quarta-feira, 15 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23353: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (4): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte III: Cerco e ataque IN (650/700 elementos) a Guidaje, de 8 de maio a 12 de junho de 1973



Guiné > Região do Cacheu > Carta da província da Guiné (1961) > Escala 1/ 500 mil > Detalhe: A fatídica picada Binta - Genicó - Cufeu -Ujeque - Guidaje...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2012)




1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, ou a "batalha dos 3 G" (ou batalhas ?),  já aqui tão acaloradamente discutida, analisada, comentada, ao ponto de alguns de nós termos perdido a serenidade e a contenção verbal que devem ser apanágio deste blogue de antigos combatentes...

Em 2023, os três G vão fazer meio centenário... Bolas, como estamos velhos como o c...!

Mas ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas). (*)

Nestes dia que correm de fim de prinevera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil  poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA )2015) sobre estes acontecimentos(*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN a Guidaje, no Norte (de 8 de maio a 12 de junho de 1973)



(...) O inimigo desencadeou no mês de Maio uma operação que tinha por finalidade isolar Guidaje, tendo para o efeito flagelado esse aquartelamento e Bigene, quer para obrigar ao abandono e posterior destruição, quer ainda para impedir o auxílio da artilharia e das NT. 

Além disso deslocou elevado número de elementos para a estrada Binta-Guidaje com o fim de tentar neutralizar qualquer tentativa de reabastecimento.

No início de Maio, a guarnição militar de Guidaje (sob comando operacional do COP 3 com sede em Bigene), era constituída pela CCaç 19 e 24° Pel Art (10,5 cm), num total de um pouco menos de 200 militares.

Os efectivos do PAIGC, que se encontravam na região de Cumbamori 
[no interior do Senegal a escassos 7 km da fonteira] Senegal, julgam-se que eram os seguintes:
  • Corpo de Exército 199/B/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; 
  • Corpo de Exército 199/C/70, com cinco bigrupos de infantaria e uma bataria de artilharia; grupos de foguetes da Frente Norte, com quatro rampas; 
  • três bigrupos de infantaria, um grupo de reconhecimento e uma bataria de artilharia do Corpo de Exército 199/A/70 deslocados de Sare Lali (Zona Leste) (efectivos estimados em 650 a 700 homens).
[Veja-se a cronologia dos acontecimentos: ]

(i) Em 8 de Maio, Guidaje esteve debaixo de fogo por cinco vezes num total de 2 horas; dia 9 sofreu 4 ataques; dia 10, três e até 29Mai todos os dias foi flagelada, num total de quarenta e três ataques principalmente com artilharia, foguetões e morteiros. Todos os edificios do aquartelamento ficaram danificados. A guarnição teve 7 mortos e 30 feridos militares e a população 15 feridos .

(ii) Em 8Mai pelas 16h00,numa acção de escolta a uma coluna de viaturas no itinerário Farim-Guidaje por forças de 1 GCom 1ª C/BCaç 4512/72 e 1 GComb/CCaç 14, accionaram uma mina anticarro que danificou uma viatura. A seguir as forças foram emboscadas durante 15 minutos por um grupo lN fazendo uso de armas automáticas, morteiros e LGFog 
RPG-2 e RPG-7. Pernoitando no local, no dia seguinte pelas 05h20, as
 forças foram atacadas durante 4 horas. Devido à falta de munições as forças foram compelidas a retirarem para Binta. O lN teve 13 mortos e vários feridos prováveis. As NT sofreram 4 mortos, 8 feridos graves e 10 ligeiros. Quatro viaturas foram incendiadas e destruídas.

(iii) Em 10Mai, uma força constituída por 2 GComb 1ª C/BCaç 4512/72, 2 GComb/ 2ª C/BCaç 4512/72,2 GComb/CCaç 14 e 1Bigrupo da 38ª CCmds, encarregada de escoltar uma coluna entre Farim e Guidaje, accionou 2 minas A/P , cujo rebentamento provocou 1 morto, 1 ferido grave e 1 ligeiro às NT.

No mesmo dia, 2 GComb/CCaç 19 saíram de Guidaje para executarem a picagem e abertura do itinerário até Cufeu, juntamente com 2 GComb/CCaç 3 (da guarnição de Bigene e que foram reforçar Guidaje) que realizavam a protecção à picagem e tinham por missão continuar a mesma até Genicó, onde se daria o encontro com a coluna saída de Binta.

A força da CCaç 19, accionou 1 mina A/P reforçada com 1 mina A/C , de que resultou 1 ferido grave e 1 ligeiro.

A força da CCaç 3: 

"Antes de entrar na região do Cufeu, foi por mim pedido fogo de artilharia para ambos os lados da estrada de modo a ser batida a bolanha.

Entretanto instalei o pessoal em linha do lado esquerdo da estrada no sentido Guidaje-Binta [... ]

"A Artilharia entretanto fez um dos tiros pedidos, do que resultou saírem do lado esquerdo da bolanha 22 elementos ln nos quais foram referenciados alguns de cor branca. No contacto resultante, o lN foi posto em fuga, seguindo para o lado direito da Bolanha.

"Em virtude do acontecido e visto os restantes tiros pedidos não terem ido executados, dei ordem para seguir para a tabanca do Cufeu. Ao entrar na referida tabanca o lN desencadeou forte emboscada, a partir de lado direito da estrada, com apoio de canhão sem recuo, morteiro 82 mm e armas pesadas. Tendo em vista a situação dei ordem para avançar, saindo assim da zona de morte do mort 82 mm, tendo pedido de novo apoio ao Pel Art de Guidaje e aos 2 GComb da CCaç 19 que faziam a picagem.

"Não tendo sido prestado esse apoio, [... ] dei ordem para retirar por secções, tendo como pontos de encontro Guidaje e Genicó. Com um grupo de 8 elementos tentei seguir para Genicó a fim de contactar com o Comandante da coluna saída de Binta; [... ] tal foi no entanto possível [... ], tendo então dado ordem aos elementos em melhor estado físico de seguir para Guidaje, onde exporiam a situação. Com os 4 elementos restantes prossegui a deslocação tendo pernoitado a noite na bolanha de Fajonquito, Rep Senegal, e atingido Guidaje em 11Mai73, pelas 7h30. [... ]

De acordo com as informações recebidas o lN sofreu 12 mortos confirmados e 9 feridos, as NT tiveram um ferido ligeiro. [... ]". 
 

[Nota: Relatório de acção de protecção à picagem no sentido Guidaje-Genicó realizada em 10Mai73 pelo Cmdt da coluna da CCaç 3. ]


(iv) Em 12Mai, uma coluna de reabastecimento, ida de Farim, escoltada pelos DFE nºs 3 e 4, conseguiu atingir Guidaje. Em 15, no regresso a Farim, as NT accionaram 2 minas, sofrendo 2 feridos graves; mais tarde foram emboscadas, sofrendo 5 feridos.


(v) Em 15Mai uma força constituída por 2 GComb/CCaç 3518, Pel Mil 322 e 1 GComb da CCaç Africana Eventual-Cuntima  [sic] , comandada pelo Cmdt da 2ª C/BCaç 4512/72, efectuou uma coluna de reabastecimento a Guidaje partindo de Farim. Tinha apoio para execução de picagem de 1 GComb/1ª C/BCaç 4512/72, 1 Grupo de Milícias de Farim e 2 GComb/ CCaç 3; 1 DFE emboscado no Cufeu e o apoio de artilharia do 24° Pel Art e 27° Pel Art. Chegou a Guidaje pelas 15h30 do mesmo dia, sem contacto com o lN.

O retorno da coluna a Farim, reforçada com 2 GComb/CCaç 3 e um agrupamento do DFE, faz-se pelas 10h00 do dia 19Mai.

