Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2569: Tugas - Quem é quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)
Foto: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados
João Bacar Djaló (ou Jaló), ou só João Bacar, foi um dos nomes que passou à história da Guerra na Guiné. De quem, todos ou quase todos de nós, ouviram falar.
João Bacar Djaló
Até ser graduado em capitão, João Bacar participou em cerca de 350 operações. De Quinara a Cacine (Tite, Cufar, Cachaque, Caiora, Darsalame, S. João, Como) não havia trilho nem aldeia que não conhecesse.-
Da sua folha de serviços constam numerosos louvores, realçando não só a actividade militar mas também os esforços que fez para subtrair e proteger as populações do aliciamento da guerrilha.
De Comandantes de Batalhão com quem trabalhou até ao Comando-Chefe, de todos recebeu elogios pela capacidade operacional de que foi dando provas ao longo da Guerra que travou, desde o início do conflito até à sua morte em combate, em Abril de 1971.
A cumular as duas Cruzes de Guerra com que já tinha sido agraciado, foi-lhe atribuído em 10 de Junho de 1970, na Praça do Comércio em Lisboa, o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
E na cerimónia do 10 de Junho do ano seguinte, o Governador e Comandante-Chefe, General António de Spínola, condecorou-o a título póstumo, na pessoa do irmão, Saído Jaló, com a Medalha dos Serviços Distintos com Palma.
Em 16 de Abril de 1971, segundo o relatório da operação Nilo, (…)João Bacar ao correr abnegadamente em socorro de um soldado que fora ferido, indiferente ao fogo cerrado, foi vítima de uma explosão que lhe causou a morte (…).
Guiné-Bissau > BIssau > Campa de João Bacar Djaló. As minhas desculpas e os agradecimentos devidos ao autor da foto que ainda não consegui identificar. Julgo que não seja do nosso camarada A. Marques Lopes que esteve no antigo cemitério de Bissau, aquando da sua viagem à Guiné-Bissau, em Abril de 2006 (O co-editor vb).
Notícias da época dão conta das circunstâncias em que decorreu o funeral. Um autêntico choro colectivo de milhares de pessoas, militares e civis, um acontecimento nunca visto até então na Guiné.
Nasceu em Cacine (Catió) em 2 de Outubro de 1929, filho de Sajo Jaló e Fatuma Só.
Alistado no Exército, voluntariamente aos vinte anos, prestou serviço de 1 de Março até Junho de 1951 (2ª CCAÇ, Bolama).
Nesse mesmo ano ingressou na Administração Civil de Bissau. Primeiro, durante 1952, como funcionário no Palácio do Governo, depois, até 1958, na Administração Civil, em Bissalanca, Antula, Prábis e Safim.
Entre 1958 e 1961 foi fiscal de fronteira no Sul, e em 1961 foi nomeado Comandante de ronda na vila de Catió, onde desempenhou também as funções de oficial de diligências do Julgado Municipal.
Com o início das acções armadas, João Bacar, então com 33 anos, alistou-se de novo, passando a ser o Comandante de Caçadores Naturais da Província.
Muito depressa ganhou fama. Em 8 de Junho de 1965 foi graduado em Alferes de 2ª linha, numa cerimónia em Catió, onde há pouco tempo tinha ascendido a régulo.
Várias vezes aliciado por Comissários Políticos do PAIGC, sempre disse não, apesar das ameaças e represálias de que ele e os familiares foram alvo.
João Bacar foi depois nomeado Comandante da Companhia de Milícias nº 13, onde continuou a revelar-se, segundo os documentos militares e os testemunhos da época, um combatente de excepção.
Um ano depois era Tenente de 2ª linha e, nessa altura, foi convidado, juntamente com alguns naturais do território, a frequentar um Curso de Oficiais.
Catió, 1967. Tenente João Bacar Jaló.
Foto e legenda: © Benito Neves, ex-Fur Mil da CCAV 1484 (Nhacra e Catió, 1965/67). Direitos reservados.
Em 4 de Junho de 1970, já como Capitão do Exército Português, foi-lhe confiado o comando da 1ª Companhia de Comandos Africana.
Com anos e anos de experiência de acções armadas, João Bacar tornou-se conhecido em toda a Guiné e, segundo relatos de antigos guerrilheiros do PAIGC, o seu nome metia respeito.
Terminou a sua vida como um ídolo, odiado e amado.
Virgínio Briote,
Ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/66
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Nota de vb:
Ver artigos de:
10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)
4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)
23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: Tugas - Quem é quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril
Ver também:
20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXVII: A 'legenda' do capitão comando Bacar Jaló (João Tunes)
11 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P2568: Historiografia de uma guerra (2): Maio de 1974, Sector L1 (Bambadinca): Os nossos quatro últimos mortos (Abreu dos Santos)
Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Este apontamento, a seguir, do Abreu dos Santos - um amigo do nosso blogue, um leitor atento e informado, um estudioso da guerra da Guiné - foi deixado à laia de comentário do poste do José Zeferino (2). Pela sua oportunidade e pertinência, merece outro destaque, nesta série - Historiografia de um guerra - que gostaríamos que tivesse mais postes ou entradas (3):
«(...) no dia 15 de Maio de 1974 (...) fomos alvo de uma violenta emboscada que nos causou dois mortos (um alferes e um cabo de transmissões), um ferido grave (o Comandante da Milícia de Cambessé) e uns, poucos, feridos ligeiros.» (1)
1974 – Maio. 15 (4ª feira)
Por essa ocasião no palácio do governo provincial em Bissau, o delegado da JSN [Junta de Salvação Nacional] e comandante-chefe tenente-coronel Carlos Fabião preside a uma reunião com 1400-1500 militares, durante a qual é decidida «a reestruturação democrática do MFA [ovimento das Forças Armadas], seu alargamento a todos os elementos das Forças Armadas em serviço na Guiné e definição da missão das Forças Armadas como "garante da execução séria e integral do Programa do MFA em consonância com as aspirações populares"».
Entretanto no centro-sudeste da Guiné uma patrulha motorizada do BCCAÇ 4616, desde há cerca de 4 meses estacionado em Bambadinca sob comando do tenente-coronel do MFA Luís Ataíde Banazol, procura contactos com o PAIGC para conversações sobre o cessar-fogo: em deslocação para sul, a coluna é alvejada na picada Mansambo-Xitole por disparos longínquos e os militares saltam apressadamente das viaturas, provocando a deflagração de minas que causam 2 mortos, 4 feridos graves e 14 feridos ligeiros.
(i) 2 Mortos, imediatos: JOAQUIM DOS SANTOS PINHO (Soldado da 1ª/BCAÇ 4616/73 colocada em Mansambo) e DOMINGOS DA SILVA RIBEIRO (Soldado da 2ª/BCAÇ 4616/73 colocada no Xitole).
(ii) Mais 4 Feridos, graves (entre eles o oficial comandante de pelotão da 2ª Companhia /BCAÇ 4616/73, e um primeiro-cabo, ambos com as pernas destroçadas);
(iii) e ainda 14 Feridos, ligeiros. De entre os azuis evacuados para o HM241, vieram em 20Mai74 a falecer: LUÍS GABRIEL DO REGO AGUIAR (Alferes miliciano da 2ª/BCAÇ 4616/73); e ESMERALDINO ANTÓNIO ESPANHOL CATAMBAS (1º Cabo da 3ª/BCAÇ 4616/73).
Foram estas, de facto, as 4 derradeiras baixas mortais "em combate", registadas no território da Guiné.
Abreu dos Santos
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Notas dos editores:
(1) Sobre Paunca e a CCAÇ 11 (para onde foi o J. Casimiro Carvalho, na sequência do abandono de Guileje), vd. posts de:
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
30 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1636: Álbum das Glórias (10): Paunca, CCAÇ 11: Com o PAIGC, depois do 25 de Abril de 1974 (J. Casimiro Carvalho)
(2) 20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2565: Tabanca Grande (57): José Zeferino, Alf Mil At Inf , 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74)
(3) Vd. poste de 25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2214: Historiografia de uma guerra (1): A questão (polémica) do início da luta armada (Abreu dos Santos)
Guiné 63/74 - P2567: Ser solidário (6): Pimentel, Álvaro Basto e Xico Allen: Juntos a caminho de Bissau, na rota do Porto-Dakar (A. Marques Lopes)
António Pimentel, Álvaro Basto e Francisco Allen, de malas feitas, reúnem-se com o resto do grupo em Coimbra.
Foto: Lisa Soares. Jornal de Notícias (2008) (com a devida vénia...)
Um grupo de ex-combatentes na Guiné parte hoje para aquele país com a missão de entregar 22 toneladas de material didáctico e de saúde a uma organização não-governamental (ONG) que fará a gestão dos recursos por forma a que estes cheguem a milhares de pessoas.
A viagem, feita por terra, reúne oito jipes e 29 pessoas, e promete ser, também, uma aventura.
"Há uma componente de aventura grande e os carros vão tão cheios que nem se sabe como vai ser", brinca Álvaro Basto, 58 anos, a preparar-se para sua primeira jornada deste género.
Os carros vão repletos, mas as 22 toneladas de material já seguiram por barco, num contentor.
