista pousavam os helicópteros e aterravam com dificuldade os monomotores militares conhecidos por DO’s, e também alguns monomotores civis (a pista servia também esporadicamente de campo de futebol)

Foram também utilizadas as célebres “costureirinhas” (PPSh 41) que tinham um forte impacto psicológico já que parecia que estavam a disparar apenas a alguns metros.

Foram ainda utilizados alguns morteiros de calibre 82, tendo algumas das granadas atingido o
aquartelamento, nomeadamente o telhado de um quarto do edifício dos sargentos, as traseiras dos quartos dos oficiais (fotografia do blogue) e outros locais, mas sem danos de maior, com exceção de dois feridos ligeiros.

Alguns invólucros das munições utilizadas já foram objeto de uma fotografia apresentada no blogue.

Para sua defesa estavam habitualmente estacionados em Bambadinca dois obuses de grande calibre, que por razões operacionais algumas vezes eram deslocados para outros aquartelamentos. Foi o que sucedeu na noite da flagelação.

Por outro lado, constatou-se que pelotão de morteiros só teve possibilidade de reagir com algum atraso.

As armas ligeiras fizeram quase todo o trabalho, bem como uma Browning 12,7 mm, que ajudou um pouco á festa estava colocada junto ao abrigo, que ficava próximo do topo da pista e encravado entre a central elétrica e dezenas de bidons de combustível e lubrificantes colocados numa vala muito próxima. Apenas três ou quatro que estavam mais perto da superfície foram atingidos. Felizmente, mas não por acaso, eram de lubrificantes.

Bambadinca, como já referimos e na sua componente de grande base logística, era plenamente conhecida pelo PAIGC, bastando lembrar que o aquartelamento era atravessado pela única estrada que ligava a povoação a todas as outras situadas a sul.

Em condições muito provisórias, mas por períodos muito curtos, eram armazenados em Bambadinca, dezenas de bidões  de combustível e de lubrificantes e muito raramente também largas quantidades de munições de todo o tipo e para todo o tipo de armas em uso no exército português.

Era, portanto, visível para quem com alguma frequência ali passasse, a chegada massiva de materiais e a sua permanência, dentro do aquartelamento.

Percebemos no final do ataque,  que a missão do grupo do PAIGC era proceder à flagelação e sair rapidamente, uma vez que os guerrilheiros naquele local ficariam expostos logo que a noite clareasse e a retirada seria difícil.

Se além de outros objetivos, conseguissem atingir pelo menos parte dos materiais em trânsito tanto melhor e, se por acaso, esses tivessem sido alguns de entre as dezenas de bidões de gasolina e gasóleo que ali estavam naquela noite, a história seria outra.

Parece ficar claro que a operação do PAIGC foi bem pensada já que se tratava de atingir um objetivo muito importante, que consistia em atacar a sede de um Batalhão que, naquela zona e como se disse, era uma base de interesse estratégico do ponto de vista militar e logístico.

Isso não invalida a realidade de uma flagelação muito intensa ao longo de todo o período em que decorreu.

Não foi por falta de munições nem de vontade, que o PAIGC não causou danos profundos.

É necessário ter em conta que do ponto de vista militar o aquartelamento ficava no vértice mais a sul da zona Fula que importava a todo o custo manter sem perturbações de maior. Fragilizar Bambadinca, seria, não só do ponto de vista estritamente militar, mas também psicológico, um trunfo de importância significativa no já frágil xadrez em que nos movíamos.

Por volta das 4h30/05h00 (quando começou a alvorecer), comandados pelo capitão Neves, criou-se um pequeno grupo que se deslocou em reconhecimento à zona que se estendia de Bambadinca até á primeira bolanha a caminho do Xime. Não havia vestígios que indiciassem que alguém do PAIGC tivesse sido atingido. O material recuperado teve apenas valor simbólico e parte, como se referiu, já foi apresentado no blogue (invólucros de munições).

Ficámos, no entanto, a perceber como foi montada no terreno a operação. Se serviu como informação útil para outras situações é matéria que desconhecemos.

Parece, no entanto, poder concluir que a sorte e a ineficácia se juntaram de ambos os lados

Pouco tempo depois chegou de helicóptero o comandante de Batalhão,  tenente coronel Lemos Fontoura.




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > O antigo quartel das NT > Edifíco dos quartos e messes de oficiais e sargentos, ao tempo da CCS/BCAÇ 2852, 1968/70; CCAÇ 12, 1969/71, e CCS/BART 2917, 1970/72)... No regresso a Bissau, depois de uma visita ao sul, à região do Cantanhez, no ãmbito do Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008), eu e o Nuno Rubim , fizemos um pequeno desvio para visitar Bambadinca... Os militares ali instalados foram minimamente corteses connosco, e não se opuseram a que tirássemos fotos às instalações, já muito degradadas...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados


O OUTRO LADO

Em Junho de 1995, eu, Ismael Augusto, desloquei-me á Guiné Bissau ao serviço da RTP para se proceder à inauguração do emissor da RTP África que tínhamos instalado em Nhacra.

