terça-feira, 7 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11538: Questões politicamente (in)correctas (44): Há um provérbio fula que diz: "Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos" (Cherno Baldé)

1  Comentário de Cherno Baldé ao poste P11459 (*)

Caro amigo Paulo Salgado,


Eu li com muita atenção a tua reacçãoà minha provocante frase sobre o comportamento sexual dos soldados portugueses durante a guerra na Guiné e no entanto, não dei conta em nenhum momento que tivesses desmentido a minha afirmação.

No meu comentario eu falei de "superioridade racial", não sei se isto quer dizer "ser racista". E esta aparente superioridade não fui eu que a inventei, encontra-se, de forma explicita ou naão, em todos os textos legislativos da antiga administração colonial e era perfeitamente normal que certos soldados fizessem uso de um estatuto que a lei lhes outorgava.

O que defendes, e nisso estamos de acordo, é que não se deve generalizar. Pois claro, ai de nós,  Guineenses,  se os casos referidos representassem a regra e não a excepção.

Há um provérbio Fula que diz que: Quando se fala dos maus, os bons sentem-se ofendidos; quando se fala dos mal comportados, os bem comportados sentem-se indignados. Foi o que aconteceu agora contigo, suponho e com muitos outros que não quiseram expor-se abertamente no blogue.

A mim me parecia evidente que o facto de ser membro, "amigo", mesmo que off-sider, como alguém já me chamou, de um bloque de antigos soldados portugueses que combateram na Guiné e o único Guineense que aqui se atreve a escrever no seu esforçado pretuguês, queria significar que não penso mal dos portugueses nem considero que todos tiveram, no passado, um comportamento indigno. E, se tiverem a paciência de revisitar os postes com textos da minha autoria, verão que tentei, no máximo, ser fiel à linha das minhas memórias de criança que passou uma boa parte da sua vida (1968/74) metida no meio dos soldados metropolitanos.

Mas, acontece que na guerra, na tropa como na vida, nem tudo é perfeito e vocês,  portugueses, não são uma excepção. Havia soldados bons, no sentido mais lato da palavra, até muito melhores que os nossos, na maioria dos casos, mas também havia um pouco de tudo, sem falarmos dos casos mais sórdidos que, naturalmente, não faltaram.

Se, de uma forma ou outra, as minhas palavras foram motivo de ofensa ou de indignação para algumas pessoas, apresento as minhas sinceras desculpas porque não foram intencionais. Não obstante, não retiro nada do que disse por corresponder, na altura, aà minha percepção pessoal e ao sentimento partilhado de toda uma comunidade à qual pertencia e que era obrigada a assistir, impávida e impotente, a muitos actos de atropelo e de abusos justificados por uma guerra que, também eles não queriam.

Felizmente, para mim, há portugueses e antigos combatentes como o amigo C. Martins que me compreendem e sabem que eu não inventei nada e que sou assim mesmo, uma pessoa que pensa com a sua cabeçaa e fala de uma forma directa, muitas vezes, para a sua própria desgraça.

Um grande abraço ao Paulo e a todos os amigos da TG.

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito).


PS - Importa assinalar que, como sinal dos tempos, tenho constatado, com muito agrado, que a nova geração de portugueses e europeus, em geral, agora tem uma postura muito diferente pois nota-se que, para além do mútuo respeito, há alguma reciprocidade nos sentimentos.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 24 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11459: Questões politicamente (in)correctas (43): Meu caro Cherno Baldé, a maioria dos militares da minha companhia não era racista nem se comportava como tropa ocupante (Paulo Salgado,ex-alf mil op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)

8 comentários:

Anónimo disse...

CHERNO

Off-sider? Em relação a quê?
Bem vindo sejas, então, nessa não-sei-quê de "lateralidade", que nos permitiu "ver" o ambiente (social) da Guiné por esse "lado" da população, que (nos) abriu os olhos para a realidade de então, que, assim, ficou (mais) completa.
... e um Abraço.
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

Caro Cherno

É só para te mandar um abraço extensivo ao resto da família..

Ah.. e não estás nada.."off-side".

C.Martins

Anónimo disse...