"Assim que chegar à Guiné, o contentor é retirado e uma ONG e uma associação católica vão encarregar-se de gerir e distribuir a carga por organizações disseminadas pelo país", explicou Francisco Allen, 58 anos, veterano nestas viagens.
O que vai nos carros é distribuído pessoalmente, nas zonas onde todos os ex-combatentes estiveram há quatro décadas. Partem hoje de Coimbra e seguem, todos juntos, percorrendo nos próximos sete dias uma rota que passará por Espanha, Marrocos, Mauritânia, Senegal e Guiné.
Uma vez na Guiné, o grupo visitará Bissau, Mansabá, Galomaro, Bafatá, Banmbadinca, Saltinho e Guidleje.
Nesta última localidade realizar-se-á, durante a estadia destes viajantes, um congresso sobre a guerra e sobre os seus combatentes. Exorcizar fantasmas A ideia de regressar a um país onde viveram experiências tão traumáticas é uma forma de expiar velhos fantasmas.
"Foi lá que corremos risco de vida. Ir para a Guiné era uma condenação à morte. Ir lá é fechar um ciclo", explica António Pimentel, 63 anos. Todos os outros concordam que é uma forma de "confrontar o passado", "enterrar os mortos", "exorcizar mágoas" e seguir em frente, nem que seja repetindo viagens destas todos os anos. "Isto vai crescendo. Começou a constar-se que eu fazia viagens destas por terra, depois existe também um blogue sobre isto. Enfim, é um mundo. Cada vez mais as pessoas aderem e aqueles que vão querem ir, especificamente, aos locais onde estiveram quando eram jovens", explicou Fracisco Allen, que todos os anos organiza uma destas iniciativas.
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Fixação de texto e sublinhados de vb.
Ver artigos de: 21 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau
24 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)
28 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2488: Ser solidário (3): Notícias do Pe. Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)
13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau
20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2561: Ser solidário (5): Um mimo para o Beja Santos (Xico Allen/Albano Costa)
Guiné 63/74 - P2566: Em busca de ... (21): Malta de Bedanda, do futebol e dos serviços de saúde (Mário Bravo, Alf Mil Médico, CCAÇ 6, 1971/72)
Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72 > O Alf Mil Médico Mário Bravo e o seu grupo das futeboladas... Na última foto, o Mário de pé, à esquerda... O grupo era o que trabalhava com ele na enfernaria... Do lado direito, de pé, está o Fur Mil Enf Dias, natural de Viana do Castelo... Por onde pára esta rapaziada, pergunta hoje o nosso doutor...
Fotos: © Mário Bravo (2007). Direitos reservados
1. Mensagem de 5 de Maio de 2007, do nosso camarada Mário Bravo, hoje médico ortopedista que vive e trabalha no Porto, e que foi Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72) (1). Por lapso, só agora é publicada, do que pedimos desculpa ao nosso camarada e ao resto da Tabanca Grande. Ainda não conheço pessoalmente o Mário, só nos falámos ao telefone e trocámos alguma correspondência por mail.
Meu Caro Luis:
Permite-me que mande mais umas fotos, para tentar saber de alguns camaradas que andarão para aí, sem saberem de nada das sua passadas vidas ( fotográficas !!) e andanças pela guerra.
Em Bedanda, em 1971 ou início de 1972. As duas primeiras referem-se a camaradas que se divertiam a jogar umas futeboladas. Valerá a pena publicares, se concordas, com o objectivo de alguém se identificar, o que seria muito agradável.
A última foto diz respeito ao pessoal que fazia parte do meu grupo de trabalho da enfermaria, Lembro-me do nome do 3º. da direita, em cima, que era o furriel miliciano Dias ( natural de Viana do Castelo). Onde estará ? O último da direita , em baixo, é o Nelinho, rapaz do Porto e bem comportado.
2. Mensagem do Mário Bravo, de 15 de Fevereiro de 2007, que ficou também encalhada numa das nossas caixas de correio. Julgo entender que ele nos autoriza a divulgação dos seus contactos telefónicos, na expectativa de vi a poder reencontrar malta do seu tempo, tanto do Sul da Guiné como de Teixeira Pinto ou ainda do Hospital Militar de Bissau (onde passou a parte final da comissão). Já o desafiei a contar-nos o dia a dia de um médico no sul da Guiné (ou até mesmo do Hospital Militar de Bissau), mas vejo que o Mário Bravo continua a trabalhar no duro, agora no Hospital da Lapa, no Porto. Sei que em Teixeira Pinto ele conheceu o nosso camarada e amigo António Graça de Abreu e trabalhou com outro alferes médico, o Tierno Bagulho, infelizmente já desaparecido, e na altura casado com uma amiga minha e da Alice, e de quem teve três filhos. Um dia vou-lhe pedir para me falar do Luís Tierno Bagulho, que eu nunca conheci (só conheci a viúva e os filhos) mas sei que voltou à Guiné, já depois da independência, como cooperante, ainda antes da sua morte (que terá ocorrido nos finais de década de 1970). O Graça de Abreu também fala do Tierno Bagulho no seu livro Diário da Guiné.
Luís:
Um grande abraço pelo teu empenho neste BLOGUE de alívio para a saudade e recordação de momentos de grande carga emocional.
Acho bem que limites as admissões ao pessoal com mail, pois será mais fácil a gestão do blogue e também o contacto e conversa entre todos.
Para que a minha posição de tertuliano esteja dentro da legalidade, envio a minha identificação:
Mário Abilio da Silva Bravo
Médico - Ortopedia
Local de trabalho - Hospital da Ordem da Lapa - Porto ( hospital privado)
Rua Damião de Góis, 307-3º. Dtº
4050-227 - PORTO
TM- 936259162
TEL e Fax - 225511414
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Nota de L.G.:
(1) Vd. postes de:
23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1457: Tertúlia: Apresenta-se o Alf Mil Médico Mário Bravo, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72)
28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)
(...) "Habitualmente estava em Bedanda e ia de modo regular fazer serviço a Guileje, Gadamael Porto e Cacine. Passei esporadicamente por Catió e fui uma só vez a Cufar (...).
"Depois de sair do sul da Guiné, fui para Teixeira Pinto onde permaneci até ao fim da comissão. Também estive algum tempo em Bissau, no Hospital Militar, onde me ensinaram a arrancar dentes. Com esta especialização, lá foi este teu amigo dar cabo dos dentes ao pessoal ( salvo seja). Na zona de Teixeira Pinto, fui algumas vezes a Bachile, Cacheu, Carenque e Batucar. Digo-te estes nomes, pois assim poderás publicar no teu blogue e há-de haver tipos que se lembrem de me escrever"! (...)
12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Guiné 63/74 - P2565: Tabanca Grande (57): José Zeferino, Alf Mil At Inf , 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74)
José Zeferino
ex-Alf Mil At Inf
2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616
Xitole
1973/74
1. Em 19 de Fevereiro de 2008, José Zeferino dirigia-se ao Blogue com esta mensagem:
Caros Luís e camaradas da Tabanca Grande:
Há já vários meses que frequento as vossas páginas com a certeza de que seria inevitável propor-me para me juntar a todos vós nesta vossa e, espero que o possa dizer nossa, Tabanca.
Chamo-me José A.S. Zeferino, sou de 1952, e actualmente Técnico de Estatística, no Instituto Nacional.
Fui Alf Mil At Inf na Guiné, fazendo parte do 3.º Gr Comb, da 2ª CCAÇ (Xitole), do BCAÇ 4616/73 (Bambandinca)
O Batalhão começou a chegar a Bissau a 22 de Dezembro de 1973. Estava completo a 5 de Janeiro de 1974, no Cumeré.
Nesta minha primeira intervenção creio que tenho o dever de rectificar a afirmação, em documentário da RTP1 sobre a Guerra, de que o último combate na Guiné teria acontecido em 26 ou 27 de Abril de 1974.
Mas, no dia 15 de Maio de 1974, na zona do Rio Jagarajá, limite de actuação das forças do Xitole, fomos alvo de uma violenta emboscada que nos causou dois mortos (um alferes e um cabo de transmissões), um ferido grave (o Comandante da Milícia de Cambessé) e uns, poucos, feridos ligeiros.
Procedia-se à segurança de uma minicoluna com materiais de construção para Cambessé.
No dia 30 de Maio de 1974 são detectadas e levantadas minas antipessoal e anticarro reforçadas com granadas de RPG. Foram colocadas depois da emboscada de 15 de Maio
Na noite de 5 para 6 de Junho, o quartel do Xitole foi alvo de tentativas de infiltração. Detectadas pelas sentinelas. Foi morto um elemento atacante.
Se tiver oportunidade voltarei a este incidente.
Por fim, no dia 15 de Junho de 1974 e na sequência de um patrulhamento para além da ponte dos Fulas [, sovre o Rio Pulom,] foi avistada, pendente de uma árvore, uma carta com um maço de tabaco Nõ Pintcha e um isqueiro.
Convidava o Capitão a reunir-se, nesse mesmo dia, nessa mesma picada, com os Comandantes e Comissário Político do PAIGC na zona.
E acabaram, assim, as operações militares no Xitole, nesse mesmo dia.
