1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2013:
Queridos amigos,
Este relato tem momentos assombrosos. Um miúdo do Alvito, farto do trabalho duro, oferece-se aos 17 anos para fuzileiro.
Tira o curso e vai para a Guiné, ainda em 1962. É estroina, estouvado e quer usufruir o que encontra de bom na vida. A seguir à operação Tridente é aliciado por dois polícias marginais e cai nas mãos do PAIGC, sente-se arrastado na corrente. Levam-no para Argel, Amílcar Cabral revela-se simpático e até lhe arranja trabalho.
Acaba nas boas graças do general Humberto Delgado. Depois do assassinato deste, palmilha até Rabat, pede a intervenção das autoridades portuguesas, em Lisboa é acusado de tudo.
De histórias como esta ainda não tínhamos um relato. Ele aqui fica. O livro é fácil de achar.
Um abraço do
Mário
O homem a quem chamaram G3
Beja Santos
“O homem a quem chamaram G3”, por António Trindade Tavares, Edição Vírgula, 2012, é um livro diferente sobre uma situação incomum, e que tem como pano de fundo a guerra da Guiné, ainda na sua fase inicial. O autor, o homem a quem chamaram G3, no arranque da narrativa procura uma síntese:
“O que aconteceu a esse homem?
Sabe-se que entrou para o 2º curso da Escola dos Fuzileiros, em 1962, onde se destacou pelas suas qualidades de bom atirador, e que foi enviado num contingente para a Guiné pouco tempo depois. Depois de várias missões no território, é dado como desaparecido ou desertor, em meados de 1964, e volta a aparecer lá para 1965, em Rabat, Marrocos, depois de passado cerca de um ano em Argel, com proximidade ao general Humberto Delgado e aos poucos amigos que lhe eram chegados. Ao reaparecer junto das autoridades portuguesas, em Marrocos, entrega-se voluntariamente na embaixada, solicitando repatriamento e sabendo as consequências que o abordariam.
O que se contou sobre este homem?
Depois de incorporado no contingente destacado para a Guiné, motivado pelo ambiente de violência familiar em que teria sido criado, foi dado como desertor, instigado por uma mulher negra com quem se teria envolvido, uma femme fatale guineense cujas ligações ao PAIGC eram conhecidas. Esta terá sido o engodo que o desviou para lá dos pretos, tendo ficado conhecido como Turra Branco, Capitão G3, Terror das Forças Armadas. Aí terá desviado armamento, traído os portugueses, comandado missões de ataque às tropas portuguesas e dado instruções em campos de treino militar do PAIGC. Já em Portugal, após a sua captura terá sido dado como morto e o seu corpo aparecido a boiar no Tejo, no Mar da Palha. Outra versão é que terá fundado uma célula comunista no Lavradio e passado algum tempo em Moscovo.
Onde é que está a verdade?”
Num estilo sincopado, num estilo que não anda longe do romance negro, e com recurso expedito à figura de alguém que lhe houve a história da sua vida, o velho G3 desembucha. Nado e criado no Bairro do Alvito em Lisboa. Tudo em grande indigência, começou a trabalhar desde os 13 ou 14 anos num ferro-velho, para os lados de Alcântara Terra. “No ferro-velho comecei por ajudar o dono. Ia lavando peças num bidão daqueles grandes, de 50 livros, cortado ao meio, com petróleo e uma escova. O patrão é que desmanchava os carros. Depois era com ainda é hoje, guardávamos as peças em prateleiras: alternadores, carburadores, pinhões, caixas de velocidades, motores, cabeças, faróis, tubos de escape”. Aprendeu a ser mecânico, fartou-se, ofereceu-se como voluntário para os fuzileiros aos 17 anos. Quanto às peripécias vividas na Escola, ali ao pé de Coina, levara uma infância a andar pela rua e na brincadeira. Tem saudades da escola onde andou, a Francisco Arruda, lembra os cinemas que frequentou com a miudagem, as maroteiras que pregou.
Agora está reformado, vive sozinho, voltou ao bairro, tem todo o tempo do mundo para contar a um sujeito curioso a sua vida aventurosa entre a Guiné e o norte de África. Pelo que descreve, pintou a manta em Bissau, divertiu-se à doida, nos primeiros tempos fez guardas, depois foi transferido para o Cacheu, fazia escoltas, naquele tempo era uma paz santa. Conheceu a Eugénia, foi paixão assolapada, Eugénia disse-lhe que estava grávida, ele veio para Bissau e passou 65 dias na ilha do Como. No regresso, começou a dar-se com gente suspeita, dois polícias sinistros, Santos Carvalho e Sardinha Crespo, este já expulso da corporação. Nesta narrativa, serão estes homens que o levarão, bêbado que nem um cacho, até à região de Mansoa, aí se estabelece um contacto com guerrilheiros, o fuzileiro G3 vê a vida a andar para trás, entra no mato e depois de muitas andanças chega à presença de Amílcar Cabral, este é informado por Sarinha Crespo que os três querem ir para a Argélia, querem estar ao lado do general Humberto Delgado, o fuzileiro G3 sente-se arrastado pela torrente, depois de uma viagem por metade de África em camionetes desconjuntadas chega a Argel. Nunca chegou a perceber o papel destes dois polícias nesta tramóia. Em Argel, e na companhia de Amílcar Cabral vão falar com Ayala, o secretário do general. G3 refere-se desprimorosamente aos membros da FPLN – Frente Patriótica de Libertação Nacional. Sem nenhuma vocação política, sem nenhuma ideologia, G3 põe-se ao serviço de Humberto Delgado. Amílcar Cabral ainda lhe arranjou trabalho na reparação de navios, mas Ayala queria que estivesse no escritório a ajudá-lo.
Estamos em meados de 1964, G3 vive em casa de Humberto Delgado e da sua secretária, Arajair. O general trata-o por “meu fuzileiro pequeno”. Em 1965, o general e a secretária são atraídos a uma armadilha perpetrada pela PIDE. G3 fica à deriva. Diz o pior possível do comportamento do pessoal da FPLN, vagueia pelas ruas de Argel, morre de fome, anda aos caixotes. Pôs-se a caminho de Marrocos, a viagem foi uma autêntica odisseia. Assim chegou a Rabat, procurou a autoridade consular e entretanto manda uma carta aos pais, é o pai que se mete a caminho, na mesma altura em que ele embarcou para Lisboa. Mal saiu do avião foi algemado, cedo começaram os interrogatórios: que armamento roubaste, que tropas portuguesas mataste ao lado do PAIGC? E ele bem contou, em todos os tons possíveis, o que se tinha passado. A PIDE entrega-o à Marinha. Os interrogatórios tonam-se mais sofisticados, dia após dia, ele descreve parágrafos com intensa vivacidade, momento há em que o leitor pensa que está a ouvi-lo, quase colérico, a repetir perguntas infindáveis. É novamente levado para a PIDE, caiu nas mãos dos inspetores Mortágua e Seixas, ao fim de 5 meses de interrogatórios vai refazer o canastro no hospital da Marinha.
