Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74), "Os Tigres do Cumbijã" > > 1974 > Festejando, condignamente, a conquista do último lugar do torneio de futebol inter pelotões bebendo uísque na minúscula taça. Da direita para a esquerda: Afonso, Belinha (o homem que ia sempre na dianteira do pelotão com a sua pica), Costa e mais camaradas do 2,º pelotão.
Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa,
ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII (**)
Atividades lúdicas… e Grândola, Vila Morena!
Os dias estavam a tornar-se cada vez mais enfadonhos, com muitos de nós a riscar pauzinhos na parede da caserna por cada dia que passava, tal qual um prisioneiro.
Bem se esforçava o Furriel Formosinho, acabado de chegar à companhia carregando às costas a sua G3 e o seu violão, em levantar o moral das tropas com as suas serenatas noturnas cantando canções do “reviralho” e outras fora da caixa. Foi marcante e muito importante para todos nós a sua chegada ao Cumbijã, trazendo para além do violão, a sua irreverência e alegria contagiantes.
Sentíamos aqui como nunca a falta do dia das lavadeiras. Era aqui, neste “buraco” no fim do mundo, que estes momentos seriam importantes para quebrar um pouco as rotinas diárias de: Patrulhas, flagelações, minas, cerveja durante o dia e whisky durante a noite.
Aqui não havia população e a roupa era enviada para as nossas lavadeiras de Aldeia Formosa na coluna diária do transporte de água.
Desde a chegada ao Cumbijã, embora me continuasse a lavar a roupa, nunca mais vi a minha simpática e eficiente lavadeira.
Aqui, a única alegria a que tínhamos direito era a chegada do correio.
Até a "Cilinha" (Presidente do Movimento Nacional Feminino), não obstante a sua coragem, não teve a suficiente para visitar o Cumbijã, preferindo o aquartelamento vizinho de Nhala, dias antes do 25 de Abril de 74. Obviamente era um hotel de 5 estrelas em comparação ao nosso parque de campismo selvagem!!!
Teria sido um momento memorável ver a “Cilinha” tomar banho nos nossos chuveiros, com água a saber a gasóleo e com vistas privilegiadas para a horta do Zé Carlos e para todo o destacamento. Acredito que era mulher para o fazer sem nenhum constrangimento!
A própria RTP nunca ousou visitar-nos para gravar as históricas mensagens dos soldados transmitidas religiosamente no dia de Natal. Ainda chegaram a sugerir irmos a Aldeia Formosa fazer as gravações. Declinámos o convite, com o argumento que só fazíamos as gravações na nossa casa (Cumbijã).
Até os Capelães desconheciam este buraco tendo-nos honrado uma única vez com a sua presença com a celebração de uma missa. Dia histórico no Cumbijã, apesar da pouca audiência. Situação que o Capelão aproveitou para não mais aparecer (não quero ser injusto já que há relatos que confirmam a importância destes “homens de Deus” em diferentes locais do território da Guiné demonstrando grande humanismo e coragem).
Contudo, havia escola com alguns graduados a prepararem um grupo de soldados para realizarem o exame da 4ª classe. Exame esse que se realizou no Cumbijã com a deslocação de um professor primário, creio que de Bissau.
Reza a história que a coisa não estava a correr nada bem aos examinandos pelo que foi necessário simular um ataque ao destacamento, fazendo dois disparos de obus com o professor a fugir em pânico, deixando tranquilamente acontecer a ajuda aos nossos bravos soldados e acabando todos, obviamente, por passar.
Durante este período até deu para fazermos um torneio de futebol, onde a minha equipa (o meu pelotão) ficou num honroso 5.º lugar, ou seja, o último! Contudo, não deixamos de protestar o último jogo já que fomos claramente “roubados”.
Sendo este o último jogo do dia, estava próxima a hora em que aconteciam as flagelações de canhão sem recuo do IN. Faltavam uns 3 minutos para acabar o jogo quando ouvimos uma grande explosão que fez levantar uma grande nuvem de pó, fazendo supor que estávamos na presença de uma nova flagelação, seguida da debandada de todos os jogadores para as valas. Situação aproveitada por um “cacimbado” da equipa adversária, retendo a fuga por uns segundos. introduzindo a bola na nossa baliza deserta antes de fugir. Como a equipa adversária equipava de vermelho o árbitro validou o golo averbando nós mais uma derrota.