Antes da coluna ter penetrado na tabanca do Cufeu, a equipa que seguia picando o itinerário accionou uma mina anticarro que originou um morto e um ferido grave às NF. Pouco depois, accionada outra mina anticarro por uma viatura Berliet, que ficou parcialmente danificada,
mas incapaz para prosseguir o deslocamento. De seguida um civil ficou ferido por ter accionado uma mina antipessoal. Pelas 12h20, na zona de tabanca do Cufeu, a coluna é emboscada, frontal à sua testa, por um grupo lN estimado em cerca de 100 elementos.

A força dos DFE nºs 1 e 4 reagiu à emboscada, tendo sido pedido apoio aéreo e fogo da Artilharia de Guidaje. Pelas 12h55 o lN activou dois mísseis terra-ar que partiram do lado sul da bolanha do Cufeu. Pelas 13h20 é dada ordem de regresso a Guidaje em virtude do esgotamento de munições; abandonou-se a viatura Berliet minada. 

No total as NT sofreram 5 feridos. A coluna permaneceu em Guidaje, de 20 a 29Mai, tendo sofrido 4 mortos num ataque lN a Guidaje em 26Mai, às 23h00. 

Em 30 a força, incorporada numa coluna organizada em Guidaje, com forças ali estacionadas e outras chegadas a 19Mai, regressou a Farim".

 [Nota: Extractos do Relatório da Operação "Reabastecimento a Guidaje realizado em 15Mai73" da 2ª C/ BCaç 4512/72 e dos Relatórios da "acção realizada em 19Mai73" dos Iº e 20º  GComb/CCaç 3.]


(vi) Em 23Mai, saiu de Binta, uma coluna de reabastecimento com destino a Guidaje. Era constituída pelas seguintes subunidades: CCP 121, DFE nºs 1 e 4, 1 GComb/CCaç 14 e 1 GComb/CCaç 3.

"Até Genicó a coluna correu sem dificuldades. Em Genicó o GComb/CCaç 3 começou a picagem, correndo também sem dificuldades até ao momento que 1 elemento accionou uma mina anticarro reforçada com uma antipessoal, que lhe causou morte imediata. Segundo um elemento do GComb/CCaç 3 que conhecia mais ou menos a zona, devia a coluna estar aproximadamente a 3 Km do Cufeu. Entrou-se logo em contacto com Águia (Cmdt COP 3 Avançado) o qual mandou prosseguir, apesar de haver já um morto. Ia a coluna a prosseguir, outro elemento do GComb/CCaç 3 accionou uma outra mina anticarro reforçada com uma antipessoal, que lhe causou também morte imediata e 1 ferido grave do mesmo grupo. [... ] Entrou-se logo em contacto com o Cmdt do COP 3 Avançado informando-o da situação actual da coluna.

"Foi-nos dada ordem do mesmo para prosseguirmos com a coluna a corta-mato. Estávamo-nos a preparar para progredirmos com as viaturas a corta-mato, quando um elemento dos DFE nºs 1 e 4 accionou uma mina antipessoal a uns 4 metros da picada, que lhe decepou uma perna e mais ferimentos. De novo entrámos em contacto com o Cmdt do COP 3 Avançado, informando-o da situação actual da coluna. Logo após termos accionado a 1ª mina, entrámos em contacto com o Grupo da CCaç 14 que tinha ficado em Genicó, para ir ao nosso encontro a fim de transportar os feridos e os mortos para Binta. Passados 3/4 de hora, apareceu um grupo junto de nós, mas não era da CCaç 14, mas sim 1 GComb da 2Ç CCaç/BCaç 4512/72 de Jumbembem. 

"Entretanto o Cmdt do COP 3 Avançado deu-nos ordem para regressarmos ao ponto inicial da partida. Do local onde nos encontrávamos até Binta, a coluna correu bem. Chegados a Binta, tratamos de evacuar os dois feridos e de arranjar urnas para os dois mortos. De Binta a Ganturé fomos transportados pelo NRP Hidra sem problemas. De Ganturé para Bigene também não houve problemas.?" 

 [Nota: Relatório da coluna Binta-Guidaje realizada em 23Mai73 pelo GComb/CCaç 3.]

Como já referido foi decidido que a coluna regressasse a Binta com excepção da CCP 121, que recebeu a missão de atingir Guidaje. Pelas 16h30, na região do Cufeu, a CCP 121 é emboscada por numeroso grupo inimigo, sofrendo 4 mortos e 2 feridos graves e provocando, com o apoio da Força Aérea, baixas não controladas ao lN. A CCP 121 atingiu Guidaje ao final do dia.

(vii) Em 29Mai, o COP 3 levou a efeito uma coluna de reabastecimento e abertura do itinerário entre Binta e Guidaje, articulando as suas forças em seis Agrupamentos:

A - 2 Bigrupos/38* CCmds e Pel Sapadores do BCaç 4512/72

B - 1 GComb/1ª C/BCaç 4512/72, 1 GComb/2ª C /BCaç 4512/72, GE Mil 342 e 2° GComb/CCav 3420

C - CCav 3420 (-)

D - CCaç 3414

E - CCP 121

F-DFE

A CCP 121 montou emboscada na região do Cufeu. O DFE montou emboscada na clareira de Ujeque. O 24º Pel Art, em Guidaje, apoiou o deslocamento a partir da antiga tabanca do Cufeu.

O Agrupamento B levou um D-6 do BEng 447.

"Pelas 05HOO o Agr A saiu de Binta seguido do Agr B. Iniciou-se a progressão até Genicó indo o Pel Sap e GE Mil 342 de Olossato, do Agr B, alternando-se na picagem da estrada. Seguidamente continuou-se a progredir ao longo da picada de molde a atingir-se o limite Sul de um suposto campo de minas ln, na zona das viaturas destruídas. Nesta zona um picador accionou uma mina A/C  ao picar, causando-lhe morte instantânea e ferimentos graves num Furriel desta CCmds e ferimentos ligeiros em vários militares. a morto e os feridos foram transportados para Genicó por um GComb/2ª C/lBCaç 4512/72. Imediatamente se começou a abrir uma nova picada para oeste utilizando o D-6.

"A abertura fez-se em bom andamento devido à arborização do terreno. Nesta altura, atendendo a que o Agrupamento B se encontrava desfalcado de um GComb que fez a evacuação para a retaguarda, fez--se a junção dos Agr A e B.

Pelas 11h30 do lado Nordeste elementos ln foram detectados pelo Soldado "Comando" NM - 15306371 Santos Silva que abriu fogo, tend o lN ripostado. Debaixo do combate aceso o Agrupamento A lançou-se ao assalto; entretanto o Alf Rocha do mesmo Agrupamento conseguiu colocar o mort 81 mm em posição batendo a zona do ln. Durante o assalto o ln redobrou o fogo dos morteiros 82 mm, RPG e armas ligeiras pelo que o Agrupamento A não conseguiu concretizar o assalto; noentanto em resposta o Agr A redobrou o fogo tendo calado o fogo lN.

"Passados 10 minutos numerosos elementos ln vindos de oeste o dispondo-se em linha começaram a avançar para a frente noroeste das NT; então o Agr A formou também uma linha para dar combate ao lN.

"As NT abriram fogo tendo o lN ripostado com fogo cerrado de armas ligeiras e pesadas nomeadamente canhão sem recuo e mort 82 mm.