Integrava na altura a comitiva do Ministro da Presidência, Dr. Marques Mendes, que também tinha como missão anunciar o apoio a instalação de um emissor em Bafatá, juntamente com um outro destinado á televisão da Guiné Bissau.

Acompanhei-os num almoço realizado no empreendimento português construído no Capé (próximo de Bafatá) e a seguir desliguei-me da comitiva que regressava a Bissau e fui com um colega da RTP a Bambadinca.

Já com a nova estrada para o Xime construída, o acesso ao aquartelamento era feito pela antiga porta de armas que ficava junto á pista.

A custo convenci o dono da viatura, que por casualidade era do Xitole e tinha sido milícia na nossa zona, que queria entrar pela velha rampa, já quase inoperacional mas ainda transitável. Foi por aí que retornei a Bambadinca, percorrendo o caminho de sempre.

As emoções e as lembranças que me atingiram não são o objeto deste pequeno testemunho, apenas quero sublinhar o estado de alguma degradação das instalações, apesar de uma parte continuar em perfeito funcionamento, nomeadamente as que serviam a zona dos sargentos e oficiais e o comando do batalhão.

Refiro isto porque Bambadinca era então (1995) um posto da polícia.

Dirigiu-se a mim um jovem tenente, que com alguma desconfiança me perguntou o que queria dali.

Disse-lhe que apenas pretendia tirar algumas fotografias (para quem não sabe, ao tempo, era expressamente proibido tirar fotografias a postos militares ou militarizados. Tinha a meu lado um exemplo vivo disso mesmo. O colega e amigo da RTP que me acompanhou tinha sido detido cerca de um ano antes junto a Nhacra por fotografar inadvertidamente um posto de polícia não identificado).

A resposta veio rápida:
- Não pode, pá.

Tentei convence-lo explicando as razões que me levaram á Guiné, a futura televisão em Bafatá, a presença do Ministro das Comunicações (salvo o erro) da Guiné-Bissau, que nos tinha acompanhado (seria fuzilado pouco tempo depois na sequência de um dos vários golpes militares de que a Guiné foi fértil), mas nada disso o demoveu.

Fotografias,  não.

Entretanto enquanto a conversa decorria á sombra duma acácia, que recordamos como pequenas árvores mas já atingiam então um porte razoável, aproximou-se um civil, mais velho, que ouvia a conversa com interesse.

Aí e perante as negativas continuadas disse ao tenente:
- Sabe porque é que eu insisti em tirar as fotografias? Porque fui militar aqui em Bambadinca no período de 68/70.

Nessa altura o homem mais velho perguntou.
- O que é que fazias?

Lá lhe expliquei sucintamente. Sorriu e disse-me: Podes tirar todas as fotografias que quiseres e visitar todas as instalações.

Mas antes foi a minha vez de perguntar o porquê da mudança.

Então contou-me que tinha sido e ainda era quadro do PAIGC, comandante no tempo da guerra e comandado um bigrupo (ou grupo) no ataque a Bambadinca a 28 de Maio de 1969.

Depois afirmou:
- Fomos militares, estivemos em lados diferentes, mas hoje já podemos ser amigos.

A conversa que se seguiu foi longa, interessante e cheia de detalhes mas, o grande resumo foi este:
- Naquela noite de 28 de Maio de 69 ficamos muito preocupados, esperávamos uma grande reação e ela não acontecia. Esperamos a resposta dos obuses e ela não vinha. Nem os morteiros reagiam. Instalou-se a desconfiança e pensamos que teriam saído tropas do quartel para nos cercarem.

Não fazemos quaisquer comentários. O que dissemos anteriormente explica tudo isto.

Grande abraço a todos os grã-tabanqueiros e amigos de sempre.


Fernando Calado e Ismael Augusto

Lisboa, 07.06.17

Fotos do arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17417: Falsificações da história (2): o ataque a Bambadinca em 28/5/1969: eu estava lá !... e vou enviar em breve um texto conjunto com o Fernando Calado com a nossa versão dos acontecimentos (Ismael Augusto, ex-alf mil manut, CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)

Guiné 61/74 - P17442: Convívios (807): XIII Convívio da Companhia de Artilharia 1742 (OS PANTERAS), levado a efeito no passado dia 27 de Maio de 2017 em Ribeirão, Famalicão (Abel Santos, ex-Soldado Atirador)



1. Em mensagem do dia 2 de Junho de 2017, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) enviou-nos o rescaldo do XIII Encontro da sua Unidade, levado a efeito no passado dia 27 de Maio em Ribeirão, Famalicão.