Por agora envio-lhes, além das minhas fotos de ontem e de hoje, uma da festa da entrega do quartel do Xitole feita à noite na povoação. Estou com dois jovens comandantes do PAIGC
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 15 de Junho de 1974 > Xitole> José Zeferino no dia da festa da entrega do aquartelamento, com dois Comandantes do PAIGC
Foto : © José Zeferino (2008). Direitos reservados.
As melhores saudações para todos que combateram, de ambos os lados, na Guiné.
As maiores felicitações e admiração para o Luís e camaradas por terem levado e continuarem a levar para a frente esta tertúlia luso-guineense.
José António dos Santos Zeferino
e-mail: josezeferino@netcabo.pt
2. Em 20 de Fevereiro foi enviada mensagem ao Zeferino nos seguintes moldes:
Caro José Zeferino:
Os meus cumprimentos e votos de boa saúde.
Podes considerar-te desde já e enquanto quiseres, membro da nossa Tabanca Grande.
É com muito prazer que te recebemos. Fizeste muito bem em vir até nós.
Fizeste parte da geração de combatentes que fechou a guerra. Pena foi que tenham morrido camaradas já depois do 25 de Abril, como nos dás conta. É inglório que um Batalhão com tão pouco tempo de comissão tenha a lamentar baixas. Ainda bem que tudo acabou.
Esperamos de ti algumas resenhas das tuas experiências na Guiné, se possível acompanhadas de fotos ilustrativas.
Parece que ainda estás profissionalmente no activo, mas deixo-te o convite, caso tenhas disponibilidade, para apareceres no dia 6 de Março pelas 14,30 horas, na Sociedade de Geografia (julgo que moras em Lisboa) onde poderás conhecer alguns elementos da nossa Tertúlia.
Recebe um abraço de boas vindas de todos os camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P2564: Prisioneiros: Havia um tratamento decente, no meu tempo (António Santos, Nova Lamego, Pel Mort 4574, 1972/74)
Foto: © António Santos (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem, com data de hoje, do António Santos (ex-Sold Trms, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego, 1972/74)
Assunto - Prisioneiro
Amigos e Camaradas.
Luís, Vinhal e Briote:
Acabei de votar no blogue, na sondagem nº 7 e, como o que vale é o que vimos e passamos, só podia ser: CONCORDO.
Já agora será oportuno dizer e tem tudo a ver com o assunto, que nunca vi nenhuma referência no blogue relacionado com o facto de que se houvesse uma agressão de algum elemento das nossas tropas na pessoa de um civil (assuntos entre militares havia o RDM), a pena mínima era de dez (10) dias para esse militar. Pelo menos era assim no chão Fula onde vivi nos anos de 72 a 74. E penso que em toda a Guiné. Fazia parte da acção psicológica então desenvolvida.
Quanto ao tratamento dado aos elementos do PAIGC, concordo também com o Rebocho, apesar de só ter visto um prisioneiro militar e quatro ou cinco mulheres da população do outro lado, todos foram muito bem tratados (inclusive com rancho melhorado), até saírem do nosso quartel. O homem foi para Bissau. As mulheres não sei.
Para provar aqui está em anexo uma foto do militar do PAIGC, logo após ter sido feito prisioneiro depois de uma flagelação com foguetões a Nova Lamego.
Um alfa bravo
António Santos
SPM 2558
Pel Mort 4574
Nova Lamego
1972/74
Guiné 63/74 - P2563: Inquérito online: Uma guerra violenta mas humana? (1): Nem santa nem suja (Francisco Palma / Virgínio Briote / Carlos Vinhal)
Foto: United Nations / Yutaka Nagata. In Return to the Source, Selected Speeches, by Amilcar Cabral . New York, Monthly Review Press, 1974. Fonte: A Brief History of the PAIGC (com a devida vénia...)
1. Amigos e camaradas:
Qual o sentido da frase do nosso camarada Manuel Rebocho, Uma guerra violenta mas humana ?
Guerra é guerra, e quem vai à guerra dá e leva...? Ou: a guerra que fizemos foi dura, cruel, violenta - não discutimos se foi justa ou injusta... Procurámos, no entanto, tratar (pelo menos entre 1972 e 1974) com a dignidade e a humanidade possíveis os prisioneiros que fizemos...
Não estamos sequer a falar da III Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, que data de 1949 e de que nós nunca ouvimos sequer falar, na instrução militar...
A questão é: Todos ou quase todos lidámos com prisioneiros: foram executados, foram torturados ? Foram tratados, quando feridos ?
Sabemos que não foi uma guerra "nem santa nem suja", até porque tanto as NT como o PAIGC estávamos empenhados (sobretudo a partir de Spínola...) em ganhar o apoio das populações...
Sei que este questão é dita fracturante (na nossa Tabanca Grande), mas todos podemos dar - com a serenidade possível, o que não quer dizer sem pinga de emoção... - o nosso ponto de vista particular (como testemunhas, como actores)...
Publicar-se-ão, no final da sondagem (que termina daqui a seis dias) as "declarações de voto", como esta, a primeira, que nos chega... Um Oscar Bravo para o Francisco Palma. Um Alfa Bravo para todos os camaradas e amigos da Tabanca Grande (os amigos também têm opinião...)
Luís
PS - E já agora, se aceitarem uma sugestão minha, vejam o filme que foi estreado há dias nos nossos cinemas, "No vale de Elah", de Paul Haggis:
Depois de regressar do Iraque, Mike Deerfield (Jonathan Tucker) desaparece e é considerado desertor. Quando Hank (Tommy Lee Jones, num surpreendente desempenho), um veterano, e a sua mulher Joan (Susan Sarandon) recebem o telefonema com a trágica notícia do desaparecimento do filho, o pai resolve procurá-lo. A detective Emily Sanders (Charlize Theron) ajuda-o na investigação, mas à medida que o mistério se revela e Hank descobre pormenores sobre a missão do filho no Iraque, tudo aquilo em que acreditava é posto em causa. "No Vale de Elah" é realizado por Paul Haggis, o realizador do premiado "Crash" e argumentista de "Million Dollar Baby", "As Bandeiras dos Nossos Pais" e "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood.
Fonte: http://cinecartaz.publico.pt/
2. Declaração de voto do Franscisco Palma (Residente em São João do Estoril, ex-condutor auto, hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1970) (1):
Voto DISCORDO porque , para mim, nenhuma guerra será humana, mas sim sempre cruel e injusta, quer para os combatentes e muito menos para os inocentes sem opinião formada.
Eu que o diga que nunca pedi para ir para a Guiné e sofri 15 ataques e a terminar a missão ( ? ) accionei uma mina anticarro ficando deficiente para o resto da vida, mas sortudo por não ter morrido, nem eu nem nenhum dos camaradas que seguiam na viatura.
Francisco Palma
CCAV 2748
Canquelifá
1970/72
3. Mensagem do Virgínio Briote (ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/66, co-editor do nosso blogue):
A guerra não foi nem santa nem tão digna como por vezes ouvimos contar. Aconteceu de tudo. Prisioneiros entregues aos responsáveis pelas informações (2ª Rep, Comandos de Batalhão), Prisioneiros devolvidos às NT para servirem de guias (e não foram assim tão raros os casos em que foram abatidos em plena acção, em especial os que nunca davam com os caminhos por mais voltas e voltas que nos fizessem dar), Prisioneiros recuperados e integrados em estruturas locais (milícias, grupos especiais, cmds...), de tudo aconteceu.
E não podemos deixar de falar das populações, sempre esquecidas pelos intervenientes de qualquer dos lados. De uma maneira ou de outra acabavam por levar. Vítimas dos ataques da guerrilha a povoações e aquartelamentos e certamente vítimas das NT. Quantas vezes terá acontecido fazermos Prisioneiros (com as consequências respectivas) entre a população, apenas por indicações de elementos da própria tabanca e que, posteriormente, se revelaram sem crédito?
E finalmente (?) ainda, não podemos esquecer atitudes de grande nobreza moral, que ocorreram de um e outro lado. E que, na altura, não deixavam de ser notadas com sinais contrários, com gestos de enobrecimento por uns e de desprezo por outros também (O IN é assim que deve ser tratado ou o IN tem apenas o direito de ser tratado a tiro).
De tudo aconteceu e tudo aconteceu, passe a expressão.
Um abraço,
vb
4. Opinião do Carlos Vinhal (Ex-Fur Mil Art MA/CART 2732, Mansabá , 1970/72
Camaradas:
Votei Discordo totalmente, porque falar em guerra humana dentro do possível é demagogia.
Primeiro, porque quando me puseram na Guiné, foi com a intenção de que eu matasse para não morrer, aproveitando o instinto de sobrevivência natural em qualquer ser vivo, animal (irracional também) ou vegetal.
Segundo, porque quando a minha Companhia embarcou, passámos a ser números. Uns quantos foram destinados a fazer parte da percentagem X que iria morrer em combate, outros, da percentagem Y que iria ficar estropiada, etc., etc.
A nossa guerra não tem sido aproveitada, em Portugal, pela 7.ª Arte, mas os anglo-saxónicos, especialmente os americanos, não se coibem de fazer ficções sobre a 2.ª Grande Guerra, Guerra da Coreia , Vietname e até já do Iraque, onde assistimos a planeamentos de Batalhas e Operações, onde se apresentam cálculos das baixas prováveis, sem se importarem, se quem vai morrer é o António, o José ou o Manuel. Isto é ou foi humano?
