Carta do comandante Pedro Ramos, irmão de Domingos Ramos, para sua mulher [Fima] Siga, enfermeira do PAIGC no Morés. Documento do arquivo pessoal de Virgínio Briote. Compare-se a letra com outra, datada de 23/10/1961, dirigida a Luís Cabral, e que faz parte do Arquivo de Amílcar Cabral.
Fonte: © Virgínio Briote / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005). Todos os direitos reservados
Guiné > Bissau > Bissalanca > BA 12 > c. 1965/66 > O alferes miliciano comando Briote (à esquerda), na base aérea de Bissalanca, em Bissau, juntamente com o Furriel Azevedo (ao centro) e o Sargento Valente (à direita).
Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados
1. Algumas das melhores histórias publicadas
na I Série do nosso blogue têm a assinatura do Virgínio Briote (VB), ex-alferes miliciano, comando (Brá, 1965/67)... Porque muitos dos membros da Tabanca Grande chegaram mais tarde, em anos posteriores à sua colaboração mais intensa no nosso blogue (como autor e coeditor), vamos reproduzir aqui mais dois postes do VB, que relatam a guerra, "vista do outro lado". (*) Na altura, em outubro de 2005, ele mandou-me este texto com a lacónica imformação: Das minhas memórias, uma história passada no Óio". (**).
O VB nasceu em Cascais, foi alf mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai1965); fez o 2º curso de Comandos do CTIG; domandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou em Jan 1967; é casado com a Maria Irene.
Ana, enfermeira do Partido
por Virgínio Briote
As cordas apertadas demais, os pulsos a inchar, amarrados atrás das costas. Tinha acabado de ser apanhado pelos tugas, ainda nem sabia como, e logo a ele é que deveria acontecer. Como comandante do PAIGC, sempre fora muito rigoroso com os 10 homens que agora estavam sob o seu comando, sempre exigira que se deslocassem separados uns dos outros, que parassem de vez em quando, escutassem a mata, os olhos a varrerem devagar, da esquerda à direita, e só depois avançar outra vez. E, afinal, fora apanhado desprevenido, sem arma, sem nada!...
Viera a semana passada dos lados de Sano, no Senegal. Muito cansado. Estivera com os camaradas do sector, os dias pelas noites fora, analisaram o trabalho do mês, cada um apresentou o seu trabalho, as emboscadas que fizeram, as minas que plantaram, os ataques aos quartéis da tropa. Fizeram um balanço da situação, leram as directivas do camarada secretário-geral, as orientações gerais para a luta, a referência expressa à luta dos povos da Guiné e Cabo Verde, para a independência nacional, para a libertação, nunca contra o povo português, juntos na mesma luta contra o colonialismo e o imperialismo, depois as orientações locais, o plano para o mês, não descansar a tropa, escrever papel para deixar junto aos quartéis deles, para desmoralizar, e a ordem para mudar, outra vez, o acampamento de Uália [, a nordeste de Mansabá].
As cordas apertadas demais, os pulsos a inchar, amarrados atrás das costas. Tinha acabado de ser apanhado pelos tugas, ainda nem sabia como, e logo a ele é que deveria acontecer. Como comandante do PAIGC, sempre fora muito rigoroso com os 10 homens que agora estavam sob o seu comando, sempre exigira que se deslocassem separados uns dos outros, que parassem de vez em quando, escutassem a mata, os olhos a varrerem devagar, da esquerda à direita, e só depois avançar outra vez. E, afinal, fora apanhado desprevenido, sem arma, sem nada!...