XIII Convívio da Companhia de Artilharia 1742 
(OS PANTERAS

Nova Lamego e Buruntuma  (1967/69)


No passado sábado, dia 27 de Maio, mais uma vez a CART 1742 se reuniu para mais um convívio que coincidiu com o 50.º aniversário da partida para terras de África, onde foi colocada na antiga Província da Guiné Portuguesa, no sector Leste (L 4), Nova Lamego. Meio século vivido com muitas experiências, ao lado de quem mais gostamos e sempre nos acompanhou.

O dia do nosso encontro anual é o momento próprio e sempre esperado, para podermos celebrar com um abraço forte e sincero, a beleza da amizade que o tempo nunca apagará.

O ponto de encontro foi junto do Museu da Guerra Colonial, situado no Lago Discount, em Ribeirão Vila Nova de Famalicão. Ali a malta foi recebida pelo responsável, Alferes Silva, que nos proporcionou uma visita guiada ao Museu, onde fomos surpreendidos com o espólio que apresenta aos visitantes. A visita foi precedida pelo hastear da Bandeira Nacional acompanhada pelo Hino Português.

Uma vez no interior, foi prestada homenagem com deposição de uma coroa de flores, junto ao painel onde se encontram inscritos os nomes de camaradas mortos no Ultramar.

Depois da visita ao Museu, a Companhia deslocou-se para o centro da Vila de Ribeirão, mais propriamente para Igreja local, onde foi celebrada a Eucaristia em sufrágio de todos os camaradas falecidos.
As cerimónias no exterior terminaram junto ao monumento dos Veteranos de Guerra, onde fomos recebidos pelo Presidente do Núcleo de Ribeirão, senhor José Ferreira dos Santos que se associou à homenagem prestada aos combatentes da Vila de Ribeirão, com a deposição de uma coroa de flores e guardado um minuto silêncio.

Terminadas as cerimónias no exterior, passámos para outra não menos importante no interior do Restaurante Casa do Lindo, o almoço/convívio.

Foi mais um dia de convívio salutar que demonstrou o fervor castrense daquela malta.

Seguem-se algumas fotos do acontecimento.


Hastear da Bandeira Nacional

Assistindo à palestra sobre o espólio do Museu

José Araújo e Abel Santos

Mural dos mortos

O Pároco de Ribeirão na durante a celebração eucarística

Da esquerda para a direita: Araújo; Mendes; Ferreira dos Santos, Presidente do Núcleo de Ribeirão e Abel Santos

O Presidente do Núcleo de Ribeirão Ferreira dos Santos e Abílio Machado

Foto de grupo

Abel, Ferreira dos Santos, Mendes e Araújo

Presidente do Núcleo de Ribeirão discursando

Entrega dos certificados de presença

Abel Santos recebendo o certificado de presença.
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Nota do editor

Último posteda série de 4 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17429: Convívios (806): Reencontro de companheiros ex-combatentes da 2.ª Companhia do BCAÇ 4512/72, Jumbembém e Farim, levado a efeito no passado dia 27 de Maio, em Fátima (Manuel Luís R. Sousa)

Guiné 61/74 - P17441: Os nossos seres, saberes e lazeres (216): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Fevereiro de 2017:

Queridos amigos,
Se é este o desfrute que o Vale das Furnas oferece em pleno Inverno, bem se poderá dizer que São Miguel, a despeito dos imprevistos atmosféricos, oferece amenidade quanto basta. As Furnas, asseguro-vos, têm todos os ingredientes para estar calmamente aqui uma semana, entre banhos, passeios fumegantes e caminhadas nos jardins. É bem verdade o que viajantes de outras eras adjetivaram - paraíso terreal, natureza pródiga, jardins que desafiam a imaginação. E coisa curiosa, quem por ali vive e quem por ali passa sente a plenitude da distensão, como se todos agradecessem o dom de viver ou passear num lugar mágico, entre o céu e a terra.

