quarta-feira, 11 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

1. Há dias (6 de Julho corrente) escrevi a seguinte mensagem ao nosso Virgínio Briote:

Virgínio: Ando seriamente a pensar em arranjar mais um co-editor para o blogue… Que me dizes sobre uma eventual colaboração tua ? Serias sempre a minha primeira escolha, pelo teu CV (humano, operacional, profissional…), pela maturidade da tua escrita, o teu talento, a tua sensibilidade, a tua serenidade (!), a tua capacidade de análise critica e… a tua experiência bloguística. É apenas um contacto exploratório… Isto está a crescer em demasia… Não precisas de responder logo, logo… Luís

2. O V.B. respondeu-me no dia seguinte:

Caro Luís,

Pois, que é que eu devo dizer? Que a obra é tua e, como Comandante, tens todo o direito de nomear quem penses que ajude a destapar esta enorme cortina de anos e anos de silêncio e vergonha que envolveu a nossa geração, por terem remado contra os ventos da história, como diziam os nossos antigos governantes.

Hoje, o foranada ultrapassou há muito as fronteiras da guerra da Guiné. Acontecimentos ocorridos em Angola e Moçambique, amores, perdas, buscas de paradeiros desconhecidos, de tudo tem passado pelo foranada. De coisas que nos unem. E que eu não posso dar ás-de-vila-Diogo. É um dever, uma obrigação que me honra e que espero cumprir.

Para o que for necessário, e que esteja dentro das minhas possibilidades, conta comigo.
Um abraço,
vb

3. O que é que eu poderia dizer-lhe na resposta ? Foi só isto, laconicamente:

Virgínio: Fico encantado, desvanecido, mil vezes obrigado...Assim poderemos cumprir a missão, com homens como tu! ... Depois receberás instruções, incluindo a password para entrares na nossa conta do Google... Por hoje, poupo-te... Para já preciso de um curto CV (e de uma foto mais recente) para pôr na montra... Como queres ser apresentado, em meia dúzia de linhas, na coluna do lado esquerdo do blogue, no sítio reservado aos editores ?

4. Aqui temos o CV abreviado do novo co-editor:

(i) Virgínio António Briote, 63 anos, nascido em Cascais.

(ii) Asp mil em Set de 1964, no BII17, Angra do Heroísmo, Terceira.

(iii) Mobilizado para Cabo Verde, dois dias depois para a Guiné. Engano, disse-lhe o Comandante do BII17.

(iv) Em rendição individual, foi para Cuntima, onde permaneceu de Janeiro até Maio de 1965 na CCAV 489, do BCAV 490.

(v) No final da comissão do Batalhão, esteve nos Comandos, onde fez o 2º curso de Instrução.

(vi) Comandante do Grupo Diabólicos, de Setembro de 1965 até Junho de 1966.

(vii) Extinta a CCmds da Guiné nessa data, foi destacado com o remanescente dos grupos para reforço do sector de Mansoa, onde se manteve até Set do mesmo ano.

(viii) Até à data de embarque em finais de Janeiro de 1967, prestou serviço na CCS do QG em Bissau.

(ix) Na vida civil, ingressou na Indústria Farmacêutica, tendo trabalhado em várias multinacionais, como responsável pelos departamentos comerciais.

(x) Motivos de saúde obrigaram-no a reformar-se aos 60 anos. Dá colaboração a empresas farmacêuticas, em colaboração com empresas de recursos humanos.

5. Blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas> Guiné. Ir e voltar. 1965 e 1967. Histórias baseadas em factos reais, mas vistas por um certo olhar. Outras vistas por esse olhar e que mais ninguém viu . (Fevereiro de 2006 / Fevereiro de 2007).

Alguns excertos dos posts (que merecima a publicação em livro) (selecção de L.G.):

(...) 2. Cuntima: A festa não era para ele, aquela gente toda na pista de aterragem festejava era a chegada da avioneta. Nem demorou muito tempo a perceber aquele ar de agitação e da romaria em volta do piloto e da meia dúzia de caixas com uísque, cerveja e tabaco espalhados pelo chão. E os sacos do correio, todos à volta, a pressa de um daqueles militares, a fúria em tirar para fora dos sacos maços e maços de cartas, algumas pelo chão, outros a apanhá-las. Carlos Correia, Manuel Revés, ó Tomé, as mãos estendidas, pronto, meu furriel! (...)

(...) Brá, SPM 0418
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11. Já que tem que ser: Mais um dia infernal na mata em frente a Brá. O sol queimava ainda não eram 9 da manhã. Quicos à legionário pelo pescoço abaixo, 30 e tal tipos a desaparecerem pelo chão. A cento e tal metros, Manilha, Mirandela, Moita, Rosa Dias e outros, estrategicamente colocados, vigiam-lhes os movimentos. (...).