Viera a semana passada dos lados de Sano, no Senegal. Muito cansado. Estivera com os camaradas do sector, os dias pelas noites fora, analisaram o trabalho do mês, cada um apresentou o seu trabalho, as emboscadas que fizeram, as minas que plantaram, os ataques aos quartéis da tropa. Fizeram um balanço da situação, leram as directivas do camarada secretário-geral, as orientações gerais para a luta, a referência expressa à luta dos povos da Guiné e Cabo Verde, para a independência nacional, para a libertação, nunca contra o povo português, juntos na mesma luta contra o colonialismo e o imperialismo, depois as orientações locais, o plano para o mês, não descansar a tropa, escrever papel para deixar junto aos quartéis deles, para desmoralizar, e a ordem para mudar, outra vez, o acampamento de Uália [, a nordeste de Mansabá].
Cartão de identificação militar do Alf Bil Comando Briote > Brá, 1965 > A assinatura parece ser a do comandante da compamnhia de comandos, o capitão de artilharia Nuno J [osé Varela] Rubim, membro da nossa Tabanca Grande de longa data.
Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados
Enquanto regressava com os camaradas, ia pensando nos locais, escolhera o melhor, bem dentro da mata, umas centenas de metros a seguir à bolanha, um barraco junto a esta para vigiar a entrada. Sacos de arroz, mancarra, tudo às costas, bicicletas, cunhetes de munições, armas, tanta coisa, casas às costas, tão pouca gente, precisaram mais que uma vez.
Tinha estado a cavar um abrigo, precisava de se lavar. Fora à bolanha para tomar banho e trazer água. Viu-se cercado por dois soldados de arma apontada, sem saber como, os tugas emboscados mesmo à porta das casas de mato, os garrafões na mão dele, que a tropa tinha deixado em Morés da última vez.
Tropa diferente esta, não era a que estava habituado a ver passar. Sem emblemas, sem anéis, sem fios que os outros tugas trazem sempre, ronco nenhum, só lenços camuflados ao pescoço, sem capacetes até, aquele tem barrete diferente, caras pintadas de preto, nunca vira tropa assim.
Pára-quedistas, se calhar! Não, não deviam ser, esses são todos altos, têm camuflado muito verde, a bota que usam é de couro, conhecera-os bem quando assentara praça no colonialismo em Bissau. A farda destes é castanha como a dos outros, uns muito altos, outros pequeninos, todos desiguais, não, estes são outros. Estranhos, quase não falam entre eles, o cano das armas deles também têm olhos, vêem por ele, para a esquerda, para a frente, para a direita, aquele está sempre a olhar para as árvores, tudo muito devagar, assim é bem difícil, camaradas, apanhá-los.
Abriram-me a boca à força, eu não sabia para quê, um lenço preto nos dentes, atado na nuca, outra vez que me levantasse, sem palavras nem maneiras, corda nos pés, uma à cintura presa ao soldado Papel. Via-os à frente, no trilho para Uália, nosso pessoal descuidado a esta hora da manhã, sem aviso, vai ser uma desgraça, tanto trabalho para nada. Todos não estão, felizmente, mandara 8 para Mansabá, uns para montar mina e os outros para segurança.
Aquelas bajudas com os cestos à cabeça vão ser apanhadas, gritai, gritai com toda a força que puderdes, mais alto, mulheres do PAIGC, glória da nossa luta, assim, para camarada ouvir! Os tugas todos a correr, o traidor Papel amarrado a mim, não deixa andar, se eu pudesse! Aquelas crianças ali também!
A enfermeira de Morés? A mulher do Paulo Ramos com a criança às costas?! Porque não fugiu? Não pode ser! Não, não lhe façam nada, ela trata do nosso pessoal da luta, faz curativos só, os tugas não me ouvem, lenço não deixa.
... Não sei, não tenho nada para dizer, meu nome é Ana, sou enfermeira, não sei nada da guerra, trato de feridos só, não pode mexer nesse papel, é carta de meu marido, ouviu? Não pode tirar bilhete de meu marido, não pode! Tenho filhinha às costas, não vê? É hora de ela mamar, largue-me!
Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados
Enquanto regressava com os camaradas, ia pensando nos locais, escolhera o melhor, bem dentro da mata, umas centenas de metros a seguir à bolanha, um barraco junto a esta para vigiar a entrada. Sacos de arroz, mancarra, tudo às costas, bicicletas, cunhetes de munições, armas, tanta coisa, casas às costas, tão pouca gente, precisaram mais que uma vez.
Tinha estado a cavar um abrigo, precisava de se lavar. Fora à bolanha para tomar banho e trazer água. Viu-se cercado por dois soldados de arma apontada, sem saber como, os tugas emboscados mesmo à porta das casas de mato, os garrafões na mão dele, que a tropa tinha deixado em Morés da última vez.
Tropa diferente esta, não era a que estava habituado a ver passar. Sem emblemas, sem anéis, sem fios que os outros tugas trazem sempre, ronco nenhum, só lenços camuflados ao pescoço, sem capacetes até, aquele tem barrete diferente, caras pintadas de preto, nunca vira tropa assim.
Pára-quedistas, se calhar! Não, não deviam ser, esses são todos altos, têm camuflado muito verde, a bota que usam é de couro, conhecera-os bem quando assentara praça no colonialismo em Bissau. A farda destes é castanha como a dos outros, uns muito altos, outros pequeninos, todos desiguais, não, estes são outros. Estranhos, quase não falam entre eles, o cano das armas deles também têm olhos, vêem por ele, para a esquerda, para a frente, para a direita, aquele está sempre a olhar para as árvores, tudo muito devagar, assim é bem difícil, camaradas, apanhá-los.
Abriram-me a boca à força, eu não sabia para quê, um lenço preto nos dentes, atado na nuca, outra vez que me levantasse, sem palavras nem maneiras, corda nos pés, uma à cintura presa ao soldado Papel. Via-os à frente, no trilho para Uália, nosso pessoal descuidado a esta hora da manhã, sem aviso, vai ser uma desgraça, tanto trabalho para nada. Todos não estão, felizmente, mandara 8 para Mansabá, uns para montar mina e os outros para segurança.
Aquelas bajudas com os cestos à cabeça vão ser apanhadas, gritai, gritai com toda a força que puderdes, mais alto, mulheres do PAIGC, glória da nossa luta, assim, para camarada ouvir! Os tugas todos a correr, o traidor Papel amarrado a mim, não deixa andar, se eu pudesse! Aquelas crianças ali também!
A enfermeira de Morés? A mulher do Paulo Ramos com a criança às costas?! Porque não fugiu? Não pode ser! Não, não lhe façam nada, ela trata do nosso pessoal da luta, faz curativos só, os tugas não me ouvem, lenço não deixa.
... Não sei, não tenho nada para dizer, meu nome é Ana, sou enfermeira, não sei nada da guerra, trato de feridos só, não pode mexer nesse papel, é carta de meu marido, ouviu? Não pode tirar bilhete de meu marido, não pode! Tenho filhinha às costas, não vê? É hora de ela mamar, largue-me!
O alferes miliciano comando Briote (à esquerda), na base aérea de Bissalanca, em Bissau, juntamente com o Furriel Azevedo (ao centro) e o Sargento Valente (à diereita). Foto de 1965 ou 1966.
2. Transcrição da carta de Pedro Ramos, comandante do PAIGC,
irmão do Domingos Ramos, dirigida a Siga (, a Ana, enfermeira do Morés, na história do Virgínio Briote). Não tem indicação de data, mas deve ser de Maio de 1966, a avaliar pelo seu conteúdo.
4. Esclarecimento do V.B.:
Mais um dado ou pista fornecido pelo meu velho camarada de armas que viveu a adolescência em Bissau [, presume-se que seja o nosso camarada, comando, Mário Dias]:
"Caro Briote: Acabo de ler as suas intervenções no blogueforanada que achei excelentes. Ainda bem que, lentamente, se vai fazendo luz sobre o que verdadeiramente se passou por terras de África durante a chamada Guerra Colonial. Continue.