Um abraço do
Mário


São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (5)

Beja Santos

O viandante parte para as caldeiras munido de obra adequada, O Vale das Furnas, coletânea de cronistas e viajantes que por aqui andaram entre os séculos XVI e XIX, organização por José Manuel Motta de Sousa, Edições Almedina, 2008, há para aqui um texto de um sacerdote do século XVII descrições cheias de vida, um exemplo: “Baixando já do alto e empinado monte para o inferior do vale descoberto, viram que do pé da rocha em que estavam nasciam mananciais, cinco fontes de claras, doces e abundantes águas: tão abundantes que a pouco espaço de suas correntes, se formava de cada uma delas uma ribeira, e que todas as cinco ribeiras estavam cobertas de saborosas ervas, agriões, acelgas e rabaças (…) as quais todas cinco, nascidas das cinco fontes dentro do mesmo vale se juntavam todas caminhando para o mar em uma só”.
Pois neste vale das furnas houve eremitas solitários e contemplativos, aqui vinham doentes buscar saúde sem terem medo das fumaças com estrondo nem dos fedores sulfúreos. Todos os que escreveram sobre as furnas falam em paraíso surreal, e Francisco Afonso Chaves e Melo, viveu nos séculos XVII e XVIII, refere mesmo: “Para a parte do Poente é verdadeiramente um rascunho do paraíso terreal, regado com sete ribeiras de salutíferas águas, entre as quais há uma de água quente e muito medicinal. Para a parte porém do nascente é uma verdadeira representação do Inferno, porque tem umas caldeiras de polme, água e enxofre tão horrendas, que não há outra coisa com que se comparem. O calor é tão ativo que se lançarem dentro qualquer animal, no espaço de meio quarto de hora o consumirá totalmente, não deixando dele outro sinal mais que os ossos. Nestas caldeiras há muito enxofre e caparrosa; do enxofre se tira muito, da caparrosa não, por se não saber fabricar”. É este espetáculo que alguns supunham ser a emanação do Inferno que aqui traz o viandante.




Para além do pavor suscitado, houve também quem desde muito cedo procurou aproveitar as águas quentes e frias destas nascentes, para efeitos medicinais. As águas passaram a ser orientadas para edifícios dos banhos. Felix Valois da Silva, meirinho de juízo, padeceu durante anos de uma moléstia escrofulosa, esteve na Madeira e em 1790 chega ao Vale atraído pelo renome das suas águas e cura-se com 90 banhos. Deixou um curiosíssimo documento e em dado passo observa: “O enxofre faz a base das partes constituintes da sua água, ela é diurética, desobstruente, corroborante e saponácea, o seu sabor é tolerável, o seu sedimento junto à margem é um cinzento achumbado; e em distância de tiro de espingarda depõe um musgo verde, aveludado com laivos amarelos: seus maravilhosos benefícios se experimentam contra o reumatismo, toda a qualidade de moléstia nervosa, principalmente moléstia de pele. Junto a ela tomou o autor desta 25 banhos a fim de lhe laxar as fibras e de pôr o sangue em maior movimento, e com o efeito dela alcançou as suas primeiras melhoras”. E mais adiante comenta: “A transpiração no uso dos banhos quer-se moderada, e não como muitos usam e eu observei que estavam horas esquecidas no abafo, e até nele adormeciam, pensando talvez que a copiosa transpiração os aliviava mais depressa; por este modo irritavam demasiadamente as funções principais do corpo, debilitam-se depois até desfalecer, de modo que, em lugar de lhe acharem proveito, sentem maior dano”.



O viandante passeia-se e faz o confronto entre caldeiras e meio circundante. Gosta de ouvir os estrondos que vêm o fundo da terra, o tal borbulhar fervente que ele respira em longos haustos, imagina-se a fazer tratamento. Entretanto vai lendo “O Vale das Furnas”, ao tempo em que Félix Valois da Silva de curava das escrófulas, o doutor William Gourlay, médico inglês exercia a sua profissão na Madeira, por aqui andou e salientou as vantagens dos banhos de vapor. Não resisto a esta pequena transcrição: “Em distância de quase 10 léguas ao nordeste de Ponta Delgada há uma pequena aldeia chamada As Furnas, situada num espaçoso vale cercado de altas montanhas. São estas compostas de pedra-pomes e cobertas de ervas, e de várias árvores e arbustos sempre verdes. O terreno deste vale consta principalmente de pomes pulverizada. Ainda que fraco, é cultivado, e produz trigo, milho, legumes, e nos sítios húmidos inhames. Cavando um pouco abaixo da superfície acham-se muitas cavidades, que mesmo passeando sobre a terra se percebem pelo som. No fim do vale do Sueste há uma pequena elevação a que chamam as caldeiras. Esta elevação que porventura terá uma milha quadrada consta de numerosos outeirinhos, e é aí evidente a ação do fogo. Descobrem-se várias camadas; pirites, lava, pomes, morne, greda de diferentes cores, ferro em bruto, terra calcária misturada com enxofre".
Talvez seja ilusão mas não deixa de ser boa vontade dizer o que vozes autorizadas elogiaram a este sítio de caldeiras, águas, banhos, fontes, falando mesmo em águas santas capazes de quase tudo tratar, exceto as doenças venéreas. Que outros venham a termas mas que não descurem do que a natureza oferece em flora, estamos num Fevereiro de temperatura moderada, vicejam camélias, azálias, catos em glória. Aqui finda a curtíssima estadia nas Furnas, vai seguir-se um passeio de autocarro daqui até à Povoação e depois o Nordeste, dormir na Achada. O tempo tem estado de feição, o temporal chegará esta noite. São coisas do tempo açoriano, o inesperado das correntes atlânticas, faz parte do jogo do viver e do viajar.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17415: Os nossos seres, saberes e lazeres (215): São Miguel: vai para cinquenta anos, deu-se-me o achamento (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17440: Efemérides (256): Faz agora 75 anos que foi afundado a oeste da Gronelândia o lugre bacalhoeiro ilhavense "Maria da Glória" por um submarino alemão... Dada o forte simbolismo da data, foi já proposta a Assembleia da República a instituição do dia 5 de junho como "O Dia Nacional do Bacalhau"...