"Salienta-se nesta altura o Soldado António Mendes que correu atrás trazendo o mort 81 mm para a frente noroeste ao pé de mim e montou-o com a ajuda da guarnição, fazendo de apontador, de pé, indiferente ao cerrado fogo do lN. [... ] a lN abandonou a posição acabando por retirar em direcção a Uália. [... ]

"Às 13h00 a coluna voltou a pôr-se em movimento com o mesmo dispositivo de segurança ( 2 GComb em linha à frente e segurança lateral), depois do Cmdt do cap 3 ter dado ordem para prosseguirmos até Guidaje. Atravessou-se a bolanha do Cufeu e entrou-se em contacto
com Agr E (Paras) e daí fez-se um desvio para a picada Cufeu- Ujeque. Mal se entrou na picada um Unimog 404 da CCaç 3414 accionou uma mina anticarro de que resultou a destruição do Unimog, a morte do condutor e ferimentos em vários militares. 

"Nesta altura um Soldado Milícia de GE Mil 342 accionou uma mina antipessoal que estava na berma e que lhe originou amputação duma perna. Em virtude destes acontecimentos, voltou-se a abrir nova picada paralela à antiga até Ujeque onde se encontravam emboscados os Fuzileiros (Agr F); a coluna voltou à picada antiga e a testa e uma viatura foram emboscadas a 3 Km de Guidaje, sem consequências, com armas pesadas (mort 82 mm), lgfog e armas automáticas.

"Às 18H30 todas as forças atingiram Guidaje. [... ]" 

 [ Nota: Transcrito do Relatório da "escolta entre Binta e Guidaje em 29Mai73" da 3S" CCmds, do Relatório da operação "reabastecimento a Guidaje em 29Mai73" do Agr B/COP 3 e do Relatório da operação de "abertura do itinerário Binta-Guidaje e reforço ao COP 3 que decorreu de 2SMai a 30Jun73" da CCav 3420.] 
 
O IN teve feridos prováveis e foi-lhe capturada 1 granada de RPG-2 e uma granada de mão F -1". As NT sofreram 2 mortos, 1 ferido grave e 11 feridos ligeiros .

(viii) Em 5Jun um GComb da guarnição de Binta efectuou a picagem do itinerário Binta-Farim e a segurança a uma coluna. Quando esta acabou de transpor a ponte do rio Caur,  um elemento do grupo accionou com a pica uma mina A/C tendo morte instantânea, tendo a mesma causado ferimentos ligeiros a outro elemento. Acorreu em auxílio, dada a hipótese de haver elementos lN na zona, 1 GComb/2ª C/BCaç 4514/72 e 1 GComb PMil 282, que transportaram o morto e o ferido para Farim.

(ix) Em 11Jun, às 05h00,  saiu uma coluna auto de Guidaje com destino a Binta, abrindo novo itinerário. A força era constituída por 1 GComb/lª C/BCaç 4512/72, Pel Sap do BCaç 4512/72, GMIL 342, 1 Sec AM Panhard do ERec 3432, Pel Caç Nativos 56 e 65.

Forças de 3 GComb/CCav 3420, 38ª CCmds e 3ª C/BCaç 4514/72 emboscaram na ponta nordeste da bolanha do Cufeu, entre 1000 metros nordeste da ponta nordeste do Cufeu e Alabato, todas estas forças balizando e definindo o itinerário de marcha. A coluna chegou a Binta pelas 15h00 sem contacto com o lN. Regressou a Guidaje pelas 16h30 com mais sete viaturas da 3ª C/BCaç 4514/72 carregadas com reabastecimentos percorrendo o itinerário aberto em sentido inverso, também sem contacto IN. 

  [
Nota: Relatório de acção realizado em 11Jun73 do Posto Comando Avançado do COP 3.]
 
(x)  Em 12Jun, constitui-se nova coluna que saiu de Guidaje pelas 09h00 com destino a Binta que à medida que percorria o itinerário, foi recolhendo os 3 GComb/CCav 3420 e 38ª Cmds. Depois da passagem da coluna a 3ª C/BCaç 4514/72 recolheu a Guidaje. O Tenente-Coronel de Cavalaria António V. Correia de Campos, que comandava o COP 3, veio também na coluna .

(xi) No mês de Junho de 1973 o Inimigo apenas flagelou por uma vez Guidaje o que indica que desistira das suas intenções sobre este aquartelamento.

(Continua)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 306/313. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos,  pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série;


6 de junho de 2022  Guiné 61/74 - P23332: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (3): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte II: Inimigo, atividade militar

Guiné 61/74 - P23352: Historiografia da presença portuguesa em África (321): Grande polémica (2): Luís Loff de Vasconcelos versus Teixeira Pinto e Abdul Indjai (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2021:

Queridos amigos,
Permanecem muitos pontos de interrogação quanto às razões fundadas que poderão ter levado à extinção da Liga Guineense, instituição declaradamente republicana, outrora reconhecida como muitíssimo útil e que passa a ser tratada como uma entidade demoníaca por se ter oposto aos planos perpetrados pelo Capitão Teixeira Pinto para submeter os indígenas de Bissau. Como ficou demonstrado, Abdul Indjai saqueou e destruiu por anos a economia dos Papéis e dos Grumetes da ilha. Não se conhece melhor documento que rebata as teses triunfalistas pró-Teixeira Pinto que o opúsculo escrito por Luís Loff de Vasconcelos, conceituado escritor cabo-verdiano que seguramente teve acesso a depoimentos que a versão oficial silenciou.
É inaceitável que a História da Guiné Portuguesa deixe na penumbra uma investigação determinante para se perceber não só o caráter da campanha de pacificação mas pelo facto de se dever atribuir o sucesso da mesma a um saqueador que foi régulo e déspota tão turbulento que pela segunda vez foi levado ao exílio.
Respeitando o contraditório, vamos ver agora as teses que se opõem.

Um abraço do
Mário



Grande polémica (2):
Luís Loff de Vasconcelos versus Teixeira Pinto e Abdul Indjai


Mário Beja Santos

Em "A presença portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", por Armando Tavares da Silva, Caminhos Romanos, 2016, a versão das depredações praticadas pelo chefe de quadrilha Abdul Indjai e os seus irregulares e as responsabilidades do capitão Teixeira Pinto distinguem-se literalmente das acusações apresentadas por Luís Loff de Vasconcelos. Aliás, Tavares da Silva dá-nos um quadro curricular mais alargado do que o do publicista cabo-verdiano. Logo em 1906, o Governador Almeida Pessanha vê-se obrigado a refrear Abdul Indjai, este tinha servido de auxiliar na campanha do Churo. O mercenário senegalês tentara várias vezes atacar o Oio, fora sempre repelido, a sua gente de guerra fazia razias, servindo-se do nome do Governo. Em abril, Abdul é preso e o seu bando disperso, é enviado para S. Tomé. No ano seguinte, o príncipe real D. Luiz Filipe de visita a S. Tomé, concede permissão para Abdul regressar à Guiné, e este participará nas campanhas de Badora e Cuor, conta o revoltoso régulo Infali Soncó. Ao lado do Governador Oliveira Muzanty, Abdul e os seus irregulares participam nas operações, põe o régulo revoltoso em fuga e Abdul irá ser nomeado régulo do Cuor, suscitando inúmeras queixas. Em 1912, o Capitão João Teixeira Pinto chega à Guiné como Chefe de Estado-Maior, irá dedicar-se à ocupação e pacificação da província. Dá prioridade à ocupação das regiões de Mansoa e Oio, parte disfarçado em inspetor da Casa Soller, atravessa a região, sugere ao governador Carlos Pereira que se recorra a grumetes ou a irregulares. Pede-se a colaboração da Liga Guineense que mostra indisponibilidade e Teixeira Pinto aproveita-se de Abdul Indjai e dos seus irregulares, pretende atacar o Oio num flanco e o administrador de Geba, Calvet de Magalhães, atacará pelo outro.

