terça-feira, 29 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3099: Os Nossos Regressos (13): Fundeámos ao largo, com as luzes de Cascais...(José Colaço, Cachil, Bissau, Bafatá, 1963/65))

Magnífica ilustração da © Joana Graça (2008) para os "Nossos Regressos".

O meu regresso atribulado

José Colaço
Soldado de TRMS
CCAÇ 557
Cachil, Bissau e Bafatá
1963/65


Nesta paupérrima escrita hoje não vou seguir as directrizes do autor do blogue. O Luís Graça é um daqueles homens que devia ser escrito com H grande, e esta de pôr os camaradas meio cacimbados, stressados, a falar de momentos felizes há 40 e picos anos não lembra, como diz o povo, ao mais pintado.

Os maus momentos da guerra deixam marcas profundas que nem a passagem dos longos anos consegue apagar e é fácil avivar nos ficheiros da memória pessoal, por mais cacimbado que o camarada esteja. Mas recordar os momentos felizes do regresso, bem dou a manivela da memória, mas só me saem algumas desfasadas. Como não posso dissociar este dia com o desenlace da guerra, aí vai mais uma de guerra.

No dia 24 de Outubro de 1965, em Bafatá, após o pessoal ter entregue todo o material de guerra inclusive a farda camuflada e estar a viver interiormente a espera de mais dois dias para subir pela ultima vez para cima da velha GMC ou da nova Mercedes a caminho de Bambadinca para embarcar naquele conhecido barco de nome "Bor", que mais parecia uma jangada a motor. Porque o "Niassa" largava do porto de Bissau a 27/10/65 e trazia de regresso a CCaç 557.

Mas aparece na unidade uma ordem de serviço, para a 557 levantar todo o material de guerra que tinha entregue porque no dia 25 era necessária na operação militar que se ia realizar.
Bem, nem queiram saber, gera-se nos elementos da companhia uma pequena revolta e ninguém queria levantar o dito material. Com este movimento o comandante capitão Ares manda formar a companhia na parada e fez a seguinte prelecção:
-"Meus amigos, somos ainda militares, eu continuo, sou militar de carreira, estamos em guerra e a recusa a uma ordem do Comando Territorial Militar...sabem o que nos acontece? Forte de Elvas ou coisa parecida! Por isso, vão levantar o vosso material de guerra na melhor ordem. Mas atenção uma coisa vos posso garantir se não fomos heróis até hoje, não é agora que o vamos ser.
Se a rebelião fosse para a frente ele também era contemplado, a razão de dizer o que nos acontece: todos para o forte de Elvas.

A malta destroçou e todos em fila a caminho do 1º cabo quarteleiro a levantarmos o respectivo material de guerra. No dia 25/10/65 antes da manhã romper toca a subir para cima da velha GMC e das Mercedes para a última operação de guerra. Resumindo, a nossa missão foi de apoio à retaguarda. Era mais uma protecção a aproveitar os conhecimentos dos velhinhos, para os substitutos periquitos, assim alcunhados devido à farda verde que foi imposta na altura.

Também na frente de ataque nada de especial, aliás no ano 1965 em que estive em Bafatá todas as operações militares em que participámos na zona que nos estava atribuída foram de êxito total. Como diz o camarada Santos Oliveira que reencontrei graças ao blogue. Comparar Cachil a Cufar, Cufar era férias. Eu digo comparar Cachil a Bafatá, Cachil seria o inferno, Bafatá o Paraíso.

Terminado isto, dia 26 Outubro de 1965, tudo Ok, a velha GMC e as Mercedes a caminho de Bambadinca, com a Bor Geba abaixo até Bissau. Chegados a Bissau nem tempo nem autorização para se despedirmos dos amigos. Enfiados no Niassa, que ficava ao largo devido ás águas do cais não terem profundidade para o calado do navio.

Seis dias de navegação vividos com alegria mas muita ansiedade de acostar ao cais da Rocha de Conde de Óbidos. Uma coisa era notada em quase toda a malta, eu incluído, tesos que nem um pau.

Chegámos na noite de 3 de Novembro, fundeámos ao largo com a iluminação de Cascais à vista. Assim que o Sol nasceu rumamos à Rocha de Conde de Óbidos. Antes do desembarque ainda mandei para o Tejo um ou dois pesos da Guiné que estavam no bolso do casaco.