Capa do livro do ilhavense Lícinio Ferreira Amador, "Tempos de Pesca em Tempos de Guerra", edição de autor . O livro foi apresentado em 16 de abril de 2016, no anfiteatro do Museu Marítimo de Ílhavo, entre outros pelo nosso amigo Tibério Paradela. O autor é professor do ensino secundário aposentado. O livro tem 241 pp, e já vai em 2ª edição, Preço de capa;: 12 €. Pode ser adquirido aqui, no portal da CM Ílhavo.

Fonte: portal Caxinas - Poça da Barca, de "lugar" a freguesia (com a devida vénia)


1. Onze navios, sob bandeira portuguesa, foram afundados,  durante a II Guerra Mundial, não obstante e as embarcações estarem claramente identificadas como sendo oriundas de Portugal. Uma dessas embarcações foi afundada por um submarino italiano, as restantes pela marinha e pela aviação alemãs. 

Um dos casos mais chocantes foi o bacalhoeiro, o lugre-motor, "Maria da Glória".  A tragédia ocorreu a 5 de junho de 1942, faz agora 75 anos (*). Era comandado pelo capitão Sílvio Pereira Ramalheira, natural de Ílhavo, e que ficou gravemente ferido. Dos 44 tripulantes, apenas 8 sobreviveram, a bordo de um dos dóris da embarcação. Ao todo morreram 36 homens.

A embarcação de bandeira portuguesa, registada no porto de Aveiro, tinha zarpado do estuário do Tejo em 19 de maio de 1942. Na noite de 5 de junho, navegava rumo aos bancos de pesca da costa oeste da Gronelândia, quando às 22h10 é atacada, brutalmente, sem aviso prévio, a tiros de canhão do submarino U-94. (Ainda não lemos o livro do Licínio Ferreira Amador, que é um trabalho de investigação de arquivo, de vários anos. Percorremos várias versões desta tragédia na Net, havendo erros factuais nalgumas. O próprio comportamento do submarino U-94 está por esclarecer: a decisão de atacar o indefeso e frágil lugre bacalhoeiro português pode ter sido originada por fatal erro de comunicações entre os navios pesqueiros.)

A  embarcação, de três mastros, ostentava uma bandeira portuguesa no casco, não podendo haver qualquer dúvida sob a sua identificação. Na impossibilidade de deter o ataque e salvar o navio, com incêndio a bordo, mortos e feridos, é dada a ordem de evacuação, que é feita em condições heróicas sob constante metralha. O navio afunda-se  às 22h50.

Os sobreviventes, que escaparam ao naufrágio, espalham-se pelos vários dóris que foi possível içar (pequena embarcação que não é uma baleeira, e não dispunha de água nem de comida) e aqui prossegue a II parte da sua história trágico-marítima (a fome, a sede, o frio, as tempestades, o isolamento, o desespero...). Os feridos mais graves morrem, outros perdem-se no meio das vagas... Ao fim de cinco dias, só resistiam 3 dos 9 dóris. Ao nono (ou décimo) dia, são avistados por um avião de patrulha norte-americano que lhes larga caixas de sinais e de mantimentos. Ao 11.º dia, são resgatados pelo USS Sea Cloud, um navio meteorológico da Guarda Costeira Norte-Americana. Dos 44 tripulantes, há apenas 8 sobreviventes, incluindo o capitão.

Por seu turno, o U-94, que tinha a sua base em França, em Saint Nazaire, era comandado pelo 1.º tenente Otto Ites (1918-1982). Pouco tempo depois, em 28 de agosto de 1942, é atacado e afundado quando navegava à superfície no Mar do Caribe. Os sobreviventes foram resgatados pelas marinhas do Canadá e dos EUA, e levados para este último país onde ficaram prisioneiros até ao fim da guerra.

Aconselha-se a leitura do livro "Tempos de Pesca em Tempos de Guerra”, do investigador ilhavense Licínio Ferreira Amador, que traz a última versão, rigorosa, desta  história trágico-marítima.