Tavares da Silva descreve minuciosamente as operações no Oio e o pedido de paz das gentes da região de Mansabá, são presos vários revoltosos, dá-se como submetidos os Balantas do Oio. Calvet de Magalhães tem uma progressão mais acidentada, mas também chega a bom porto. O êxito das operações leva à concessão de medalhas e louvores. Pouco depois de Carlos Pereira ter deixado a Guiné começam a surgir notícias que atribuem atrocidades a Abdul e aos seus quadrilheiros no Oio. A Legação Britânica na Guiné enviara uma nota para o ministro em Lisboa informando-o do aventureiro Abdul e dos seus 400 indígenas senegaleses, que praticariam terríveis barbaridades, massacres, roubos e raptos. Troca-se inúmera correspondência entre as autoridades mas as queixas não cessam. Chega novo governador, Andrade Sequeira, que nomeia uma comissão para ir ao Oio apurar as atividades de Abdul e dos seus homens. É neste tempo que se dá o massacre do Pelotão de Polícia Rural do alferes Pedro e Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, correm operações em Cacheu, no seu relatório ao Governador, Teixeira Pinto não deixa de observar que a revolta dos indígenas era proveniente não só do seu espírito de guerreiro mas ainda e principalmente da sua falta de educação. Temos novas queixas contra a gente de Abdul, vêm do tenente António José Teixeira de Miranda, comandante do posto de Mansabá. Mas Andrade Sequeira nomeia Abdul tenente de 2.ª Linha. Seguem-se as operações para submeter os Balantas, Abdul Indjai colabora e Teixeira Pinto pede ao governador a nomeação do chefe de quadrilha para régulo do Oio. Depois de uma pausa em Lisboa Teixeira Pinto regressa à Guiné e temos agora a Campanha de Bissau que irá levar Luís Loff Vasconcelos a escrever acusações demolidoras. É escusado procurar transparência nas argumentações utilizadas se era ou não evitável a guerra na ilha de Bissau. A Liga Guineense opunha-se tenazmente e tinha razões de sobra, o seu espírito republicano era definido por uma elite de mercadores profissionais liberais e contavam com a simpatia de gente cristianizável e em vias de alfabetização, os Papéis e os Grumetes, pedia-se tolerância e prudência, o imposto de palhota começara a ser pago e o armamento em posse dos régulos inquietos eram armas de pedreneira, argumentavam. E a operação é decidida, mesmo havendo vozes discordantes no Conselho Administrativo.

Desenrolam-se as operações em maio de 1915, Teixeira Pinto leva um fraquíssimo contingente regular, os irregulares de Abdul, é apoiado pelo régulo mandinga Mamadu Sissé e pelos Futa-Fulas de Alfa Mamadu Seilu. Não houve mistério na argumentação trocada sobre quem e porquê mandou prender os dirigentes da Liga Guineense, teria havido um prisioneiro que confessara às gentes de Abdul e quem dirigia a resistência e fornecia cartuchame eram figuras ligadas à Liga.

Tavares da Silva dá um amplo desenvolvimento às queixas de Andrade Sequeira sobre o comportamento dos auxiliares. Temos que admitir que mesmo na hipótese de haver excessos na argumentação de Luís Loff sobre as pilhagens e destruições dos quadrilheiros de Abdul, não havia relação sustentada quanto às responsabilidades da Liga Guineense, entretanto entredita e depois extinta. Houve inquestionavelmente movimentações de diferentes interesses para amnistiar ou incriminar os Grumetes, Andrade Sequeira é enérgico, manda sair da ilha os quadrilheiros de Abdul. O comportamento do governador é dúbio, informa o ministro que no atual momento político seria inexequível aniquilar de vez Abdul, havia que o desarmar. Vasco Calvet de Magalhães envia um documento a Andrade Sequeira biografando Abdul, é arrasador, escravizava os prisioneiros e diz mesmo: “Abstenho-me de me ocupar também das barbaridades que lhe deixaram praticar em Bissau e que são do domínio público, não faltando testemunhas dos factos entre os quais o de ter enterrado gentes vivas, etc.”.

E começam as acusações a Teixeira Pinto. Quanto às atrocidades, permitira, tudo vem perfeitamente documentado na obra de Tavares da Silva, e inclusive as inquirições que foram ordenadas fazer a Brito Capello, em dado passo já se insinua práticas administrativas irregulares, tudo acabará arquivado quer porque o governador Andrade Sequeira deixa a Guiné quer porque Teixeira Pinto morre em combate em Moçambique.

E assim chegamos a 1919 e à campanha contra Abdul Indjai, régulo do Oio. O Secretário-geral Caetano Barbosa informa o novo Governador Oliveira Duque das prepotências praticadas pelo chefe de quadrilha. Abdul ainda entrega armas, por exigência do Governo, mas a situação na região, mormente em Mansabá, era de nítido mal-estar entre as populações. Abdul comete o erro de querer oferecer resistência, será preso e deportado para a cidade da Praia, onde irá falecer.

A despeito de inúmera documentação existente, permanecem mistérios que só uma investigação mais apurada permitirá desvendar: quanto à fundamentação da extinção da Liga Guineense, instituição criada por republicanos; se existiram conivências de alguns dos seus membros com os revoltosos Papéis e Grumetes da ilha de Bissau; se Teixeira Pinto se permitiu a fazer vista grossa das atrocidades e pilhagens praticadas pelo chefe de quadrilha e os seus irregulares; como foi possível encontrar justificação por manter este praticante de barbaridades como régulo que agia por conta própria, saqueando, escravizando, fazendo coleta de impostos, armado até aos dentes. É uma investigação muito incómoda para este período colonial: o heroico capitão Teixeira Pinto teve de se socorrer de um chefe de quadrilha e notório criminoso; não são evidentes as ligações entre a Liga Guineense e a rebelião dos régulos da ilha de Bissau; é politicamente insustentável na segunda década do século XX uma potência colonial se apoiasse num bandido sanguinário para fazer ocupação e pacificação. Há que sair deste mar de trevas e procurar apurar o rigor da verdade.

Luís Loff de Vasconcelos
Abdul Indjai
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23337: Historiografia da presença portuguesa em África (320): Grande polémica (1): Luís Loff de Vasconcelos versus Teixeira Pinto e Abdul Indjai (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): Amores em tempo de guerra: I - Um dia de festa em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

O José Teixeira em Ingoré, em 2015, rodeado de crianças

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 12 de Junho de 2022, trazendo-nos uma estória de amor, em tempo de guerra, como não podia deixar de ser. Quem não conheceu uma bela Binta na Guiné? A minha lavadeira chamava-se Binta e era bem bonita.


Amores em tempo de guerra

I - Um dia de festa em tempo de guerra

Não havia luar naquela noite. A obscuridade formigava de estrelas tão vivas que se tornavam ofuscantes aos olhos da Binta. Deitada na margem do regato avivado pela água das fortes chuvadas, ali mesmo ao lado do arame farpado que rodeava a tabanca, Binta deixara-se embalar em pensativo sonho, naquele local onde o mensageiro do Braima a ia visitar, em silêncio, longe a longe, fora das vistas de sentinelas, para lhe trazer novas do seu amado.

