domingo, 5 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11529: Blogpoesia (336): Suadê, nome de mãe (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada , 1968/70), com data de 23 de Abril de 2013:

Caríssimos editores.
Aproxima-se o DIA DA MÃE.
Estarei na Guiné-Bissau, talvez no Centro Materno-Infantil de Elalab que a Tabanca Pequena ajudou a construir para apoiar as mães de hoje.
Gostava que colocassem no blogue este poema que escrevi em memória daquela mãe que no dia 14 de Janeiro de 1969 viu a sua bebé morrer ficando ela gravemente ferida no corpo e no espírito ao ponto de desejar a morte o que me dificultou imenso a sua estabilização.


Fevereiro, 1969 / Buba / 20 

 ...Tive muito que fazer na Enfermaria. Um dos feridos da população mais graves foi a mãe da menina que morreu. Tinha o corpo cheio de estilhaços, felizmente não foi atingida nos órgãos vitais e deve recuperar. O seu sofrimento interior impressionou-me. 
É seu hábito dormir com a criança amarrada às costas para poder levá-la para o abrigo subterrâneo quando o IN ataca. Como já era de manhã desamarrou-a pouco antes do ataque se dar. Quando ouviu o fogo correu para o abrigo e só nessa altura é que se apercebeu que a bebé estava a dormir na tabanca. Saiu a correr, mas foi atirada ao chão pelo rebentamento da granada de canhão que caiu em cima da sua casa e lhe matou a menina....


Suadê, nome de mãe. 

Estava viva, 
Estava morta, 
Pobre mãe preta, 
Desesperada, 
A morte bateu-lhe à porta, 
No sopro de uma granada. 
Chorava lágrimas de sangue, 
No seu corpo dilacerado. 
Dos olhos vítreos e secos, 
De tanta lágrima corrida, 
Um grito soava ardente. 
Não tenho direito à vida. 

Era alta madrugada, 
Quando a guerra eclodiu, 
E aquela mãe assustada, 
Da morte, a correr fugiu. 
Sua filhinha dormia, 
Dos justos, um sono forte, 
A granada explodiu, 
E com ela veio a morte. 

Chegou à porta do abrigo, 
Em noite de mau agoiro, 
E para trás voltou, apressada 
Na esperança de salvar, 
O seu mais valioso tesoiro. 
A razão do seu viver. 
E viu sua filha amada morrer 
Sem lhe poder valer. 

A mesma granada, 
Que sua filha matou, 
No calor do incêndio que lhe esmagou a alma 
Seu corpo cruelmente dilacerou, 
Prostrando-a no chão, inanimada. 
Num misto de sofrimento e dor. 
Que dor, pobre mãe, 
Tu viste tua filha morrer, 
A razão do teu viver. 
Sem lhe poderes valer. 

Já não choras mãe.
Esgotaste o cloreto de sódio, 
Teus olhos espelham ódio, 
À vida que teima em soprar. 
Queres morrer, 
Desaparecer. 
Ir ao encontro da tua amada, 
Que partiu, para não voltar. 

 Zé Teixeira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11515: Blogpoesia (335): Estamos à espera de quê ?...(J. L. Mendes Gomes)

2 comentários:

Juvenal Amado disse...

Um belo e triste poema de vidas e sofrimentos que se renovam em todos os conflitos.
Trágico na sua beleza mas mesmo assim belo é o rerato de ontem e de hoje.


Um abraço Teixeira.



Juvenal Amado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.