Não morri porque não calhou, não matei porque não se proporcionou. Montei minas, não me importando se elas iriam ser accionadas por alguém que eventualmente até poderia ser civil. Não fui humano, nem deixei de ser.
Não devemos confundir a árvore com a floresta e, as acções individuais humanitárias praticadas por muitos dos combatentes de um lado e do outro, não dignificaram a guerra, dignificaram e muito quem praticou essas acções.
Um abraço
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P2562: As Nossas Madrinhas de Guerra (3): Quem as não teve ? (Luís Graça / João Bonifácio / Paulo Salgado)
1. Mensagem do editor:
Completando a nossa sondagem - de sete dias - sobre as nossas queridas madrinhas de guerra (1)...
Vale o que vale... Mas desta vez batemos o recorde de respostas (n=109)...
Desfez-se um mito ? Talvez, afinal mais de 60% de nós não tinham madrinha de guerra... Mas pelo menos 38% da malta correspondia-se regularmente com uma ou mais madrinhas de guerra... Havia, em todo o caso, uma minoria (cerca de 7%) que coleccionava madrinhas de guerra: tinha três ou mais meninas que os ajudavam a suavizar os duros tempos da guerra...
Uma ressalva: a nossa amostra (os camaradas do nosso blogue) não é representativa, em termos estatísticos, da população de militares que passou pela Guiné, desde 1963 até 1974...
Recordemos a pergunta da Sondagem (6) que foi leavada a cabo na segunda semana de Fevereiro de 2008:
Camarada, com quantas madrinhas de guerra (excluindo esposa, noiva ou namorada) te correspondias tu, regularmente, na Guiné ?
Total de respostas: 109 (Vd. quadro-resumo, acima).
2. Mernsagem de 19 de Fevereiro de 2008, enviada pelo John Bonifácio, um camarada nosso que vive no Canadá
Olá, Amigo:
Neste capitulo de madrinhas de guerra, desejo contar em poucas palavras o que aconteceu a um grupo de tres furriéis onde estava eu próprio. Colocámos um anúncio numa revista feminina da altura (1968/70) e as respostas foram tantas que tivemos que seleccioná-las por qualificações.
O pior é que neste capítulo haviam muitas falhas. Das cento e muitas respostas, cerca de 70% eram professoras, ou assim elas diziam. Como muitas davam erros ortográficos a mais para "professora", nos gastámos uns dias a discutir em conjunto como continuaríamos a seleccionar. Como eramos três, decidimos apenas ficar com as três melhores.
Passada uma semana estava tudo resolvido, mas não durou muito na minha parte, porque eu não conseguia ter "lata" para tudo aquilo. As tais ditas madrinhas de guerra sabiam ao que andavam. Mas ainda bem que algumas até foram boas companhias, pois sei de algumas que até casaram com os afilhados.
Histórias autênticas da guerra por onde todos andámos.
Um abraço
Joao G. Bonifacio
Fur Mil Sam
CCAÇ 2402 (1970/72)
3. Do Paulo Salgado (ex-Alf Cav, CCAV 2712 , Olossato e Nhacra, 1970/72), também com data de ontem:
Caro Luís:
Nenhuma.
Para passar o tempo, pessoalmente escrevia ao meu pai, à minha namorada (actual mulher), sempre que não estava no mato, lia muito, jogava a batota (havia fases), fazíamos o jornal Tabanca (saíram talvez seis números – não me recordo, mas, pelos vistos, houve censura - o Tomé e outros já tínhamos ideias).
Mas havia muita malta com vária madrinhas e havia soldados que não tinham nenhuma…
Paulo Salgado
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. postes de:
10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2519: As Nossas Madrinhas de Guerra (1): Os aerogramas ou bate-estradas do nosso contentamento (Carlos Vinhal / Luís Graça)
15 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2539: Em Dia de São Valentim... ou o amor e a morte em tempo de guerra (Mário Fitas, Torcato Mendonça, Manuel Bastos)
16 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2543: As Nossas Madrinhas de Guerra (2): Minha querida Madrinha de Guerra (José Teixeira)
Guiné 63/74 - P2561: Ser solidário (5): Um mimo para o Beja Santos (Xico Allen/Albano Costa)
Guiné-Bissau > Região de Baftá > Janeiro de 2008 > Estrada Bissau-Bafatá > Passagem do Xico Allen pelas proximidades de Finete e de Mato Cão, que faziam parte das Terras dos Soncó e da zona de acção do Beja Santos, quando comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá, 1968/69).
Fotos: Xico Allen / Albano Costa (2008). Direitos reservados
1. Mensagem de ontem, do Albano Costa (Guifões, Matosinhos):
Caro Luís Graça:
Hoje estive a ver as fotos do Xico Allen (1), e vi duas que me chamaram mais atençao e então pedias para as enviar para o blogue, para se achares que as deves publicar.
Visto que se fala com regularidade de Finete e Mato Cão, é sempre um pequeno presente para o Beja Santos.
2. Comentário dos editores:
Obrigado, Xico, obrigado Albano. É um regalo para o nosso camarada e amigo Beja Santos na vésperas do lançamento do seu livro... Boa viagem para o Xico, o nosso andarilha, o nosso papa-léguas, que parte, amanhã, em caravana, novamente rumo à Guiné-Bissau, com mais camaradas nossoas e outros amigos de Coimbra e do Algarve (2).
3. Comentário posterior do Mensagem do nosso querido amigo e camarada Joaquim Mexia Alves (Monte Real, Leiria), que foi Alf Mil Op Esp, Guiné, Dez 1971 / Dez 1973, CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):
E para mim também, gaita, que fui comandante do destacamento de Mato de Cão com o [ Pel Caç Nat] 52.
Que raio, no meu tempo não havia placa......eheheh
Abraço amigo
Joaquim Mexia Alves
______
Nota dos editores:
(1) Vd. postess de:
21 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2466: Ser Solidário (1): Pe. Almiro Mendes, Pároco da freguesia de Ramalde, Porto, partiu hoje de jipe, para a Guiné-Bissau
24 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2476: Ser solidário (2): Notícias do Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)
28 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2488: Ser solidário (3): Notícias do Pe. Almiro Mendes e do Xico Allen na rota do Dakar, a caminho de Bissau (Álvaro Basto)
(2) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau
Guiné 63/74 - P2560: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (10) - Parte IX: A prisioneira é violada...
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas cambando um rio
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas cambando um rio em Cadique, no decurso da Operação Tesoura.
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Os Lassas na abertura da estrada Cufar/Cobumba.
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > A secção de cães...
Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > O Soldado do Pelotão de Milícia nº 13, Gibi Baldé, com o Fur Mil Carlos Filipe
Fotos: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.
PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
Autor: Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Advertência: Trata-se de uma obra de ficção, embora inspirada em factos reais, em especial na actuação da CCAÇ 726 que esteve em Cufar, no sul da Guiné, nos anos de 1965 e 1966.
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726, Cufar, 1965/66). Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.
Parte IX > A Professora é violada pelo Furriel Gonçaves na véspera de este ser morto em combate (pp. 80-94)
(i) Cenas picarescas de Cufar
Os militares retiraram-se, e Pami ficou analisando os problemas da guerra, até lhe aparecer Meta, perguntando-lhe se teria visto por ali o soldado nativo Mamadu Baldé. Deu informação negativa, e a rapariga desapareceu, procurando problemas com o seu velho marido, concerteza. Sorriu, ao recordar duas cenas que Míriam lhe tinha contado: Uma tinha sido Rafael a saltar sobre o velho marido de Meta, para lhe retirar a G3 com que ele queria matar o soldado Baldé, e a outra que a mesma lhe relatou, da noite em que a Mariana, bajuda Fula, sem um olho, se foi meter na cama do alferes Telmo, para este lhe tirar o cabaço, e que pelo mesmo, foi corrida de sua cama com um pau.
Gente tonta, estas três Fulas. Ao anoitecer, quando Indrissa lhe trouxe a refeição - milícia Fula encarregado deste fim-, apareceu a lavadeira que informou estar muito triste porque ninguém lhe dizia nada do furriel, e que tinha de o levar no Homem Grande, para bala não entrar no corpo dele.
Pami confirmou que Míriam nada sabia sobre a vinda do mesmo. Mas deu-lhe uma esperança, fundamentada na conversa que ouvira entre o capitão e o médico.
-Meu cabeça diz que ele chega manhã!
- Verdade Sanhá?
- É, eu acredita!
- Se furiel bem, Mim faz festa, e mata galinha para ele! E tu, Sanhá? Ajuda nesse trabalho? Se tu fala verdade, a mim pede a furiel, para falar com capitão, para tu ires no teu tabanca.
Apercebeu-se a prisioneira , com esta conversa, de que Míriam lhe poderia ser bastante útil. Teria de fazer trabalho específico, para continuar a captar e consolidar a sua simpatia e amizade.