“Há quanto tempo lhes resisto... fui lavadeira de alferes, furriéis e até soldados que passaram por aqui. De uns gostei mais, mas nenhum me prendeu o coração. Quantas vezes tive de lhes dizer não!... quantas vezes tive de controlar as suas investidas maliciosas... O facto de ser filha do sargento da milícia e estar noiva do Braima, filho do Mamadu, tem sido a minha arma, que os obriga a respeitar-me. Se eles sonhassem onde anda o Braima, o que ele faz na mata... onde estaria eu?... Obrigada, minha mãe por me ensinares esta mentira, tu, que nunca na vida mentiste e me ensinaste que a mentira é usada pelos homens de cabeça grande, os que se perdem na bebida… na soberba ou na ganância…

...O alferes José Barbosa é diferente... Há dias pegou-me na mão, olhou-me nos olhos e eu pude ver bem dentro dele. Tem uns olhos transparentes, com um pouco de azul-celeste no contorno. Uns olhos destes não mentem, a mentira provocaria uma sombra, estou certa... E ele disse-me: “se o teu Deus é assim tão poderoso que pode criar uma mulher tão bela como tu, ficarei feliz por me submeter à sua lei para o resto da minha vida. Direi contigo: Allah é grande e não há outro Deus senão Ele. Casa comigo, eu dou ao teu pai tudo quanto ele me pedir, casa comigo”, insistiu... insistiu e eu fugi dos seus braços...

...Barbosa... eu amo Braima e esperarei por ele. Já recusei e continuarei a recusar entregar o meu corpo... O meu pai correu com pretendentes velhos e novos. Apesar de não ter recebido o quinhão prometido pelo pai do Braima, naquela noite. Para ele só há uma palavra, a dele. Respeito-o como pai, respeito-o como homem e amo o Braima... cabe-me guardar para ele o maior prazer.
- Mas onde está esse Braima que ninguém vê por aqui? Perguntou-me com ar inquiridor.
- Tive de lhe responder com a mentira que a minha mãe me ensinou.

Onde estará ele a esta hora?... talvez a dormir dentro de uma barraca... ou sobre o chão quente... ou a atacar um quartel... Olossato ou lá o que é, nem sei onde fica...
- Não! Está deitado a contemplar as estrelas, a pensar em mim... será possível que um homem e uma mulher, separados por esta luta violenta, esta guerra maldita; por rios e florestas cerradas; quilómetros de picadas cheias de perigos, possam enlaçar os seus olhos e pensamentos através das estrelas e viver o seu amor?... Braima do meu coração foge da guerra que nos mata... vem meu amor...
Quero-te a meu lado, quero ler o nosso futuro nos teus olhos, amar, ter filhos... maldita luta que me afastaste do meu amor!”

E Binta deixou-se adormecer como tantas vezes, sonhando com o seu amado. Acordaram-na os passos do cabo de ronda na sua tarefa noturna de manter as sentinelas em alerta.

José Teixeira

____________

Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23342: Estórias do Zé Teixeira (51): Há festa na Tabanca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Guiné 61/74 - P23350: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (29): Por terras de Farim - II (e última) Parte: gentes e lugares


Foto nº 5A > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Tabanca de Canico  Tomane, mulheres mandingas, horticultoras (2)

Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Tabanca de Canico  Tomane, mulheres mandingas,  horticultoras(1)

Foto nº 5B > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Tabanca de Canico  Tomane, mulheres mandingas, horticultoras (3)

Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 >  Tabanca de Canico  Tomane, bajudas mandingas...  Vejam os "progressos" do véu islâmico..., quando comparamos estas imagens com as do passado de 50 anos.


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Molhos de lenha, à beira da estrada, no K3. A lenha e o carvão são levados para Bissau para que não falte na época das chuvas na casa das famílias... 90% das famílias de Bissau ainda os utilizam como combustível nas suas cozinhas.

Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Horta de Djalicunda

Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 >  Tabanca de Binar Fula, Dungal

Foto n  10 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Tabanca de Binar Fula, Dungal. Ainda há burros...


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 >  "Torre de observação e de lanternas, na rampa sul de Farim"

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das fotos que o  Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário) nos mandou de Farim no passado dia 9 (*).

Interessantes as fotos nºs 5 e 6, reveladoras da evolução dos costumes no que diz respeito à indumentária feminina e, nomeadamente, ao uso do véu islâmico. Sobre este assunto ver um artigo do El País, de 16 de agosto de 2016 (Islão: ISLÃ - Como identificar os diferentes tipos de véus islâmicos)
___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23349: Parabéns a você (2074): Francisco Silva, ex-Alf Mil Art da CART 3492 e CMDT do Pel Caç Nat 51 (Xitole e Jumbembém, 1971/73)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23335: Parabéns a você (2073): João Gabriel Sacoto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617/BCAÇ 619 (Bissau, Catió e Cachil, 1964/66)

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23348: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (28): Por terras de Farim - Parte I: atravessando, de piroga, o rio Cacheu onde há crocodilos...


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Pirogas: o único meio de transporte para  atravessar o rio Cacheu  e chegar a Farim


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Fila para apanhar as pirogas para a cidade de Farim


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Piroga para Farim... Lá vou eu!


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 7 de junho de 2022 > Crocodilo-do-Nilo (Lagarto, em crioulo) (Crocodylus nilotcus)... Está protegido por lei... Pode atingir os 7 metros de comprimento...e atacar o homem.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Patrício Ribeiro, nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões da ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário:

Data - quinta, 9/06/2022, 17:22
Assunto - Bom dia, desde Bissau

Luís,

Junto algumas fotos, dos meus passeios esta semana, pela região de Farim.

Com o início das chuvas, há muita atividade agrícola, nas recolha e vendas dos produtos:

  • Castanha de caju, centenas de camiões de reboque a retirar dos pequenos armazéns nas tabancas (quase todos de proprietários da Mauritânia) para vender aos grandes armazéns dos Indianos em Bissau;
  • O fole, que um fruto da época, acido, mas que tira a sede e dá um belo sumo;
  • Sacos e sacos cheios de mangos à venda nas tabancas, para serem transportados para as cidades;
  • Lenha e carvão, também vendido à beira da estrada, para ser transportado para Bissau, para não faltar na época das chuvas na casa das famílias. 90% das famílias de Bissau ainda utilizam como combustível nas suas cozinhas.

Junto fotos das pirogas de transporte de pessoas e mercadorias, para travessia do rio Cacheu em Farim, já que os outros meios de transporte estão avariados. (as fotos falam por si) (Parte I). Assim como fotos de algumas tabancas, onde passeamos em trabalho como sempre (Parte II, poste a seguir)

Bom feriado, para os trabalhadores de Lisboa, terra da Maria...

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com
___________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P23347: (In)citações (209): As virtudes do Ensino em tempos remotos (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

Em mensagem do dia 11 de Junho de 2022, o nosso camarada Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil de TRMS TSF (Piche e Bissau, 1970/72), vem falar-nos das condicionantes impostas pelo sistema nos nossos tempos de jovens estudantes que determinavam o nosso futuro como militares e até depois como civis:


AS VIRTUDES DO ENSINO EM TEMPOS REMOTOS

Há sempre uma necessidade reclamada por amigos para que se possa contribuir com textos tendo em vista alimentar as suas publicações.
Nem sempre ocorre inspiração para recorrer à memória a fim de materializar recordações. Desta vez, depois de algum vazio mental, lembrei-me, já nem sei porquê, de um episódio, melhor dizendo, de uma sequência de episódios, que originaram situações que potenciaram consequências.
E por isso atrevo-me a pedir que depois de lerem, se lerem, me ajudem com as vossas opiniões, sobre que lições se podem tirar (se é que se podem tirar algumas) do conjunto das situações.

1. - Vamos aos factos

Depois de ter feito o Curso de Montador-Electricista (era assim que se designava) na Escola Industrial e Comercial de Vila Franca de Xira, terminado em 1964, fui para Lisboa, cidade grande, fazer as chamadas Secções Preparatórias para o possível ingresso no Instituto Industrial. Essa fase intermédia ocorreu na Escola Industrial Machado de Castro, nos anos letivos de 1964/65 e 1965/66. Os exames de admissão decorreram com aproveitamento e deste modo entrei no Instituto Industrial de Lisboa para o Curso de Eletrotecnia e Máquinas em Outubro de 1966.