2. Recentemente, no passado dia 8 de fevereiro, a Associação dos Industriais do Bacalhau formalizou, na Assembleia da República, a  proposta para instituição do Dia Nacional do Bacalhau em 5 de junho, justamente para homenagear o "Maria da Glória" e os seus bravos. A ideia partiu da conhecida empresa Riberalves, com o apoio do Museu Marítimo de Ílhavo. 

O afundamento do "Maria da Glória" é considerado, pelos historiógrafos, como o episódio mais trágico da história portuguesa da pesca do bacalhau. A data tem, portanto, uma forte carga simbólica   no país que mais bacalhau consome em todo o mundo. Pretende-se homenagear não só a epopeia da pesca do bacalhau mas também valorizar a dimensão económica. gastronómica e identitária que tem o bacalhau, em Portugal e nas comunidades portuguesas em todo o mundo. Duas personalidades, Álvaro Garrido (professor da Universidade Coimbra) e Ricardo Alves (presidente da AIB – Associação dos Industriais do Bacalhau, e administrador da Riberalves) são o rosto deste projeto.

Segundo a notícia que lemos no portal Terranova, de 8/2/2017, os proponentes da ideia enfatizam o facto de, ao longo dos séculos, os portugueses terem-se tornado "os maiores consumidores mundiais de bacalhau, transformando este peixe num símbolo identitário da sua cultura, alavancando uma indústria que acolhe 2000 empregos diretos e um volume de negócios de 400 milhões de euros (100 milhões de euros de exportações)."

A fundamentação académica da proposta coube ao prof Álvaro Garrido o nosso maior especialista da história e da socioeconomia da pesca do bacalhau no Estado Novo.

Parece que a proposta teve bom acolhimento no seio dos partidos representados na Assembleia da República.  

3. Recorde-se também aqui, neste blogue de ex-combatentes, a importância que tinha ou teve, no TO da Guiné, durante a guerra colonial, a presença do "fiel amigo"... Para suprir as falhas da Intendência, eram as nossas próprias famílias que nos faziam chegar, aos aquartelamentos no mato, remessas do tão desejado bacalhau... sobretudo nas datas mais festivas e simbólicas, como o Natal ou o dia de anos. 

Estou-me a lembrar de um dos amigos que fiz, para a vida, o Tony Levezinho, meu camarada da CCAÇ 12, e um dos membros seniores da nossa Tabanca Grande (**). É um gentleman, tal como o pai, que eu ainda tive o privilégio de conhecer pessoalmente na sua casa da Amadora, nos primeiros anos da década de 1970... Pai e filho trabalhavam na Petrogal... O Tony chegou mesmo a chefe de divisão (o que não era fácil a um self-made man como ele, numa empresa de engenheiros). Reformado, vive hoje com a sua querida Isabel na Tabanca da Ponta de Sagres - Martinhal...

Apesar da sua modéstia, o Tony foi (e continou a ser, mesmo depois de reformado)  um perito na arte do import-export do petróleo e seus derivados... Mas, se eu evoquei aqui o seu nome, foi  para contar o seguinte, a título de (in)confidência: graças às suas ligações à Sacor, nunca nos faltava o fiel amigo à mesa, em Bambadinca...

O bacalhau e outras iguarias chegavam-nos à Guiné, a Bisssau e depois a Bambadinca, regularmente, através do navio-tanque da Sacor... À boa maneira portuguesa, o pai Levezinho nunca se esquecia do filho Levezinho e dos seus amigos e camaradas de Bambadinca..., e lá "arranjava" um buraquinho no navio para meter  a encomenda...

Eu tenho que ter aqui um pensamento de grande ternura e gratidão  para com esse homem, o pai Levezinho, que foi um dos nossos bons irãs poisados nos poilões de Bambadinca: o bacalhau que chegava ao Tony Levezinho, periodicamente, através do navio-tanque da Sacor, não era comido às escondidas, sozinho, mas sim generosa e festivamente partilhado pelos amigos e camaradas mais próximos...  E devo dizer que, se não nos matou a malvada,  foi um suplemento de alma, e seguramente ajudou-nos a sobreviver e  a regressar a casa, com mais ganas de continuar a viver e a amar as coisas boas da vida. 
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P17439: Parabéns a você (1267): Ernesto Marques, ex-Soldado TRMS Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17436: Parabéns a você (1266): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM/CTIG (Guiné, 1972/74)

terça-feira, 6 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos



1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?

Caros amigos,
Esta história pode, até, parecer verdadeira. É que há nela muitas coincidências com nomes de pessoas e com moradas que nos podem levar a essa conclusão. No entanto, quero desde já declarar que tudo é pura ficção.