(ii) Pami passa informações sobre Cufar e os Lassas a um nova prisioneira, sua conhecida
No dia seguinte, Pami teve de repartir a sua palhota prisão, com mais quatro companheiras. Tinham vindo de Cabolol a Mato Farroba a um Choro, e os Lassas, sempre em cima do acontecimento, convidaram-nas para voluntariamente (obrigadas...) a uma sessão de perguntas e respostas no aquartelamento. Tudo o que se passava a Sul de Cufar até ao Cumbijã, estava controlado.
Neste grupo, vinha uma velha conhecida, da família de Pami, que ficou bastante surpreendida pela permanência da professora neste local. Mesmo com guarda da milícia, as duas mulheres conseguiram transmitir entre elas. Depois de dois dias de inquirições. Utilizando as regras de trabalho psicológico sobre a população, foram as mulheres mandadas embora. A professora não dormiu, conseguiu transmitir um bom rol de informações, sobre os Lassas e a sua vida fora e dentro do Aquartelamento, à mulher conhecida.
Na tarde da chegada das mulheres, a avioneta que trouxe o correio, deixou uma bela encomenda. Nada menos nada mais, que Rafael, o furriel tão desagradável mas tão esperado por Míriam. Pami viu-o entrar no Comando, e quase não o reconheceu. Muito magro, pálido e sem barbas, parecia antes adolescente chegando da Metrópole. A lavadeira, desapareceu durante dois dias.
(iii) Excitação de Miriam ao saber do regresso de Rafael
Só depois das mulheres de Cabolol se terem ido embora, a vida de Pami voltou à rotina. Apareceu-lhe Míriam, toda bem vestida e arranjada com uma alegria esfuziante, de miúda adolescente. A prisioneira, provocou a lavadeira do furriel, de forma que esta se sentisse lisonjeadae confiante nela. A lavadeira ficou embaraçada, e pediu desculpa à prisioneira, mas tinha muito que fazer, pois o furriel tinha trazido muita roupa para lavar, e vinha muito fraquinho.
- Mas naquele conversa giro?
- Vinha forte demais!
Pami tentou saber mais sobre Rafael, mas Miriam, não adiantou muito, prometendo só: Falar na questão da liberdade da prisioneira, e um dia que ele fosse no mato, ela a levaria novamente ao quarto dele, para ver fotografias.
A vida dentro do arame farpado continuava na mesma. Pami fazia praticamente já parte da comunidade Fula. Ajudava Míriam na preparação da roupa, e até chegou a cozinhar galinha, para o furriel Rafael. Ia ouvindo as conversas dos militares. Nestas conferências, após a sua chegada, Rafael também foi activo, mas falava de assuntos que Pami não sabia, ou não tinha conhecimento. Falava dos heróis do papel, que em Bissau – muito bem informados - contavam todas as aventuras por terras da Guiné sem terem ouvido, e nem saberem o que era um tiro.
Mas, entre das muitas outras intervenções que tivera, falara da primeira depuração dentro do PAIGC e que ele intitulou de “saneamento étnico Balanta”, efectuado em 1964. Isto deixou a prisioneira bastante preocupada, principalmente pelo desconhecimento total sobre o assunto. Falou também dos bailes na casa da cabo-verdiana loira e ainda da professora que andava no descapotável, e da bronca da Rádio Bissau. Difícil para chegar lá. Estava atenta às operações que se desenrolavam no Sul da Guiné, pois Cufar, derivado da sua bela pista, começou a ser o centro de comando de operações dos colonialistas, em todo o Sul. Viu marinheiros, fuzileiros, muito pessoal da aviação, e ainda mulheres enfermeiras, pára-quedistas conforme lhe confirmaram.
Cufar tinha um movimento extraordinário. Vinham companhias novas aprender com os Lassas, a quem estes davam instrução operacional no terreno.
Pami embora continuasse mentalmente a registar tudo, já se encontrava saturada, e começou a arquitectar uma maneira de se evadir, embora fosse bastante difícil. Estava numa tarde quente de Fevereiro [de 1966], a conjecturar a forma da evasão, quando lhe apareceu Míriam com um balaio de roupa, e lhe atirou:
- Tu quer ver casa de furiel outra vez?
-Sim, quero! - respondeu, sentindo dentro de si uma curiosidade inquietação anormal, realidade até ali não sentida.
- Gosse! A nós bai! Pessoal foi fazer segurança, a barco que passa na rio, e furiel já tá bom pa ir no mato, diz dotor.
(iv) Pami lê uma carta da mãe do Furriel Rafael...e lembra-se da sua, com saudade
Pami ergueu-se rapidamente, e com Miriam dirigiram-se para o quarto de adobos, dos furriéis, Taveira, Gama e Rafael. A messe de sargentos estava vazia, apenas o soldado Lopes, limpava o Bar. Quando viu entrar Miriam com a prisioneira, o soldado gritou gaguejando:
- É Mi...mi...ri...am! Que...Que...! meeerda éé... esta? Aa até aa...pri...prisioneira entra aqui? Vou... vou... fa... fa ... lar com furriel.
- Chi minino Lópi bó hoje tá mau! Furiel cá importa!
Foram entrando, mas Pami agora tremia toda, com medo das consequências. Míriam sossegou-a, e já no quarto, disse para a prisioneira:
- Gora vê torgafia e pode senta aí no cama de furiel eu arranja roupa primero!
Pami viu uma série de fotografias novas, e pegou numa carta, que estava fora do subscrito, e começou a ler, enquanto a lavadeira apenas tinha atenção para o esmero com que arrumava a roupa do furriel. Pami continuou.
........../Janeiro de 1966.
"Querido filho,
Faço votos que te encontres bem, e que nada de mau te tenha acontecido. Por favor, é esta a terceira carta que te escrevemos, sem termos qualquer contacto teu. Conta-nos tudo o que se está a passar para os nossos corações ficarem descansados. Graças a Deus, julgamos que o pior não terá acontecido, quando não já tínhamos tido alguma má noticia. Mas por favor escreve-nos, pois a última notícia que temos sobre ti, foi pelo Jorge, que escreveu às tias, e disse, que te tinha encontrado em Bissau, mas não disse mais nada. Ele foi para o Norte comandar uma companhia.
Filho, por favor escreve, o teu pai anda muito preocupado, e quase sempre calado. Pouco fala, e quando o faz, é só para dizer: "Se aquilo for como eu vi em Badajoz (2), é uma coisa muito triste; A guerra é a pior coisa que o homem inventou." Por vezes dá a impressão de querer dizer mais qualquer coisa, mas volta logo com os avisos, para termos cuidado com o que escrevemos, não te abram as cartas e sejas prejudicado.
O avô velhote, cá vai andando, é claro já são noventa anos. Mas todas as noites ao deitar, se lembra de todos, e reza sempre à Senhora da Conceição por ti, e acaba sempre as orações, perguntando: Por onde andará aquela alminha, o meu doce companheiro?
Tive notícias das tuas irmãs. Vão passando bem e teus cunhados também. O teu afilhado Pedrinho é que está um pouco constipado.
Este ano o Natal foi muito triste com a tua falta.
Filho, mais uma vez te peço, escreve sem demora, descansa os nossos corações. Não é preciso muito, basta o que escreves sempre, "Por aqui tudo bem”.
Termino, pedindo ao Senhor da Piedade e a Nossa Senhora da Conceição, que te protejam, e que te tragam são e salvo.
Muitos, beijos do teu pai, do avô velhote e da tua madrinha Inha. Desta tua mãe, recebe muitos beijinhos e um grande e saudoso abraço. Escreve!
Maria das Candeias "
A confusão entrou na cabeça de Pami de tal forma, que ficou estática, petrificada com a carta na mão, olhando o vazio.
Na sua azáfama, a lavadeira não dava por nada. Terminando, olhou para Pami, e viu-a como estátua com a carta na mão, e ralhou:
- Sanhá, qué qui bó faz? Vê só torgafia! Cá tira papel! Se furiel sabe, ele mata a mim!
Acordou! Colocou a carta de onde a tinha retirado, e levantou-se da cama onde se sentara. Prontamente Míriam ajeitou a cama do furriel. Regressaram, a lavadeira numa tagarelice infernal sobre o furriel, não sonhando sequer que a prisioneira tinha tido acesso à vida íntima de Rafael.
Pami em silêncio, entrou na sua casa prisão, e estendeu-se sobre a esteira que agora lhe servia de leito. Regrediu. Sua falecida mãe veio-lhe à mente, e vagueou em sonhos íntimos maternais. O guerrilheiro Pan Na Ufna, seu pai, apareceu-lhe de camuflado, arma aperrada, em lendária imagem de anjos e diabos guerreando. O padre Francelino, apareceu-lhe em imagem venerando, a transmitir-lhe uma mensagem:
-Acabaram-se os valores e a família Pami! O Homem está-se destruindo a ele próprio!
Mais uma vez a sua sensibilidade, fez-lhe sentir nos lábios o sabor a mar solto em pérolas de seus olhos. Pami teve pena da mãe do furriel Rafael. Mas... dele? Não!... não teria! Ele estava ali e fazia a guerra! Ele era dos que tinham queimado o seu dicionário, relicário do padre Francelino! Ele estava destruindo-se a ele próprio. O vento soprou, Pami estremeceu e sentiu um arrepio de frio. Seria que ele estava ali de vontade? Ou pertenceria também aos milhares de voluntários à força, que faziam a guerra, mas dela não eram senhores mandantes? Novamente a fragilidade voltou à sua cabeça. Deu pela chegada dos militares que tinham saído. Apesar da insistência de Meta, não quis jantar. A noite foi de sonhos pesadelos.