2. – Enquadramento social

Dois pequenos apontamentos para ajudar a complementar as situações e a focalizar as “cenas” na época.

Um desses apontamentos é para lembrar que o Ensino estava elitizado. Havia a via liceal e a via do chamado “ensino técnico”. Aos “liceais” estava aberta a via para a Universidade, nas suas várias vertentes, com os seus “cursos superiores”, enquanto que para os do “ensino técnico” era privilegiada a “via profissional”, ou seja, a entrada no mercado de trabalho para exercer uma profissão ou então, através dos “Institutos”, para almejar alcançar uma situação que seria sempre reconhecida como “cursos médios”.

Ao nível do ensino da engenharia isso traduzia-se a que as duas vertentes, a “universitária” e a “média” se materializavam no Instituto Superior Técnico (e Faculdades de Engenharia) e nos Institutos Industriais, sendo que essa separação elitizada projetava-se na Instituição Militar com os primeiros a integrar os Cursos de Oficiais Milicianos (o COM) e os outros os Cursos de Sargentos Milicianos (o CSM).

Outro pequeno apontamento é que pelos anos acima indicados, talvez ainda se lembrem, pois já são anos “do século passado”, havia um esforço de guerra governamental em terras africanas para defender da cobiça internacional aquelas terras e aquelas gentes que nos tinham sido legadas pelas gestas dos descobrimentos e que os nossos “antanhos” tinham desbravado e defendido para nós, “numa mão a Cruz, noutra a Espada”.

Para esse esforço foram mobilizados milhares de jovens. Aos que na época eram estudantes, era facultada a possibilidade de adiamento da incorporação nas Forças Armadas através de pedidos nesse sentido, com base no desenvolvimento dos estudos.

Aos jovens que frequentavam o Instituto Industrial, que para lá chegarem tinham tido, para além da 4.ª Classe de escolaridade, 5 anos de Ensino Técnico e depois 2 anos das Secções Preparatórias, num total de 7 anos, mas que não tinham “equivalência funcional” aos 7 anos do Ensino Liceal, era também concedida a possibilidade de “pedido de adiamento” mas, para tal, o “aproveitamento escolar” deveria ser irrepreensível. 

 Havia umas quantas “cadeiras” que davam precedência a outras do ano seguinte e cuja falta implicava não se poder avançar e, consequentemente, ao nível do “aproveitamento” era considerado insuficiente para o fim pretendido.

3. - Continuando então com os factos

Este jovem que vos escreve, que até então tinha sido um aluno de razoável mérito, “distraiu-se” um pouco no meio da “cidade grande” e das suas solicitações, embora diariamente fizesse as viagens de comboio entre a casa familiar e a Escola. 

Como resultado disso, as notas da maior parte das disciplinas da 1.ª Frequência desse ano letivo de 1966/67 foram o que se pode chamar “um desastre”. Após isso, e reganhando vontade, atirou-se a tentar recuperar o possível e aconselhado por um Professor de uma das cadeiras fulcrais, a Física, deixou-a “cair” para ter possibilidade e capacidade para outras. Assim fiz.

Não passei de ano na totalidade, pois algumas cadeiras ficaram para trás, mas como ainda não tinha chegado a idade da incorporação militar não houve consequências imediatas. Entrei então no meu segundo ano de presença no Instituto, ano letivo de 1967/68, embora a frequentar novamente cadeiras do 1.º ano e, salvo erro, apenas duas já do 2.º ano, as que não necessitavam de precedência e tinha tido aproveitamento.

Esse ano correu bem.

4. – A situação “estranha”

No ano seguinte, ano letivo de 1968/69, em que já tinha ido “às sortes” em Agosto e aprovado para todo o serviço), as coisas “complicaram-se” a partir de um acontecimento insólito. A cadeira de Matemática II tinha um professor na “teórica”, de nome “Vítor qualquer coisa”, mas por lá conhecido na gíria por “papá”,  já que tínhamos a “mamã”, esposa dele, a dar a “prática”. Diga-se então, em abono da verdade, que funcionava assim como uma “disciplina familiar”…

A “mamã” era uma pessoa de baixa estatura que contrastava fortemente com a altura física do “papá”, o que por vezes era motivo de piadinhas, mas o mais agravante era o facto de a senhora dar aulas a crianças do preparatório e algumas vezes não se dava conta de estar a leccionar no Instituto a “pessoas crescidas” e com recorrência, para chamar a atenção a qualquer coisa, recorria à expressão “então, meninos, tomem lá atenção a isto”, coisa que criava animosidades.

Num dia de prova prática, ocorrida num dos pavilhões onde se davam aulas por falta de instalações apropriadas (um espaço retangular com o quadro ao fundo, a secretária da docente também, carteiras distribuídas em filas e porta de entrada num canto oposto ao quadro), a “mamã” começa a escrever no quadro o enunciado da prova, obviamente estando de costas para os alunos.

Acontece que aí na terceira ou quarta questão, enquanto a escrevia, a porta do fundo foi aberta e um aluno mais velho começou a dar em voz alta a solução para uma daquelas questões. Claro que houve algum “bruá” com o insólito da situação e eu também, entre outros, voltei a cabeça para trás para ver quem e donde vinha o “atrevimento”. Nesse instante a “mamã” também se virou e disse
- Arrume os seus papéis e saia!.

Com o pressentimento que aquilo podia ser para mim,  perguntei ao colega que estava ao lado, que me disse que lhe parecia que sim. Olhei para a “mamã” que nesse momento estava com a cabeça voltada para baixo e continuei a procurar responder às questões. Voltei a ouvir:
- Já lhe disse, arrume os papéis e saia!.

Incomodado com a injustiça e com o “sangue na guelra” dos 19/20 anos, levantei-me e interpelei pouco amistosamente:
- Isso é comigo?
- Sim, sim, saia!
- Mas, professora, eu não fiz nada, não era eu que falava, além disso já tenho estas questões resolvidas, porque é que tenho que sair?
- Porque eu mando!

Revoltado com a situação, levantei-me e incorretamente (do ponto de vista “civilizacional”) cheguei perto da “mamã” e, literalmente, atirei, à bruta, com o papel onde estavam algumas respostas resolvidas, para cima da secretária e saí. 

É preciso que se diga, também em prol da verdade, que 4 ou 5 dos colegas presentes falaram em meu abono e fizeram também menção de abandonar a sala, mas consegui demovê-los a tal.

5. – Consequências “quase” imediatas

Um pouco mais tarde, aquando da colocação das pautas com as classificações, verifiquei que no que me dizia respeito estava lá um provocador “8”, escrito por cima de número rasurado que, notava-se bem por o verniz corretor nem sequer disfarçar bem, que tinha dois dígitos. 

Estava ainda a tentar perceber/digerir o que se passava e as consequências do mesmo, quando vindo do corredor da secretaria aparece o “papá”. Na minha santa ingenuidade pergunto-lhe se não teria havido algum engano pois estava convicto de que no exame final ter tido um desempenho que esperava ser da ordem dos 14 ou 15 e afinal estava na pauta um 8.

Com a maior desfaçatez perguntou sibilinamente
- Qual é o seu número? - ao que eu disse:
- 8606. -  ele replicou (mostrando assim conhecer bem a “estória”):
- Ah, isso, é para ver se ganhas juízo para o ano!

Com esta situação, não foi possível mostrar que o aproveitamento era bom e como consequência fui chamado a incorporar o Exército, a meio de Julho de 1969 na EPC (Escola Prática de Cavalaria), em Santarém, para o 1.º Ciclo do CSM.

6. - Considerações

É aqui que peço o vosso auxílio para tentar extrair conclusões deste emaranhado de acontecimentos e seus enquadramentos.