Um abraço do
JF Silva


Memórias boas da minha guerra

43 - O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos

Nasceu nos arredores de Penafiel, mais precisamente na zona descendente ao Rio Tâmega, ali à esquerda de quem vai para Entre-os-Rios. Desde miúdo, ajudou os pais no amanho das terras e no pastorício do gado. Gostava muito de animais e, se possível, de os domesticar. Para além das vacas e ovelhas, ele perdia-se com cães, gatos, pegas, melros etc., etc. Mas o que ele mais gostava era de “dominar” os cabritos. Mais as cabras, porque se afeiçoavam a ele facilmente. De tal forma se dedicava a eles que os seus amigos de infância o baptizaram por Zé Manel dos Cabritos.

Pouco se sabe dele nessa época de juventude. Deve ter decorrido normalmente, para um jovem do campo, de aspecto feliz e brincalhão. Apenas se lhe destaca essa paixão desmedida pelos cabritos. A tal ponto que sua mãe, ao contrário de seu pai que o que mais queria era o rendimento que o rapaz lhe proporcionava com essa dedicação, enquanto ela, preocupada, ia dizendo:
- Ó home, bê se tiras o teu filho de trás das cabras, porque o pobo inté lhe arranja alguma fama feia.

Ele ria-se, ria-se, sem se preocupar de nada. Até que a mãe, D. Ana, tomou a decisão de arranjar uma ocupação para o rapaz numa fábrica de trabalhar a pedra. Porém, ele não assentava, com as saudades da vida do campo e foi despedido mais que uma vez, por estragar o granito tentando esculpir imagens dos animais da sua estimação. O pai até achou piada quando o empresário Antero lhe disse:
- Ó Manel, olha que o teu filho pode vir a ser um grande artista. Manda-o para as Belas Artes, antes que se perca por aqui a fazer estragos. Eu, é que já não o posso aguentar mais porque dá me muito prejuízo. Ainda lhe expliquei que se fizesse crucifixos, alminhas, pias para água-benta ou pias para porcos, talvez se safasse, mas ele é teimoso e só pensa em figuras de animais.

Curioso que, quando veio da Guiné, voltou a ir trabalhar para o Antero e, desta vez, foi ele que se despediu. Foi para a Bélgica. A mãe foi ter com o Antero culpabilizando-o de o filho ter emigrado. O Antero meio desanimado, justificou-se junto da amiga Ana e disse-lhe:
- Eu gostava dele. Era trabalhador mas fazia muitas maluqueiras. Parece que ainda veio pior da Guiné. O último prejuízo que me deu foi quando, armado em escultor, fodeu-me uma estátua, já pronta, que valia um dinheirão. Ó rapariga deixa-o ir que só lhe vai fazer bem. E vai safar-se a fazer qualquer coisa, ainda que seja a encher pneus.

Tudo estaria bem e tudo seria esquecido se não fossem os “amigos” que ele arranjou na tropa. Com a alcunha que já trazia da terra e mais as histórias que se foram contando lá pela Guiné, ele ficou marcado para sempre. E tudo por causa dos cabritos. O que lhe vale é a excelente mulher (muito linda, por sinal) que teve a sorte de arranjar e que o compreende e o acarinha como ninguém.
Eu, que o conheci em convívios de ex-combatentes, chego a ter pena dele, só pelas supostas infâmias que ouço, acerca dele. Coitado, ri-se muito (dizem que sai ao pai) e, também, tem muita dificuldade em defender-se do veneno de alguns desses “amigos”. Não imaginam o que eles dizem a seu respeito.
O Neca da Régua, nunca mais lhe perdoou as privações que passou na Guiné por causa dele. Quantas vezes ele percorreu as tabancas de Mampatá e arredores, à procura de cabritos, e sempre lá ouvia:
- Cabrito cá tem. Zé Manel fodéo-o todos.

Segundo este conceituado poeta duriense, o Zé Manel organizou uma pequena mafia que açambarcava os cabritos, provocava a sua procura e especulava os preços de venda. Tinha o esquema tão bem montado, que ninguém o poderia atacar. Diz que veio a descobrir que o Zé Manel se infiltrara nas tabancas, negociando com cipaios, gilas, lavadeiras e, até, com feiticeiros. Por outro lado, tinha o Capitão, o seu Alferes, o Primeiro Sargento, o Enfermeiro, o Vagomestre e o grupinho da sueca, caladinhos como ratos, porque também “mamavam” à grande.
Conta também que, um dia, tentou sensibilizá-lo, explorando o facto de serem ambos do norte, quase vizinhos e que, se calhar, até seriam do mesmo clube.- “Quando eu lhe disse que era do Benfica, então é que fodi tudo. Nunca mais nos entendemos”.