Recordações: mais um azar, o meu auxiliar que me podia hoje ajudar bastante nestas recordações, o meu caixote Kodak tinha pifado, não aguentou as tormentas da guerra. Vou me apoiar nestas fotos.

Eu no posto rádio da CCaç 557, em Bafatá.

Na Rocha de Conde de Óbidos, eu aqui, de caqui amarelo, com as minhas duas irmãs e os meus dois sobrinhos, pois o sobrinho mais velho, o Donaldo, tinha-me pedido para eu lhe trazer um macaco. Mais um frete tive que andar a domesticar um macaquinho cerca de um mês, o puto tinha uma grande curiosidade sobre a vida dos macacos.
A seguir, formatura e comboio para RI 16 em Évora, fazer o espólio militar. Mais uma foto, à civil, tirada na Foto Cine Arte, passe a publicidade, mas aqui já havia patacão, as minhas irmãs tinham-me abonado.

Uma noite em Évora com muita decepção, as meninas, a rua Manuel de Olival, a rua do Terrique, já não era nada do que eu conhecia, era o silêncio, [as casas de passe] tinham sido proibidas pelo Decreto-lei nº 44579 [, de 19 de Setembro de 1962].
Dia 6 de Novembro tomei o comboio para Castro Verde onde a minha mãe, ansiosa, me esperava para me abraçar e beijar com o carinho de todas as mães. A seguir os encontros com a madrinha de guerra, que a namorada teve conhecimento, e deu início a uma nova guerra, mas esta de amores e ciúmes.
Bem, termino que esta guerra não é para aqui chamada.
A última foto confirma o velho que sou hoje, com 65 anos....

E assim saúdo os camaradas com esta mensagem cheia de QRMS um ALFA BRAVO DO CHARLIE
COLAÇO.

PS - A malta nos últimos dias de permanência na guerra passa de guerreiros a cagarolas, porque saber que um camarada tinha o regresso marcado para a semana, mas hoje caíu numa emboscada e morreu, deixa marca profunda. Como diz o escritor camarada Lobo Antunes, todos os homens são maricas quando têm uma constipação.
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Notas:

1. fixação do texto e sublinhados de vb;

2. Artigos relacionados em

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

22 de Julho de 2008 > GUiné 63/74 - P3083: Os Nossos Regressos (12): Vagabundo e os outros fantasmas dos Lassas que lá ficaram na Região de Tombali (Mário Fitas)
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A Joana Graça, filha do Luís Graça, faz ilustrações para a revista "Pais & Filhos", entre outras publicações, e tem um Blogue > O mundo da Joana http://omundodejoana.blogspot.com/.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3098: Memória dos Lugares (12): Estrada de Gadamael, para norte, cruzamento para Guileje (Nuno Rubim)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Cruzamento de Guileje, coluna de Gadamael, transporte do obus 11.4, em 19 de Março de 1969 por pessoal da CART 2410, que era então a unidade de quadrícula de Gadamael.

Segundo o nosso camarada Nuno Rubim, "a estrada que vai de Gadamael para Norte chega ao cruzamento e aí vira para a esquerda, seguindo para Guileje"...

O mistério tem uma explicação: "o que deve ter acontecido é que na revelação o negativo estava invertido"... Ver as duas fotos em cima, à esquerda a foto que o Luís Guerreiro enviou e à direita o espelho, que reflecte realmente a realidade.

Guiné > Região de Tombali > Guileje > Estrada de Gadamael, para norte, cruzamento de Guileje, coluna de Gadamael [CART 2410], transporte do obus 11.4, em 19 de Março de 1969.

Fotos: © Luis Guerreiro / Nuno Rubim ( (2008). Direitos reservados


1. Mensagem de 24 do corrente, do Nuno Rubim:

Caro Luís:

Suponho que tenhas tentado contactar com o camarada Luis Guerreiro [ luisguerreiro@videotron.ca ] e mais uma vez sem êxito (1).

Julgo ter descoberto o "mistério" da tal foto do Cruzamento de Guileje (2). A estrada que vai de Gadamael para Norte chega ao cruzamento e aí vira para a esquerda, seguindo para Guileje.