"Veio-me à memória, toldada por uma compreensível neblina (já lá vão mais de 40 anos), que o Pedro Ramos foi funcionário do porto de Bissau ou da Alfândega. Não sei se teria ou não fugido para o mato, para o PAIGC, mas pelo relato da carta parece que sim" (...).
Guiné > Bissau > 1959 > Os 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias (português, nascido na Metrópole, o primeiro, de pé, do lado direito, assinalado com um círculo a verde) e Domingos Ramos (natural da Guiné, o primeiro da frente, do lado esquerdo, assinalado a vermelho).
O Domingos Ramos era filho de um quadro local da administração colonial portuguesa, com o estatuto de assimilado.E era irmão do Pedro Ramos.
2. Transcrição da carta de Pedro Ramos, comandante do PAIGC,
irmão do Domingos Ramos, dirigida a Siga (, a Ana, enfermeira do Morés, na história do Virgínio Briote). Não tem indicação de data, mas deve ser de Maio de 1966, a avaliar pelo seu conteúdo.
"Quirida (sic) Siga:
"Junto a este bilhete desejo-te uma optima saude e a Odete. Eu por cá saudades sua[s].
"No que se trata [a]o meu regresso até agora não poço esplicar ninguém [não posso explicar a ninguém] se vou regressar em breve, porque o camarada Osvaldo [Vieira] não disse nada na [sobre a] minha vinda, mas parecia-me que regressava logo que acabar.
"Recebi os medicamentos e a pasta. Não te enviei arroz agora porque estamos ali com faltas de camaradas devido aqueles que mandamos para Morés no dia 20/4/66 para levarem os postos de Radio.
"Espero vires passar aqui uns dias conforme carta de Nha Maria, isto é se não te dá sarilho mais tarde no teu serviço. A respeito ainda da vinda do teu pai que me encontra ausente, só te digo uma coisa. Sinto muito pena a [de] não podermos conhecer-se e falarmos principalmente a teu respeito. Cumprimentos a todos, Pedro Ramos".
3. Comentário de L.G. :
Bom, sei hoje (mas não o sabia em 2005..:) que o Pedro Ramos fazia parte do primeiro (e histórico) contingente de militantes do PAIGC enviados por Amílcar Cabral para a China, a fim de aí receber treino político-militar. Regressaram à Guiné ainda em 1961.
Ao grupo pertencia, a par do Pedro Ramos, o seu irmão Domingos Ramos, o Osvaldo Vieira, o Rui Djassi, o Constantino Teixeira, o Hilário Gomes (Lolo), o Francisco Mendes (Xico Té), o Nino Vieira e ainda os irmãos Manuel Saturnino Costa e Vitorino Costa. Nenhum destes históricos comandantes é já vivo. E alguns morreram cedo (por exemplo, o Vitorino Costa, em 1962; o Domingos Ramis, em 1966). Ao que sei, o Pedro Ramos foi preso, condenado à morte e fuzilado, em 1986, na sequência do alegado golpe de Estado do Paulo Correia (em 1985) contra Nino Vieira.
Esta [Fima] Siga era efectivamenhte uma enfermeira do PAIGC, da base do Morès, pela referência que é feita na carta à remessa de mediciamentps. E tudo indica que fosse a companheira, na época, do Pedro Ramos.
"Junto a este bilhete desejo-te uma optima saude e a Odete. Eu por cá saudades sua[s].
"No que se trata [a]o meu regresso até agora não poço esplicar ninguém [não posso explicar a ninguém] se vou regressar em breve, porque o camarada Osvaldo [Vieira] não disse nada na [sobre a] minha vinda, mas parecia-me que regressava logo que acabar.
"Recebi os medicamentos e a pasta. Não te enviei arroz agora porque estamos ali com faltas de camaradas devido aqueles que mandamos para Morés no dia 20/4/66 para levarem os postos de Radio.
