Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça junto ao velho obus 10.5, possivelmente de marca Krupp, uma temível arma que vinha da II Guerra Mundial... O obus é, por excelência, uma boca de fogo especializada em tiro curvo, de longo alcance... Ainda hoje tenho, nos meus ouvidos, o seu 'assobio' por cima das nossas cabeças, quando o Xime fazia fogo de apoio às NT, por ocasião de operações à Ponta do Inglês, ao Poidon/Ponta Varela, ao Baio/Buruntoni... O seu alcance era, porém, limitado: 10/12 km, no máximo, creio eu, com uma cadência de dois a quatro tiros por minuto, na melhor das hipóteses ... Não creio, por exemplo, que disparado do Xime conseguisse atingir a Ponta do Inglês. Ou que os obuses de Mansambo chegassem ao Buruntoni... Mas quem sou eu para falar de artilharia ? Tirei a especialidade de Armas Pesadas de Infantaria, mas juro que esqueci tudo, mal pus os pés na Guiné... É que deram-me uma G-3... (LG)
Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1969 > Assinalado a azul Bambadinca (sede de batalhão, na época o BCAÇ 2852), a verde Mansambo (CART 2339) e a vermelho a base do PAIGC do Baio/Buruntoni.
Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Foto: © Luís Graça. Direitos reservados.
Mais uma estória da nova série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69. Chamei-lhe estórias de Mansambo, aquartelamento construído heroicamente, de raíz, pelo pessoal da CART 2339 (1), e que não vinha no mapa...
Burontoni: Mito ou Realidade ?
por Torcato Mendonça
Ambas, pensamos nós. Foram escritos dois textos – em 14 e 23 de Novembro, pelo Beja Santos (2) e C. M. dos Santos, – que merecem ser complementados com novas informações.
O maior Santuário do PAIGC no Sector L1 era o Burontoni. Deixando de fora, a zona do Fiofioli e a margem direita do Corubal até á Ponta do Inglês.
Segundo as informações, situava-se na zona Baio/Burontoni, sensivelmente a cerca de 5/6 Kms a Sul do Xime e, talvez, 10/12 Kms a Oeste de Mansambo. Ver carta do Xime. O Baio/Burontoni foi destruído na Lança Afiada (3).
No início de Julho de 1968, o novo Comandante-Chefe, Brigadeiro Spínola, visitou Mansambo. O seu antecessor, General Shultz, nunca o vi. Nessa visita breve, falou-se da posição geo-estratégica do novo aquartelamento (Mansambo). Logicamente, o Burontoni., como principal base inimiga, foi falada.
O Comandante da minha Companhia, como não costumava ir nas operações, minimizou o que daquela base do IN se dizia. Abanei a cabeça e o Brigadeiro viu. Esperou, pelo fim do palrar do Capitão e, com aquela voz que o monóculo ajudava a transformar-se em voz de ópera bufa, disparou:
- Diga lá porque discorda, alferes? - Já tinha trocado breves palavras com o Capitão Almeida Bruno. Calmamente – general ou brigadeiro não come militar – pensei Estou tramado e respondi:
-A aproximação é difícil porque, segundo dizem, têm pequenos postos de sentinela, com vários elementos, antes da base principal. - O Cap Almeida Bruno veio em meu socorro e lá disse ser essa a informação, as bolanhas eram difíceis e mais umas explicações para acalmar o Velho.
- Só com uma operação bem planeada.
Ficou a pairar no ar: Burontoni qualquer dia está aí. Mas não. O BART 1904 (4) nunca preparou nenhuma operação para lá. Nessa altura, Junho/Julho de 1968, já tínhamos ido ao Galo Corubal (Xitole), Poidom e Ponta Varela (Xime), Madina e Sinchã Camisa (Enxalé) e outros acampamentos IN. Tudo com êxito. Geralmente acompanhados de outras forças, como a CART 2338, CART 1746 (Xime), Pel Caç Nat 52 (no tempo do Saiegh, antes do Beja Santos) e Pelotões de Milícias. Além disso continuávamos a ser a Companhia de intervenção do Sector, a construir o aquartelamento e a iniciar a acção psicossocial, para as autodefesas das tabancas vizinhas. Posteriormente só se concretizariam Candamã e Afia.
Em Outubro soubemos ir participar numa operação ao Burontoni. Já estava o BCAÇ 2852 em Bambadinca, a comandar o Sector. Por essa altura, a nossa experiência em combate era, infelizmente, alguma. Assaltos a acampamentos, emboscadas, ataques ao aquartelamento…
O dia chegou. A Companhia ia a quatro grupos e em Manssambo ficavam os não operacionais, os operacionais com problemas de saúde... E para reforço vinha o Pelotão de Milícias do Tenente Mamadu (5). A comandar o aquartelamento, ainda bem, ficou o Alferes Rodrigues por se encontrar inoperacional.
Em Bambadinca tivemos um briefing surrealista:
- Eles estão bem armados, têm armas pesadas, e… Claro que, devido ao factor surpresa, não vão puder utilizar esse material.
