quinta-feira, 15 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22105: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (28): sável frito com açorda de ovas, à moda da "chef" Alice, inspirando-se na gastronomia de Vila Franca de Xira

Foto nº 1 > Sável frito, crocante...


Foto nº 2 >  A açorda de ovas (de sável)...


Foto nº 3 > Lourinhã, Praia do Porto das Barcas... Ao fundo, a Praia do Porto Dinheiro...


Lourinhã > Porto das Barcas > Tabanca do Atira-te ao Mar > 11 de abril de 2021 > Fechou a época do sável...Este (Foto nº 1)  ainda foi pescado em março... Mas só agora comido... A receita foi à moda da"chef" Alice Carneiro, inspirando-se na cozinha  de Vila Franca de Xira, onde o sável vai à mesa do rei... Já os "colonialistas" dos romanos gostavam do sável lusitano...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Não vou discutir se o melhor sável é o do rio Minho, ou do rio Douro ou do rio Mondego ou do Rio Tejo...Estupidamente as barragens mataram o sável do Douro... Tal como a lampreia e outras espécies. Mas isso é outra história. Triste. As barragens, a poluição, a sobrepesca... A verdade é que a população de savel (nome científico, Alosa alosa) está a diminuir drasticamente em Portugal.

Também não vou discutir onde se come o melhor sável do mundo e qual a melhor receita... Este ano tive o privilégio de comer sável por três vezes, e sempre na melhor companhia de alguns amigos e camaradas, e salvaguardando sempre as regras de saúde e segurança em vigor na pandemia de Covid-19.

Com 2 kg de sável, fêmea, que custaram cerca de 15 euros, a"chef" Alice deu de comer a cinco tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar... Num sítio paradisíaco, secreto, longe das vistas dos mirones (e onde a ASAE não mete o bedelho...).

Desta vez a "chef" Alice não o fez à moda duriense, o sável frito com arroz, mas sim o sável frito com açorda de ovas... Porque o peixe que arranjou era fêmea e tinha ovas. (Fazer com ovas de pescada é batota.). E fez *a moda das gentes ribeirinhas do Tejo, dos vilafranquenses. 
Há aqui um vídeo da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, com a receita do "chef" José Maria Lino. 

Os convivas adoraram, as postas fininhas do sável estavam bem fritas e crocantes. E a açorda, se lhe chorar por mais!... 

Para o ano haverá mais, se o sável vier desovar aos nossos rios...Espantoso, é um peixe que pode viver 8 anos, atingindo a maturidade sexual aos 4/6 anos...É nesta altura que inicia a migração para o rio onde nasceu!... E para morrer, em geral, após a desova. Há espécies altruistas...

Sabe-se que os "colonialistas" dos romanos adoravam o "sável" lusitano... E se calhar foram eles que nos passaram o gosto... Se sim, o "colonialismo" não tem  só coisas más... Mas a palavra "sável" não parece vir do latim. Se calhar até é bom que seja de etimologia duvidosa. (**)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 10 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22091: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (26): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte III: cozido à portuguesa, para despedida do inverno; frutos do mar, como saudação à primavera

(**) Vd. poste de 5 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14434: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): A sagração da primavera, em louvor do sável

A sagração da primavera

por Luís Graça

Come-se o sável da tradição
que transborda as margens dos rios da nossa memória,
na semana santa em que o pecado era a carne
ou a tentação da carne ou a falta dela.

Frita-se o sável no azeite dos pobres,
supremo luxo, na sexta feira santa
em que Cristo morreu por todos nós,
os inocentes, os pecadores
e todos os que nunca tomam partido
entre a veemência do mal e a urgência do bem.
E quem não tem sável, come savelha,
que de sáveis por São Marcos enchiam-se os barcos.

Vem o sável apanhado nas redes
das pesqueiras do Douro quando o sável e a lampreia
chegavam a Porto Antigo e daqui à tua aldeia,
e os barcos rabelos eram endiabrados brinquedos
que caíam no buraco negro dos cachões,
carregados do vinho fino
que não matava a fome á pobreza.

Boa era a truta, bom o salmão,
e melhor o sável quando sazão,
diziam o fidalgo e o abade
que eram mais carneiros do que peixeiros.
E quem tem bula, que coma carne.

Comia-se o sável um vez por ano,
na cozinha gourmet dos camponeses
de entre Douro e Minho.
Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!,
traz a boa nova o compasso
que bate a todas as portas dos cristãos.

E estalam foguetes no ar,
e rebentam em flor as cerejeiras
(aqui chamam-se cerdeiras),
e as videiras dão gamões,
e o verde é mais verde
sob o azul do céu das serras
que estrangulam os vales e os lameiros
e o rio Douro quando era selvagem e livre.

É a primavera que chega,
e há de ser o solstício do verão,
regulando a vida circadiana dos adoradores do sol
e dos comedores de sável.

É vida que triunfa sobre a morte.
é a Páscoa aqui no Norte,
é a festa da brava gente
que sempre teve engenho e arte,
quer na paz quer na guerra.

Pois que seja boa e santa e feliz a Páscoa,
para todos,
em toda a terra,
por toda a parte.

Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses,
4 de abril de 2015
v2

4 comentários:

Valdemar Silva disse...

Estas imagens de Comes & bebes da "chef" Alice Carneiro são tão sugestivas como as esculturas de Fídias.
Os cachos de uvas esculpidos por Fídias eram tão perfeitos, que as aves partiam os bicos ao quererem comê-los, e neste caso das imagens do sável frito e da travessa d'ovas já me apareceram moscas a esbarrar no ecrã do computador.
Quanto ao sável, lembro-me em criança a minha avó comprar sável a um peixeiro que passava à nossa porta, vindo de Vila Praia d'Âncora tocando corneta e vender sável à posta, com a particularidade de o grande peixe vir de postas já cortadas mas seguras à espinha principal, que depois eram sacadas conforme as ia vendendo. Depois eram muito bem fritas para se comer tudo sem dar conta das espinhas.

Abraços
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Bom dia,

Este ano e no anterior, ainda não comi o nosso Sável, o estado de emergência, os restaurantes fechados, e chapéu, vamos esperar melhores dias.
Normalmente só como o sável em restaurante especializado em Matosinhos, fininho, bem frito, de modo que se comam até as espinhas, em casa não é costume cozinhar este peixe, só no tempo da minha mãe e da minha sogra, que já não voltam.
Fiquei de olho nessa especialidade crocante que não conhecia. e as ovas, que a minha mulher muito gosta.
Para o ano há mais, se lá chegarmos...

Parabens à Chefe Alice Carneiro.

Virgilio Teixeira




Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgilio,como já em tempos te disse, só descobri o sável e a lampreia com a Alice que é uma mulher do Norte... Na minha terra não se ligava a peixes do rio porque era generoso em peixe e marisco. Mas hoje sou fã do sável e da lampreia. Nem toda a gente gosta das duas coisas. Em Candoz,toda a gente gosta do sável mas nem todos apreciam a lampreia.

São dois pratos da nossa gastronomia que temos o dever,de Norte a Sul, de proteger e divulgar. É espantoso como num país pequeno como o nosso haja uma riqueza e diversidade gastronómicas tão grandes.

Que a Covid não nos tire o gosto e o olfacto... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É espantoso como um peixe tão cheio de espinhas, é tão saboroso. O
segredo das nossas cozinheiras está na preparação: dá - se uma congeladela e corta-se às postas muito fininhas...