"Espero vires passar aqui uns dias conforme carta de Nha Maria, isto é se não te dá sarilho mais tarde no teu serviço. A respeito ainda da vinda do teu pai que me encontra ausente, só te digo uma coisa. Sinto muito pena a [de] não podermos conhecer-se e falarmos principalmente a teu respeito. Cumprimentos a todos, Pedro Ramos".
3. Comentário de L.G. :
Bom, sei hoje (mas não o sabia em 2005..:) que o Pedro Ramos fazia parte do primeiro (e histórico) contingente de militantes do PAIGC enviados por Amílcar Cabral para a China, a fim de aí receber treino político-militar. Regressaram à Guiné ainda em 1961.
Ao grupo pertencia, a par do Pedro Ramos, o seu irmão Domingos Ramos, o Osvaldo Vieira, o Rui Djassi, o Constantino Teixeira, o Hilário Gomes (Lolo), o Francisco Mendes (Xico Té), o Nino Vieira e ainda os irmãos Manuel Saturnino Costa e Vitorino Costa. Nenhum destes históricos comandantes é já vivo. E alguns morreram cedo (por exemplo, o Vitorino Costa, em 1962; o Domingos Ramis, em 1966). Ao que sei, o Pedro Ramos foi preso, condenado à morte e fuzilado, em 1986, na sequência do alegado golpe de Estado do Paulo Correia (em 1985) contra Nino Vieira.
Esta [Fima] Siga era efectivamenhte uma enfermeira do PAIGC, da base do Morès, pela referência que é feita na carta à remessa de mediciamentps. E tudo indica que fosse a companheira, na época, do Pedro Ramos.
4. Esclarecimento do V.B.:
Mais um dado ou pista fornecido pelo meu velho camarada de armas que viveu a adolescência em Bissau [, presume-se que seja o nosso camarada, comando, Mário Dias]:
"Caro Briote: Acabo de ler as suas intervenções no blogueforanada que achei excelentes. Ainda bem que, lentamente, se vai fazendo luz sobre o que verdadeiramente se passou por terras de África durante a chamada Guerra Colonial. Continue.
"Veio-me à memória, toldada por uma compreensível neblina (já lá vão mais de 40 anos), que o Pedro Ramos foi funcionário do porto de Bissau ou da Alfândega. Não sei se teria ou não fugido para o mato, para o PAIGC, mas pelo relato da carta parece que sim" (...).
Guiné > Bissau > 1959 > Os 1ºs Cabos Milicianos Mário Dias (português, nascido na Metrópole, o primeiro, de pé, do lado direito, assinalado com um círculo a verde) e Domingos Ramos (natural da Guiné, o primeiro da frente, do lado esquerdo, assinalado a vermelho).
O Domingos e o Mário (que foi para a Guiné no início dos anos 50, tendo assistido à modernização e crescimento de Bissau, capital da Província desde 1943) fizeram juntos a recruta e depois o 1º Curso de Sargentos Milicianos (CMS) que se realizou em Bissau, em 1959, e no qual participaram os os primeiros filhos da Guiné. Este curso foi um alfobre de quadros...para o PAIGC (2).
Foto: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Todos os direitos reservados.
5. Fiquei com curiosidade em saber o resto da história,
contada pelo Virgínio Briote sobre a Ana, enfermeira do Morés. Mandei-lhe um email, na altura (em 31 de outubro de 2005):
"Virgínio: Já publiquei a tua estória que voltei a adorar. Parabéns!... Fico com curiosidade em saber o que fizeram, naquele tempo, ao comandante que vocês apanharam com as calças na mão (literalmente!) e com a enfermeira que deveria ser uma mulher corajosa, uma verdadeira mulher de armas (...). Um abraço".