O que deve ter acontecido é que na revelação o negativo estava invertido, vê o attach, à esquerda a foto que ele enviou e à direita o "espelho", que reflecte realmente a realidade.

Anteontem dei com mais um interessantíssimo documento emanado da 2ª Rep / Com-Chefe do CTIG. Realmente o serviço de informações militares era de "grande classe" e cada dia que passa mais isso se me torna evidente ! Quem não estudar essa importantíssima documentação vai perder dados fundamentais para a compreensão do que foi a guerra na Guiné. Esta é a realidade, amigo! É claro que dá um "trabalhão", mas "não se fazem omoletes sem partir ovos ...".

No caso vertente, um trabalho sobre as etnias da Guiné. Para além da bibliografia existente, que foi consultada para a feitura do trabalho, a 2ª Rep teve o cuidado de pedir informações a muitas das Companhias de Quadrícula e o que não é de somenos, ela própria, por intermédio da sua Secção de Informação Interna, realizou várias entrevistas, além de ter promovido acções de observação directa ! Notável ...

Um abraço

Nuno Rubim
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Notas de L.G.:

(1) O Luís Guerreiro vive desde 1971 no Canadá, em Montreal. Entrou em Março último para a nossa Tabanca Grande. Foi Fur Mil no 4.º Grupo de Combate da CART 2410, sob o comando do Alf Mil Jerónimo. Mais tarde esteve no Pel Caç Nat 65. Esteve em Gadamael e Ganturé (Outubro de 1968/Junho de 1969) e depois em Guileje (Junho de 1969/Maio de 1970).

A CART 2410 era conhecida por Os Dráculas. Outro camarada nosso que pertenceu a esta unidade foi o ex-Alf Mil José Barros Rocha. O Rocha esteve connosco no Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) e revisitou, emocionado, Guileje e o corredor de Guileje...

Vd. ainda os postes de:

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1568: Álbum das Glórias (8): Os Dráculas, CART 2410, Guileje (José Barros Rocha)

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1443: Contributo para a história da construção do aquartelamento de Guileje (José Barros Rocha, CART 2410, Os Dráculas, 1969/70)


(2) Vd.postes de:

18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2663: Tabanca Grande (58): Luís Guerreiro, ex-Fur Mil da CART 2410 e Pel Caç Nat 65 (Ganturé, 1968/70)

2 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3013: Reordenamentos (1): Gadamael, o primeiro, na sequência da retirada de Sangonhá e Cacoca em meados de 1968 (António Costa)

23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3086: Memórias dos Lugares (10): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte I (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)

23 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3087: Memórias dos Lugares (11): Gadamael, CART 2410, 1968/69, Parte II (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá)

Guiné 63/74 - P3097: Álbum fotográfico do Joaquim Guimarães (1): Saltinho



Joaquim Guimarães
Ex-Soldado
CCAÇ 3490/BCAÇ 3872
Saltinho
1971/74


1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Guimarães, com data de 16 de Maio de 2007, enviando fotos.

Olá Luis e companheiros de tertúlia. Saúde a todos

Aqui te envio essas fotos. Tu deciderás quais as mais apropriadas para a tertúlia. Tenho mais mas vai levar algum tempo.

Quero também agradecer ao Paulo Santiago pela maneira como descreveu a passagem do Quirafo, com honestidade, sem dramatizar ou exagerar. Prestou a devida homenagem aos meus companheiros, alguns dos quais não tive grande contacto, mas como dizia respeitou a memoria de "eles" e quem sabe dos seus familiares e em particular a minha.

Eu pessoalmente ainda não tive a coragem de me mostrar. Neste momento ando numa luta com os meus companheiros de Companhia mas ninguém se quer envolver ou comentar. Mais de que nunca penso na minha na nossa culpabilidade do Quirafo.

