quarta-feira, 14 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22102: Historiografia da presença portuguesa em África (258): Diogo Gomes, um navegador e diplomata do século XV, na publicação "Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais", edição do Ministério das Colónias, Junta de Investigações Coloniais, 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
Quando qualquer um de nós chegava à cidade de Bissau era confrontado com umas estátuas de figuras seguramente muito importantes, mas que inteiramente desconhecíamos, ou quase. Nem Diogo Gomes ou Honório Pereira Barreto nos provocavam assombro. Chegada a independência, num ato de repúdio da presença colonial, removeram esta estatuária, por vezes aos pedaços, para o interior da fortaleza de Cacheu. Bem devem estar arrependidos, goste-se ou não fazem parte da identidade guineense, de algum modo simbolizam a navegação portuguesa até àquelas paragens, seguramente que hoje os guineenses já sabem que Honório Pereira Barreto foi o seu pai-fundador, não tivesse ele andado a comprar por conta própria e em nome da Coroa o que comprou e só por um bambúrrio da sorte é que na Convenção Luso-Francesa de maio de 1986 é que a superfície da Guiné ficou como está. Demorei muito tempo a aperceber-me da importância de Diogo Gomes e acho que ninguém perde em saber que ele tentou o expediente diplomático criar boas relações comerciais com o Mandé, o Império Mandinga, numa época tumultuosa de desmembramento de impérios.

Um abraço do
Mário


Diogo Gomes, um navegador e diplomata do século XV

Mário Beja Santos

O então Comandante Teixeira da Mota, no contexto da Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, edição do Ministério das Colónias, Junta de Investigações Coloniais, 1950, publicou a sua comunicação sobre Diogo Gomes, primeiro grande explorador da Gâmbia, 1456.

Observa o historiador que esta viagem de Diogo Gomes é apenas conhecida através do relato que o navegador, muitos anos mais tarde, fez a Martinho da Boémia, e que Valentim Fernandes registou na sua compilação de notícias acerca da África Ocidental.

Começaram a explorar o Canal do Geba, até perto da confluência Geba-Corubal e observaram os efeitos do macaréu. Regressaram até ao Atlântico e encetaram a exploração do Gâmbia, viajaram até Cantor. Estabeleceram relações pacíficas com o chefe local, o Niomimansa, além de outras relações comerciais. O objetivo de Diogo Gomes era procurar o Preste João e também procurar o Mandimansa com o objetivo político e económico de estabelecer comércio aurífero do Sudão, foram expetativas mal-sucedidas. Estabeleceram-se relações amistosas com os Mandingas do Baixo e Médio Gâmbia e do Baixo Geba – foi este o primeiro contato pacífico com súbditos do imperador do Mali, cuja fama lendária corria então na Europa. Em Cantor havia um grande mercado aurífero, esta rota continuou a ser seguida pelos tempos fora. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII os portugueses não deixaram de lá ir à procura sobretudo de ouro.

Outro investigador, Carlos Manuel Valentim, publicou um seu trabalho intitulado Os Primeiros Contactos Diplomáticos entre a Europa e a África Subsariana, a viagem de Diogo Gomes em 1456 nos Anais do Clube Militar Naval, abril-junho 2007. Tem uma muito bem urdida introdução onde se contextualiza algumas das razões para a expansão portuguesa. Refere em concreto o esgotamento do modelo económico comercial europeu, as pestes e as guerras, sobretudo a Guerra dos Cem Anos, tudo vai convergir para que se estabeleça na Europa no final do século XIV o reconhecimento da importância do comércio marítimo e o afã em procurar novos mercados, havia uma grande procura de metais preciosos, assim nasce o projeto henriquino. Havia o mito do Preste João, detentor de um poderoso reino, com sede para oriente do rio Nilo, iria desde a Índia até ao Atlântico africano, era um soberano lendário que governaria um povo de cristãos, havia pois que o encontrar e estabelecer contactos.

As navegações portuguesas alcançaram a chamada África Negra em 1444, ultrapassara-se a Mauritânia. Nestas primeiras viagens para Sul da Costa Ocidental Atlântica, quando se avistou o rio Senegal, pôs-se logo a hipótese de estar em presença do rio Nilo, havia a ilusão de que se tinha achado um braço daquele grande rio. Graças às viagens, ia-se apurando as caraterísticas políticas e sociais da região. Transmitia-se pela documentação que nesta área vigorava uma federação de Estados liderada por um senhor poderoso, o Grão Jalofo. A chegada dos europeus vai ser contemporânea do desmoronamento da construção política desta área compreendida entre o vale do Senegal e o vale do Gâmbia, bem como o Futa-Toro. Os navegadores falam genericamente da Senegâmbia e transmitem a importância dos eixos comerciais aqui existentes. A etnia predominante é a Mandinga, é o reino Mandé, compreendendo os vales do Senegal e do Gâmbia, autónomo do Mandimansa.

