Lisboa, Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa > 6 de Setembro de 2007 > Da esquerda para a direita, Nuno Rubim, Carlos Scharwz (Pepito) e Luís Graça. Para o Pepito, o nosso blogue fez a confluência de pessoas, memórias, sentimentos, ideias e afectos, tornando possível a realização, em Março de 2008, do
Simpósio Internacional "A memória de Guiledje e a Luta de Libertação Nacional da Guiné-Bissau". Dentro em breve será lançado uma página, na Net, sobre este simpósio, cujas despesas de organização serão parcialmente cobertas (em cerca de 40%) por uma doação do Governo Português. Na sua estadia em Lisboa, o Pepito teve um encontro com o
Ministro do Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira. O encontro irá reunir antigos combatentes da guerra colonial / guerra libertação da Guiné-Bissau (portugueses, guineenses, caboverdianos e cubanos), além de historiadores e outros especialistas oriundos de Portugal, Guiné, Cabo Verde, Cuba e Espanha. Iremos, muito proximamente, apresentar no nosso blogue o programa preliminar do Simpósio. (LG)
Foto: ©
Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
Texto da responsabilidade da
AD - Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense, fundada e dirigida pelo nosso amigo Pepito.
SIMPÓSIO INTERNACIONAL > “A Memória de Guiledje e a Luta de Libertação Nacional da Guiné-Bissau”
Entidades promotoras > AD, Universidade Colinas de Boé e INEP
Data de realização > 1 – 7 de Março de 2008
Local > Bissau, Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau
1. INTRODUÇÃO
O quartel de Guiledje é construído em 1964 no
sul da Guiné-Bissau, na actual região de Tombali, a uma dezena de quilómetros da fronteira norte da Guiné-Conakry, ocupando o centro de um dispositivo que compreendia Bedanda, Gadamael, Cacine e Aldeia Formosa (Quebo).
A luta armada pela independência da Guiné-Bissau tem início em 1963 com o ataque ao quartel de Tite, rapidamente se alargando a todo o território, em particular ao sul do país. É assim que é no perímetro de Cantanhez (Guiledje fica na sua periferia) que vão surgir as primeiras zonas libertadas e começar a construir a identidade guineense, a partir de uma grande diversidade de grupos étnicos (nalús, sôssos, balantas, djacancas, fulas, tandas e outros), assente em formas organizadas de gestão política, administrativa, social e económica dos espaços livres e das comunidades locais que nelas vivem e que participam activamente no processo de criação de uma vida nova.
Para Amílcar Cabral, em 1972, o quartel de Guiledje era o mais bem fortificado da frente Sul, com
bunkers de betão armado e cercado por uma mata densa e armadilhada.
Por isso, em Agosto ou Setembro desse ano, Cabral, num momento de muita tensão no seio do PAIGC em Conakry, confia a Osvaldo Lopes da Silva a tarefa de preparar as condições para um ataque em força ao quartel de Guiledje, afirmando: “Se este quartel cai, tudo à volta também cai”.
É após o assassinato de Cabral em Conakry, em Janeiro de 1973, que é posta em acção a
Operação Amílcar Cabral, cuja preparação dura cerca de 3 meses, tendo-se iniciado o ataque a 18 de Maio e, passados 4 dias, depois de baixas no quartel e da mensagem enviada pelo Capitão Quintas [, comandante da CCAV 8350,] a Spínola afirmando “estamos cercados por todos os lados”, e na eminência do assalto final e do morticínio que se adivinhava, o seu Comandante, Major Alexandre Coutinho e Lima, decide ordenar a retirada do quartel de todos os militares e de cerca de 600 civis guineenses que lá se encontravam. Guiledje passava à história como o único quartel português abandonado pelas tropas coloniais.
Era dia 22 de Maio de 1973.
Quatro meses depois, a 24 de Setembro de 1973, reunia-se em Boé a primeira Assembleia Nacional Popular que declarava a existência de um Estado Soberano, a Republica da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecido por grande número de países da comunidade internacional.
Menos de um ano depois, os militares portugueses, cientes do princípio do fim do império colonial, punham em marcha a
revolução dos cravos e acabavam com uma ditadura de 48 anos, juntando Portugal à Guiné-Bissau como países livres.
Era dia 25 de Abril de 1974.
Porque, trinta anos depois, foram “estabelecidas as pontes emocionais entre aqueles que, em lados opostos da barricada, viveram com todo o seu ser, momentos de sangue, de sofrimento e de destruição, e que, hoje, se dão as mãos na construção de um mundo feito de compreensão, amizade e respeito mútuo, a história comum pode ser escrita, com objectividade, como legado às gerações vindouras” (
Porque é preciso explicar a História de forma interessante e compreensível é que surgiu a “Iniciativa Guiledje”.
2. Historial e Pertinência Guiledje encontra-se integrada na Zona de Cantanhez, localizada no sul da Guiné-Bissau e é constituída em termos de formações vegetais pelo mangal, savanas herbáceas, arbóreas e palmar, onde existe o Maciço Florestal de Cantanhez, classificado como floresta densa seca com claros vestígios de mata primária. É integrada pelos estuários dos rios Cacine e Cumbidjan.
Desde 1991 que a ONG AD (Acção para o Desenvolvimento) através do PIC (Programa Integrado de Cubucaré) intervém nesta região, procurando um envolvimento consensual de todos os actores locais, comunidades, associações, poder tradicional e serviços públicos na discussão de alternativas ambientais, no quadro de uma gestão durável dos recursos naturais. Mobilizando os recursos humanos locais, populações, agricultores lideres, técnicos e políticos, valorizando os seus conhecimentos e promovendo uma maior responsabilização das comunidades de base na condução dos programas de desenvolvimento, procurando aplicar um conceito positivo de utilizar bem os recursos naturais, em vez de preservar não-utilizando, procurando a melhoria dos sistemas de produção tradicionais diminuindo a pressão sobre as florestas e levando os agricultores a apropriarem-se dos processos de gestão do espaço rural, na base de uma dinâmica de confrontação de posições e interesses contraditórios.