Valorizar o sistema de Ensino então vigente? O seu elitismo? A sua forma de aplicar pedagogia?

Por outro lado, é bem verdade que, por via dos acontecimentos, tive a oportunidade de contactar e conhecer tantas pessoas com as quais agora desenvolvo relações de amizade e respeito.

Então qual deverá ser o sentimento que devo privilegiar nestas recordações?

Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF

____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23312: (In)citações (208): Uma tarde maravilhosa, na cidadela de Cascais, vendo com pessoas amigas a exposição "Portugal e Luxembugo: países de esperança em tempos difíceis" e recordando o nosso Aristides Sousa Mendes (João Crisóstomo, Nova Iorque)

Guiné 61/74 - P23346: Notas de leitura (1455): "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac; Europa Editora, 2022 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2022:

Queridos amigos,

Permitam-me justificar a minha incredulidade face à leitura desta narrativa. Passado meio século, manda a sabedoria do perdão que acompanha os velhos, há ressentimentos, azedumes e horas más que passam para a categoria dos desperdícios. Irineu Mac apresenta-se como uma exceção, di-lo frontalmente: "Toda a guerra depois de finda ainda vive em nós. Uma guerra não acaba enquanto houver um último sobrevivente e enquanto os familiares ou amigos que sofreram danos colaterais tiverem memória. Aqui são retratadas as vivências de um miliciano, em jeito de alter ego, forçado a entrar numa guerra de causas e motivações alheias em condições muito adversas".

 É uma narrativa confessional, onde a guerra propriamente dita e a sua relação com os outros merece escassos parágrafos, no entanto, terá vivido uma experiência bem dura em territórios marcadamente hostis em derredor de Mansoa, foi cofundador e professor na escola regimental de Mansoa, voluntariou-se na escola primária da aldeia na preparação para exames de 4ª classe, são assuntos tratados de raspão, questionamos porquê, numa narrativa onde o timbre é dado pelos tais azedumes e recordações de que a idade nos liberta, tal como ele observa nos encontros de ex-combatentes teimamos nesta bonomia de avançar para o outro de braços abertos.

Um abraço do
Mário



Lembranças da CCAÇ 15 (1970-1971), com amargores e ressentimentos

Mário Beja Santos

É cada vez mais raro encontrar nas obras de cunho memorial sobre a guerra colonial algo que fez parte da 1.ª fase deste ramo literário: os ajustes de contas, a revolta incontida pelos comportamentos militarões, o azedume pelo facto da tropa ter impedido os estudos, a catilinária sobre a absurdez e a perversidade daquelas guerras. A idade e o peso da memória fazem outros escrutínios, é aquela sabedoria em que o fel e a bílis já não têm papel na nossa vida. "Era Uma Vez na Tropa, Rescaldos da guerra em desfile de memórias", por Ireneu de Sousa Mac, Europa Editora, 2022, é uma história pessoal de um furriel miliciano que pertenceu à Companhia de Caçadores Nativos, a 15, sediada em Mansoa. 

Revela que lhe interromperam os estudos, que o mundo desabou à sua volta, estava preste a concluir o 7.º ano de liceu. Quando regressou era uma amostra de si próprio, pesava 54kg com 170cm de altura, já tinha os dois irmãos mais velhos nas penas de África, ainda hoje não consegue esquecer o olhar de despedida e a compaixão de familiares e amigos quando lhe disse que ia para a Guiné. A guerra não acabou para Mac. É a vivência na Guiné que ele vai relatar. Antes, porém, conta-nos que estudou num colégio privado, chegou o dia mais infeliz da sua vida, assentou praça nas Caldas da Rainha, confessa que nunca foi capaz de abrir o baú e deixar que as memórias viajassem pelo mundo fora. Agora, já está mais descontraído, fala-nos da sopa intragável, dos treinos nas serranias laterais ao rio Séqua, estava desarranchado, tinha um companheiro de quarto que acabou por desertar. 

“As atitudes danosas e injustas da tropa, deixaram ao Mac marcas desagradáveis e de aversão, ainda hoje, à flor da mente e dentro da pele”.

Irineu Mac esboçou a arquitetura sobre a forma de diálogos com o amigo, há pergunta e resposta, e depois de se falar em classificações do curso, ei-lo que parte em rendição individual para CCAÇ Nat 15. 

“O mundo de Mac sofre um segundo terramoto. Faliram os projetos, desabaram os sonhos. Nunca mais o futuro se escreveu da mesma maneira”

E parte, em estado lúgubre, em 3 de fevereiro de 1970. Dá-nos a nota de rodapé a composição do quadro de oficiais, sargentos e praças oriundos da metrópole, juntam-se todos em Bolama, onde diz que as condições de vida eram péssimas. E partem para Mansoa, descobre que não pode vir a férias até à metrópole por ter 8 dias de prisão no cadastro, coisas que se passaram em Tavira, tudo má sorte. Tira carta de condução de mota. Foi forçado a ir votar num cidadão qualquer, coisas de eleições do Estado Novo. Conta a história de uma cobra que se escapuliu para um buraco da bota, segue-se um rol de peripécias, mete caça, comida, a vida em Cutia tinha as suas durezas. Não se escapa às considerações erótico-sexuais. Não lhe escapou à memória uma encenação feita para jornalistas estrangeiros, um simulacro de combate na mata, uma autêntica montagem cinematográfica. Há acidentes com armas, fala-se de ataques de abelhas.

Nova confissão, há ressentimentos que pesam: 

“Mac foi impelido para a tropa pela intimação, pela força da lei e dos homens dominados, pela obsessão na qual não navega a razão. Ainda tentei, por duas vias, adiar a tropa para a incorporação seguinte. Em especial porque queria muito concluir o ano letivo. Nunca obtive resposta. Voltei com a guerra às costas. Sem bater à porta, fez-se de convidada, entrou sem autorização e sentou-se à mesa da vida. Enquanto a malária, de febre em riste, entrava pelo postigo, pelas frestas das janelas e pelos interstícios dos telhados. Mas não penses que foi fácil regressar. Inventavam atrasos atrás de adiamentos. Já nos íamos adentrando pelo 25.º mês e ainda não tínhamos sido substituídos. Quanto mais o tempo passava, mais o medo aumentava e a coragem e a vontade de arriscar escasseavam. Ninguém queria morrer ao quebrar da onda na areia”.

Há referências esporádicas a operações, patrulhamentos, situações de fogo cruzado. E vem a história de Zé Mamede que em outubro de 1970 abalou de Mansoa em direção ao seu destacamento, Infandre. Chegou notícia cerca do meio-dia de ter havido uma emboscada entre Braia e Infandre, foi logo gente em auxílio. 17 feridos, 10 mortos, entre eles o Zé Mamede. O alter ego de Mac pergunta-lhe se o Zé Mamede deve ser homenageado enquanto heróis, resposta do Mac: 

“O Zé Mamede não é herói. É uma vítima, mortal, inocente, de estratégias alheias e inconsistentes das ideologias reinantes. O Zé é uma vítima de ambições de grandeza desproporcionadas, ultrapassadas e nefastas. O Zé é uma vítima da ambição errónea e condenável de outros. Da opção do orgulhosamente sós”.

Mais adiante, sentencia: 

“Jamais psicólogo algum ou alguma psiquiatria salvará do trauma a quem matou mesmo para sobreviver”.

O alter ego de Mac tem acesso à sua correspondência: 

“A solidão é a minha companheira. Oh esperança, não me abandones! Fica comigo. Agora. Alimenta e alenta a minha vida em frágil equilíbrio sobre o gume das armas. Agora.”