Segue-se o Tribunal Militar, foi condenado a uma pena de prisão no Forte de Elvas. “Tinha 20 ou 21 anos e ainda tinha 5 anos de prisão pela frente… Uma vida… Lixaram-me a vida… O que mais me lixou, e ainda hoje me deixa danado é a atitude da Marinha… Não me defenderam, eu era um fuzileiro, um deles, e nem sequer uma defesa me deram… Eles bem sabiam que eu não tinha roubado armamento nenhum, que não tinha andado a atacar tropas portuguesas nenhumas… Aí é que eu vi, eles estavam a borrifar-se para mim”. Sairá ao fim do tempo todo, sem descontos. Casou com a madrinha de guerra. Tinha ainda dois anos pela frente, no Alfeite. Rouba comida para levar para casa. Depois, fez a sua vida como pôde, trabalho aqui e ali, nos biscates, na CUF. Aqui foi convidado a juntar-se ao PCP. Foi sol de pouca dura, davam-lhe trabalho, mas não era chamado para as coisas a sério, atirou a albarda ao ar. Foi trabalhar para Israel, o casamento desfez-se, a mulher partiu para França. Ficou só na casa do Lavradio. O irmão pediu-lhe para voltar para o Alvito. Teve uma proposta para ir trabalhar no Jumbo, como operador técnico da secção automóvel, aí vai ficar mais de 15 anos, a vender baterias, a montá-las.
Várias vezes o desafiaram a escrever um livro sobre a sua história. Gostava de voltar à Guiné, lembra o nome de alguns fuzileiros que o marcaram, caso do comandante Patrício. Ainda participa nalgumas almoçaradas com a malta do seu tempo. Teve oportunidade de falar com a filha do general Humberto Delgado. O Ayala fingiu que não o reconheceu. Alguém tinha que escrever esta história. Parece que não tem pés nem cabeça, mas foi assim. Nas almoçaradas, os combatentes de então desabafam. E o relato chega ao seu termo: “A morte ainda não levou tudo. A vida continua a vencer. Ainda somos todos o G3”.
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Nota do editor
Último poste da série de 3 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11666: Notas de leitura (488): “O Mestiço e o Poder – Identidades, dominações e a resistências na Guiné”, por Tcherno Djaló (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Guiné 63/74 - P11679: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (10): Últimas informações
VIII ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE
8 DE JUNHO DE 2013
PALACE HOTEL DE MONTE REAL
Fechadas que estão as inscrições para participação no VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, e a pouco mais de 24 horas do acontecimento, deixamos aqui as últimas informações.
1. Acesso ao Palace Hotel de Monte Real
Quanto à forma de chegar, além das coordenadas, para quem tem GPS, N 39º 51' 5,15'' - W 8º 52' 1,87'', aqui ficam duas imagens que poderão ajudar os que vão pela primeira vez:
Para maior facilidade de acesso aconselha-se a utilização da A17 e o abandono na saída nº 3. Vão encontrar-se três rotundas, ao fim das quais se vai entrar na EN 349 - Rua de Leiria.
Há placas informativas de Termas de Monte Real. Como alternativa pode-se utilizar a EN 109.
Pormenor de Monte Real a partir da última rotunda
2. Importante:
Não esquecer que amanhã pelas 11h45 vai ser celebrada missa de sufrágio, na Capela das Termas, pelos camaradas caídos em campanha assim como pelos camaradas e amigos tertulianos que nos foram deixando´(n=24), mais recentemente, cumprindo a inexorável lei da vida.
3. Horário aproximado do repasto:
13h00 - Welcome drink [, copo de boas vindas!]
14h00 - Almoço
17h30 / 8h00 - Lanche [ajantarado]
4. Área cultural:
Após o almoço vamos ter, em local apropriado, uma exposição de livros, cujos autores, como não podia deixar de ser, são nossos camaradas e tertulianos que, participando do Encontro, autografarão os exemplares ali adquiridos.
Sem prejuízo de outros camaradas, aos quais peço desculpa, estarão presentes os autores Manuel Domingues, Manuel [Luís] Lomba, Manuel Maia e José Saúde, estes dois últimos com livros editados muito recentemente.
Haverá ainda uma oferta literária aos camaradas, combatentes (e só a estes), participantes do Encontro. É um brinde-surpresa. O autor pede, para já, reserva de identidade. Lá ficarão, na altura, a saber de quem se trata.
5. Lista definitiva dos 135 participantes:
Agostinho Gaspar - Leiria
Alberto Branquinho - Lisboa
Alcídio Marinho e Rosa - Porto
Álvaro Basto - Leça do Balio / Matosinhos
Álvaro Vasconcelos e Lourdes - Baião
António Augusto Proença, Beatriz e Sofia - Covilhã
António Estácio - Lisboa
António Fernando Marques e Gina - Cascais
António Garcez Costa - Lisboa
António José Pereira da Costa - Mem Martins / Sintra
António Manuel Sucena Rodrigues e Rosa Maria - Oliveira do Bairro
António Maria Silva - Sintra
António Martins de Matos - Lisboa
António Pimentel e acompanhante - Figueira da Foz
António Sampaio e Clara - Leça da Palmeira / Matosinhos
António Santos, Graciela, filhos e netos - Caneças / Odivelas
António Sousa Bonito - Carapinheira / Montemor-o-Velho
Arlindo Farinha - Almoster Avz / Alvaiázere
Augusto Pacheco - Maia C. Martins - Penamacor
Carlos Paulo e Lourdes - Coimbra
Carlos Pinheiro e Maria Manuela - Torres Novas
Carlos Pinto e Maria Rosa - Reboleira / Amadora
Carlos Vinhal e Dina Vinhal - Leça da Palmeira / Matosinhos
David Guimarães e Lígia - Espinho
Delfim Rodrigues - Coimbra
Diamantino Varrasquinho e Maria José - Ervidel / Aljustrel
Eduardo Campos - Maia
Eduardo Magalhães Ribeiro e Carlos Eduardo - Porto
Eduardo Moreno - Vila Real
Ernestino Caniço - Tomar
Felismina Costa, João, Cláudia e Hugo - Agualva / Sintra
Fernandino Leite - Maia
Fernando Súcio - Vila Real
Francisco Silva e Elisabete - Lisboa
Hélder V. Sousa - Setúbal
Henrique Matos - Olhão
Hugo Eugénio Reis Borges - Lisboa
Humberto Reis e Joana - Alfragide / Amadora
João Alves Martins e Graça Maria - Lisboa
João Marcelino - Lourinhã
João Sesifredo e Celestina - Redondo
Joaquim Carlos Peixoto e Margarida - Penafiel
Joaquim Luís Fernandes - Maceira / Leiria
Joaquim Mexia Alves - Monte Real / Leiria
Joaquim Nunes Sequeira e Mariete - Colares / Sintra
Joaquim Sabido e Albertina - Évora
Jorge Araújo e Maria João - Almada
Jorge Cabral - Lisboa
Jorge Canhão e Maria de Lurdes - Oeiras
Jorge Loureiro Pinto - Sintra
Jorge Picado - Ílhavo
Jorge Rosales - Monte Estoril / Cascais
José Armando F. Almeida - Albergaria-a-Velha
José Augusto Ribeiro - Condeixa
José Barros Rocha - Penafiel
José Casimiro Carvalho - Maia
José Eduardo Oliveira - Alcobaça
José Fernando Almeida e Suzel - Óbidos
José Ferreira da Silva - Crestuma / V. N. Gaia
José Manuel Cancela e Carminda - Penafiel
José Manuel Lopes e Luísa - Régua
José Ramos Romão e Emília - Alcobaça
José Saúde - Beja
José Zeferino - Chamusca
Juvenal Amado - Fátima / Ourém
Luís Graça e Alice - Alfragide / Amadora
Luís R. Moreira - Cacém / Sintra
Manuel Carmelita e Joaquina - Vila do Conde
Manuel Dias Pinheiro e Maria Inicia - Madrid / Espanha
Manuel Domingos Santos - Leiria
Manuel Domingues - Lisboa
Manuel Joaquim e Deonilde - Agualva Cacém / Sintra
Manuel Lima Santos e Maria de Fátima - Viseu
Manuel Luís Lomba e Luís Manuel - Faria / Barcelos
Manuel Maia - Moreira / Maia
Manuel Santos Gonçalves e Maria de Fátima - Carcavelos / Cascais
Manuel Vaz - Beiriz / Póvoa de Varzim
Miguel e Giselda Pessoa - Lisboa
Paulo Santiago - Aguada de Cima / Águeda
Raul Albino e Rolina - Vila Nogueira de Azeitão / Setúbal
Ricardo Sousa e Georgina Cruz - Lisboa
Rui Silva e Regina Teresa - Sta. Maria da Feira
Rui Trindade Doutel Guerra Ribeiro - Lisboa
Silvério Lobo e Rodrigo - Matosinhos
Simeão Ferreira - Monte Real / Leiria
Victor Tavares - Recardães / Águeda
6. Para outras informações:~
Consultar o poste de 25 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11629: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (8): Estamos a poucos dias de fechar as inscrições
Os organizadores do Encontro:
Carlos Vinhal
Joaquim Mexia Alves
Luís Graça
Miguel Pessoa
7. Telefone do nosso SOS Monte Real (na eventualidade de alguém se perder):
J. Mexia Alves (Comissão Organizadora): 962 108 509
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Nota do editor:
Último poste da série de 2 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11663: VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (9): Faltam três dias para fechar as inscrições... E já somos 123 à mesa!