A explosão não foi mais um ataque do IN mas sim o rebentamento de granadas antigas, já sem espoleta, que tinham sido colocadas, num buraco, fora do arama farpado para serem destruídas por simpatia com o lançamento de uma granada (???) para o monte de toda aquela sucata. Um pequeno incêndio junto às mesmas acabou por antecipar a sua destruição. Sendo evidente alguma negligência, felizmente, tudo não passou de um grande susto, sem consequências de maior… a não ser as desportivas!
Não obstante estas rotinas sentia-se no ar que o PAIGC estava a preparar novas incursões estilo Guileje, Gadamael e Guidage, com o apoio dos países amigos. Especulava-se que o PAIGC tinha já garantida a utilização de carros de combate e eventualmente aviação.
Foi neste clima de tensão que, um belo dia, tivemos conhecimento pela “Maria Turra” (uma emissão de rádio do PAIGC, sediada na Guiné-Conacri e que nós muitas vezes ouvíamos), de um golpe de estado em Lisboa.
Como sempre acontece nos conflitos militares, da propaganda à realidade vai a distância do céu ao inferno pelo que demos a importância de sempre às notícias difundidas por esta emissora - algum fumo de um pequeno incêndio!
Contudo, na tarde do dia 26, vinha eu com a minha cerveja e o meu "Norte Desportivo" na mão, quando o Martins se vira para mim e me diz, de forma perentória:
- Costa! Há mesmo “merda” em Lisboa.
[Sempre fui alvo de “chacota” por ler o "Norte Desportivo" (já que “gente fina” lia "A Bola" – um dos muitos órgãos... oficiosos do Benfica), que o meu irmão Manuel esporadicamente me enviava. Este jornal, o único que falava do FCP, fazia o impensável (dado os meios da altura) de. aos domingos, quando ainda o pessoal estava a sair dos campos de futebol, já o ardina o está a vender à saída, com os resultados finais, com a constituição das equipas e respetivos comentários aos jogos. Os comentários eram feitos de véspera, e os resultados colocados muitas das vezes à mão. 90% dos comentários acabavam por bater certo, o que convenhamos, era uma boa média…]
Consolidado o 25 de Abril, e estando nós já no fim da comissão, não obstante a alegria esfuziante que reinava, preocupava-nos a possibilidade de alguma anarquia bem como a nossa retenção na Guiné (já com a comissão no fim), já que as palavras de ordem nas ruas de Lisboa eram: "Nem mais um soldado para as colónias!"...
Com todos estes desenvolvimentos só tomei conhecimento que havia feito anos (27 de Abril), na segunda quinzena de Maio ao ler um aerograma vindo de casa, acompanhado do "Jornal de Notícias" com imagens das grandiosas manifestação do 1º de Maio.
Felizmente, ao contrário de outros teatros de guerra, de a ferro e fogo passámos para uma paz quase total.
As hostilidades cessaram, sem que nenhuma instituição, organização ou hierarquia (de um lado ou do outro) o decretasse. Em alguns locais houve mesmo encontros entre a nossa tropa e grupos armados do PAIGC, com abraços e festa conjunta.
Dá que pensar !...dá que pensar !…
Nota: Vai-se lá saber porquê, e para quê, fui eleito pelos meus pares como delegado do MFA, em representação da companhia. Manga de ronco! Ainda estou a pensar se hei-de colocar este cargo (que nunca exerci) no meu currículo!
(Continua)
Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)
O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público. Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.
Os pedidos devem ser feitos para o e-mail: jscosta68@gmail.com, indicando o endereço postal.___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 31 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22861: Notas de leitura (1404): Joaquim Costa, "Memórias de guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina. Guiné: 1972/74", Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp. - Parte I: "E tudo isto, a guerra, para quê ? Não sei"...
(**) Último poste da série > 20 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973