Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 20 de agosto de 2023
Guiné 61/74 - P24570: (In)citações (258): Reflexão extemporânea entre dois copos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
REFLEXÃO EXTEMPORÂNEA ENTRE DOIS COPOS
adão cruz
Todos aqueles que já me leram sabem que eu considero o vinho como a melhor droga estimuladora da criatividade, moderado, claro está. Um copinho de tintol, ou mesmo de branco fresco, nestes dias de verão, é uma bênção do céu, admitindo que existe Céu.
Gostaria que nesta extemporânea reflexão coubesse tudo o que há de bom no mundo, mas infelizmente há mais de mau do que de bom, o suficiente para levar à extinção do ser humano, a espécie que, apesar de tão infinitesimal no Universo, mais tem envergonhado a natureza e mais tem dado cabo de tudo o que poderia criar o equilíbrio e a harmonia.
O vinho, como disse, é uma espécie de fio-de-prumo que equilibra o nosso pensamento. O pensamento é o resultado de triliões de neuro-transmissões, e não é grosseira metáfora dizer que o vinho é uma espécie de óleo que lubrifica os nossos canais neuronais. Quem quiser que acredite, quem não quiser acreditar que beba água. Sem pretender colidir com a maravilha, com a ética e a estética da existência, penso que um copinho permite chegar mais depressa à interface que eu considero como fronteira entre a condição antropológica e a condição universal do ser humano. Só aí, calmamente sentados em qualquer tosca pedra, poderemos olhar o infinito e sentirmo-nos capazes de reconhecer a merda que somos.
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Nota do editor
Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24499: (In)citações (257): Não basta sermos velhos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)
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6 comentários:
Antigamente dizia-se que os bêbados eram republicanos, só por que alegremente gritavam "Viva a República!".
Tem toda a razão caro Adão Cruz, ou não fora o seu conhecimento profissional, um copo de vinho tinto nunca fez mal a ninguém.
Já lá vai o tempo das campanhas, e bem necessárias, que o vinho causava mortes devido a acidentes rodoviários, agora só falta haver anúncios nas estradas "Pare e beba um Dão 2015".
Repare-se nos filmes/peças de teatro actuais, em que o antigo copo de whisky por tudo e por nada aparecia e agora é um copo de vinho tinto, que em vez de ser servido de peças de cristaleira vem a garrafa e os simples copos de pé, só falta beber pela garrafa como as cervejas.
A imposição publicitária é tal, que até aparece o consumo do tintol em cenas de filmes de épocas que assim não acontecia com as garrafas visíveis de agora.
Há mais de vinte anos, quando visitava com alguma frequência o meu filho, que vive nos Países Baixos, não podia faltar o tinto a acompanhar as refeições que por lá não era hábito.
O hábito espalhou-se e vez de ser um copo de tinto como aperitivo passou a acompanhante do jantar.
Agora, com a chatice da minha acompanhante DPOC não posso sequer beijar um tintinho, ao que chega uma pessoa antes de ir pro céu.
Parafraseado Decartes 'Bebo vinho, logo existo', talvez com os copos se descubra o erro e prefira frasear 'Existo por beber vinho'.
Abraço e um bioxene do bom
Valdemar Queiroz
Bem observado, caro Valdemar. A melhor saúde possível. Grande abraço. adão
Ganda Queiroz Em Carnaxide ,até me "recomendaram" que não deixasse de um tintol ao almoço e outro ao jantar O Adão que também é médico, sabe que eles têm razão 😀
Já aqui oublique em tempos etse naco de sabedoria alentejana...
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/01/guine-6374-p15682-manuscritos-luis.html
Viver até ao cem anos... p'ra quê ?
por Luís Graça
Pergunta um velhote alentejano ao seu jovem médico de família, no primeiro exame de saúde que este lhe fez:
– Ó sô doutouri, acha que eu inda terei a sorte de vivêri até aos cem anitos comó mê pai ?
– Bom, depende das asneiras que o mê amigo fez na vida ou tem feito... Ora, diga-me lá: vocessemê fuma ?
– Ná, nunca me puxou prá aí.
– E beber, bebe o seu copo ?!...
– Ná, na gosto d' álcool.
– Mas olha que o tinto até faz bem ao coração... E o comer ?
– Só o que a terra dá, pão, azêti, migas, alho, coentros, cebola, batatas...
– Quer dizer: carne e peixe, pouco, que a pensão do governo não dá p'ra tanto!... Então, e que mais? O senhor é casado ? Tem filhos e netos ?
– Ná, nunca tive filhos que Deus me desse.
– Atão ?!... e não tem mais nenhum vício ? Quero eu dizer: jogo, mulheres... ?
– Ná, sô doutouri. Nada disso! Fui pastouri, ‘tou reformado, sou viúvo, vivo sozinho no monte mailo o canito...
O médico ficou uns largos segundos pensativo, e depois perguntou, em tom de brincadeira a roçar o humor negro:
– Diga-me cá uma coisa, ó senhor Joaquim, que eu não 'tou a compreender: o senhor quer viver até aos cem anos... mas para quê?!
O alentejano, muito sério, lívido, quase ofendido, deu uma resposta que fez corar o jovem clínico geral, acabado de chegar, vindo de Lisboa ainda há pouco meses, ao centro de saúde de Odemira:
– Atão... porque a vida de um home é a única coisa que pertence a um home e que um home pode tirar a ele próprio...
AH! Que saudades das consultas do Dr. Cândido da minha Aldeia, em que o consultório era na adega e antes de ouvir as queixas do doente partia uns nacos de presunto e enchia duas tigelas de verde tinto...
Joaquim Costa
Oi ganda Cunha.
A pinga que nos era fornecida no rancho, não me lembro se era boa ou má.
Também não me recordo se levava algum "baptismo" para se manter tragável, e era o tintol de marca acompanhante das refeições do rancho sem, que me lembre, recorrer a cerveja e a água nem pensar.
Quando saímos em operações por dois dias levávamos dois cantis envoltos em tecido de cobertor que molhados mantinham a água mais tempo fresca.
O 1º. Cabo Rochinha do meu Pelotão furou a proibição e, uma vez, levou um cantil com água e outro com vinho. Coitado, umas horas antes de nos virem buscar acabou a água e o vinho, apanhando um grande bioxene e quase a morrer de sede até chegar ao Quartel.
Teve de ser evacuado para o Hospital em Bissau para ser operado.
Foi remédio santo, nunca mas passou pela cabeça de alguém, de cá, levar vinho no cantil da água.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
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