(...) 24. Neuras: Estou fodido, pá, perdi o tesão, assim, de chofre! Não sei o que tenho, pá!Ia-lhe sair uma asneira mas ao olhar para o Vidraças, ficou sério, à espera. Arrumou o Lartéguy de lado, e sem saber o que dizer, espreguiçou-se na cama, e ficou à espera, olhos no tecto, mãos debaixo da nuca. É o que te digo, porra! A Mariana, pá, fez tudo, mas tudo ouviste, para a levantar, qual caralho, nada! Essa coisa de vez em quando hiberna, isso passa, Vidraças. Esquece! Andas a metê-la em todo o lado, faz dieta uns tempos, ficas rijo que nem um pêro, vais ver! (...).

(...) 33. Só Guerra: 6 de Março, domingo. Manhã quente.Carregador fora da G3, balas extraídas, um pano macio nelas. Uma a uma dentro outra vez. Os outros três carregadores cheios em cima da cama, para o cinturão. 100 cartuchos ao todo, como de costume. Encostou a arma aos pés da cama. Granadas de mão, duas ofensivas, uma defensiva e uma incendiária para o cinturão, mais uma, de fumos laranja para o bolso de cima do casaco. Em cima da cama o camuflado e as meias. Botas de borracha junto à mesa da cabeceira. Tudo conferido outra vez. Duche. À civil, meteu-se no 14-04, com o Alegre ao volante, em direcção a Bissau (...).

(...) 35. Cuntima, outrz vez. Aeroporto Militar de Bissalanca, Bissau, 05h45, céu limpo, 21 graus. 30 comandos, 15 do Duque e 15 do Gil, recebem ordem de embarque nos 6 Allouettes 3, motores a trabalhar, formados em linha. Ganham altura, rumam a Norte, fumos aqui e além a subirem das matas, água por todo o lado. À 06h30 desviam-se para Leste, baixam a altitude e, alguns minutos depois, rapam as copas das árvores. Frente a uma larga bolanha abrandam e aproximam-se em linha da orla da mata. Pelos auscultadores a informação de preparar para saltar. Aos pares, um por cada porta, saem rapidamente. Com água pela cintura internam-se na mata, enquanto os helis, graciosos, viram à esquerda, recuperam altitude, de regresso a Bissau (...)
(...) 36. Conversas em Brá: A razão desta guerra é que a façamos bem, que os matemos e que nós não nos deixemos matar, só isso, esta é a única razão que importa! O resto, fica por conta da política, não é da nossa lavra, reafirmava, convicto, o capitão do serviço de informações. Um dos alferes é que parecia ter outras ideias. Que o meu capitão não está a falar da razão desta guerra, que foi o princípio desta nossa conversa. O que o senhor está a falar é de desejos, não de razões. (...).

(...) 58. Ponto final ? Estás mesmo tramado, todo enrodilhado, e agora, como é que te vais livrar deste sarilho? Não tem outro nome, sarilho só, com letras grandes. Se tivesses procedido com ela como tens feito com outros conhecimentos, não estavas agora aqui a matutar, a cabeça ainda por cima a doer-te. Tens pouca corda na mão, é o que é, deste-lhe demais e a ti também. Problema chamado Teresa, não? Como te vais sair dele, quando te resolves?

(...) A Teresa já não é só Teresa como se apresentou da primeira vez, agora tem um nome mais comprido, Teresa Problema, proporções com que nunca sonhaste. Os olhos, o sorriso, a figura, o andar dela, só isso? Ou terão a ver mais com outras coisas de que não estavas à espera e muito menos aqui? O gosto pela leitura, de assuntos em que nem tu próprio estavas sensibilizado, nem ainda estás, a solidariedade, o interesse pelo povo guineense. A cultura geral, invulgar para a idade dela. E a disposição para te afrontar, para lutar contra ti, contigo, puxar por ti, lutar pelos ideais dela, do povo dela! Para te dizer na cara, com aqueles olhos magníficos, aquilo que ela achava no seu direito de dizer. Os teus olhos a fugirem, os ouvidos que não queriam ouvir, tu a disfarçares, com a mão nela, como quem diz, vamos mas é ao que interessa! Um merdas, um Rasas, nem sempre com cheiro a uísque azedo, mas um Rasas na mesma! A aproveitares-te da sensibilidade dela, a fazeres-te caro, de um momento para o outro, a invadi-la com as tuas mãos, ela a acreditar em ti! Miserável, Rasas de merda! (...).

(...)
Anexos IV. Do Diário. Alguns apontamentos do diário:

“O que tiver de ser, vai ser! E se chegar a tua hora, podes estar seguro que vais lerpar”. Conversas de Brá”.

“Odeio a guerra, esta ou qualquer outra. Aliás, não há dia nenhum que não combata contra a minha própria guerra. E não quero morrer, nem quero que os outros morram. Mas, por mim, não vamos perdê-la”.

“Por mais anos que viva, estes dois anos passados aqui chegaram-me. Dou a vida por cumprida. O que vier a mais não passará de um anexo”.

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