Num dos blogs refere-se em comemtário a questão da recuperação dos corpos. Eu penso que esse permonor deve ser excluído, não importa como foi o importante e que tudo foi feito com amor com respeito e muita dor mas foram dignificados em todo o processo

Um abraço a todos
J.Guimarães



Foto 1 > Bissau 24 de Dezembro de 1971

Foto 2 > Shower in Cansamba

Foto 3 > Sempre a descansar em Galomaro

Foto 4 > Com a Anita no Saltinho

Foto 5 > Salão mata-saudades

Foto 6 > Não tenho ideia alguma

Foto 7 > Farinha aos meus pés

Foto 8 > Bater a zona para Aldeia Formosa

Foto 9 > Posto Escolar do Saltinho

Foto 10 > Alunas do Posto Escolar do Saltinho

Fotos (e legendas): © Joaquim Guimarães (2008). Direitos reservados.

(Continua)


2. Comentário de CV

O nosso camarada Joaquim Guimarães foi Soldado, pertenceu à CCAÇ 3490/BCAÇ 3872 e esteve no Saltinho.

É natural da linda cidade de Viana do Castelo, capital do Alto Minho, e vive nos Estados Unidos da América.

Em 21 de Fevereiro de 2007, aquando do seu primeiro contacto com o Blogue, Joaquim Guimarães, que foi professor no Saltinho, disse que tinha histórias que nos queria contar, mas até hoje o seu silêncio foi total. Tínhamos as suas fotos guardadas para acompanhar essas estórias, mas face à ausência de qualquer escrito, decidimos publicá-las como álbum fotográfico.

Não tendo as fotos coloridas grande qualidade, resolvemos depois de tentar corrigi-las, apresentá-las, mesmo assim, nas cores originais.

Esperemos que a publicação destas fotografias incentive o Joaquim a escrever para nós.
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Nota de CV:

Vd. poste de 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2019: Álbum das Glórias (23): O mestre-escola do Saltinho (Joaquim Guimarães, CCAÇ 3490, 1972/74)

domingo, 27 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas



Mário Fitas
ex-Fur Mil
CCaç 763,
Cufar,
1965/66



1. Todos conhecemos o Mário Vicente autor de "Pami Na Dondo, A Guerrilheira" e "Putos, Gandúlos e Guerra". Alguns felizardos até têm exemplares dedicados e autografados pelo autor.

Agora, Mário Fitas (1) veio surpreender-nos com a divulgação de algumas das actividades com que ocupa o seu tempo.

Por hoje ficamo-nos pelos quadros gravados a fogo (pirogravuras), mas já temos mais surpresas.

Reparem que até já ficamos com um aliciante para o nosso próximo encontro.

Deixo desde já, a título pessoal, os meus parabéns ao Mário Fitas pela sua veia artística.

Vejamos então a mensagem que o nosso camarada mandou ao Luís Graça no dia 24 de Julho:


Caro Luís,

Vi a ideia lançada no blogue sobre aquilo que nos vai distraindo o tempo. Para além da fraca escrita, fui fazendo outras coisas que, para ti e alguns tertulianos, possivelmente será uma surpresa, e que passo a relatar:

Ornitologia:

Fui membro da direcção e posteriormente Presidente da Mesa da Assembleia da Associação dos Avicultores de Portugal.

Quando por motivos de saúde, tive de abandonar as minhas lindas e adoráveis aves, tinha em casa mais de oito centenas de aves. Dedicado essencialmente à criação de Agaponis (nome científico) mais conhecidos por love birds, fui campeão em diversos campeonatos e exposições.

Na primeira oportunidade enviarei fotos dos meus campeões. Que andaram pela África do Sul, Bélgica, etc.

Após o desgosto de deixar os passarinhos, voltei a outra grande paixão: Pirogravura, a Arte de Gravar a Fogo de que neste momento sou professor voluntário, no Centro Engenheiro Álvaro de Sousa, no Estoril.

Tenho feito exposições em vário locais. Mando algumas fotos duma exposição aqui na Sala de Exposições da Junta de Freguesia do Estoril.

No próximo encontro da tertúlia, fica já a promessa, irá um trabalho para sortear pelos presentes.

Também tenho coisas da Guiné! A Miriam à pesca com o balaio de rede. Recordas?

Muito ligado à Natureza tenho uma mania, toda a semente que encontro, vai para um vaso, com o meu neto (6 anos) hoje envasamos cinquenta plantinhas de Estrelícias.