Escreveu poesia. Em jeito de rememoração, dá-nos a saber que fazia parte da estratégia de Spínola formar companhias de caçadores nativos de elite, Mac integrou uma força operacional, atuou nas matas cerradas. Deu trabalho, mas ao fim daquele tempo todo, foram metidos num avião, regresso a Lisboa. Ficamos a saber que entre a tropa metropolitana e os soldados africanos houvera solidariedade devido à luta vital conjunta que se travava. E descreve demoradamente as peripécias do regresso. Confessa ao seu alter ego: 

“Não tenho estátua, mas tenho um louvor e uma insígnia. Não me perguntes como nem porquê. Nem sei bem responder. O que posso garantir é que, decerto, não foi pela minha valentia ou por qualquer ato de heroísmo. Acredito que possa ter sido por me voluntariar a instaurar uma escola regimental para os soldados africanos aprenderem a ler. E isso bastou-me para obter benefícios propinários, deu-me direito a isenção de propinas extensível aos filhos. Cumpri deveres porque me sujeitei a eles. Também não abdiquei daquele direito. Contudo, preferia não os ter tido”.

Despede-se do leitor, desta vez sem azedumes nem ressentimentos:

“A guerra tira, mas também dá. Enobreceu em nós o espírito de entreajuda e o sentido da amizade. Continuamos unidos pela amizade construída sobre a solidariedade vivida nas matas do Oio, do Olossato, do Morés, do Changalana, do Locher. Eu sei que, ainda hoje, essa união se mantém na trajetória de muitos ex-combatentes. Eu sei porque tenho observado muitos dos seus almoços-convívios. Paro, sempre extasiado pelos abraços emotivos que vejo”.

Vista parcial do destacamento de Cutia. Foto: César Dias, com a devida vénia
Localização do destacamento de Cutia

Crachá da CCAÇ 15

Estandarte do CCAÇ 15
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23341: Notas de leitura (1454): “La fin de l’empire colonial portugais, Témoignages sur un dénouement tardif et tourmenté”, por Éric e Jeanne Makédonsky; L’Harmattan, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23345: Humor de caserna (55): O anedotário da Spinolândia (VI): no Cumbijã ouvi o nosso general a utilizar mais do que uma vez "a palavra que imortalizou Cambronne", para recriminar um oficial superior (Vasco da Gama, ex-cap mil cav, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > Da direita: para a esquerda, o cap mil  cav Vasco da Gama, o general Spínola, o cap inf José Malheiro,  da CCaç 3399, de Aldeia Formosa, e o  comandante do BCaç 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Spínola visitiu três vezes a CCAV 8351 (em Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhacobá). 

Foto (e legenda): © Vasco da Gama (2009). Todos os direitos reservados Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. É uma boa história, um bom naco de humor de caserna, que nos ajuda a compreender melhor  a personalidade e a conduta do gen Spínola enquanto foi comandante-chefe e governador geral da Guiné, entre meados de 1968 e meados de 1973.

Foi contada aqui há mais de 13 anos pelo comandante dos Tigres do Cumbijã, cap mil cav  Vasco da Gama, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), os bravo de Nhacobá. 


Visita do General Spínola a Cumbijã em 14 de abril de 1973

por Vasco da Gama


Vasco da Gama
(...) Terminei o último capítulo da história da minha Companhia com o relato de um ataque ao arame no dia 9 de Abril de 1973, a um arremedo de aquartelamento que era o Cumbijã: duas fiadas de arame farpado, quinze ou vinte tendas de campanha, valas para protecção de eventuais ataques e uma cozinha de campanha. (...)

No dia 14 de Abril de 1973, mais uma vez recebemos a visita do General Spínola.

Parei este texto neste parágrafo, vai para mais de quinze dias. Problemas da vida pessoal, mas fundamentalmente o medo de não saber expressar, ou fazê-lo de forma menos correcta, os sentimentos acerca do General Spínola, homem controverso que suscitou, e pelos vistos continua a suscitar, sentimentos de amor e desamor, tão depressa acusado como louvado, que na guerra tentava encontrar soluções ou pela via diplomática junto de Senghor, ou invadindo países vizinhos, como aconteceu com a Operação Mar Verde, autor de "Portugal e o Futuro" (mais vale tarde que nunca), abandonando o Guileje ou pelo menos não lhe dando hipóteses de uma defesa racional, recusando o convite de Marcello Caetano para ministro do Ultramar em finais de 1973, recusando-se também e juntamente com o General Costa Gomes a fazer parte da Brigada do Reumático que foi prestar vassalagem a Caetano. 

Este homem, que foi também o primeiro Presidente da República,  após o dia da libertação – 25 de Abril de 1974  , este homem heterodoxo, será no decurso da história que vou escrevinhando acerca da minha Companhia, analisado apenas e só através de um discurso substantivo que se limitará a descrever a vivência que os Tigres do Cumbijã com ele tiveram.

No dia 14 de Abril de 1973 recebemos então a visita do General Spínola. Recordo-me da primeira pergunta que me fez:

−É do quadro ou miliciano?

Recordo-me da resposta imediata e eventualmente atrevida que lhe dei:

− Neste buraco?… Sou miliciano.

Vi nele o esboço de um sorriso, seguido de nova questão:

− Falta-lhe alguma coisa?

− Tudo |

− Tudo, o quê?

Seria fastidioso continuar esta conversa em discurso directo, pelo que os meus camaradas e amigos que são conhecedores das condições desumanas em que vivíamos, facilmente adivinharão o que durante alguns minutos lhe fui solicitando: 
  • cimento para construirmos casernas;
  • chapas de bidão cortadas;
  • apoio da Engenharia para que as coisas andassem mais rapidamente;
  • arcas frigoríficas a petróleo, pois não tínhamos direito a uma cerveja fresca;
  • um gerador;
  • e obuses, já que o apoio da artilharia quando éramos atacados nos era dado ou por Mampatá ou Aldeia Formosa, não tenho a certeza. 

A sua resposta ficou célebre entre os Tigres:

− Terá tudo isso na próxima LDG. Os obuses já estão tratados, o resto, repito, chega a Buba na próxima LDG, incluindo as arcas frigoríficas, nem que tenha de as ir buscar à messe dos oficiais de Bissau.

A parte final da frase obviamente era escusada, mas não imaginam a alegria que todos os soldados, e não só, sentiram ao ouvi-la. 

O General Spínola era exímio neste tipo de tiradas e nunca o ouvi a recriminar nenhum soldado, mas vi-o zangado com um grande do quadro, utilizando por várias vezes no seu discurso a palavra que imortalizou Cambronne (***), apesar da minha presença. 

Visitar-nos-ia ainda em Nhacobá, mas aí não houve tempo para discursos.

Só quero acrescentar que na LDG seguinte o prometido chegou! (...)

[ Seleção / revisão e fixação de texto para efeitos de publicação deste poste: LG]
___________

Notas do editor:


(***) Pierre Jacques Étienne Cambronne (1770 – 1842), francês, general de brigada do Primeiro Império, 1º Visconde de Cambrone, ficou célebre pelas palavras que terá  proferido na batalha de Waterloo, em 1815, à frente dos granadeiros da Velha Guarda de Napoleão.  Em inferioridade numérica,  cercado pelas pelas tropas do general inglês Charles Colville,  quando instado a render-se, com honra, ficou na história com a sua réplica: "La Garde meurt et ne se rend pas!" (A Guarda morre e não se rende!)... E terá acrescentado:  "Merde!", um típico vocábulo vernáculo dos gauleses... 

A expressão "a palavra que imortalizou Cambronne" (neste caso, "merde")  é um eufemismo, um figura de estilo com que se disfarçam as ideias desagradáveis ou as palavars grosseiras por meio de expressões ou palavaras  mais suaves...