
Queridos amigos,
Se ainda subsistissem dúvidas quanto à ténue presença portuguesa na Guiné nesses anos de 1840, veja-se o mapa elaborado por Chelmicki, é perfeitamente claro que só entrámos no interior da Guiné muito depois da Convenção Luso-Francesa de 1886.
Esta corografia cabo-verdiana é um daqueles relatos indispensáveis para se conhecer com mais rigor o que era a Guiné Portuguesa em meados do século XIX.
Um abraço do
Mário
Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (1)
Mário Beja Santos
No cômputo dos relatos essenciais ainda da primeira metade do século XIX, relativamente à Guiné Portuguesa, seria imperdoável silenciarmos o trabalho rigoroso do então Tenente do Corpo de Engenheiros José Conrado Carlos de Chelmicki (1814 - 1890, na foto à esquerda), um polaco que decidiu vir para Portugal e embrenhar-se na causa liberal, apaixonou-se pelo estudo do Império, esta Corografia Cabo-Verdiana é prova provada.
Chelmicki, como é óbvio, centra o seu trabalho no arquipélago cabo-verdiano, a Senegâmbia era matéria residual. Traz, no entanto, observações muito peculiares, e as suas críticas revelam uma grande paixão por aqueles dois pontos de África.
“Vinte léguas acima da foz do Rio Cacheu ou de S. Domingos está a praça de Cacheu. Do Sul à primeira terra defronte de Bolor é a Mata de Putana, ponta cheia de arvoredo e é terra de Felupes. Daqui para Bissau há três caminhos. Primeiro, entre a terra dos Felupes e Papéis; segundo, por fora, pelo Canal das Caravelas ou pelo Canal das Âncoras; terceiro, partindo da Mata de Putana, passando pela terra dos Felupes até à Ponta das Cabaceiras”.
Ilustração do livro Corografia Cabo-verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, imagem da Vila da Praia
A Guiné Portuguesa estava dividida em dois distritos, o de Bissau e o de Cacheu. Seguindo a sua situação geográfica, passa à descrição dos nossos presídios e pontas ali situados, no distrito de Cacheu destaca Zinguinchor, Cacheu, Bolor e Farim. No distrito de Bissau menciona a Fortaleza de S. José, Bolama, Ilha das Galinhas, Fá, Geba, Guinala e outras ilhas dos Bijagós. Entrando no que hoje classificaríamos como análise dos recursos, não perde a oportunidade para falar do estado em que se encontram os edifícios portugueses:
“Miseráveis fortins, que fora do alcance da sua artilharia não exercem influência nenhuma, e os portugueses estabelecidos preferem o ganho fácil nas trocas de géneros à nobre, honrada e já tão adiantada arte de cultivar a terra. A fazenda de D. Rosa de Cacheu, no Poilão do Leão, é a única que existe nos limites da Guiné Portuguesa”.
Sempre que pode, apela a quem o lê para que se intensifique a colonização dos brancos, que se divulgue a prosperidade da terra. Mas é muito duro nas suas observações, como escreve:
“Eis aqui o que nos resta depois de 400 anos de posse: miseráveis presídios, nenhuma indústria, falta de comércio e de cultura. E não podia deixar de chegar a este deplorável estado de ruína. Tudo, tanto nas ciências e artes, como nas administrações, não tendo melhoras, não tendo progressos, ficando estacionário, em breve é retrógrado. Portugal com os olhos fitos no novo hemisfério com a riqueza de minas, não se importou com as possessões africanas. Aquelas estão perdidas já para sempre, mas com estas que ainda existem na posse, Portugal em poucos anos, com boa administração, tornará a ganhar o seu antigo esplendor. Consideremos as possessões de Guiné como colónias comerciais e agrícolas. Elas estão em muito melhor situação que as inglesas e francesas. Cinco grandes rios, como o de Casamansa, S. Domingos, Geba, Rio Grande e Nuno, navegáveis muito para o interior, oferecem fáceis meios de comunicação, boas vias de comércio e uma fronteira natural de um país que facilmente se pode ocupar e converter para cultura de plantas indígenas, que nos fornecerão produtos que com tanta despesa e trabalho procuramos fora.
Ocupando as embocaduras destes rios com pequenos fortes, cuja construção muito pouco custará ao governo, em razão da sua utilidade, dilataremos a fronteira marítima desde o Rio de S. Pedro até ao Cabo da Verga, e proibindo de facto a exportação dos escravos de toda esta costa, os habitantes voltarão às pacíficas ocupações de agricultura. Os terrenos obtêm-se com facilidade dos indígenas: então devem ser repartidos em grandes sesmarias, a proprietários ricos, zelosos do bem público e inteligentes nos seus interesses. Mandem-se vir colonos da Holanda, Suíça e Alemanha, donde eles trarão a indústria e civilização, e aumentarão assim a população branca sem diminuirmos a do reino. Favorecendo o governo os açorianos, eles hão de preferir estabelecer-se aqui, e com trabalho, sabendo que o ganho é deles, enriquecer-se em pouco, do que servirem de escravos brancos aos brasileiros. A Guiné Portuguesa deve ser uma colónia de exportação de produtos agrícolas.
E termina assim:
“Eis a descrição geográfica da província das ilhas de Cabo Verde e costa da Guiné, no desgraçado estado em que está atualmente. Oxalá que o sábio Congresso Legislativo atenda como convém e é de esperar, à justa, mas triste e humilhante comparação que fez o Visconde Sá da Bandeira das nossas colónias com a do Cabo da Boa-Esperança, que tanto aumentou em riquezas e população branca”.
E a descrição prossegue, e é verdadeiramente interessante.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 14 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22102: Historiografia da presença portuguesa em África (258): Diogo Gomes, um navegador e diplomata do século XV, na publicação "Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais", edição do Ministério das Colónias, Junta de Investigações Coloniais, 1950 (Mário Beja Santos)