O meu regresso atribulado
José Colaço
Soldado de TRMS
CCAÇ 557
Cachil, Bissau e Bafatá
1963/65
Nesta paupérrima escrita hoje não vou seguir as directrizes do autor do blogue. O Luís Graça é um daqueles homens que devia ser escrito com H grande, e esta de pôr os camaradas meio cacimbados, stressados, a falar de momentos felizes há 40 e picos anos não lembra, como diz o povo, ao mais pintado.
Os maus momentos da guerra deixam marcas profundas que nem a passagem dos longos anos consegue apagar e é fácil avivar nos ficheiros da memória pessoal, por mais cacimbado que o camarada esteja. Mas recordar os momentos felizes do regresso, bem dou a manivela da memória, mas só me saem algumas desfasadas. Como não posso dissociar este dia com o desenlace da guerra, aí vai mais uma de guerra.
No dia 24 de Outubro de 1965, em Bafatá, após o pessoal ter entregue todo o material de guerra inclusive a farda camuflada e estar a viver interiormente a espera de mais dois dias para subir pela ultima vez para cima da velha GMC ou da nova Mercedes a caminho de Bambadinca para embarcar naquele conhecido barco de nome "Bor", que mais parecia uma jangada a motor. Porque o "Niassa" largava do porto de Bissau a 27/10/65 e trazia de regresso a CCaç 557.
Mas aparece na unidade uma ordem de serviço, para a 557 levantar todo o material de guerra que tinha entregue porque no dia 25 era necessária na operação militar que se ia realizar.
Bem, nem queiram saber, gera-se nos elementos da companhia uma pequena revolta e ninguém queria levantar o dito material. Com este movimento o comandante capitão Ares manda formar a companhia na parada e fez a seguinte prelecção:
A malta destroçou e todos em fila a caminho do 1º cabo quarteleiro a levantarmos o respectivo material de guerra. No dia 25/10/65 antes da manhã romper toca a subir para cima da velha GMC e das Mercedes para a última operação de guerra. Resumindo, a nossa missão foi de apoio à retaguarda. Era mais uma protecção a aproveitar os conhecimentos dos velhinhos, para os substitutos periquitos, assim alcunhados devido à farda verde que foi imposta na altura.
Também na frente de ataque nada de especial, aliás no ano 1965 em que estive em Bafatá todas as operações militares em que participámos na zona que nos estava atribuída foram de êxito total. Como diz o camarada Santos Oliveira que reencontrei graças ao blogue. Comparar Cachil a Cufar, Cufar era férias. Eu digo comparar Cachil a Bafatá, Cachil seria o inferno, Bafatá o Paraíso.
Terminado isto, dia 26 Outubro de 1965, tudo Ok, a velha GMC e as Mercedes a caminho de Bambadinca, com a Bor Geba abaixo até Bissau. Chegados a Bissau nem tempo nem autorização para se despedirmos dos amigos. Enfiados no Niassa, que ficava ao largo devido ás águas do cais não terem profundidade para o calado do navio.
Seis dias de navegação vividos com alegria mas muita ansiedade de acostar ao cais da Rocha de Conde de Óbidos. Uma coisa era notada em quase toda a malta, eu incluído, tesos que nem um pau.
Chegámos na noite de 3 de Novembro, fundeámos ao largo com a iluminação de Cascais à vista. Assim que o Sol nasceu rumamos à Rocha de Conde de Óbidos. Antes do desembarque ainda mandei para o Tejo um ou dois pesos da Guiné que estavam no bolso do casaco.
Recordações: mais um azar, o meu auxiliar que me podia hoje ajudar bastante nestas recordações, o meu caixote Kodak tinha pifado, não aguentou as tormentas da guerra. Vou me apoiar nestas fotos.
Eu no posto rádio da CCaç 557, em Bafatá.
Na Rocha de Conde de Óbidos, eu aqui, de caqui amarelo, com as minhas duas irmãs e os meus dois sobrinhos, pois o sobrinho mais velho, o Donaldo, tinha-me pedido para eu lhe trazer um macaco. Mais um frete tive que andar a domesticar um macaquinho cerca de um mês, o puto tinha uma grande curiosidade sobre a vida dos macacos.
A seguir, formatura e comboio para RI 16 em Évora, fazer o espólio militar. Mais uma foto, à civil, tirada na Foto Cine Arte, passe a publicidade, mas aqui já havia patacão, as minhas irmãs tinham-me abonado.
Uma noite em Évora com muita decepção, as meninas, a rua Manuel de Olival, a rua do Terrique, já não era nada do que eu conhecia, era o silêncio, [as casas de passe] tinham sido proibidas pelo Decreto-lei nº 44579 [, de 19 de Setembro de 1962].
E assim saúdo os camaradas com esta mensagem cheia de QRMS um ALFA BRAVO DO CHARLIE
COLAÇO.
PS - A malta nos últimos dias de permanência na guerra passa de guerreiros a cagarolas, porque saber que um camarada tinha o regresso marcado para a semana, mas hoje caíu numa emboscada e morreu, deixa marca profunda. Como diz o escritor camarada Lobo Antunes, todos os homens são maricas quando têm uma constipação.
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Notas:
1. fixação do texto e sublinhados de vb;
2. Artigos relacionados em
2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)
22 de Julho de 2008 > GUiné 63/74 - P3083: Os Nossos Regressos (12): Vagabundo e os outros fantasmas dos Lassas que lá ficaram na Região de Tombali (Mário Fitas)
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A Joana Graça, filha do Luís Graça, faz ilustrações para a revista "Pais & Filhos", entre outras publicações, e tem um Blogue > O mundo da Joana http://omundodejoana.blogspot.com/.