1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70), com data de 23 de Abril de 2013:
Caríssimos editores.
Aproxima-se o DIA DA MÃE.
Estarei na Guiné-Bissau, talvez no Centro Materno-Infantil de Elalab que a Tabanca Pequena ajudou a construir para apoiar as mães de hoje.
Gostava que colocassem no blogue este poema que escrevi em memória daquela mãe que no dia 14 de Janeiro de 1969 viu a sua bebé morrer ficando ela gravemente ferida no corpo e no espírito ao ponto de desejar a morte o que me dificultou imenso a sua estabilização.
Fevereiro, 1969 / Buba / 20
...Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos órgãos vitais e deve recuperar. O seu sofrimento interior impressionou-me.
É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saiu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina....
Suadê, nome de mãe.
Estava viva,
Estava morta,
Pobre mãe preta,
Desesperada,
A morte bateu-lhe à porta,
No sopro de uma granada.
Chorava lágrimas de sangue,
No seu corpo dilacerado.
Dos olhos vítreos e secos,
De tanta lágrima corrida,
Um grito soava ardente.
Não tenho direito à vida.
Era alta madrugada,
Quando a guerra eclodiu,
E aquela mãe assustada,
Da morte, a correr fugiu.
Sua filhinha dormia,
Dos justos, um sono forte,
A granada explodiu,
E com ela veio a morte.
Chegou à porta do abrigo,
Em noite de mau agoiro,
E para trás voltou, apressada
Na esperança de salvar,
O seu mais valioso tesoiro.
A razão do seu viver.
E viu sua filha amada morrer
Sem lhe poder valer.
A mesma granada,
Que sua filha matou,
No calor do incêndio que lhe esmagou a alma
Seu corpo cruelmente dilacerou,
Prostrando-a no chão, inanimada.
Num misto de sofrimento e dor.
Que dor, pobre mãe,
Tu viste tua filha morrer,
A razão do teu viver.
Sem lhe poderes valer.
Já não choras mãe.
Esgotaste o cloreto de sódio,
Teus olhos espelham ódio,
À vida que teima em soprar.
Queres morrer,
Desaparecer.
Ir ao encontro da tua amada,
Que partiu, para não voltar.
Zé Teixeira
____________
Nota do editor
Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11515: Blogpoesia (335): Estamos à espera de quê ?...(J. L. Mendes Gomes)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Um belo e triste poema de vidas e sofrimentos que se renovam em todos os conflitos.
Trágico na sua beleza mas mesmo assim belo é o rerato de ontem e de hoje.
Um abraço Teixeira.
Enviar um comentário