Cartas e aerogramas enviados pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350) à família, na 2ª quinzena de Maio de 1973 (1). A última é de 30 de Maio, escrita em Gadamael, onde o Casimiro se juntou à sua destroçada e desmoralizada companhia. Alguns dias depois, ele será ferido em combate, em Gadamael, depois de ter ajudado a salvar e a evacuar o seu comandante, também ferido com gravidade (2).
A selecção, a revisão e a fixação do texto, bem como os subtítulos, são da responsabilidade do editor do blogue. Agradeço ao nosso camarada (que é tripeiro e vive na Maia) o carinho e o apreço com que ele me fez chegar este lote de correspondência. É um período doloroso para ele, por motivos óbvios e mais um: o seu velhote, seu cúmplice e confidente na correspondência de Guileje, faleceu ainda há pouco tempo (LG) .
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Três fotos com o Fur Mil Op Espec J. Casimiro Carvalho, a quem se podia chamar o homem da HK-21... Também era responsável pelo morteiro 81 (LG).
Guiné > Região de Tombali > Cacine > Abril/Maio de 1973 > Na altura (22 de Maio de 1973) em que Guileje foi abandonada pelas NT, o J. Casimiro Carvalho estava em Cacine, coordenando o reabastecimento destinado à sua companhia. Os géneros vinham de Bissau, em batelões, até Cacine, e depois em LDM até Gadamael e, por coluna, até Guileje. Estas fotos devem ser dessa época.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, na famosa porta de armas de Guileje (3)... Com ar de quem vinha ou ia dar um mergulho na...piscina. (LG).
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > A fonte que abastecia o aquartelamento e a tabanca de Guileje. Em primeiro plano, junto à bomba de água, o Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho. A descontracção dos militares era evidente, para não dizer o aparente desprezo pelas mais elementares medidas de segurança... Presumo que esta foto seja ainda do início da instalação da CCAV 8350, em Guileje talvez finais de 1972 ou princípios de 1973... (LG).
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.
Guileje está à mercê deles!
Cacine, 22/5/73:
Queridos pais: Vou-lhes contar uma coisa difícil de acreditar como vão ter oportunidade de ler: Guileje foi abandonada [a bold, no original], ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel, ou se foi ordem dada pelo Comandante-Chefe, mas uma coisa é certa: GUILEJE ESTÁ À MERCÊ ‘DELES’ [, em maíusculas, no original].
Não sei se as minhas coisas todas estão lá, ou se os meus colegas as trouxeram. Tinha lá tudo, mas paciência.
Se foi com ordem de Bissau que se abandonou a nossa posição, posso dar graças a Deus e dizer que foi um milagre, mas se foi uma insubordinação, nem quero pensar…
Mas… já não volto para lá!!! Não tinha dito ainda que Guileje era bombardeada pelos turras há vários dias e diversas vezes por dia. Os soldados e outros não tinham pão, nem água. Comida era ração de combate e não se lavavam. Sempre metidos nos abrigos e nas valas. A situação era impossível de sustentar. Vosso para sempre (…).
96 horas debaixo de fogo, sem pão nem água
Cacine, 25/5/73
Mãezinha: (…) Graças a Deus, estou óptimo, aqui em Cacine, onde (por enquanto) não há guerra.
O pessol fugiu, abandonando tudo lá, de Guileje, porque estavam a cair foguetões e granadas de canhão sem recuo, desfazendo padaria, depósito de géneros... O chão estava cheio de crateras , devido às granadas. Os militares de lá estavam há 96 horas debaixo de bombardeamento, sem beber nem comer (só algumas rações de combate que conseguiram apanhar), pois não podiam sair dos abrigos.
Deixaram 4 Berliets novas (550 contos cada um), outras camionetas, 2 geradores, 2 obuses novos (4 000 contos cada um), armas pesadas, toda a comida e bebidas ficaram lá, grande parte desfeitas, etc.
Era um inferno, alguns soldados estavam aterrorizados, morreu um furriel que estava num abrigo, com estilhaço na cabeça.
E eu aqui, em vez de estar com os meus camaradas neste momento de perigo… Os turras andavam por volta do quartel (a 300 m). Um abraço do seu filho (…).
PS – Ficaram lá 30 vacas abandonadas.
Mandaram de Bissau 6 urnas com chumbo...
Gadamael-Porto, 29/5/73
Pai:
Recebi hoje as fotos, ao chegar a este local onde se encontra a minha companhia refugiada, a 18 Km de Guileje, vindo de Cacine depois de ter acabado o meu serviço. Lá, em Cacine, passei uns dias óptimos.
Em Gadamel os grupos têm saído todos os dias para o mato e têm sido atacados todos os dias, caindo em emboscadas. Eu vou começar a sair também.
Mandaram de Bissauu 6 URNAS (com chumbo) para aqui. À ESPERA!!! O pessoal anda todo desmoralizado. Ficaram, em Guileje, 6 sacos de correio fechados, correio que nós, portanto, não recebemos.. Se eu não responder a essas cartas, já sabe porquê. As fotos que eu tinha, vossas, ficaram lá também. Isto é que é a GUERRA.
(…) Comigo não há novidade, não se preocupem. Estou óptimo. Eh! Eh! Já não penso tanto na Ana, talvez devido a isto, mas quase nem penso nele. Vamos a ver no que isto vai dar. (…) Não desanime que eu também não. Adeus. (…)
Amanhã já vou sair e levo a metralhadora ligeira HK-21
Gadamael, 30/5/73
Querida mãe: (…) Vou mandar um rolo de 12 fotos a preto e branco. (…) Eu, bem, graças a Deus. Mandem-me roupa interior e meias, pois não tenho quase nada (…): 5 cuecas,. 6 pares de meias (3 brancas e 3 verdes, no Casão Militar são a 17$00 cada par).
Tenham paciência mas é melhor isto do que morrer e a morte andou perto dos SITIADOS em Guileje.
Amanhã já vou e isto anda mesmo mau. Levo a metralhadora ligeira HK-21. Lubrifiquei-a hoje, toda. Antes de sair vou experimentá-la aqui no quartel (…).
______
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 9
13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento
14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira
(2) Vd. posts de:
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte).
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
Vd. ainda post de 2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)
(...) "Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.
(...) "Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.
"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.
"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar. Abel dos Santos Quelhas Quintas, Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas" (...).
(3) Vd. post de 28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1467: Bem vindo a Guileje, Doutor (Mário Bravo)
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