São formas de matar o tempo. Conforme a oportunidade vou mandar as fotos mas, como a informática ainda está no princípio, irão uma a uma, pois não sei anexar esta droga.

Como sempre o velho abraço do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas



Foto 1 > Convite


Foto 2 > Alentejana (Traje de Trabalho)


Foto 3 > Pelourinho (Elvas)


Foto 4 > Arcos da Amoreira (Elvas)


Foto 5 > Aguadeiro


Foto 6 > Carroça


Foto 7 > Cigano (Couro)


Foto 8 > Viúva (Alentejo)


Foto 9 > Maioral (Alentejo)


Foto 10 > Dança nupcial


Foto 11 > Brincando na Neve


Foto 12 > Presépio

Fotos e legendas © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.
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Nota de CV

Vd. Primeiro poste da série, de 24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3092: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (1): Pinturas, de Jaime Machado; As Capelas de Leça, de José Oliveira

Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)



Manuel Peredo
Fur Mil Pára-quedista,
CCP 122/BCP 12
Guiné, Brá,
1972/74



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Peredo, recebida em 26 de Julho de 2008, que tendo colaborado em tempos no nosso Blogue (1) e acedendo a um convite nosso para se juntar a nós, nos mandou as fotos da praxe e mais umas quantas do seu espólio.

Caro Carlos Vinhal
Aqui vão então as fotos que me pediste para que a minha adesão ao blogue fique confirmada.

Aproveito para mandar também mais algumas fotos tiradas do meu álbum da Guiné.
Talvez possam ser aproveitadas para ilustrar alguns comentários já publicados ou que venham a ser publicados.

PS: - Interrompi a preparação desta mensagem para ver na RTP a reportagem do funeral dos três páras que tinham sido sepultados em Guidaje.
A emoção do Vítor Tavares era palpável e eu próprio fiquei com os olhos rasos de água e senti uma grande revolta dentro de mim por tanto desprezo da parte de quem devia fazer alguma coisa pelos que combateram no ultramar.

Meus amigos, por hoje é tudo e aqui vai um grande abraço para todos.
Manuel Peredo

Foto 1 > À esquerda, o furriel Fernandes, caboverdiano, colega de pelotão. Ao centro, o Sargento Carmo Vicente, tão falado e por vezes criticado e que originou a minha participação no blogue; à direita, com o RPG2, o vosso servidor. De notar que os três estamos armados à PAIGC.

Foto 2 > À direita o Manuel Rebocho e à esquerda o Furriel Palma, ambos da 123.

Foto 3 > Em Gadamael, junto a um posto de vigia. As privações já estavam a deixar marcas no meu corpo e quanto à limpeza do camuflado...

Foto 4 > Pista da base de Bissalanca no dia em que o General Spínola se reuniu no Senegal com dirigentes deste país. Se algo de anormal se passasse, tínhamos que intervir e com poucas hipóteses de sobreviver, segundo nos foi comunicado pelo Capitão da Companhia.

Foto 5 > Frente ao Hospital Militar de Bissau. Sentado no chão, em primeiro plano, o Furriel Ragageles, o homem que capturou o capitão cubano Peralta.

Foto 6 > Lança foguetões capturado ao IN pelos páras. Foto tirada em Bissalanca frente às instalações da 122.

Foto 7 > Caboiana, uma zona muito temida da região de Teixeira Pinto. Um momento de grande alívio quando os hélis nos iam buscar.

Fotos e legendas © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados.



2. Comentário de CV

Caro Manuel Peredo, és um dos resistentes de Gadamael, felizmente vivo.

Gadamael foi um dos nossos pontos fracos da Guiné, quer pela dificuldade de acesso para reabastecimentos, quer pela proximidade a um país que nos era hostil e dava guarida ao PAIGC que nos atacava e logo ali se refugiava.

Terás muitas estórias para nos contar, tenhas tu disposição para tal.

Ficamos sensibilizados por vires aumentar o grupo dos valorosos páras do nosso Blogue.

Recebe um abraço de boas vindas.
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Nota de CV:

(1) - Vd. poste de 12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

sábado, 26 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3094: O Nosso Livro de Visitas (21): Henrique Simões, Fur Mil da CCAV 488/BCAV 490, Guiné 1963/65

Bolo com o emblema do Batalhão de Cavalaria 490, Guiné 1963/65, cujo lema era SEMPRE EM FRENTE.