Ainda hoje, quando estamos por perto (nos convívios), vemos que vai um para cada lado, por forma a não estragarem o ambiente com tanta provocação.
Outro que também lhe guarda rancor é o Augusto Carvalho, o ilustre Mayor de Meladas City, que foi veterinário no tratamento de carne para canhão, e se especializou também em tratar de gazelas e cabritos para o tacho, peixinhos da bolanha em escabeche e nhecas com piri-piri. Também era conhecido por alguns excessos como aquele de aconselhar a utilização de preservativos usados, desde que virados do avesso. Dizem que em campanha eleitoral, lá na terra, chegou a referir o mau exemplo da oposição, açambarcadora e insaciável, que lhe “fazia lembrar uma certa pessoa de Penafiel que conhecera na Guiné e que roubava os cabritos aos pretinhos, para se banquetear apenas com os seus capangas mais chegados”.

Todos sabemos que os Enfermeiros (também chamados de Veterinários) gozavam de um estatuto especial; partilhavam mezinhas e recebiam chorudas compensações. Pois o Carvalho viu-se fracassado no exercício das suas nobres funções. E como os indígenas já não lhe podiam trazer galinhas ou cabritos, talvez por vingança, passou a cortar-lhes nos medicamentos. O Zé Manel diz que ele chegou ao ponto de colar os comprimidos na testa dos doentes para que não os gastassem. Também o acusa de comilão insaciável, que apanhou a bicha-solitária lá na Guiné e que nunca mais a largou. E ainda acrescenta:
- Agora até lhe dá muito jeito porque anda sempre em comezainas, a mamar à custa do povo e dos amigos. Cuidado, porque com ele só interessam contas à moda do Porto. Vá comer ao caralho!!!

O Carlos Rocha, sabia de tudo. Como era vizinho do Zé Manel, este bonacheirão também era amante de cabritos… no forno (e não só), cedo se comprometeu numa relação de franca amizade, selada pelo apadrinhamento de um descendente e pela sua união em festas tradicionais e patuscadas intermináveis, ou periódicas, como se fossem telenovelas brasileiras.
Porém, já o ouvi lamentar-se que um dia ficou envergonhado. Foi pelas festas de Rio de Moinhos, quando passeava na companhia do Zé Manel, e se viu observado por um grupo de alunos seus que estavam a cochichar e lhe perguntaram:
- Ó Sô Pro’ssor, veio ver se consegue algum cabritinho? Olhe que a Festa do Cordeirinho já passou. Vai ver que desta vez não leva nada.


A festa do Cordeirinho realiza-se na véspera da Quinta-feira do Corpo de Deus. De acordo com a tradição lá na terra, os miúdos das escolas desfilam com oferendas ao seu professor. Todos levam o cordeiro ainda vivo, acompanhado de salpicão, chouriço, queijos, batatas, cebolas etc., etc.
Conta o Rocha que um dia teve que chumbar um aluno pela terceira vez consecutiva. Dizia:
- É que ele não aprendia mesmo nada!


Quando chegou ao dia da festa do cordeirinho verificou que o cordeiro melhor era o do rapaz que chumbara. Ficou meio encaralhado, sem saber como reagir. E quando se ia a esquivar da tribuna dos professores e das outras entidades, apareceu-lhe o pai do rapaz que o quis abraçar:
- Obrigado, Sôr Pro’ssor, não imagina o favor que me fez. A minha, mulher que é ainda mais burra que o filho, passava-me o tempo a teimar que o rapaz tinha esperteza para chegar a presidente. E eu, o inteligente, que me fodesse a amanhar as terras, sozinho.


Quando o Zé Manel emigrou para a Bélgica, ganhou umas coroas e reformou-se cedo e bem. Juntou ainda a reforma de escultor e a de militar. Mexeu os cordelinhos de tal maneira que nem o Presidente Cavaco ganha tanto como ele. Ora, isto dá azo a que os seus “amigos”, invejosos, passem grande parte do tempo comum, acusando-o de se andar a aproveitar da bagunça que tem reinado em Portugal.
E o que é mais flagrante é que o Zé Manel, que não consegue gastar o que ganha, vive à grande e à francesa, consolado de gargalhadas contínuas, contagiando o ambiente que o rodeia.


Ainda muito recentemente, vimos fotos dele, parecendo assediar cabritos em Mampatá, numa das várias viagens que tem feito à Guiné. O Neca da Régua sabe que aquilo é uma provocação. Sempre afirmou que devido àquela revoltante razia, estes cabritos, que agora são tratados como animais sagrados, tipo vacas na Índia, são descendentes de uma cabrita prenha que conseguiu escapar ao bando do famoso Zé Manel dos Cabritos.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17341: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (42): O Arturinho do Bonjardim, a relojoaria, o negócio das carnes, os vários circuitos e destinos, até ao reagrupamento do… Bando