terça-feira, 22 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1775: O Nosso Livro de Visitas: Altamiro Claro, ex-Presidente da CM Chaves e ex-Alf Mil Op Especiais da CCAÇ 3548 / BCAÇ 3884

Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 (1967/69) > Croqui do monumento erigido, em Geba, aos "mortos que tombaram pela pátria"... Em 1995, a jornalista Diana Andringa visitou Geba e escreveu, a propósito deste monumento, semi-destruído, uma belíssima peça, pungente, no Público, de 10 de Junho de 1995, que merece ser retranscrita (1). Ainda recentemente ela me contactou, por telemóvel, por causa de um projecto cinematográfico que tinha em mãos, com filmagens na Guiné-Bissau, em colaboração com o conhecido realizador Flora Gomes, autor de Nha Fala (2002). Desejo, a ambos, boa sorte. Infelizmente não pude ajudá-la muito, com contactos, por estar fora de Lisboa.

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.

Guiné > Região de Bafatá > Geba > 2001 > O ex-presidente da Câmara Municipal de Chaves e ex-Alf Mil Op Especiais Altamiro Claro junto aos restos do monumento erigido em Geba aos mortos e desaparecidos da CART 1690, a que pertenceu, em 1967, o nosso camarada A. Marques Lopes.

Guiné > Região de Bafatá > Sare Banda > 2001 > O ex-presidente da Câmara Municipal de Chaves e ex-Alf Mil Op Especiais Altamiro Claro, em Saré Banda (vd. Carta de Banjara).

Fotos: © Altamiro Claro (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Altamiro Claro:

Caro Camarada:

Só agora tomei conhecimento do teu blogue, que desde logo despertou em mim um enorme entusiasmo.

Chamo-me Altamiro R. Claro e também eu estive na Guiné entre 1972/74, mais concretamente em Geba, como Alferes Miliciano de Operações Especiais, pertencendo à CCAÇ 3548, do BCAÇ 3884 (2).

Chamou-me especial atenção no teu blogue anterior (Abril 2005 / Maio 2006 ) as crónicas do A. Marques Lopes sobre a CART 1690 que também esteve em Geba e em especial "Guiné 69/71 - XLVI : Em memória dos Bravos de Geba..." (3), onde nos fala dos mortos e desaparecidos da sua companhia e do monumento que então erigiram na sede de companhia.

Pois bem, no ano de 2001, quando eu exercia as funções de Presidente da Câmara de Chaves, fiz uma geminação entre Chaves e Bafatá e desloquei-me à Guiné, tendo visitado Geba, Sare Banda e Cantacunda, lugares referenciados pelo Marques Lopes.

Envio duas fotos tiradas, uma em Geba junto aos destroços do dito monumento e outra em Sare Banda.

Voltarei a contactar-vos.

Um grande abraço para todos os camaradas da Guiné.

Altamiro Claro


2. Comentário do editor do blogue:

Camarada Altamiro: És bem vindo. Fazendo jus à vossa proverbial hospitalidade transmontana, direi apenas: Obrigado, amigo, entra, a tabanca é grande e é toda tua. L.G.

3. Comengário postreior do A. Marques Lopes:

Caros camaradas: As minhas muito boas vindas ao Altamiro Claro, da CCAÇ 3548, que se designou por Panteras de Geba. Andou por onde eu andei e é bom tê-lo por cá.
Um abraço de boas vindas.


________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 22 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXIII: Antologia (4): 'Homenagem aos mortos que tombaram pela pátria': Geba, 1995 (Diana Andringa)

Mortos. Estes nomes não podem ser senão de mortos. Guimarães, ...ndo Fernandes. Carlos A. Peixoto. ...ul C. Ferreira, ...ostinho Câmara, ...o Alves Aguiar, ...ime M.N. Estevão, ...sé A. V. Sousa, ...tónio D. Gomes.

Tudo em redor, aliás, fala de morte. As paredes em derrocada do que terá sido um quartel português. As viaturas a apodrecer sob o intenso sol africano. Os cacos de garrafas de cerveja. (Bebidas para enganar o medo? Suspensas por arame para, tinindo umas contra as outra, despertar os que dormissem ainda?).

E esta pedra caída, tumular.

Vivos, apenas os meninos que se cutucam, sorrindo, a olhar para nós, estranhos fotógrafos deste cemitério de metal e pedra.

A outra pedra, de pé, tem nomes de cidades, vilas, aldeias: Lisboa. S. Tirso. Moçâmedes. Alcobaça. Madeira. (Nas ilhas não haverá também povoações?) Ponte de Lima. Vila Nova de Ourem. Vila Pouca de Aguiar. Bissau. O tempo, ou a guerra, quebrou-lhe a parte de cima, e agora é uma pirâmide truncada, rasgada do lado direito, onde se inscrevem as primeiras letras dos postos, ou dos nomes, dos naturais dessas terras, que presumimos mortos.

De novo a primeira pedra, a que jaz por terra. A frente dos nomes dos que se presumem ter morrido, inscrevem-se o que supomos serem as datas dessas mortes: 1967, 1968. A última, na pedra, não em tempo, sobressalta-me: 21 de Agosto de 1967. Fiz vinte anos nesse dia. Nesse mesmo dia morreu António D. Gomes. Teria feito, sequer, os vinte anos?