Uma das primeiras descrições que temos desta grande via hidrográfica é-nos dada por Diogo Gomes, um homem da Casa Senhorial do Infante D. Henrique. É ele que estabelece uma aliança em nome do Infante D. Henrique com o rei do Niomi, estabelecerá acordos pacíficos com um conjunto de régulos e submeterá no Cabo Verde continental o Bezeguiche, inimigo tradicional dos portugueses. Diogo Gomes desempenhou um papel muito ativo na recolha de informações e no reconhecimento hidrográfico e etnográfico de toda a área a sul de Cabo Verde.

Na segunda viagem à região surge a primeira menção direta ao uso do quadrante: “Eu tinha um quadrante quando fui a essas paragens e escrevi na tábua do quadrante a altura do polo ártico, achando melhor do que uma carta. É verdade que numa carta se vê a rota de navegar, mas se alguma vez se introduz um erro, nunca se volta ao ponto primitivo”. Importa esclarecer que com este instrumento de medição Gomes obtinha as “alturas” da Polar, comparando os seus valores com base no local de referência (Lisboa, Lagos ou Madeira, por exemplo).

Continua em discussão se este relato foi transmitido por Diogo Gomes oralmente a Martinho da Boémia ou se foi escrito pelo seu próprio punho. Das viagens que efetuou, sabe-se que com Gil Eanes e Lançarote de Freitas participou na expedição militar de 1445 à ilha de Tider, não longe de Arguim. Dá pormenores valiosos da subida do rio Gâmbia até Cantor em busca de informações sobre o comércio do ouro e das vias que ligavam as regiões auríferas do Senegal, do Alto Níger e do entreposto comercial de Tombuctu às rotas sarianas que desembocavam no litoral marroquino.

Os portugueses descobriram que não tinham condições para capturar escravos, era-lhes mais proveitoso obter acordos com os senhores locais para conseguir a mão-de-obra desejada. Foi graças a esses acordos que o resgate se manterá florescente. No litoral, os portugueses trocavam cavalos por escravos e subiam o rio Gâmbia até às feiras de Cantor para desenvolver um ativo comércio de ouro. No seu relato, Diogo Gomes que capitaneava uma esquadra de três navios lembra a sua ligação ao senhor Infante e as instruções que dele recebeu para ir mais além do que pudesse. Possivelmente, no regresso desta exploração, tocou o arquipélago de Cabo verde, cujo descobrimento reclama para si, na companhia do italiano Antonio de Noli. Falecido o infante, Diogo Gomes reforça a sua ligação à corte e será nomeado almoxarife de Sintra.

Teixeira da Mota e Carlos Valentim convergem quanto à importância de Diogo Gomes, um dos mais inteligentes e ativos obreiros do Infante D. Henrique e um dos maiores navegadores e exploradores da sua época.
O que resta da estátua de Diogo Gomes, na Fortaleza de Cacheu
Carta náutica de Fernão Vaz Dourado incluída num atlas desenhado em 1571, Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Américo Vespúcio numa gravura contemporânea
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE MARÇO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22031: Historiografia da presença portuguesa em África (257): A "Expansão portuguesa na Guiné", por Maria Archer; em "O Mundo Português", revista de atualidades do Império, edição da Agência Geral das Colónias, abril de 1946 (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

A última figura que ilustra este post (que mostra Américo Vespúcio, o navegador italiano cujo nome próprio foi usado para designar um continente chamado América) deve ter sido escolhida para ilustrar a utlização de um quadrante na determinação da latitude de um lugar. A verdade é que a figura apresentada não mostra Vespúcio utilizando um quadrante, mas sim uma esfera armilar inteira. Ainda por cima, Vespúcio usa a esfera armilar para determinar a latitude de um lugar situado a sul do equador e não a norte, pois ele é representado observando a altura da constelação do Cruzeiro do Sul no céu, e não a da Estrela Polar. Ora o Senegal, a Gâmbia, a Guiné e outros lugares visitados por Diogo Gomes nas suas navegações ficam no hemisfério norte, onde o Cruzeiro do Sul não é visível. O que é visível, é a Estrela Polar. A figura que representa Américo Vespúcio está, portanto, duplamente fora do contexto do post, pois mostra uma esfera armilar e mostra o Cruzeiro do Sul.