1. No dia 22 de Julho de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Henrique Simões que nos lê nos Estados Unidos da América.

Fico contente ao ler sobre a Guiné. Pois estive lá de 1963 a 1966.
Sou António Augusto Pimenta Henriques Simões, fui parte do Batalhão de Cavalaria 490 e da Companhia de Cavalaria 488, como Furriel Miliciano.
Passei por quase toda a Guiné, fiz operações na ilha do Como, Macaba e outras.

Em 1966 acabei a tropa e depois do regresso a Lisboa (Estremoz- RC3) pedi ausência para os EUA.

Aqui vivo desde então, mas é bom saber destas notícias.

Digam mais por favor
Obrigado
A.S.


2. Comentário de Carlos Vinhal

Caro Henrique Simões.

É para nós alegria descobrir camaradas que mesmo estando longe de Portugal, nos lêem e se nos dirigem.

Temos connosco um tertuliano, Valentim Oliveira que foi Soldado Condutor da CCAV 489, logo teu camarada de Batalhão.

O teu Batalhão realizou mais um Convívio, desta vez no dia 31 de Maio passado em Vandas Novas (1).

Em nome de toda a tertúlia, convido-te a fazeres parte da nossa família, a Tabanca Grande. Se quiseres fazer parte desta nossa equipa de contadores de estórias, manda uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, e começa a contar as tuas experiências, enquanto combatente na Guiné.

Apercebi-me que palmilhaste o Sul, particularmente aquela quase lendária ilha do Como. Conta-nos como viveste esses tempos difíceis, mas já distantes.

Ficamos a aguardar notícias tuas, deixando desde já votos de que tenhas uma boa vida por essas terras do Tio Sam.

Um abraço para ti, em nome de toda a malta.
CV
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(1) - Vd. poste de 1 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2909: Convívios (62): Encontro do BCav 490. Valentim Oliveira.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3093: Estórias do Zé Teixeira (30): Uma Vida que Deixei Fugir (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

José Teixeira ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro CCAÇ 2381 Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70
 
1. No dia 17 de Julho de 2008, recebemos uma mensagem do nosso Enfermeiro José Teixeira, com mais uma das suas estórias.

Caros editores.
Mais uma estória minha, que é de nós todos.

Abraço fraternal
José Teixeira


2. UMA VIDA QUE DEIXEI FUGIR

Por José Teixeira

Saímos de Buba pela seis da manhã com destino a Aldeia Formosa, próximo poiso da CCAÇ 2381 durante alguns meses. Como companheiros tínhamos a CCAÇ 1792 - Lenços Azuis, que nos veio buscar a Buba.

Na coluna, seguiam cerca de três dezenas de viaturas carregadas de mantimentos para as tropas estacionadas em Aldeia Formosa, Mampatá, Chamarra e Gandembel, incluindo os três obuses de 14cm que iam reforçar a defesa de Aldeia Formosa e áreas limítrofes

A estrada (picada) está num estado lastimoso; buracos de minas, pontes destruídas e outros obstáculos que a muito custo se venceram. Os primeiros sete quilómetros, foram percorridos em oito horas e meia.

A coluna seguia lentamente, cautelosamente. Os piras concentrados. As mãos de alguns, integrados no grupo de picadores, agarravam febrilmente as varas de ferro com que picavam a terra à procura de algo mais duro que indiciasse uma caixa de madeira ou chapa metálica, onde poderia estar a perigosa mina assassina, que muitos de nós nunca tínhamos visto nem imaginávamos como seriam. Ouvidos atentos aos sinais toc-toc que se repercutiam na terra e ao mais pequeno som diferente, logo ordem de paragem. Ninguém mais se mexia. Uma insistência, o rebuscar da terra envolvente, numa ansiedade indescritível.

Por vezes a descoberta de uma raiz ou uma pedra, provocava um respirar aliviado e a marcha continuava. O olhar atento que se desdobra em todas as direcções; o caminho que se vai trilhar em busca de sinais de terra remexida de fresco; a mata cerrada que nos cerca, onde o inimigo pode estar, aguardando o melhor momento para atacar e matar. Roubar a vida a quem ama a vida, obrigando a uma partida prematura, deixando o futuro cheio de saudades de quem parte e quem assim parte leva imensas saudades do futuro.