Lembro-me de ter feito vinte anos. Das prendas dos meus pais. E pergunto-me como terão os pais do soldado António D. Gomes suportado a morte do seu filho. Se terão chegado um dia a conhecer este local onde uma pedra caída por terra assinala a data em que o perderam.

"Nós enterramos os nossos mortos nas nossas aldeias, ao lado das nossas casas... Os portugueses deveriam ter, também, um lugar para honrar os seus mortos, os que morreram aqui, durante a guerra", dissera-me, algumas horas antes, um antigo adversário. Aqui. Tão longe de casa, tão longe dos seus. Longe de mais para que possam trazer-lhes flores, arranjar-lhes as campas, preservar-lhes a memória.

Olho de novo as pedras, tentando compreender como se juntavam. Será a que jaz por terra a continuação da outra? Releio as terras e os nomes. Câmara pode ser da Madeira... Será mesmo? Sim. Lá estão em frente de Madeira o posto, sold., e as primeiras letras do seu nome: Ag...-

Agora cada morto tem o posto e a terra onde nasceu, excepto o primeiro, que parece ser de Lisboa, mas cujo posto e nome próprio se perderam, e João Alves Aguiar, de Ponte de Lima, a que o tempo corroeu o posto. Dois alferes, um furriel, sete soldados. Em cima, fragmentado, aquilo que parece a indicação do regimento a que pertenciam: ...RAL-1. ...Combate.

Postas assim as duas pedras em conjunto, apercebo-me de que o soldado que morreu no dia dos meus vinte anos era de Bissau, e de certa forma isso tranquiliza-me, porque não está, afinal, tão longe de casa- como se isso tivesse alguma importância depois de se estar morto, como se me tivesse contagiado essa lista de terras inscrita sobre a pedra, ou outras, sobre outras pedras encontradas ao longo da viagem, onde outros soldados, cabos, furriéis, escreveram como se a naturalidade fosse a sua primeira identificação e a mais forte, o nome da terra natal, primeiro, e só depois o posto, o nome, a data em que escreviam, por vezes uma frase de desesperança, algo como "até quando Deus quiser" — como que temendo que esse "até" fosse curtíssimo, coisa de poucas horas, minutos, talvez, e houvesse que inscrever urgentemente, sobre esses caminhos, placas, pontes, esse sinal de vida e de memória.

Parece estranho que alguém possa ter tido medo aqui, neste local tão calmo, com o tempo suspenso e o silêncio apenas cortado pelo ruído persistente das cigarras. É difícil imaginar, enquanto os meninos se agrupam à nossa volta, curiosos do que fazemos e olhamos, que em tempos houve aqui tiros e gemidos — e homens cumprindo a triste tarefa de escrever sobre estas pedras os nomes dos companheiros mortos.

Um pouco mais adiante, numa das paredes que ainda se mantêm de pé, alguém desenhou um rinoceronte e um leão. Tê-los-á visto realmente? Tê-los-á imaginado? Em frente, sobre uma paisagem aparentemente urbana de prédios e chaminés, voa uma ave. Uma gaivota? Uma pomba? Um símbolo de paz? Um piscar de olho a esse adversário que, a todo o momento, lembrava que a sua luta era "contra o colonialismo português e não contra o povo de Portugal"? E que, muito antes de disparar o primeiro tiro, advertira: "A via pela qual vai ser feita a liquidação total do colonialismo português na Guiné-Bissau e em Cabo Verde depende exclusivamente do colonialismo português. (...) Ainda não é tarde para proceder à liquidação pacífica da dominação colonial portuguesa nas nossas terras. A menos que o Governo português queira arrastar o povo de Portugal para o desastre de uma guerra colonial."

"O desastre de uma guerra colonial". Legenda para fotografia de pedras com listas de mortos, veículos destruídos, quartéis em derrocada — e, contrastando, os sorrisos dos meninos a dar-nos as boas-vindas.

Todos os anos, pelo 10 de Junho — esse dia que o regime colonial-fascista celebrava como Dia da Raça, e em que condecorava, no Terreiro do Paço, os pais, as viúvas e os órfãos dos militares caídos em combate —, ressuscitam algumas vozes saudosas do Império, a criticar a descolonizaçáo e a independência das ex-colónias portuguesas. Fazem-no, muitas vezes, usando a memória dos soldados mortos na guerra colonial. Escamoteando sempre que essas mortes se deveram, exclusivamente, à intransigência de um regime incapaz de compreender a inevitabilidade das independências, e à teimosia de um homem que, nunca tendo posto um pé em África, cuidava saber, bem melhor do que eles, o que melhor convinha aos africanos.

Releio a lista de mortos sobre a pedra e pergunto-me se, vinte anos depois, não será tempo de aceitar, claramente, que foram esses os únicos responsáveis dessas mortes... ».

Diana Andringa. Público. 10 e Junho de 1995.

(2) Sobre o BCAÇ 3884 (1972/74), vd. posts de:

9 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXXIV: Camaradas do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74), procuram-se! (Maurício Nunes Vieira)

17 Outubro 2005 > Guiné 63/74 - CCXLV: Notícias do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74) (Manuel Oliveira Pereira)

Estandarte do BCAÇ 3884 (Bafatá, Contuboel, Geba, Fanjonquito, 1972/74)

Foto: © Oliveira Pereira (2005). Direitos reservados.

(3) Vd. post de 5 de Junho 2005 > Guiné 69/71 - XLVI: Em memória dos bravos de Geba... (A. Marques Lopes)

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