Publico aqui a pronta resposta que o VB teve a amabilidade de me dar. Aqui fica ela, sem mais comentários ou, se o os tertulianos assim o quiserem, com um desafio para sabermos mais sobre o papel das mulheres que, de um lado e de outro, também participaram na guerra, de maneiras diferentes (como confidentes, madrinhas, amantes, enfermeiras, professoras, combatentes, etc.):
6. Resposta do Virgínio Briote
[, foto à esquerda, na Bélgica, em 2002]:
O Comandante teve que ser interrogado logo ali, sem as cerimónias que o cargo dele exigia. Uma vez que as informações que passou eram claramente sem importância, não houve possibilidade de proceder a qualquer exploração. De resto uns tipos, poucos, talvez três ou quatro, estavam a fazer-nos pontaria e a Siga, verdadeiro nome da Ana, resistiu quanto pôde, como só as mulheres o sabem fazer, quando querem.
No chão, mamilo na boca da bebé, era muito difícil, a qualquer um de nós gerir a situação. Por um lado, o respeito que a imagem nos merecia, por outro a consciência de que a Siga estava a fazer o que podia para que os [seus] camaradas tivessem tempo para nos preparar uma retirada como devia ser. E ela veio, à força, dois soldados a arrastá-la pelo chão, a bebé no colo de outro soldado, as chicotadas [dos projecteis] a ouvirem-se, os gritos dela e doutras bajudas, um pandemónio.
Depois, já na estrada, recolhidos pela companhia de apoio, a Siga e o comandante foram na minha viatura. Ela ficou muito ofendida comigo, pela forma como foi tratada, sem humanidade, disse-me na cara. E que, quando chegasse a Mansoa, iria apresentar queixa contra mim. O que fez, vim eu a saber uns tempos mais tarde pela boca do major das operações do batalhão de Mansoa.
O que foi feito deles? Gostaria de saber, mas não soube mais nada. Os procedimentos que seguíamos, no caso de prisioneiros, era entregá-los à chefia do Batalhão. Nunca vim a saber o que foi ou é feito deles.
Que merda!
Um abraço, vb
PS - Luís, já depois de termos falado ao telefone [,hoje, da parte da tarde], contactei um velho camarada de armas que, muito jovem, acompanhou os pais na viagem rumo à Guiné, onde tinham vida estabelecida. Estudou em Bissau, foi colega de muitos jovens que mais tarde se envolveram na luta pela libertação. Um deles, o Domingos Ramos, foi mesmo incorporado no 1º CSM que se fez na Guiné. Ora o Domingos era irmão do Pedro. Diz-me o velho camarada que eles eram negros "assimilados", talvez da etnia papel.
A Fima Siga era uma das enfermeiras (auxiliares, penso eu) de Morés. Na altura encontrámos uma caixa com os medicamentos que eles estavam a utilizar e as informações que me foram transmitidas no trajecto do regresso levaram-me a crer que ela respondia pela enfermaria. O Comandante tratava-a com alguma reverência, apercebi-me disso.
Já depois de ter lido a nota que te enviei sobre o que tinha sido feito deles, notei que escrevi que se ouviam "chicotadas, bajudas aos gritos", etc... Ora bem, as chicotadas que se ouviam eram chicotadas de projécteis. E foram só essas que eu ouvi.
______________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 30 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11507: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (11): Teresa, amores e desamores em tempo de guerra (Parte II) (Virgínio Briote, ex-alf mil, comando, Brá, 1965/67)
(**) Vd. I Série do nosso blogue (que se publicou entre 23 de abril de 2004 e 1 de junho de 2006):
31 de outubro de 2005 > Guiné 63/74: CCLIX [259]: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès
31 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLX [260]: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala
Foto: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Todos os direitos reservados.
5. Fiquei com curiosidade em saber o resto da história,
contada pelo Virgínio Briote sobre a Ana, enfermeira do Morés. Mandei-lhe um email, na altura (em 31 de outubro de 2005):
"Virgínio: Já publiquei a tua estória que voltei a adorar. Parabéns!... Fico com curiosidade em saber o que fizeram, naquele tempo, ao comandante que vocês apanharam com as calças na mão (literalmente!) e com a enfermeira que deveria ser uma mulher corajosa, uma verdadeira mulher de armas (...). Um abraço".