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Guiné 63/74 - P11678: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (4): Visita ao Cantanhez e ás tabancas de Iemberém e Farim do Cantanhez... O poilão de Amílcar Cabral... Recordações do tempo de guerra: Contabane e Mampatá (eu e Abdu Indjai, avô da Alicinha); e Jumbembem (o Francisco Silva e o Galissá)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > 3 de maio de 2013 > O majestoso poilão Amílcar Cabral (2)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > 3 de maio de 2013 > O poilão Amílcar Cabral (3)... Na foto, a Armanda, esposa do Zé Teixeira.
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
2. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte IV
por José Teixeira
[, Membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez] (*)
No dia seguinte ], 3 de maio, 6ª feira,] bastante cedo, depois de um pequeno-almoço bem recheado de compotas, fruta e mel das famosas lassas [, abelhas], visitamos a Tabanca de Iemberém no que ela tem de melhor, os seus habitantes. Cumprimentos e sorrisos, desde as crianças que nos disputavam os dedos das mãos, às mulheres grandes, passando pelos homens e jovens que nos sorriam e acenavam com um bom dia.
Aqui em Iemberém ou em qualquer lugar onde parássemos, tínhamos sempre um sorridente bom dia, Em português, crioulo ou na sua língua nativa, e logo entabulavam conversa, para saber quem éramos e de onde vínhamos. Ao saber que éramos portugueses, o sorriso abria-se e havia uma pergunta sacramental, sobretudo quando se tratava de um homem:
– Estiveste cá na guerra, onde?
Uns identificavam-se alegremente como antigos soldados portugueses como nós e havia, logo ali, histórias sem fim para contar, como o motorista que nos acompanhou em todo o nosso deambular pela Guiné. O simpático, e sempre disponível, motorista fez parte de uma Companhia de caçadores nativos e gostava de reencontrar os amigos com quem conviveu.
Outros identificavam-se como antigos combatentes do PAIGC. Localizavam-se as terras por onde andamos, nós e eles. Rapidamente, descobríamos que nos cruzamos algures no mato uma vez, duas, três…Logo começava um rosário de histórias, seguidas com pormenores de ataques ou emboscadas.
Por exemplo, vim a descobrir que o avô da Alicinha, a menina que a Alice, esposa do Luís Graça, apadrinhou e cuja jovem mãe [, a Cadi,] faleceu recentemente, foi um dos que em 22 de Junho de 1968 participou, como comandante, no ataque a Contabane, onde estava estacionada a CCaç 2382, destruindo e queimando a Tabanca, não ficando uma morança para recordação. Felizmente, sem vítimas a registar. Posteriormente e depois me ter ido visitar em Mampatá Forreá, voltou ao local, talvez para saborear os estragos que provocou e caiu numa minas A/P, que lhe roubou uma perna acabando por ter de se deslocar à Holanda para colocar uma prótese, terminando assim a sua guerra ativa.
Parece que o objetivo era demonstrar ao Régulo de Contabane, o Sambel, o poderio do PAIGC e sobretudo informar Bissau que aquele caminho para a mata do Boé não podia ser usado pelas forças portuguesas. Hoje sabe-se que o Régulo Sambel, ao ter conhecimento que algumas tabancas do seu regulado, existentes na Guiné Conacri, davam apoio ao PAIGC fez uma deslocação a essas tabancas para dissuadir os seus habitantes a não colaborarem com o partido, e o resultado foi a destruição da Tabanca pelo fogo em ataque cerrado debaixo de uma tremenda tempestade.
Um homem sorridente e bem-disposto com aspeto jovem apresenta-se ao grupo, pergunta-nos se somos ex-combatentes. Ao respondermos afirmativamente os seus olhos tomaram um brilho especial, que me impulsionaram para lhe fazer uma pergunta:
– Bó bi. Abó bandido da mato?
– Eu mesmo, em Jumbembém.
O Francisco Silva, ao ouvir falar em Jumbembém [, na região de Farim], pergunta-lhe em que ano esteve por lá. E não é que tinham estado do lado oposto da barreira no mesmo período de tempo, ou seja durante o tempo em que o Silva comandou o Pelotão Caçadores de Nativos 51!?
É fácil imaginar o diálogo que se seguiu, depois de selarem o feliz encontro com um apertado abraço. Um a dizer quando e como atacou a tabanca, o outro a dizer como se defendeu e contra atacou. Aninhados no chão alinharam as posições das suas armas. Nas suas mentes bailava de forma nítida a fotografia do terreno calcorreado há quarenta anos. Com o dedo traçaram as coordenadas do terreno no chão de Iemberém, para melhor justificarem as ações que desenvolveram. Para mim, foi um prazer imenso acompanhar este diálogo entre dois antigos inimigos, agora libertos do fantasma da guerra, a conversarem de forma desapaixonada sobre as técnicas e ardis usados para atacar ou defender posições.
Um homem sorridente e bem-disposto com aspeto jovem apresenta-se ao grupo, pergunta-nos se somos ex-combatentes. Ao respondermos afirmativamente os seus olhos tomaram um brilho especial, que me impulsionaram para lhe fazer uma pergunta:
– Bó bi. Abó bandido da mato?
– Eu mesmo, em Jumbembém.
O Francisco Silva, ao ouvir falar em Jumbembém [, na região de Farim], pergunta-lhe em que ano esteve por lá. E não é que tinham estado do lado oposto da barreira no mesmo período de tempo, ou seja durante o tempo em que o Silva comandou o Pelotão Caçadores de Nativos 51!?
É fácil imaginar o diálogo que se seguiu, depois de selarem o feliz encontro com um apertado abraço. Um a dizer quando e como atacou a tabanca, o outro a dizer como se defendeu e contra atacou. Aninhados no chão alinharam as posições das suas armas. Nas suas mentes bailava de forma nítida a fotografia do terreno calcorreado há quarenta anos. Com o dedo traçaram as coordenadas do terreno no chão de Iemberém, para melhor justificarem as ações que desenvolveram. Para mim, foi um prazer imenso acompanhar este diálogo entre dois antigos inimigos, agora libertos do fantasma da guerra, a conversarem de forma desapaixonada sobre as técnicas e ardis usados para atacar ou defender posições.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 3 de maio de 2013 > Esta velhinha também me pediu um abraço...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 3 de maio de 2013 > Aspeto da sala de jantar do restaurante da Satu, em Iemberém.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 3 de maio de 2013 > Um das várias hortinhas que existem junto às moranças
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Nesta deslocação por Iemberém apreciamos a forma artesanal como fabricam o óleo de palma em que os homens apenas sobem às palmeiras para recolher o coconote, sendo reservado às mulheres o seu transporte e tratamento para produzir o saboroso e alimentar óleo de palma, desde a cozedura, a trituração no conhecido pilão, a separação e purificação do produto. A propósito de todo este trabalho, a AD tem em S. Domingos uma escola oficina de metalurgia onde fabrica máquinas para simplificar e reduzir o esforço humano, mas ainda não chegaram a Iemberém.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 3 de maio de 2013 > Destilação de óleo de palma em que todos ajudam até as criançinhas. O Francisco Silva ainda deu uma ajuda no pilão e até tentou subir à palmeira.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 3 de maio de 2013 > Uma bajudinha com a cesta de coconote que trouxe da bolanha.
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Tivemos a oportunidade de conhecer as gentes da etnia tanda, com menos de dois mil indivíduos radicados na Guiné-Bissau, muito bem acolhida pelos membros da etnia fula de Iemberém, onde se fixou um grupo tanda e criou a sua Tabanca.
As bajudas solicitaram à AD [, a ONG do Pepito,] apoio para a criação de uma escola de costura. Organizaram-se em associação e avançaram. A Tabanca Pequena [, de Matosinhos,] deu a mão e colocou em Iemberém três máquinas de costura. O projeto avançou e proliferou até Cabedú e Catesse. Dele falaremos em poste próprio.
Ainda nesta manhã que começou muito cedo, embrenhamo-nos na Mata do Cantanhez para saborear toda a sua beleza. Espetacular monumento à natureza que está a ser criminosamente destruído por indivíduos sem escrúpulos. Abatem as árvores de grande porte para venderam aos chineses e desbastam o que fica para adaptarem o terreno à produção de caju. Por exemplo a salacunda é uma árvore enorme em extinção que só existe em três matas da Guiné. No Cantanhez apenas se conhece uma, a que nós pudemos apreciar.
Mas o grande desafio estava no poilão a que batizaram “poilão Amilcar Cabral”. Deve ser uma das maiores árvores de África, bem escondida no coração da Mata do Cantanhez. É um monumento digno de ser ver e apreciar, pelas dimensões do seu tronco e pelo tamanho e beleza da sua copa. Sobretudo pelo que representa. A Natureza com todo o seu esplendor.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Farim do Cantanhez > 3 de maio de 2013 > O avô da Alicinha, Abdu Indjai, antigo combatente do PAIGC, amputado de um perna na sequência de uma mina A/C, acionada em Mampatá, em finais de 1968, na altura em que lá estava o Zé Teixeira.
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]
Galinha com molho de mancarra, preparado com todo o carinho pela Satu, foi o pitéu que nos levou de novo até Iemberém para o podermos saborear. Um merecido descanso e nova partida até Farim do Cantanhez à procura da Alicinha.
Fomos recebidos por ex-combatentes do PAIGC, entre os quais o avô da menina. Foi a minha vez de falar do tempo da guerra e dos desencontros que tive com ele próprio, quando estava em Mampatá. Parece que foi um dos que em Novembro de 1968, juntamente com o Braima Cassamá que conheci em 2008, tentou ocupar a tabanca, pelas duas horas da tarde. Eles sabiam que nessa noite uma sentinela abateu uma vaca junto ao arame farpado. Eles sabiam que iriamos ter almoço melhorado e pacientemente esperaram nas redondezas pela hora do almoço. Quando se aperceberam que o almoço ia ser servido, avançaram envolvendo a tabanca e penetrando pelo lado da estrada que ligava a Buba.
Tinham as armas com balas incendiárias apontadas às moranças e logo onze delas começaram a arder. Tão depressa entraram (alguns) como logo tiveram de sair. para não sacrificarem as suas vidas, como testemunhou o Braima, um dos que ainda entrou dentro do arame.
A minha homenagem póstuma ao grande Aliu Baldé, o régulo, que com o morteiro 60, escutava para localizar a origem do fogo e… lá vai uma, duas, até se calarem. Logo mudava de posição sempre seguido por dois milícias com um cunhete de granadas e recomeçava a cena. Eu que, desorientado com tanto “sakalata” (ou chocolate, como nós os europeus dizíamos, o que significa barulho/festa/ronco), deslocava-me pelo interior da tabanca à procura de supostos feridos, o que felizmente não aconteceu. Nem uma beliscadura.
Zé Teixeira
(continua)
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Nota do editor:
Último poste da série > 1 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11661: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (3): No antigo corrredor da morte: Gandembel, Balana, Mejo, Guileje ... E as novas tabancas do Cantanhez: Amindara, Faro Sadjuma, Iemberém... E as crianças a correr atrás de nós: Poooorto! Poooorto! (Leia-se: Portugueses, Portugal)
Guiné 63/74 - P11677: Agenda cultural (277): Lançamento do livro "Gente Com Coragem", do nosso camarada Castro Ferreira - Padrão, em Espinho, dia 22 de Junho. Convite.
1. O nosso camarada Castro Ferreira - Padrão, enviou-nos o seguinte convite para o lançamento do seu novo romance:
Bom dia!
Antes de tudo o meu antecipado pedido de desculpa por estar a utilizar este endereço electrónico para tal fim.
Como conheço o V/trabalho e considero deveras meritório o que tem sido feito – o convívio que proporcionam entre as pessoas bem como dar a conhecer factos da nossa passagem por todo o Ultramar -, julgo “poder” utilizar tal espaço para endereçar um convite.
Assim, venho por este meio enviar um CONVITE (um meu e outro da Editora) para o lançamento do meu novo romance.
Passados quarenta anos da nossa partida para a Guiné-Bissau resolvi escrever um livro que de certa forma também lembrasse momentos da nossa passagem por terras de África (Guiné/Bissau, Cacine e Gadamael-Porto).É um livro escrito no género ficção mas que também ‘retracta’ alguma realidade por todos nós vivida.
A sua apresentação (dia 22/06/2013, sábado, às 16 horas, na Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva, em Espinho) estará a cargo do Senhor General Manuel Monge.
Nota: para ter a certeza de que foi bem acolhido P.F. acusar a recepção.
C o n v i t e d a e d i t o r a:
Durante o lançamento do meu mais recente romance ‘O Quarto das Exóticas’ que se realizou a 6 de Setembro de 2012, foi-me feita a pergunta: - Para quando será o próximo? E eu respondi: - Se tudo correr bem será lá para Abril/Maio. Pois então, eis chegada a hora (um pouco atrasado) de mais uma aventura, o lançamento de um outro livro, será o quinto, este tem o título – Gente Com Coragem -, que ocorrerá no dia 22 de Junho de 2013, sábado, pelas 16 horas, na Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva, em Espinho.
A apresentação do livro estará a cargo do Amigo, Senhor General Manuel Monge.
Editora é a Edita-me.
Sobre o romance:
Um militar «propõe-se» a uma aventura, constatar in loco uma autêntica zona guerra (Ex-Ultramar Português), mas tal propósito para alguns com quem se vem a cruzar não é bem aceite e não falta até quem não consiga esconder uma certa desconfiança com tais intenções e os dissabores e a hostilidade tomam o seu lugar…
Como sempre, e mais uma vez, espero poder contar com a Vossa Presença pois ela será o melhor, o maior e mais salutar contributo para poder continuar a rascunhar qualquer coisa.
Até lá, um abraço Amigo,
José António de Castro Ferreira - Padrão
_____________
Nota de M.R.:
Vd. também o último poste da série em:
Guiné 63/74 - P11676: Convívios (528): XXV Almoço-Convívio do BCAÇ 2884 (José Firmino)
1. O nosso Camarada José Rodrigues Firmino, que foi Sold. Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/1971, enviou-nos notícias do Almoço /Convívio da sua unidade.
XXV Almoço-Convívio do BCAÇ 2884
Teve lugar no passado dia 1 de Junho do ano 2013, desta
vez no Fundão, o XXV almoço do nosso Batalhão com cerca de 140 participantes, composto
pelas seguintes companhias: 2584 - “Có”,
2585 – “Jolmete”, 2586 e CCS –“Pelundo”,
que serviram o Estado Português no período 1969/1971 na Guiné.
Com uma viagem bastante longa para muitos, onde
não faltou por vezes alguns enganos no percurso, a ponto de nem todos poderem
chegar a tempo ao local de concentração, com a hora marcada para as 11:00h, no
Seminário do Fundão e 11:30h celebração de missa pelos camaradas falecidos e finda
a cerimónia religiosa rumar até ao Hotel Palace do Fundão, pôr alguma conversa
em dia, algumas fotos pelo meio para mais tarde recordar: fica antes de mais a
minha sugestão pessoal e porque não outras que durante o almoço fui ouvindo,
porque não escolher futuramente um local fixo, que seria por exemplo a zona de
Fátima ou arredores? Seria como se diz na gíria um meio-termo para todos, local
que, como referência, tivesse o mínimo de condições para tal evento.
Terminada a cerimónia religiosa (missa) e depois
da sugestão atrás referida, há que rumar até junto do hotel, uns em viaturas
próprias, outros como vai sendo habitual, no autocarro. Mais algumas fotos,
alguns abraços, um olhar às barrigas duns e doutros, algumas com tamanho xxl… pois já todos nós somos avós.
Algumas formalidades cumpridas ordem de entrada no
hotel, e pela primeira vez fazer reparo aquilo que entendo não correu bem, ou
seja as entradas nada a condizer com os pergaminhos do batalhão 2884 (MAIS
ALTO). Pouco para tantos, mesmo que todos saibamos que a nossa presença seja
mais pelo convívio, há mínimos a respeitar. Dizer que onde devia estar a
chouriça grelhada, estavam era folhas de couve, e o resto em pouca quantidade.
Para muitos ficou apenas o cheiro.
No início do almoço servem a sopa, seguidamente
batatas a murro com bacalhau onde as postas não tinham lá muito tamanho, e eis
que peço ao empregado para que me pusesse um pouco de azeite nas batatas, o
qual não respondeu, pois se calhar nem vocacionado para tal tarefa estava, ou
quem sabe não teve formação para uma razoável atitude diferente. Sinais dos
tempos onde os mais novos por vezes não respeitam aqueles que já têm cabelos
brancos.
Segundo prato servido, mais algumas fotos pelo
meio, e segue-se a sobremesa, bebidas, café, digestivos e bolo comemorativo do
Batalhão.
Lembrar que a animação esteve a cargo do nosso
camarada ANTÓNIO CAMPOS e sua esposa CELESTE CAMPOS de Braga e uma ou outra voz
desafinada. Enquanto o ANTÓNIO ia tocando afinadinho, a pandeireta desafinava,
o mais importante foi e será sempre o convívio, esse sim é que motiva e convida
a estar presente.
Quero dar uma palavra de agradecimento a todos
quantos queriam estar presentes e que por motivos vários não puderam. Como eu
vou lembrando, o tempo vai escasseando e depois, um dia, quando gostaríamos de
participar já por cá não andamos.
Àqueles que mesmo não podendo estar mandaram
mensagens para a rapaziada do Batalhão fica o nosso obrigado. Chegados ao fim
de mais um convívio e com anúncio do próximo a ter lugar em Rio Maior,
esperamos todos estar mais uma vez presentes.
Para todos ex.camaradas e famílias fica meu abraço
de amizade.
Um até
pró-ano e bem hajam.
JOSÉ RODRIGUES FIRMINO (RÉGUA)
Para quem quiser ver todas as fotos, eis os
respectivos links:
Fotos de Manuel Resende (Ferreira)
Fotos de José Rodrigues Firmino:
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:
28 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11645: Convívios (527): Convívio da CCAÇ 84 (Alberto Nascimento)
Guiné 63/74 - P11675: Parabéns a você (586): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM (Guiné, 1972/74)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11672: Parabéns a você (585): Manuel Traquina, ex Fur Mil Inf da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11672: Parabéns a você (585): Manuel Traquina, ex Fur Mil Inf da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)
quarta-feira, 5 de junho de 2013
Guiné 63/74 - P11674: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (15): Analfabetismo, um outro combate
1. Em mensagem do dia 3 de Junho de 2013, o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima quinta "Carta de Amor e Guerra".
CARTAS DE AMOR E GUERRA
15. Analfabetismo: um outro combate
Bissorã, 24 fev 1966
(… … …).
Minha querida D., desculpa o meu silêncio. Diversas circunstâncias o provocam. Há uns tempos para cá tenho a meu inteiro cargo a instrução primária de 44 soldados, o que me ocupa todas as tardes e princípio das noites, precisamente o tempo mais propício ao descanso. Mas eu trabalho com gosto. Até porque é o meu único trabalho oficial [que acho] válido. E os alunos compreendem e acarinham-me. O que é certo é que o tempo livre voou quase todo. (…).
Como vês, o tempo que tenho para descansar é diminuto e, além disto, ainda tenho a correspondência e a leitura. Sim, porque todos os dias leio alguma coisa. É pena não poder adquirir os livros que quero. Mas, como daqui em diante começam a ir aí à Metrópole camaradas meus, já tenho um meio de os adquirir. (… … …).
Fotos 1 e 2 > Bissorã > Edifício da escola missionária. Fotos tiradas com cinco anos de intervalo; a 1ª, em Out./1965, na altura da minha chegada e a 2ª, em 1970
(© de Carlos Fortunato, fur. mil. CCaç 13).
Lisboa, 1-Março-1966
(… … …)
Meu querido M. peço a tua benevolência para o facto de nem sempre saber controlar-me quando, por qualquer motivo, há um período mais longo sem que me apareçam informações tuas. Também não sabia das tuas novas funções.
Sei que essa actividade te dá bastante prazer e folgo muito com isso. Sei agora que me roubas mais umas horas (…) de convívio contigo e, a ti, um período de descanso que te seria também favorável. Mas, quando o trabalho nos enche completamente as horas, só faz bem. Por um lado, em momentos livres, não nos deixa lugar a pensamentos menos optimistas; por outro lado, dá-nos a sensação de não sermos imbecis, inúteis, de que afinal produzimos alguma coisa ou que ainda temos vontade em não nos deixarmos mergulhar no charco ou no fosso imundo que se abre aos nossos pés e para onde, (…), querem empurrar-nos. Evidentemente que a tua situação aí é um pouco diferente e, por mais trabalho que tivesses, não conseguirias alhear-te da situação ignóbil para que te atiraram.
(… … …).
Mansabá, 2.Jan.1967
(… … …).
Na minha última carta parece-me que te falei em férias que iria gozar este mês. Os planos falharam. À última hora cortaram-me as férias! Porquê?
Precisamente para me enfiarem a ensinar uma classe de militares e uma outra de civis, de garotitas. Julgo que ganhei com a troca. Devido a este meu serviço diário, deixei de ir para o mato. (…). Esta é a primeira alegria que o benjamim [Ano Novo] me trouxe. Entrei com uma “grandecíssima” bebedeira. Não, não te atemorizes, meu amor, que não é para continuar. Não sou alcoólico, longe vá o agoiro!
(…). Vou ter um trabalho estafante mas “quem trabalha por gosto não cansa”. (…).
(… … …).
[Aproximava-se o fim da comissão do BCaç 1857 e eu continuava a dar aulas, voluntariamente, aos soldados da minha CCaç 1419. Por directiva superior fui, então, incumbido de dinamizar a inscrição de crianças para a frequência escolar, organizando também o trabalho didáctico e pedagógico necessários ao funcionamento de uma escola já que tinha qualificação profissional para o poder fazer. Iniciou-se, em paralelo, a construção acelerada de um pequeno edifício escolar, de uma só sala, enquanto os seus futuros utentes começaram a frequentar as aulas em espaços improvisados. Para dar estas aulas formou-se uma equipa constituída por mim e pelos furriéis António Correia e Germano Passeiro (CCaç 1421) e distribuímos os alunos pelos três, eu fiquei com as meninas. Quando o edifício escolar ficou pronto, recebeu de imediato as crianças, assumindo eu todo o serviço docente e os meus camaradas as atividades de animação circum-escolar.]
Cacém, 9- Janeiro- 1967
(… … …).
Que feliz me sinto, também, pela oportunidade surgida que te pôs a salvo de saídas para o mato. Como é óbvio, essa felicidade é ainda mais completa quando as perspectivas de um regresso antecipado começam a avolumar-se.
(… … …).
Mansabá, 9-1-1967
(… … …).
Estou bem, com saúde e muitas saudades tuas. Já quase me faço compreender pelas miuditas a quem dou aulas todos os dias. É um trabalho que me está a agradar imenso, até porque me ajuda a passar o tempo, agora que ele me parece tão difícil de passar.
(… … …).
Mansabá, 23 Jan. 1967
(… … …)
Falar-te do meu dia a dia (…). Como já sabes, não ando no mato. Sábados de tarde e Domingos, não trabalho. Nos outros dias dou duas horas de aulas, da parte da manhã, às crianças e outras duas, da parte da tarde, aos soldados. (…). Vistas bem as coisas, comparando a minha situação actual com a anterior, é caso para andar bem satisfeito, e ando.(…).
Penso que daqui a três meses já devo estar aí agarradinho a ti.
(… … …).
Mansabá, 6-Março-1967
(… … …).
Às vezes tenho estados de espírito estranhos, tal como o de começar a ter saudades de alguma coisa que por cá existe. Refiro-me, muito em especial, às “minhas” pequenitas que, todos os dias, eu no caminho da escola, disputam em corrida qual delas chega primeiro para me agarrar e dizer “bom dia!”. Então, quando acaba a aula, é uma “chatice”. Elas ainda mal falam o português mas já sabem dizer “adeus, amor di mim”, “adeus, querido di mim” e outras frases similares. Na sua ingenuidade repetem o que ouvem dizer lá por casa às irmãs mais velhas, namoriscando com soldado branco.
(…). Enfim, são uns tempos muito bem passados, estes em que lido com as crianças. Cá na terra toda a gente me conhece pelo nome. Passo pelas ruas e às vezes até chateia a frequência com que dizem “M.el Joaquim”. Não dizem muitas vezes mais nada, só esperam que me volte e sorria. (…).
Alegra-me saber que fiz algo de bom por aqui. E é, sim, com um pouco de saudade que vou deixar esta gente. (… … …)
Cacém, 14.3.1967
“Adeus amor de mim”
Enterneceram-me sobremaneira estas palavras proferidas com pura ingenuidade por essas grandes e dedicadas amigas – almas jovens reconhecidas que, atendendo ao carinho e vontade com que lhes ensinas o ABC, o entusiasmo e compreensão com que as deves escutar, (…), te oferecem essas palavras como única mas valiosa recompensa.
Oh meu amor, (…), deves orgulhar-te disso e aceitá-las como recompensa por tantos sacrifícios inúteis, como lenitivo para não sentires que a tua estadia aí foi de todo estéril. Mas não foi mesmo, querido. A prova está aí, sai da boca dessas miuditas que te encantam. (…).
Eu sei, (…), quando regressares à Metrópole não faltarão momentos em que recordarás saudosamente alguma coisa de ti que por aí vai ficar. E, simultaneamente, talvez com saudades serás recordado nessas terras (…).
Mas vem, (…), vem depressa (…) porque, por aqui, as saudades começam a abrir ferida (…). A espera é dolorosa e eu começo a sofrer os seus efeitos.(…).
(…) a data do regresso pode ser protelada mas a mesma força e o mesmo entusiasmo abrirão caminho para efusivamente nos abraçarmos (…).
Não vamos agora desesperar (…) quando estamos quase a transpor a porta do nosso céu. (…)
Muitos e muitos beijos (…). Adeus, meu amor. N.
Mansabá, 10-Abril-1967
(… … …).
Toda esta semana, passei-a a fazer exames [4ª classe do ensino primário]. (…) para que muitos soldados venham a ter o diploma nas mãos. Reconheceram-no e ontem à noite organizaram uma festinha muito simples e comovente, em minha honra. Senti-me confundido com a sua atitude, o seu reconhecimento por tudo o que fiz por eles (…), foi alguma coisa sem outro qualquer intuito que não fosse o de instruí-los. A festinha terminou com razoáveis bebedeiras e por pouco que não apanhei também uma “perua”. Senti-me feliz, deveras satisfeito.
(… … …).
Bissau, 25-Abril-1967
(… … …).
(…) vai aqui um excerto do Diário da Guiné. (…). Na fotografia, a minha presença vai assinalada com uma seta. (…). Consola-me ver que a minha actividade [docente] não passou despercebida. Até fui abraçado pelo general. A exibição coral foi, na verdade, um sucesso. Palavra que me chegaram as lágrimas aos olhos, eu à frente das crianças, quando a exibição coral passou muito para além do que eu pensava. Dois dias depois ouvi a sua transmissão pela rádio e fiquei visivelmente orgulhoso (…).
Saí de Mansabá com as lágrimas nos olhos pois não consegui conter-me perante a despedida afectiva daquelas crianças. Ver criancinhas negras com lágrimas na face, abraçadas a mim, foi demais. Nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto. Foi qualquer coisa de inolvidável, minha N.
(… … …)
Meu amor, calma, muita calma na espera. Eu já quase estou aí. Pouco falta. São só uns dias.
Adoro-te e é nesta adoração que me despeço.
Sou o teu, muito teu M.
Foto 9 > Mansabá, Abril/1967: cerimónia da inauguração da escola pelo Governador e Com.Chefe, general A. Schultz.
Foto da respectiva reportagem publicada no Diário da Guiné.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11650: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (14): Ciúmes
CARTAS DE AMOR E GUERRA
15. Analfabetismo: um outro combate
Bissorã, 24 fev 1966
(… … …).
Minha querida D., desculpa o meu silêncio. Diversas circunstâncias o provocam. Há uns tempos para cá tenho a meu inteiro cargo a instrução primária de 44 soldados, o que me ocupa todas as tardes e princípio das noites, precisamente o tempo mais propício ao descanso. Mas eu trabalho com gosto. Até porque é o meu único trabalho oficial [que acho] válido. E os alunos compreendem e acarinham-me. O que é certo é que o tempo livre voou quase todo. (…).
Como vês, o tempo que tenho para descansar é diminuto e, além disto, ainda tenho a correspondência e a leitura. Sim, porque todos os dias leio alguma coisa. É pena não poder adquirir os livros que quero. Mas, como daqui em diante começam a ir aí à Metrópole camaradas meus, já tenho um meio de os adquirir. (… … …).
Fotos 1 e 2 > Bissorã > Edifício da escola missionária. Fotos tiradas com cinco anos de intervalo; a 1ª, em Out./1965, na altura da minha chegada e a 2ª, em 1970
(© de Carlos Fortunato, fur. mil. CCaç 13).
Lisboa, 1-Março-1966
(… … …)
Meu querido M. peço a tua benevolência para o facto de nem sempre saber controlar-me quando, por qualquer motivo, há um período mais longo sem que me apareçam informações tuas. Também não sabia das tuas novas funções.
Sei que essa actividade te dá bastante prazer e folgo muito com isso. Sei agora que me roubas mais umas horas (…) de convívio contigo e, a ti, um período de descanso que te seria também favorável. Mas, quando o trabalho nos enche completamente as horas, só faz bem. Por um lado, em momentos livres, não nos deixa lugar a pensamentos menos optimistas; por outro lado, dá-nos a sensação de não sermos imbecis, inúteis, de que afinal produzimos alguma coisa ou que ainda temos vontade em não nos deixarmos mergulhar no charco ou no fosso imundo que se abre aos nossos pés e para onde, (…), querem empurrar-nos. Evidentemente que a tua situação aí é um pouco diferente e, por mais trabalho que tivesses, não conseguirias alhear-te da situação ignóbil para que te atiraram.
(… … …).
Mansabá, 2.Jan.1967
(… … …).
Na minha última carta parece-me que te falei em férias que iria gozar este mês. Os planos falharam. À última hora cortaram-me as férias! Porquê?
Precisamente para me enfiarem a ensinar uma classe de militares e uma outra de civis, de garotitas. Julgo que ganhei com a troca. Devido a este meu serviço diário, deixei de ir para o mato. (…). Esta é a primeira alegria que o benjamim [Ano Novo] me trouxe. Entrei com uma “grandecíssima” bebedeira. Não, não te atemorizes, meu amor, que não é para continuar. Não sou alcoólico, longe vá o agoiro!
(…). Vou ter um trabalho estafante mas “quem trabalha por gosto não cansa”. (…).
(… … …).
Fotos 3 e 4 > Mansabá, no início de Jan/1967: “escola” na rua e à sombra de uma mangueira.
© Manuel Joaquim
[Aproximava-se o fim da comissão do BCaç 1857 e eu continuava a dar aulas, voluntariamente, aos soldados da minha CCaç 1419. Por directiva superior fui, então, incumbido de dinamizar a inscrição de crianças para a frequência escolar, organizando também o trabalho didáctico e pedagógico necessários ao funcionamento de uma escola já que tinha qualificação profissional para o poder fazer. Iniciou-se, em paralelo, a construção acelerada de um pequeno edifício escolar, de uma só sala, enquanto os seus futuros utentes começaram a frequentar as aulas em espaços improvisados. Para dar estas aulas formou-se uma equipa constituída por mim e pelos furriéis António Correia e Germano Passeiro (CCaç 1421) e distribuímos os alunos pelos três, eu fiquei com as meninas. Quando o edifício escolar ficou pronto, recebeu de imediato as crianças, assumindo eu todo o serviço docente e os meus camaradas as atividades de animação circum-escolar.]
Cacém, 9- Janeiro- 1967
(… … …).
Que feliz me sinto, também, pela oportunidade surgida que te pôs a salvo de saídas para o mato. Como é óbvio, essa felicidade é ainda mais completa quando as perspectivas de um regresso antecipado começam a avolumar-se.
(… … …).
Mansabá, 9-1-1967
(… … …).
Estou bem, com saúde e muitas saudades tuas. Já quase me faço compreender pelas miuditas a quem dou aulas todos os dias. É um trabalho que me está a agradar imenso, até porque me ajuda a passar o tempo, agora que ele me parece tão difícil de passar.
(… … …).
Foto 5 > Mansabá, Fev/1967: alunas em recreio escolar.
© Manuel Joaquim
Mansabá, 23 Jan. 1967
(… … …)
Falar-te do meu dia a dia (…). Como já sabes, não ando no mato. Sábados de tarde e Domingos, não trabalho. Nos outros dias dou duas horas de aulas, da parte da manhã, às crianças e outras duas, da parte da tarde, aos soldados. (…). Vistas bem as coisas, comparando a minha situação actual com a anterior, é caso para andar bem satisfeito, e ando.(…).
Penso que daqui a três meses já devo estar aí agarradinho a ti.
(… … …).
Mansabá, 6-Março-1967
(… … …).
Às vezes tenho estados de espírito estranhos, tal como o de começar a ter saudades de alguma coisa que por cá existe. Refiro-me, muito em especial, às “minhas” pequenitas que, todos os dias, eu no caminho da escola, disputam em corrida qual delas chega primeiro para me agarrar e dizer “bom dia!”. Então, quando acaba a aula, é uma “chatice”. Elas ainda mal falam o português mas já sabem dizer “adeus, amor di mim”, “adeus, querido di mim” e outras frases similares. Na sua ingenuidade repetem o que ouvem dizer lá por casa às irmãs mais velhas, namoriscando com soldado branco.
Foto 6 > Mansabá, Março/1967: professor “Amor di mim” com quase todas as suas alunas.
© Manuel Joaquim
(…). Enfim, são uns tempos muito bem passados, estes em que lido com as crianças. Cá na terra toda a gente me conhece pelo nome. Passo pelas ruas e às vezes até chateia a frequência com que dizem “M.el Joaquim”. Não dizem muitas vezes mais nada, só esperam que me volte e sorria. (…).
Alegra-me saber que fiz algo de bom por aqui. E é, sim, com um pouco de saudade que vou deixar esta gente. (… … …)
Foto 7 > Mansabá, Março/1967: uma aluna apresenta a sua linda maninha.
© Manuel Joaquim
Cacém, 14.3.1967
“Adeus amor de mim”
Enterneceram-me sobremaneira estas palavras proferidas com pura ingenuidade por essas grandes e dedicadas amigas – almas jovens reconhecidas que, atendendo ao carinho e vontade com que lhes ensinas o ABC, o entusiasmo e compreensão com que as deves escutar, (…), te oferecem essas palavras como única mas valiosa recompensa.
Oh meu amor, (…), deves orgulhar-te disso e aceitá-las como recompensa por tantos sacrifícios inúteis, como lenitivo para não sentires que a tua estadia aí foi de todo estéril. Mas não foi mesmo, querido. A prova está aí, sai da boca dessas miuditas que te encantam. (…).
Eu sei, (…), quando regressares à Metrópole não faltarão momentos em que recordarás saudosamente alguma coisa de ti que por aí vai ficar. E, simultaneamente, talvez com saudades serás recordado nessas terras (…).
Mas vem, (…), vem depressa (…) porque, por aqui, as saudades começam a abrir ferida (…). A espera é dolorosa e eu começo a sofrer os seus efeitos.(…).
(…) a data do regresso pode ser protelada mas a mesma força e o mesmo entusiasmo abrirão caminho para efusivamente nos abraçarmos (…).
Não vamos agora desesperar (…) quando estamos quase a transpor a porta do nosso céu. (…)
Muitos e muitos beijos (…). Adeus, meu amor. N.
Mansabá, 10-Abril-1967
(… … …).
Toda esta semana, passei-a a fazer exames [4ª classe do ensino primário]. (…) para que muitos soldados venham a ter o diploma nas mãos. Reconheceram-no e ontem à noite organizaram uma festinha muito simples e comovente, em minha honra. Senti-me confundido com a sua atitude, o seu reconhecimento por tudo o que fiz por eles (…), foi alguma coisa sem outro qualquer intuito que não fosse o de instruí-los. A festinha terminou com razoáveis bebedeiras e por pouco que não apanhei também uma “perua”. Senti-me feliz, deveras satisfeito.
(… … …).
Bissau, 25-Abril-1967
(… … …).
(…) vai aqui um excerto do Diário da Guiné. (…). Na fotografia, a minha presença vai assinalada com uma seta. (…). Consola-me ver que a minha actividade [docente] não passou despercebida. Até fui abraçado pelo general. A exibição coral foi, na verdade, um sucesso. Palavra que me chegaram as lágrimas aos olhos, eu à frente das crianças, quando a exibição coral passou muito para além do que eu pensava. Dois dias depois ouvi a sua transmissão pela rádio e fiquei visivelmente orgulhoso (…).
Saí de Mansabá com as lágrimas nos olhos pois não consegui conter-me perante a despedida afectiva daquelas crianças. Ver criancinhas negras com lágrimas na face, abraçadas a mim, foi demais. Nunca pensei que as coisas chegassem a este ponto. Foi qualquer coisa de inolvidável, minha N.
(… … …)
Meu amor, calma, muita calma na espera. Eu já quase estou aí. Pouco falta. São só uns dias.
Adoro-te e é nesta adoração que me despeço.
Sou o teu, muito teu M.
Foto 8 > Mansabá, Jan/1967 : e à sombra da mangueira se começou a aprender o “ABC”.
© Manuel Joaquim
Foto 9 > Mansabá, Abril/1967: cerimónia da inauguração da escola pelo Governador e Com.Chefe, general A. Schultz.
Foto da respectiva reportagem publicada no Diário da Guiné.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 29 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11650: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (14): Ciúmes
Guiné 63/74 - P11673: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (9): 3 vistas aéreas de Guileje
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Foto 1 A > Pormenor da foto aérea, tirada no sentido sul-norte, mostrando o essencila da área ocupada pelo quartel e tabanca. A vermelho, a fiada de arame farpado. À direita, ficavam os 3 espaldões de artilharia (peças 11.4, apontadas para a fronteira).
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Foto nº 2 > Foto aérea tirada no sentido norte -sul. Do lado esquerdo, é visível o começo da pista de aviação e uma aeronave. Também é bem nítida a a rede de arame farpado, os abrigos subterrâneos, as principais instalações das NT, e as viaturas. O aquartelamento era atravessado pela estrada (, ao conto superior direito,) que levava à fonte, no rio Afiá, e a Mejo).
Guiné > Região de Tombali > Guileje >Foto 3 > Outra vista aérea, a preto e branco, tirada no sentido sul-norte.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > Fotop nº 3A > A preto, assinalada a rede de arame farpado; e a vermelho os três espaldões da artilharia (apontedaos para a fronteira, a leste)
Fotos: © Carlos Fraga (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: L.G.]
~
Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1966: Planta do aquartelamento. Orientação Norte-Sul. Guileje ficava entre Mejo, a noroeste, na estrada que dava a Bedanda, e a estrada do sul, Quebo-Gandembel-Gadamel-Cacine, paralela à fronteira com a Guiné-Conacri. Mapa desenhado por Nuno Rubim (1998).
Infografia: © Nuno Rubim (2005). Todos os direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1973 > Croquis do aquartelamento e tabanca, desenhado à mão pelo fur mil op esp José Casimiro Carvalho (CCAÇ 8350, 1972/73), e enviado pelo correio a seu pai.
Legenda:
(i) Pelo que se consegue perceber nes infografia, o aquartelamento e a tabanca de Guileje formavam um rectângulo (ou mesmo um quadrado, em 1967, segundo o Zé Neto, com 250 m x 250 m]. todo minado à volta, na parte desmatada, com minas, armadilhas e fornilhos;
(ii) A orientação parece ser leste-oeste, estando as peças de artilharia de 11.4, em número de três, apontadas para a fronteira com a República da Guiné-Conacri;
(iii) Podem ver-se ainda as posições dos morteiros, a verde: dois 81 (incluindo o 'meu', o que era operado pela secção do Furriel Carvalho, do lado oeste, junto a um dos abrigos) e dois 10,7;
(iv) No lado esquerdo (, neste caso, a norte do aquartelamento), há um campo de futebol, uma pista de aterragem de aeronaves e um heliporto;
(v) Ao longo do perímetro do aquartelamento, há arame farpado, postos de iluminação, postos de sentinela (cinco), abrigos e valas, todos devidamente assinalados;
(vi) As palhotas da tabanca situam-se dentro do perímetro do aquartelamento;
(vii) O trilho que corre a noroeste da pista de aviação era o trilho da água, o que significava que as NT e a população precisavam de sair do perímetro defensivo para se abastecer do precioso líquido;
(viii) A esttrada que atravessava o aquartelamento e a tabanca, no sentido leste-oeste, era a que seguia para Mejo e Bedanda (a noroeste) e ligava a sul à estrada de Quebo- Gadamael - Gadamael Cacine, ao longo da fronteira.
Infografia: © José Casimiro Carvalho (2005)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Guiné < Região de Tombali > mapa de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa da povoação de Guileje, situada a cerca de 8 km da fronteira com a Guiné-Cronaki (a leste).
Infografia: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013). Todos os direitos reservados.
1. Comtinuação da publicação do álbum de Carlos Fraga, que alf mil, na 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, na segunda metade do ano de 1973, indo depois comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974).
Quando o alf mil Carlos Fraga chegou ao TO da Guiné, por volta de meados de 1973, já Guileje tinha sido retirada pelas NT (em 22 de maio de 1973). O acontecimento deve ter tido algum impacto no moral das NT, a ponto de se venderem, em Bissau e noutros sítios (como Mansoa), fotos como estas.
São três fotos (a um preto e branco) que fazem parte do álbum do Carlos Fraga e que, naturalmente, não foram tiradas por ele que nunca esteve em Guileje. Ele disse-nos explicitamente que as comprou. E é difícil, se não mesmo impossível, identificar a autoria das fotos.
Guileje fazia parte dos 3 G: Guidaje, Guileje e Gadamael... Estes três topónimos eram pronunciados, em Bissau e noutros sítios do território, em meados de 1973, com respeito. Tal como Madina do Boé e o Rio Corubal, quando eu cheguei a Bissau, em finais de maio de 1969... (LG)
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Nota do editor:
Último poste da série > 22 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11609: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (8): Mansoa, espaldão do morteiro 81, e pessoal na caserna matando o tempo a jogar cartas...
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