O primeiro ataque foi de abelhas. Eram tantas que mais pareciam uma pequena núvem e era ver quem mais corria a fugir da sua picada. Eu fiquei quedo como um penedo, a conselho de um soldado da milícia que estava a meu lado e me arrastou para o meio de uns arbustos ali na mata. Ele foi a mão de Deus que me protegeu das picadas das abelhas. Não sei se o voltei a ver alguma vez, mas estou-lhe muito agradecido, pela lição que me deu, a qual não só me salvou de umas dezenas ou centenas de picadelas desta vez, como da outra em que eu voltei a cair em situação idêntica.

Assustado e perturbado pelo zumbido à minha volta e pela côr que o meu corpo foi tomando na medida em que se fixavam à minha roupa, na cara e na cabeça. Neste estado pude apreciar a confusão de uma fuga precipitada um tanto hilariante de toda a gente que protegia a coluna de viaturas naquele sector. Se o IN tivesse atacado nesse momento seria um desastre total, tal foi a desorganização gerada

Depois... veio aquela mina roubar mais uma vida e pôr duas em perigo...

Que culpa teria aquele jovem que me morreu nas minhas mãos, sem eu lhe poder valer, que os homens não se amassem? Que os políticos não se entendessem?

A sua vontade de fugir à morte impressionou-me e ainda hoje parece que estou a ouvir os seus últimos e já ténues gritos de vida.

Estava a comunicar via rádio com Buba a informar que se tinha passado uma zona considerada perigosa, o entroncamento da estada de Aldeia Formosa com a estrada que seguia para Empada em Sinchã Cherno, sem qualquer dano, quando a viatura em que seguia accionou uma mina anti-carro.

Era a quinta viatura, a mais frágil das que tinham pisado a estrada. Aparentemente estava livre de perigo das minas, dado que as anteriores viaturas eram extremamente pesadas, quer pela carga que traziam, quer pelos sacos de areia que substituam os bancos.

Logo atrás vinha o primeiro Obus de 14, um dos três que se destinavam reforçar a defesa de Aldeia Formosa e áreas limítrofes.


Foto 1 > Um dos Obuses já colocado em Aldeia Formosa.

Ouso pensar que o condutor talvez se tivesse desviado um pouco do rodado feito pelas viaturas antecedentes, sem pôr de parte a hipótese de a mina estar programada, para o carro do rádio ou eventualmente para o Obus.

Dos quatro camaradas atingidos foi o que aparentemente menos sofreu. Não apresentava ferimentos externos. Do estado de choque em que caiu, rapidamente foi recuperado.

Foto 2 > Os três enfermeiros da CCAÇ 2381 – António Lemos, o Jorge Catarino e o Zé Teixeira. Falta o Marques da Companhia dos Lenços Azuis a CCAÇ 1792, que connosco partilhou estes momentos.

Pouco tempo depois começou a sentir falta de forças e a cor da pele que reflecte a vida começou a fugir da sua face.

Sede. Muita sede e o corpo a arrefecer. A angústia e o desespero começa a tomar conta dele e de nós os enfermeiros, que nos apercebemos da situação, sem lhe poder valer. Com a queda tinha rebentado vasos sanguíneos internos, que implicava internamento urgente para ser operado a fim de se localizar a origem e se poder estancar a hemorragia. As forças fugiam a cada momento. Passado algum tempo gritava desesperado:

- Já não vejo! Já não vejo! Vou morrer. Eu não quero morrer, salvem-me!

Impunha-se uma evacuação urgente, mas como?

Os dois aviões que nos tinham acompanhado até aquele local e batido a zona, tinham-se ido embora. As comunicações via rádio foram destruídas pela mina.

- Que raiva, meus Deus!

De nada valeu a água que esgotamos, o soro que lhe demos, o carinho e... talvez as orações de alguns.

A morte veio matar o futuro daquele jovem. A vida fugiu-lhe rodeada de amigos que nada puderam fazer.