Passaram os dias, e a professora ia-se distraindo, com o movimento dos militares. Deixou de se aproximar da escola, porque isso a deprimia. E as conversas com Meta e Miriam foram alargadas a outro pessoal nativo, familiares dos milícias.
Tinha chegado um elemento novo ao aquartelamento. Um capitão gordinho, de óculos com ar assustado, tinha vindo para substituir o Leão - conforme conversa ouvida aos militares nas escutas da varanda- que iria para Bissau para outra missão. Naquele dia vinte e quatro de Fevereiro [de 1966], todos os alferes e sargentos foram chamados ao Comando. Como habitualmente saíram todos em silêncio. Pami junto de Meta, observara tudo, mas nada dissera. Os Lassas, mais uma vez, iriam sair. Já ao fim da tarde, Míriam veio da messe de sargentos e sentou-se junto de Pami e começou a chorar, desabafando:
-Eu não pode dizer a ti. Mas furriel não quer cume, está a beber aquele bebida visque. Tu não fala nada desse cumbersa! Mas ele vai na mato! Certeza!
(v) O Furriel Gonçalo força Pami a ter relações sexuais no seu quarto, na véspera de sair para o mato
Estava Míriam neste desabafo, quando vindo do lado da messe, apareceu o furriel Gonçalo. Passou na direcção do seu abrigo, e nada disse. Dez metros à frente, voltou atrás, e falou para Míriam:
- É, Míriam, diz a essa gaja aí - referindo-se à prisioneira- se ela quer partir catota?
- Chi furiel! Furiel quer mesmo?
- Sim! Ela que venha comigo para fazer conversa giro.
Pami estremeceu, e ficou em pânico. Que fazer? Começou a pensar numa forma de fugir a esta situação. Mas Míriam atacou traduzindo:
- Manga de ronco. Jube, furiel Gonçalo quer leva tu no cama dele.
Pami fez negação com a cabeça, mas Míriam voltou ao ataque:
- Tu tem d'ir! Com soldado não que tu és pisoneira, mas furiel manda!
Agora sentiu-se novamente prisioneira, e incapaz de resistir a quem manda. Informou Míriam para dizer ao furriel que tinha medo. A ideia que tinha tido nos interrogatórios, deitava por terra, toda a defesa possível no momento. Num último rasgo de inteligência, ainda pediu a Míriam para informar o furriel de que poderia ter doença. O furriel não ligou muito às desculpas, e começando a dirigir-se para o seu abrigo, disse:
- Traz esse saco de carvão ao meu abrigo!
Míriam tentou dar coragem a Pami, mas esta - embora o adultério, não fosse coisa significativa, entre a raça balanta - sentiu-se completamente destroçada. Um branco, e ainda por cima militar. Pami relembrou Malan Cassamá, e começou a doer-lhe muito o acto a que obrigatoriamente teria de se submeter. Míriam levantou-se e puxou pela prisioneira, dizendo:
- Cum soldado não! Mas cum furiel é coisa boa para tu! A mim toda gente tem inveja quando a mim vai pra cama de furiel Rafael.
Pami levantou-se, tremendo, sem forças nas pernas, foi andando e seguindo a jovem fula em direcção ao abrigo do furriel. Ao chegarem à porta do abrigo, Míriam moralizou a prisioneira:
- Entra, a mim fica aqui no porta! Bó cá tem medo! Furiel Gonçalo é bom home!
Entrou, e num relance verificou o abrigo todo. Era um abrigo em redondo, com vigias em toda a volta. Virada para a mata de Cufar Nalu, encontrava-se uma metralhadora pesada. O abrigo tinha três camas, duas em beliche por cima uma da outra, e a um canto mais espaçoso, estava uma cama com mosquiteiro. Junto, uma caixa de madeira, fazia de mesa. Sobre ela, estavam duas fotografias, uma de uma jovem a outra de mulher de meia-idade. O furriel, começou a despir-se e por gestos indicou à prisioneira para fazer o mesmo. Pami ficou parada. O militar puxou o mosquiteiro para cima, virou as fotografias para a parede do abrigo, e continuou despindo-se, até ficar completamente nu.
Pami, em plena confusão verificou que o corpo do furriel era todo coberto de pêlos negros, e pensou? Se aquilo seria homem ou macaco? A medo começou aos poucos a tirar os panos que lhe cobriam o corpo. O militar - macho faminto esperando pela fêmea - já se encontrava estirado sobre a cama. Após retirar o último pano, completamente inerte qual estatueta de pau-ferro. Assim ficou desnudada frente ao militar. Os pêlos curtos, negros e encaracolados da sua púbis, ficaram à vista. Pami inconscientemente olhou para o sexo do furriel, e ficou pasmada. Completamente erecto, seria metade do de Malan.
Impaciente, o furriel puxou a prisioneiram para a cama, pegando-lhe no braço sem mão. Sentiu um pouco de resistência, e forçou mais. Pami verificou que já não tinha hipótese nenhuma, e deixou-se cair na cama. O furriel virou-se, e ficou com o corpo sobre o dela. A mulher fechou os olhos, e tentou num último esforço muscular da vulva, tentar dificultar a penetração do membro, que embora de tamanho inferior ao de Malan como confirmara, apresentava muito mais rigidez.
Mas o furriel não forçou, começou por afagar os seus pequenos seios. Sentiu a mão do homem deslizar suavemente pelo seu corpo e começar a afagar a sua púbis, e depois os lábios da vulva, até começar a titilar o clitóris. Quase inconsciente, o esforço mental que fazia, aos poucos foi-se esvanecendo. O furriel começou a sentir um relaxamento muscular da prisioneira, e um leve humedecimento vaginal. Pôs-se de joelhos, abriu suavemente as pernas da prisioneira, afastou-lhe os grandes lábios, e lentamente começou a introduzir-lhe o pénis na vagina. A resistência de Pami esvaiu-se, e começou a sentir o vaivém dentro do seu corpo em suave deslize.
Passados poucos segundos, ouviu um ronco cavo sair da garganta do furriel, e sentiu o alagar das suas entranhas, por quente líquido. O macho tinha efectuado o orgasmo. Os dois corpos ficaram imóveis por momentos. O furriel levantou-se, vestiu-se rapidamente e saiu do abrigo. Míriam entrou, Pami vestia-se e pela sua cara rolavam lágrimas indefinidas, resultantes deste estádio deplorável de situações a que leva a guerra.
(vi) Gonçalo é morto em combate
As duas mulheres caminharam junto, em silêncio, rumo à improvisada prisão, morança de Pami. Amadu, impedido dos furriéis, procurava a lavadeira, e em tom mandante ordenou:
-Gosse! Gosse! Furiel quer roupa camurfada, ele vai na mato.
Míriam correu para casa, e pegou na roupa para o furriel. Passado que foi um pedaço, regressou e foi estar com a prisioneira. Sorridente, passando a mão pela barriga, exclamou:
-Um dia filho, fica aqui mesmo! Furriel não queria só roupa, ele queria fazer conversa giro.
Pami ouviu e a sua mente - confusa- começou a raciocinar, do porquê desta necessidade sexual se revelar tão activa, nestes homens, antes de fazerem a guerra. Havia qualquer coisa estranha... psíquica mesmo, ultrapassando a necessidade física do macho. Seria que atenuaria a excitação, e poderiam utilizar a mente mais racionalmente? Caso estranho este! Mas verídico. Até Malan, um dia lhe confessara sentir uma necessidade intensa de sexo, quando sabia antecipadamente que iria entrar em contacto com o inimigo. Míriam, apressada, saiu novamente, sem dizer mais nada, - reflexo do almejado filho - apenas o sorriso e o brilho nos olhos continuavam.
A seguir ao jantar, como habitualmente, nas noites de saídas, o aquartelamento tomou um movimento esquisito, mas silencioso. Os militares preparavam-se para a guerra. Para Pami confirmar, bastou esperar um pouco e verificar aos poucos os militares concentrarem-se em frente do comando. Uns passos pesados, e o bater de um capacete na coronha de uma espingarda, deram-lhe um arrepio. Era ele, de certeza! Olhou na direcção da audição efectuada, e viu a silhueta pesada do furriel Gonçalo. Sentiu o incómodo do pano ainda húmido, - que tinha colocado entre as pernas-, do esperma do militar. Sentiu dor, revolta, mas... já tinha dúvidas de quem seria a culpa de toda esta situação. Concentrou-se na movimentação dos soldados e esqueceu por momentos a violação.
Os militares como habitualmente em silêncio, saíram pela porta de armas. Para onde iriam? A professora prisioneira foi escorregando até ficar deitada sobre a esteira, na sua cela sem grades. O pensamento voou e percorreu terras do Sul da Guiné. Adormeceu.