Esta abordagem metodológica visa igualmente conhecer melhor para gerir melhor, compreendendo o funcionamento global do ecossistema, dos equilíbrios naturais, da valorização dos recursos naturais, da identificação de zonas segundo vocações diferenciadas e criando mecanismos legislativos que assegurem por um lado uma melhor gestão, definindo competências que permitam articular a gestão dos recursos marinhos com a salvaguarda da Floresta de Cantanhez e, por outro, reforçar a capacidade organizativa, produtiva e decisória dos agricultores e pescadores locais, mormente pela via de uma educação ambiental em prol do desenvolvimento sustentável, portanto, contrários à adopção de práticas humanas nocivas susceptíveis de provocar a degradação dos recursos marinhos, das formações vegetais e da fauna selvagem, visando melhorar o nível de vida das populações, como forma de garantir o acesso à segurança alimentar, à saúde e ao ensino, especialmente das mulheres e crianças.
3. Uma abordagem histórica na perspectiva do desenvolvimento sustentávelNo entanto, constituindo-se as povoações da zona um conjunto de diversas localidades a que se convencionou chamar de
Corredor de Guiledje – justamente porque constituem, na sua diversidade, um prolongamento e uma herança histórico-cultural comum, gravitando as mesmas em volta de Guiledje (centro de articulação fundamental), concorrendo para isso, entre outras explicações possíveis, a importância de Guiledje no processo da luta de libertação nacional e, em razão disso, a relevância que assumiu depois da independência relativamente às tabancas ou povoações circunvizinhas que gravitam à sua volta.
É dessa realidade de que rapidamente dá conta a Direcção da AD, não somente pelas diversas formas como a vida das populações desta zona se entrecruzam com a sua importância histórica da luta de libertação em que foram actores e participantes activos, mas sobretudo pela forma como essa rica herança histórica interpela constantemente a vida das populações da área, apontando para a necessidade de melhor conhecer esse passado que comunica com o presente, mas também com o qual o presente dialoga, numa relação ambivalente de sentidos e significados que importa clarificar pela via do conhecimento da História reconciliada ou em vias de reconciliação consigo própria, em suma, uma perspectiva de conhecimento histórico despida de reminiscências colonial-traumáticas, portanto, capaz de integrar as heranças históricas da colonização e da libertação num quadro referencial patrimonial e cultural mais vasto, tanto mais que, uns e outros, os protagonistas dessa guerra colonial/de libertação, independentemente do lado da barricada em que se encontravam no passado, vivem hoje lado a lado, partilhando dificuldades, desafios e expectativas comuns relativamente ao desenvolvimento, o que de per si é demonstrativo de que o corredor de Guiledje, numa perspectiva dinâmica, é um espaço onde se entrecruzam olhares sobre o Outro e sobre a própria identidade, processo esse em que se vislumbram também significações com múltiplas variáveis e valências, reportando-se a necessidade de um maior conhecimento desse sujeito histórico, atendendo-se sobretudo ao facto de a Guiné-Bissau encontrar-se perante um dos maiores desafios que se lhe depara, que é o de preservar e reforçar a sua identidade enquanto Nação, consciente de que o conhecimento e a compreensão da sua História e, em especial, a da gesta de libertação nacional, é determinante para uma maior identificação colectiva à volta de valores comuns e para a procura e construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem.
4. Objectivos do Simpósio Internacional sobre GuiledjeBasicamente, são as seguintes grandes linhas de força que circunscrevem os objectivos do Simpósio Internacional sobre Guiledje:
(i) Associar à metodologia de participação comunitária uma nova perspectiva de abordagem baseada no estudo e promoção do ensino da história, por forma a que, nos esforços de desenvolvimento, sejam devidamente enquadradas e capitalizadas as heranças e valências culturais portadoras de dinâmicas de coesão que, por isso, se afiguram necessários conhecer, compreender e promover, tanto mais que é absolutamente indispensável um maior esforço na procura e identificação colectiva dos valores comuns tendentes à construção de um desafio histórico futuro em que todos se revejam e para o qual se mobilizem;
(ii) A transmissão da História, atendendo sobretudo ao facto de as testemunhas vivas estarem já a desaparecer, promovendo a necessidade de levar as pessoas a compreender o que se passou antes por intermédio do registo e da preservação do património cultural, de molde a que a sua apropriação – sobretudo por parte da geração que não a viveu – se processe num contexto favorável que facilite a passagem do testemunho a outro e para que esse, por sua vez, se torne numa nova testemunha e seu porta-voz;
(iii) No âmbito da salvaguarda e preservação do património histórico de Guiledje, tanto quanto possível, proceder a recolha, classificação e preservação de vestígios históricos, bem como do registo magnético ou iconográfico (fotos, filmes, etc.) dos protagonistas ainda vivos da História, com vista a constituição de um acervo documental em permanente actualização;
(iv) Forjar uma maior aproximação entre as partes envolvidas no conflito político-militar entre a Guiné-Bissau e Portugal.
No contexto dos estudos das guerras coloniais/guerras de libertação, promover e estimular acções de parceria susceptíveis de propiciar oportunidades de pesquisa e/ou elaboração histórica sobre Guiledje, mormente, junto de investigadores nacionais e estrangeiros, visando não somente uma maior divulgação da História de Guiledje, mas igualmente promover a necessidade de colocar todo o corredor de Guiledje na agenda dos decisores em matéria do desenvolvimento económico e social.