O destino marcou no tempo, aquela hora, aquela viatura, aquela vida cheia de vida, que deixou de ser vida. Partiu para sempre cheia de saudade de um tempo a que tinha direito a viver e nem sequer teve tempo para conhecer, porque o seu futuro deixou de existir.

A noite começou mais cedo neste negro dia de vinte e quatro de Julho! Esta vida salvava-se, mas um mal nunca vem só. A viatura atingida era o carro do rádio e consequentemente desde aquela hora (16 h) ficámos completamente isolados do resto do mundo. O ferido mais grave e que veio a falecer era o radiotelegrafista.

Isto foi a guerra... a dura guerra que vivi!

Zé Teixeira

Fotos e legendas © José Teixeira (2008). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2920: Estórias de Zé Teixeira (29): Um aborto e o porco (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3092: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (1): Pinturas, de Jaime Machado; As Capelas de Leça, de José Oliveira

1. Vamos dar início a uma nova série, destinada a mostrar as aptidões dos nossos camaradas, ainda no activo ou já na situação de reforma, que de algum modo fazem terapia, preenchendo tempos, muitas vezes cheios de vazio, com actividades artísticas, culturais, bricolagem, desportos ao ar livre, agricultura biológica, fotografia, etc.

Quem tiver algo para mostrar à Tertúlia, relatos ou fotografias, que possa ser exemplo de alternativa para ocupar o tempo, pode mandar esses trabalhos para publicação.

2. No dia 25 de Maio de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, com duas fotografias de quadros que ele próprio pintou.

Caros Amigos
Lembrei-me de vos enviar 2 fotos de 2 quadros a óleo (60 x 70cm) que pintei no ano passado com base em fotos que fiz na Guiné.

O primeiro quadro é de um miúdo que vendia bolos em Bissau, o outro é de uma bajuda no cais de Bambadinca.

Mais uma vez África, e particularmente Guiné, no coração.

Um abraço
Jaime


Foto 1 > Vendedor de bolos em Bissau. Quadro a óleo, pintado por Jaime Machado

Foto 2 > Bajuda no Cais de Bambadinca. Quadro a óleo pintado por Jaime Machado

Fotos © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.
Legendas de CV

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3. No passado dia 19 de Julho foi inaugurada, no Salão Nobre da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, uma exposição subordinada ao tema As Capelas de Leça, com trabalhos em madeira de autoria do Mestre Zé Cartaxo.

O Mestre Cartaxo é o nosso camarada ex-combatente da Guiné, José Francisco Oliveira, ex-1.º Cabo Sapador de Minas e Armadilhas que pertenceu à CCS/BCAÇ 1876, que esteve em Bula e Bissorã entre 1966/67.

Tendo deixado de exercer a profissão de Carpinteiro Naval, dedica-se à execução de réplicas de barcos à escala.

Há poucos anos assumiu a tarefa de construir todas as Capelas de Leça da Palmeira, tendo agora em mãos a execução da Igreja Matriz. Promete construir também os monumentos religiosos da freguesia de Matosinhos. Trabalho não lhe falta, tenha ele saúde para levar a efeito tal tarefa.

Deixo alguns exemplos dos trabalhos expostos, sendo que a localização de alguns junto a janelas, impede as fotos de mostrar a real qualidade dos mesmos.

Foto 1 > Mestre Zé Cartaxo junto da futura Igreja Matriz de Leça da Palmeira

Foto 2 > Capela do Corpo Santo (Sec. XVII), situada num alto, onde terá existido o primeiro farol para guia das embarcações que navegavam na perigosa costa marítima de Matosinhos.

Foto 3 > Capela do Sagrado Coração de Jesus (Sec. XIX)

Foto 4 > Todas as Capelas têm os telhados amovíveis para que se possam ver os pormenores dos interiores. Eis um exemplo.

Foto 5 > Capela de Santana (Sec. XVII), situada no monte com o mesmo nome

Foto 6 > Capela da Boa Nova (Sec. XIV). Neste trabalho aparece representado o farol que substituiu o primeiro existente junto da Capela do Corpo Santo. Em 1948 este velho farol da Boa Nova foi temovido, dando lugar ao ainda actual e majestoso Farol da Boa Nova.

Fotos © de António Maria e Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.
Legendas de Carlos Vinhal