Ainda o sol não rompia, foi acordada por correrias e falas em voz alta dos militares, que tinham ficado no Aquartelamento e que se dirigiam rapidamente na direcção do posto de transmissões. Noite escura ainda, ouviam-se lá longe, - para os lados de Cabolol - o som de rebentamentos e de forte tiroteio. Manteve-se acordada, mas não conseguia saber o que se estava a passar. Só quando o sol começou a romper, ouviu comentar as mulheres dos milícias fulas, que a Companhia tinha sido emboscada. Já dia claro se apercebeu que o problema continuava, pois para os lados de Cabolol, continuavam a ouvir-se os rebentamentos, e o matraquear das espingardas e metralhadoras. Em Cufar já tinham aterrado dois helicópteros. Os bombardeiros sobrevoavam Cabolol, e picavam sobre a mata. Pami perdeu o medo, e procurou Míriam para saber o que se passava.
-Não sabe muito, não! Bandido emboscou Companhia, e tem morto e ferido, quanto não sabe!
A enfermaria foi posta em estado de alerta, amanhecia e os helicópteros, começaram a levantar. Os rebentamentos e tiroteio continuavam. Os helicópteros voltaram, e os primeiros feridos chegaram. Foram observados pelo médico, e de imediato foram evacuados para Bissau por duas avionetas que entretanto tinham aterrado. Os helicópteros voltaram a voar, e quatro vezes, fizeram o mesmo percurso. No último regresso, a notícia deslizou por todo o quartel, como napalm sobre o capim. Vinham dois mortos, um deles era o furriel Gonçalo.
Ao ouvir esta notícia, Pami sentiu o corpo todo enregelar-se e, no ventre , sentiu de novo a ejaculação quente do furriel. Confusa, procurava mentalmente justificação para o indecifrável. Tentou aproximar-se, da capela - edifício em construção, promessa, constava-se feita a um padre pelo Leão de Cufar- onde tinham sido colocados os corpos dos dois militares mortos. Não conseguiu, os seus pés colaram-se ao chão, como árvore fortemente enraizada no solo. Mas também não o poderia fazer, só graduados, e pessoal de enfermagem, tinha acesso à inaugurada capela em construção.
Pami teve a oportunidade de ver, com os próprios olhos, alguns homens grandes da Guerra. O comandante de Sector, o Comandante de Batalhão, oficiais de operações, etc... etc... etc.... Pessoal que mandava e planeava a guerra, mas não a fazia. De certeza alguns nem uma bolanha conheciam, quanto mais a mata de Cufar ou Cabolol.
Pami ia nestas experiências, verificando que povos irmãos se matavam sem razão, e tomava consciência também que tudo isto só levava à destruição de tudo e do homem. A solução não seria esta.
Ao fim da manhã, junto ao tarrafe do rio Manterunga, começou a aparecer uma serpente humana. Desta vez os Lassas faziam a entrada pela estrada do cais de Cufar. À medida que iam chegando, dirigiam-se para os seus abrigos, apenas o olhar transmitia a dor do momento. O silêncio imperava em Cufar, apenas na enfermaria e no Comando o movimento era grande.
Pami sentiu alegria por esta lição dada aos Lassas. Mas pouco tempo o seu coração esteve alvoroçado. Aos poucos a mente foi-lhe chamando a realidade. E do outro lado? Como teria sido? Aos ouvidos, chegou-lhe o gemido dos feridos que vira de manhã, e o pensamento voou até aquele dia em Flaque Injã. Uma dúvida assaltou-a repentinamente, e pensou como seria, se a própria família daqueles soldados ali estivesse?
Ficou confusa, e mais uma vez procurou olhando para o céu, o Deus do padre Francelino. Mas a resposta foi a mesma:
-Os homens Pami, os homens! Por amor a eles me pregaram na Cruz!
Retirou-se para o seu refúgio prisão, e deitou-se na velha esteira. A meio da tarde, chorando, apareceu-lhe Míriam. Olharam-se sem dizer palavra. Míriam sentou-se num canto da palhota, e soluçando depois contou:
-Furiel Rafael mandou mim embora! Chamou escarrumba de merrda! E disse qui inda não era pa chorrar carralha! Mim tem medo, Sanhá! Furiel, grande amigo de Gonçalo! Mim tem muito medo! Ele não vai mais olhar direito pa mim! Nem pa preto.
(vii) Retalição dos Lassas, com bombardeamentos de artilharia sobre o Cantanhez
Pami entrou em pânico. Que seria dela agora, se fosse novamente interrogada? Incógnita! Nunca se sabe a reacção dos homens em determinados momentos. A medo ainda perguntou o que tinha acontecido. Soluçando, a lavadeira abriu o livro todo do seu conhecimento e contou:
Iam abrir a estrada de Cobumba. Uma companhia de Catió vinha com as viaturas, para ir abrindo o caminho. E a companhia de Cufar ia com outros, fazer a segurança, na mata de Cabolol, só que o bandido tinha informações sobre a operação. Alguém tinha passado todas as informações ao PAIGC. Que estavam emboscados à espera dos militares, precisamente nas posições que estes iam tomar. A companhia foi emboscada, com metralhadoras pesadas, lança granadas foguetes, morteiro oitenta e dois e armas ligeiras. A companhia tinha sofrido dois mortos, um desaparecido e dezassete feridos, alguns em estado grave. O capitão novo que vinha comandar a companhia, também tinha sido ferido e tinha sido evacuado para o hospital em Bissau.
Sim! Agora a prisioneira, sabia que o instinto do Leão mandaria Telmo e Rafael apertarem com ela. De certeza que chegara o momento, que a iriam espremer, até verter sangue. Sentia a dualidade do ódio, entre campos opostos. Alguém teria de pagar a morte e os feridos dos Lassas. Aqui no Sul desta linda terra, o homem tinha transformado tudo num braseiro, agora seria mais afirmativamente, "olho por olho, dente por dente". Era elevado a cinco o número de mortos que os militares de Cufar tinham sofrido, e isso tinha de ser pago, com juros muito altos. Esgotariam forças, esgotariam munições, transformar-se-iam em monstros, mas os amigos teriam de ser vingados. Sentiu que a hora mais difícil tinha chegado.
Naquele dia, não se atreveu a sair mais da sua palhota prisão. O sol a pique queimava, o silêncio era de facto de morte. A prisioneira, apenas conseguia ver gente, que passava pela inaugurada capela.
Ao fim da tarde, viu e ouviu, o alferes de artilharia pedir a um soldado, para chamar o furriel artilheiro, o qual não demorou a entrar no Comando. Passados poucos momentos, saíram os dois, o furriel dirigiu-se para a messe, da qual saiu pouco depois com o furriel das viaturas. O alferes com uns mapas na mão, dirigiu-se para as duas peças de artilharia que estavam colocadas, na parte que dividia o novo do velho aquartelamento. Pouco tempo depois, um Unimog chegou junto das peças. Os soldados que vinham na viatura - todos de origem negra- onde se encontrava um de alcunha Dakota, desceram e começaram a descarregar caixas de madeira, onde vinham acondicionadas as munições. As peças começaram a ser preparadas. Pensou tratar-se de homenagem aos mortos, mas logo verificou estar errada.
Aquela era a primeira confirmação que os Lassas faziam, a dizer à guerrilha que estavam ali, e que em breve haveria novo encontro. Pelas frestas da sua prisão, foi verificando as manobras das peças, e contando o número de disparos. Pela orientação, verificou: Boxe Bissã, Cabolol Lente, Cabolol Balanta, Cobumba, Caboxanque e Cadique, cada povoação tinha sido contemplada com cinco obuses. Algum acertaria de certeza, a experiência já o tinha demostrado, alguém morreria ou ficaria estropiado.
Em silêncio, os Lassas homenageavam os seus mortos. Míriam nem se aproximava da messe de sargentos, e Meta não procurava o soldado Mamadu Baldé. Havia como que um ritual silencioso, interior, dentro de cada militar.
Dois dias passados, sol mal despontando, o aquartelamento, começou a movimentar-se. As viaturas, em coluna, esperavam por alguém. Os alferes Palmeiro e Telmo desceram completamente equipados, as escadas que davam acesso à varanda do Comando. Saindo da messe os furriéis Taveira, Tambinha, Rafael, de boina preta, e o sargento Miguel, dirigindo-se para os alferes. Os soldados foram chegando. E Pami viu as urnas que tinham vindo numa avioneta, serem carregadas nas viaturas. Iam a caminho de Catió. A prisioneira, dormindo, não tinha dado pela saída ainda manhã escura, pelo grupo de combate do alferes Soeiro, que tinha saído para segurança da estrada para Catió.
Pami viu partir os soldados, e no seu pensamento ficou a imagem, peluda e nua, do furriel Gonçalo. Como seria o resto da viagem até à sua terra Natal? E a chegada? A família! Mais uma vez a prisioneira pensava no problema da guerra. Todo o desenvolvimento desta situação deve trazer grandes questões à humanidade, é impossível que não haja problemas psíquicos, na forma como estes homens vivem e actuam.
(viii) Os Lassas estão cansados da guerra e exibem comportamentos estranhos
No seu âmago sentiu! Tinha a noção perfeita! A sua mente transmitiu aos ouvidos, as palavras trocadas entre Rafael e o seu guarda-costas, cabo Cigarra, junto ao abrigo numa deslocação ao poço. O cabo, braços cruzados, cabeça baixa, voz trémula dissera:
-Porra , meu furriel, tem de falar com o alferes ou com o capitão, nós não podemos mais!