Cherno:
Não me apeteceu entrar na controvérsia, na altura própria. Nem sempre apetece...há coisas (que foram) tão evidentes que, algumas opiniões parecem provir de quem não esteve lá. Mas estiveram...que estranho!
Mas quem sou eu? Um pequenino grão de areia. Que vi que outros não viram?
Olha Cherno, sincero, verdadeiro e sábio... eu vi tudo o que tu disseste que viste e sei que não disseste tudo o que viste.

Um abração

Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Cherno Baldé

Caro amigo Cherno,
Se me é permitido o abuso, faço minhas as palavras do camarada Carvalho de Mampatá, que traduzem na íntegra tudo aquilo que também te queria dizer.
Por favor não te inibas de dizer / escrever o que realmente sentes e te vai na alma, por muita controvérsia que possa representar.
Um grande e forte abraço.

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Muito obrigado pelo vosso apoio moral que chega num momento um pouco dificil para mim, provocado por esta pequena polémica sexual.

Quero lembrar que esta controversia sobre o sexo e a tropa ou a tropa e o sexo durante a guerra comecou com a (re)publicacao do diario (sobre a guerra) do José Teixeira (dos Maiorais de Mampata) que lamentava o aumento da promiscuidade sexual no quartel de Empada. Eu comentei dando a minha opiniao sobre o assunto de uma forma que, nao teria sido do agrado de algumas pessoas, nomeadamente o ex-Alf. Enfermeiro Paulo Salgado e que, curiosamente, se transformou numa questao politicamente (in)correcta.

Nao havia a intencao de chocar ninguém, de ser ou deixar de ser politicamente (in)correcto e muito menos, ainda, em relacao aos nossos valorosos e estimados Enfermeiros que, durante a guerra, deram tudo e mais alguma coisa para diminuir o sofrimento das nossas populacoes pauperizadas pela violencia da guerra e da prepotencia administrativa.

Mas, também eu sei que no pico dos 60 anos (idade de pureza, devocao e santidade), ja nao agrada nada ouvir falar de asneiras cometidas nos anos da juventude, mesmo que tenham sido feitas por outros, helas!

Muito obrigado a todos e para o amigo A. Carvalho, em jeito de agradecimento e de gratidao, deixo esta metàfora Fula que faz jus as suas sàbias palavras de Homem Grande de Mampata, para dizer que nao quero parecer-me com o homem insensato que: "Viu tudo, falou tudo e estragou tudo".

Um abraco fraterno,

Cherno Baldé

JD disse...

Caro Cherno,
Não li sobre a matéria dada, mas pela verticalidade e simpatia das tuas intervenções, quer a partir do teu periscópio de Fajonquito, quer das tuas vivências familiares e contemporâneas, quero aqui manifestar o alto apreço em que te tenho.
Um abraço fraterno
JD

tny Borie. disse...

Olá Cherno.
Ando pelo Blogue, tenho lido tudo ou quase tudo o que tens escrito e entendo "que não estás off-side", estás dentro deste jogo, bastante complicado, que é a nossa vida, onde vamos tendo força para contar o que nos vai na alma e não só!.
Nunca pares de escrever, claro se tiveres força e disposição, e contar aos antigos combatentes a verdade que vives-te enquanto criança, e não só.
Pelo menos da minha parte, és bem vindo.
Um abraço, daqui até à Guiné, Tony Borie.

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Li este texto quando surgiu como comentário num outro 'post'.
Nessa altura tive oportunidade de realçar o elevado nível com que a partir do texto do Paulo se foram desenvolvendo comentários vários, focando temas e assuntos de grande susceptibilidade mas que, quanto a mim, acabaram por sair bastante enriquecidos.

Continuo a pensar o mesmo.
O Cherno tem imenso conhecimento da sua terra, das suas gentes, dos usos e costumes. Intervém com grande coragem e não me é difícil adivinhar os riscos que pode correr por 'participar' num fórum como este, tecendo os comentários e veiculando as opiniões que dá, de forma explícita e implícita.
Para além do mais a sua escrita é genuína e se aqui e ali aparece com mais 'crueza' não será por isso menos sincera e honesta.
Por vezes, não concordo com ele, ou melhor, discordo de alguns dos pontos de vista que manifesta, mas não há lugar aqui para 'debates bilaterais'.
Em todo o caso isso de modo algum é impeditivo de considerar o Cherno como parte integrante desta nossa tarefa de tentar repor a memória da guerra, já que o seu olhar, do 'outro lado' e até em várias 'posições', é altamente vantajoso.

Abraço
Hélder S.