Claro! Ver filmes de guerra, género Canhões de Navarone deve ajudar a certos militares. Nome da operação: Meia Onça... Tinha ficado melhor Bichano ou Tareco…! Claro que, mesmo antes de sairmos, o IN já sabia.
As NT eram formadas por dois agrupamentos. Um saindo do Xime: Cart 1746 e o Pel Caç Nat 53, com o apoio de um Pelotão de Artilharia. Outro saindo de Taibatá: CART 2339, Pel Caç Nat 52 e 1 Grupo da CCAÇ 2401. Francamente não me lembro da constituição das nossas forças, só da CART 1746 do Xime. Soube agora ao ler o Historial da Companhia. Mas falha o relato. Não se passou assim. O que o Historial relata induziu o C. M. dos Santos em erro.
O Beja Santos relata, e bem, o briefing e, em certa medida, o desenrolar da operação. Eu estava lá. Aquela era a minha guerra e seria a do Marques dos Santos, se não estivesse de férias. Saímos de Bambadinca, passámos por Amedalai e virámos para Taibatá. Certamente, talvez alguém de Amedalai ou da Tabanca do Xime foi dar um passeio pelo mato. Encontrou, por mero acaso, o comandante dos Libertadores ou PAIGC – e esta hein? – e disse-lhe:
- Já saíram…
A nossa Companhia tinha novo comandante (o terceiro capitão) (6) e seria ele o comandante daquele agrupamento. A CART 2339 tinha dois oficiais – ele e eu. O Rodrigues, inoperacional em Manssambo, outro talvez de férias e, em Taibatá, ficaria o último, vítima de um acidente à chegada.
Saímos, a meio da noite com a missão: assaltar e destruir o Burontoni. O outro agrupamento saía do Xime com a missão: montar emboscadas em determinados lugares e proteger ou, se necessário, apoiar o nosso agrupamento.
Os guias eram fracos, tinham medo e diziam não conhecer bem a zona. Falei com um Milícia – o 91? - que já tinha estado no Burontoni mas vindo do Xime. Passadas poucas horas, depois da saída, verificámos que algo não estava certo. Acresce que a chuva não ajudava nada. Contudo a bússola não engana e não progredíamos bem. Parámos, conferenciámos e continuámos. Ao romper do dia nova paragem. Estávamos longe do objectivo. O Historial fala em Dembataco. Falso. Isso era para sudeste e nós caminhávamos para sudoeste, só que com muita volta…continuámos e sentimos que já devíamos estar detectados.
A meio da manhã sentimos, ao longe, o PCV (Posto de Comando Volante) na habitual DO 27. Ao longe e, ainda bem, do ar o silêncio era de ouro. Tentámos o contacto com o outro agrupamento. Nada. Nova paragem e conversa com o Capitão. Estava desorientado. Esta era a sua primeira operação. Creio que foi a última, talvez uma ida, em coluna ao Xitole. O teor da conversa que tivemos diluiu-se no tempo.
Contactámos o PCV e soubemos que o outro agrupamento não tinha atingido a posição determinada. Nós estávamos longe. De quê?! Perdemos o contacto. Por volta do meio-dia rebenta forte tiroteio. Percebemos ser Manssambo a enrolar. Ouvíamos o barulho da nossa pesada.
Convém dizer o que era a pesada. Cortava-se a tampa de um bidão de 200 litros e, do outro lado, só metade. Depois, bem depois, metia-se lá uma G3 e em rajadas curtas e cadenciadas fazia-se um barulho dos diabos. Arma perigosa… deve ter intrigado muita gente.
O IN respondia assim ao nosso atrevimento, atacando em pleno dia e perto do arame farpado, durante quase uma hora, Mansambo.
Passado pouco tempo foi restabelecido o contacto com o PCV. Ordens para abortar a operação. Progressão difícil até Taibatá. A bússola continuava a funcionar bem e muito melhor que os guias. Embarque nas viaturas e regresso a Bambadinca.
Foi das piores, senão a pior operação em que participei. Mal planeada, mal comandada, mal…mal…tudo e mais não digo!
Mansambo teve que ser remuniciado de héli. Os homens do Tenente Mamadu tinham o dedo do gatilho pesado… safa!
Ficou-me a imagem do comandante de Taibatá, um furriel miliciano. Tinha uma mosca (tufo de pêlos por debaixo do lábio inferior), género rabicho chinês ao contrário. Teria seguramente um palmo de comprimento. Ele torcia-a, ria-se e beberricava uma cerveja… O clima era terrível e o isolamento dava-lhe a pitada de sal e pimenta certas… Malhas que o império teceu.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães
16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa
(2) Vd. posts de:
14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1306: Meia Onça, Meia Operação (Carlos Marques dos Santos, CART 2339)
(3) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:
31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(4) Batalhão que antecedeu o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Este, por sua vez, foi rendido pelo BART 2917 (1970/72).
(5) O famoso régulo de Badora, de quem se dizia que tinha 50 mulheres, uma cada tabanca do seu chão... e vários filhos na CCAÇ 12.
(6) Vd. post de 14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.