Rafael ripostara:
- Estamos aqui , para quê? Cumprir! Não importa como, mas teremos todos de ser firmes!
Pateticamente, de forma dura e expontânea o cabo ripostou:
-Furriel, eu não aguento mais, passo os dias e as noites a ver correr, pelo meu braço abaixo, os miolos do furriel Gonçalo!
- Que isso seja para ti um motivo de força, e de vontade para venceres tudo isto. Alguém teria de tirar o nosso camarada do inferno em que nos meteram. Isso só te passará quando algum camarada te fizer o mesmo que fizeste ao Gonçalo. Ou... na melhor das hipóteses, quando regressado à tua Paxis Julia [Beja], te atirarem umas pás de terra para o teu sobretudo de madeira. Meu bom amigo, quem pensas que eu sou? Deus!?... Não!
Sorrindo o furriel continuou:
-Sou a mesma merda que tu! Espero aquilo que tu esperas! E também como tu, não quero morrer aqui, mas na nossa Planície. Por isso! Tens de ser mais forte que o teu pensamento, e varreêlo de toda a lama que nos envolve! Força, rapaz, chegaremos lá!
Nem todo o sentido das palavras trocadas entre os militares, Pami compreendeu, mas tinha sido uma conversa dura, e complicada. Isso de certeza.
Continuaram os soldados a sair, voltando uns, outros não. Era sempre certa a saída, incerta seria sempre a chegada. Idêntica era sempre a partida, indefinida forma seria sempre a do regresso.
Pami assistiu à transformação dos homens. Não há causa que não provoque efeito. A saída do Leão marcou aqueles homens. Apesar dos alferes e sargentos, se manterem unidos e firmes, as coisas começam a degradar-se, e a prestação em termos de antiguerrilha, não era a mesma. Que bom seria transmitir, se possível, aquela mensagem aos seus companheiros! Mas impossível mesmo, a sua prisão sem grades, tornara-se cada vez mais expugnável. Perante as situações e a incerteza, era preferível esta situação momentaneamente.
Começou a verificar que os militares bebiam e consumiam cada vez mais álcool. Tomavam-se mais agressivos, por vezes entre eles próprios. Assistiu àquela luta em que dois soldados se socaram, pontapearam e morderam, como os cães raivosos, espumando pela boca e, depois de completamente esgotados, abraçarem-se chorando.
Viu, em dia de imensa chuva, o próprio Bolinhas, completamente molhado, correndo atrás do soldado Lopes, com uma grande faca na mão, e o Lopes com fobia de tudo o que era lâmina, fugindo por todo o aquartelamento, e os soldados todos a aplaudir. Viu o corneteiro rufar tambor, e o furriel Rafael a fazer Circo com uma cabra, sobre o muro da varanda, levantando a pata para fazer continência ao povo. Viu o soldado Nazaré, tronco nu peludo como macaco cão, envergando apenas uns calções, cinturão de lona preso a uma corrente, a fazer momices, ser passeado por outro soldado como se de chimpanzé se tratasse. O sargento Tavares a fazer o pino, para o Punch - cão pastor alemão - saltar por entre as pernas. Parecia este aquartelamento uma casa de pessoas enlouquecidas.
Ao certo, a prisioneira confirmava que as coisas não funcionavam como deviam. A partida do Leão veio agravar a situação de todos aqueles militares, colocando-os como que órfãos, numa casa onde começaram a derrocar as paredes.
A continuação da saída dos soldados era rotina, o regresso indefinido. Alguns iam directamente de helicóptero para o hospital em Bissau. Outros, já sem concerto, esperavam na capela o encaixotamento. Soldados novos apareciam agora com uma farda esverdeada, para fazer as substituições. E assim continuava a guerra, enquanto Pami permanecia na sua casa prisão, agora sem mais inquilinos, pois deixou de haver prisioneiros na generalidade. Segundo o auscultado aos soldados e milícias, os prisioneiros agora, antes de chegar ao aquartelamento, resolviam fugir e pelas matas, bolanhas ou pântanos, se desprendiam os seus espíritos vagueando, procurando o etéreo.
(Continua: Final no próximo episódio)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. postes anteriores desta série >
21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)
23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)
28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)
5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)
10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)
18 de Dezembro de 2007 > Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)
30 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2391: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (7) - Parte VI: Malan é entregue à PIDE de Catió (Mário Fitas)
16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2443: Pami Na Dono, a Guerrilheira, de Mário Vicente (8) - Parte VII: O prisioneiro Malan é usado como guia (Mário Fitas)
5 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2506: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (9): Parte VIII: Os demónios étnicos (Mário Fitas)
(2) Resumos dos postes anteriores:
(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…
No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.
O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.
É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.
(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.
Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.
Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.
(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).
Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.
Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.
Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.
Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.
Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.
Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.
Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.
(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.
No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.
Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.
(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.
Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como. Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...
Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.
(vi) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu). Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Sente que tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer ao seu marido Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista, interroga-se ela?
Entretanto Malan é denunciado como guerrilheiro do Exército Popular e é entregue à PIDE de Catió. A professora apercebe-se que os seus companheiros, homens, estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Entre as mulheres prisioneiras, já teria havido confissões. Uma, pelo menos, foi alvo de abusos sexuais. As que colaboram com os Lassas são soltas.
Entretanto, a balanta Pami torna-se confidente de fula Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu, segundo o seu nome de guerra). Os Lassas, por sua vez, voltaram a ir ao outro lado do Rio Cumbijã. Meta, casada com um milícia e amiga da Miriam, contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos.
Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do Leão de Cufar, o chefe dos Lassas.
(viii) Em novo interrogatório, o Furriel Rafael ameaça matar a professora de Flaque Injã, quando esta, já esquecida dos interrogatórios, é levada de novo, em princípios de Setembro de 1965, à presença do temível triunvirato: Queba, o intérprete, o alferes Telmo (com o seu caderno), e o furriel Rafael (com a sua pistola).
Embora aterrorizado com as ameaças do Furriel Rafael (que parece fazer bluff...). Pami teme sobretudo que os Lassas faça de novo uma operação do outro lado do Rio Cumbijã, utilizando o seu marido, Malan, como guia...
Voltando de novo à sua morança-prisão, Pami apercebe-se de que nem todos os Lassas estão ali, na guerra, de livre vontade... Os seus piores receios, entretanto, materializam-se, ao reconhecer o seu Malan na silhueta do negro, de corda atada ao pescoço de um negro, conduzido por um Lassa, a caminho da porta de armas, possivelmente para srevir como guia numa operação... Pelo burburinho que perpassa pelo aquartelamento, Pami toma conhecimento de que os Lassas estão em operações lá para os lados de Caboxanque... Um avião T-6 é atingido, mas o seu o piloto consegue fazer uma aterragem de emergência em Cufar...
No regresso dos Lassas ao quartel, Pami sabe, pelas conversas que ouve junto dos milícias, eles ter-se-iam esquivado a uma emboscada, junto ao cais de Caboxanque. Detectando a segurança à retaguarda, os Lassas mataram esses elementos e, saindo do caminho que vai dar ao cais, divergiram para a bolanha para não entrarem na emboscada, que deveria ter muita gente do PAIGC. Mas sobre Malan não consegue saber mais nada de concerto.
Uns dias mais tarde, Míriam contou a Pami tudo o que tinha acontecido, conforme lhe descrevera o furriel Mamadu. O pessoal do PAIGC mais uma vez tinha sido humilhado, pelos Lassas. Tinha sofrido grandes baixas, vários mortos e muitos feridos. A professora de Flaque Injã chorou e pela primeira vez o desânimo entrou no seu pensamento. Seria que o sonho de uma Pátria era irrealista?
(viii) Caminhamos para os finais de 1965. Pami têm agora duas novas amigas, com quem conversa mais amiuadamente, as lavadeiras Miriam e Meta, esta última mulher de um velho milícia. Os Lassas já se habituaram à presença de Pami que continua a observar e registar mentalmente tudo o que se passa à sua volta. Dá conta da existência de um furriel de nome Gonçalo, que passa a vida a falar com o seu cão cufar. No final do ano, aparecem aviões a lançar toneladas de bombas sobre o Cantanhez. Os Lassas saem para uma operação em Darsalame. O Furriel Rafael é ferido e evacuado para o Hospital de Bissau. Miriam está chorosa e apreensiva. Leva Pami ao quarto do Furriel a quem lava a roupa e a quem faz favores sexuais. Pami fica intrigada com as fotografias que vasculha. As duas mulheres falam sobre as bajudas brancas do Furriel.
Agora já ninguém liga à prisioneira nem a importuna. Mas Pami fica triste certo dia, quando ouviu um soldado a ler, a outro, uma carta dos pais... A professora interroga-se sobre a condição humana e a estupidez da guerra. Com mais liberdade de movimentos e beneficiando da amizade de Miriam, Pami vai conhecendo melhor o quotidiano dos Lassas, as suas misérias e grandezas. Mas o que mais espicaçou a sua curiosidade intelectual foi uma longa conversa sobre os povos da Guiné, travada num círculo à volta do Leão de Cufar e dos seus colaboradores mais próximos. No final, fica a saber que Rafael tinha voltado do hospital…