1. O Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", mandou-nos, em 24 de fevereiro passado, mais uns pequenos textos para "reviver as nossas vivências na Guiné". com a seguinte nota de apreço e amizade, que agradecemos e retribuímos: "Boa tarde, amigo. Um abraço grande de amizade do Barros. E parabéns pelo teu trabalho no seio do blogue".
A sinfonia dos estorninhos…
por Carlos Barros
Após um “lauto” jantar, na caserna do 3º grupo de combate, eu, o furriel Barros, estava a conversar com o soldado condutor Fernando de Almeida, natural de Oliveira de Azeméis, sobre as suas madrinhas de guerra que eram de Ovar, por sinal, irmãs…Falávamos dos amores e traições sofridas.
A Guiné dispunha de uma fauna apreciável e relativamente importante, com destaque especial para as aves: pelicano, gaivina, íbis, garça e flamingo, na costa marítima.
No mangal, zonas de água doce e húmidas, o corvo marinho, mergulhão-serpente, egreta –grande, pássaro-martelo, cegonha, singanga, maçarico, serpentário, águi , picanço-bárbaro, pica-peixe, jabiru, patos, gansos, pavão, grou, tarambola, pardal, poupa, andorinha, rola, gavião, águia, cuco, pavão, noitibó, mocho, calão-grande, abelharuco, papagaio, periquito, picanço pomba-verde, palrador, melros , estorninhos…
Era já noitinha, e deliciava-me a ouvir os cânticos dos melros, pousados nos ramos das palmeiras, bem lá no alto e dizia eu para o Almeida:
− Há dias matei um destes estorninhos, precisamente naquela palmeira e estou muito arrependido porque perdi o seu canto, que seria belo no seio daquele “bando coral”, lembrando-me do grupo do Canto Coral do meu tempo de estudo, primeiramente na Escola Primária, com a Professora D. Isolina como maestrina e, mais tarde, no Externato Colégio Infante Sagres, de Esposende , cujo maestro era o Padre Avelino…
Foram longos minutos a ouvir “obras musicais canoras” daquela “melrada” afinadinha, uma delícia para o meu ouvido, já destreinado da sua sensibilidade inicial, porque os estrondos das bombas dos bombardeamentos, dos RPG 2 e 7, e o matraquear das “costureirinhas e das Kalashese tinham-me ferido os tímpanos daí, minha actual perda parcial de audição, num dos meus ouvidos.
Esta sessão foi bruscamente interrompida porque fomos flagelados, mais uma vez, pelos canhões e morteiros dos guerrilheiros do PAIGC e, como defesa, encentámos uma fuga rápida para os nossos abrigos, valas e espaldões de morteiros para responder ao inimigo.
Foram momentos de angústia e de tremenda pressão porque a morte estava sempre a pairar no ar…
Os estorninhos, esses, antes das granadas explodirem e com o seu barulho ensurdecedor, partiram a grande velocidade para destinos incertos!
Ainda hoje, no quintal de Vila Cova, adoro ouvir os melros cantarem e até, como agradecimento, coloquei uma pia para eles beberem e refrescarem-se, com algum alimento-produto a acompanhar!
São os remorsos da guerra, contudo, as Associações Protectoras de Animais, e até o PAN - Partido das Pessoas, Animais e Natureza, perdoar-me-ão estes atos e isso aconteceu porque estava eu “apanhado da guerra” e os nossos sentimentos e personalidade encontravam-se transtornados daí, a condescendência para estes comportamentos, nem sempre compreensíveis para os humanos que nunca viveram a guerra com quem convivemos, no meu caso e de outros camaradas durante 25 meses e 18 dias no inferno da da Guiné (1972/74).
− Estou crente que os familiares do estorninho falecido me perdoarão por ter abatido um deles! − pensei cá para comigo. − E, parafraseando o provérbio popular da nossa terra, também eles concordarão comigo; "Estorninhos e pardais, todos somos iguais!"...
Um dos momentos mais felizes da minha vida foi o meu regresso à Metrópole, a Lisboa, deixando a guerra para trás, na altura um jovem, que era um homem de paz com profundo défcie de liberdade que o 25 de Abril me deu como prenda saborosa…
Usufruindo dessa liberdade, arduamente conquistada, quero deixar aqui um agradecimento especial ao nosso amigo editor, o professor Luís Graça que, com o seu / nosso Blog Tabanca Grande, dá voz àqueles que nunca tiveram voz antes do dia 25 de Abril 1974.
Estamos, com as nossas estórias reais, vividas na Guiné, a construir a História da Guerra Colonial, que nem sempre, é compreendida ou por ignorância, ou por má fé…
Dessa aterradora realidade da guerra apenas me restou a amizade entre os militares e, não é por acaso, que nos reunimos anualmente, há 45 anos consecutivos em convívios e essa “palavra aurífera”, em teoria e em atos, a amizade, continua reluzente, fresquinha, ativa…
Carlos Manuel de Lima Barros
(Ex-furriel Miliciano,
Bissau, Bolama, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74)
Esposende 14 de fevereiro de 2021
Esposende 14 de fevereiro de 2021
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Nota do editor:
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