Publico aqui a pronta resposta que o VB teve a amabilidade de me dar. Aqui fica ela, sem mais comentários ou, se o os tertulianos assim o quiserem, com um desafio para sabermos mais sobre o papel das mulheres que, de um lado e de outro, também participaram na guerra, de maneiras diferentes (como confidentes, madrinhas, amantes, enfermeiras, professoras, combatentes, etc.):
6. Resposta do Virgínio Briote
[, foto à esquerda, na Bélgica, em 2002]:
O Comandante teve que ser interrogado logo ali, sem as cerimónias que o cargo dele exigia. Uma vez que as informações que passou eram claramente sem importância, não houve possibilidade de proceder a qualquer exploração. De resto uns tipos, poucos, talvez três ou quatro, estavam a fazer-nos pontaria e a Siga, verdadeiro nome da Ana, resistiu quanto pôde, como só as mulheres o sabem fazer, quando querem.
No chão, mamilo na boca da bebé, era muito difícil, a qualquer um de nós gerir a situação. Por um lado, o respeito que a imagem nos merecia, por outro a consciência de que a Siga estava a fazer o que podia para que os [seus] camaradas tivessem tempo para nos preparar uma retirada como devia ser. E ela veio, à força, dois soldados a arrastá-la pelo chão, a bebé no colo de outro soldado, as chicotadas [dos projecteis] a ouvirem-se, os gritos dela e doutras bajudas, um pandemónio.
Depois, já na estrada, recolhidos pela companhia de apoio, a Siga e o comandante foram na minha viatura. Ela ficou muito ofendida comigo, pela forma como foi tratada, sem humanidade, disse-me na cara. E que, quando chegasse a Mansoa, iria apresentar queixa contra mim. O que fez, vim eu a saber uns tempos mais tarde pela boca do major das operações do batalhão de Mansoa.
O que foi feito deles? Gostaria de saber, mas não soube mais nada. Os procedimentos que seguíamos, no caso de prisioneiros, era entregá-los à chefia do Batalhão. Nunca vim a saber o que foi ou é feito deles.
Que merda!
Um abraço, vb
PS - Luís, já depois de termos falado ao telefone [,hoje, da parte da tarde], contactei um velho camarada de armas que, muito jovem, acompanhou os pais na viagem rumo à Guiné, onde tinham vida estabelecida. Estudou em Bissau, foi colega de muitos jovens que mais tarde se envolveram na luta pela libertação. Um deles, o Domingos Ramos, foi mesmo incorporado no 1º CSM que se fez na Guiné. Ora o Domingos era irmão do Pedro. Diz-me o velho camarada que eles eram negros "assimilados", talvez da etnia papel.
A Fima Siga era uma das enfermeiras (auxiliares, penso eu) de Morés. Na altura encontrámos uma caixa com os medicamentos que eles estavam a utilizar e as informações que me foram transmitidas no trajecto do regresso levaram-me a crer que ela respondia pela enfermaria. O Comandante tratava-a com alguma reverência, apercebi-me disso.
Já depois de ter lido a nota que te enviei sobre o que tinha sido feito deles, notei que escrevi que se ouviam "chicotadas, bajudas aos gritos", etc... Ora bem, as chicotadas que se ouviam eram chicotadas de projécteis. E foram só essas que eu ouvi.
______________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 30 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11507: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (11): Teresa, amores e desamores em tempo de guerra (Parte II) (Virgínio Briote, ex-alf mil, comando, Brá, 1965/67)
(**) Vd. I Série do nosso blogue (que se publicou entre 23 de abril de 2004 e 1 de junho de 2006):
31 de outubro de 2005 > Guiné 63/74: CCLIX [259]: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès
31 de outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLX [260]: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala